segunda-feira, setembro 18, 2006

O C.A.F.T.E.N. - Primeira audiência.

O C.A.F.T.E.N (Comité de Análise dos Factos, Técnicas e Empresários da Notícia) reuniu-se. Em acta - para memória, educação e deslumbramento de gerações futuras - foram registadas as presenças de mim próprio, presidente, reitor e Tira-Teimas; o Caguinchas, vogal e consoante lhe dá na telha, mais consoante portanto que vogal; o Dinossauro, chefe do estado maior a que esta bandalheira chegou; o Alfredo Bisnau, secretário técnico e asssessor de imagem; e duas brasileiras sem direito a voto. A ucraniana ao meu colo, não contou, pois, segundo os regulamentos, faz parte do estojo pessoal e honorífico do presidente: entre a nossa confraria, anotem bem, o presidente é aquele que tem a ucraniana ao colo. Caso contrário, ninguém quereria ser o presidente, pois a irresponsabilidade é o único imperativo categórico entre nós reconhecido e consagrado. Já o Armindo Taberneiro pode-se considerar (não digo pode considerar-se, por respeito para com os súbditos, digo, associados) que participou, mas unicamente à distância, na qualidade de observador e despachante de imperiais. A mulher dele, Dona Inzulinda Quitéria, no seu perpétuo avental contra-maçónico, tratou do catering e acudiu, sempre que necessário, como de resto manda a verdadeira receita liberal, com o trotil às ventas parlapiantes, glossofágicas e sequiabundas dos reunidos.
Tive a palavra eu, por auto-concessão soberana, e, lubrificando a goela para extermínio de quaisquer pigarreios superfluos, proclamei - sem mais delongas nem flausinices - o seguinte:
-“Foda-se, pouco barulho!! Calados, caralho!! Mas vou ter que me chatear?!...”.
Ao mesmo tempo, como determina o protocolo, esmurrei a mesa de um modo brutal e osculei lubricamente a ucraniana. Eu disse lubricamente? Ó diabo, é melhor corrigir: queria dizer paternalmente.
A ribaldaria amainou e as brasileiras chegaram mesmo a cacarejar: “Minha nossa!”
Concatenada assim, sobre a minha distinta e ilustre pessoa, a atenção dos demais (uma bela corja de safardanas todos eles, diga-se em abono da verdade) passei à ordem do dia.
-“Assunto!...” . Trovejei, emulando Zeus. – Uma tal Fernanda Câncio, costureira de trivialidades por encomenda, aqui no DN, afirma, chiba e delata o seguinte: que o Primeiro Ministro, durante uma cerimónia pública, vejam lá bem, benzeu-se. Digo mais, não só afirma, chiba e delata, como articuleia e colunoscreve! E não só se benzeu: persignou-se!..."
A assembleia recebeu a notificação com os murmúrios, restolhares e grungunlóquios da praxe. Algum escândalo também; com vários meneios desaprovadores à mistura.
Protocolarmente, como vem consignado nos estatutos, determinei uma pausa para deliberação e análise. Cada comissário socorreu-se do respectivo kit democrático- uma imperial e um pires de caracóis -, e largaram num concurso de brejeirices de encontro às brasucas, as quais ditas fulanas, sendo apenas duas, implicavam uma oferta menor que a procura, fenómeno esse que, segundo os liberais, resulta num encarecimento do produto. Alheio ao mercado, nos seus infinitos embrulhos e desembrulhos, eu, na minha qualidade de presidente, e no exercício dos meus deveres de zelo para com o material que me está distribuído, procedi a uma meticulosa inspecção da ucraniana contígua, certificando-me que tinha - a mocetona - tudo no seu devido lugar. Foi uma alacridade que me deu: não só tinha, como pude regozijar-me com o facto de se apresentar limpa de ferragens esfoliantes e não escalpada onde muito convém. Nestes meandros e cuidados sensíveis, vasodilatei-me a tal ponto que temi pela segurança e longevidade da assembleia. Tratei pois de abreviá-la, não fosse o diabo, pelos dedinhos de fada da ucraniana, tecê-las.
Sob protesto pela irregularidade regimental, e após séria deliberação e análise, começou por depor o Dinossauro.
- “Estamos num estado maior da bandalheira, mas, que diabo, é um Estado laico, ora essa, com mil raios e vejam lá bem!... – preambulou ele.
No que foi logo coarctado pelo secretário técnico Bisnau:
- “Protesto, senhor presidente! Se estamos num estado maior da bandalheira laico, o orador precedente não pode referir-se ao diabo!... É uma entidade metafísica."
Tive que lhe dar razão e ralhar asperamente ao outro. Que, após acto de contrição e dois goles de imperial, prosseguiu:
- “Portanto, como dizia, se este é um estado laico, o primeiro ministro deste interessante estado não deve benzer-se durante cerimónias públicas. Muito menos com a mão direita, como, suspeito, foi o caso. Isso é que não! Com a direita, nunca. Se lhe derem os fornicoques nervosos, deve optar por coçar e escarafunchar compenetradamente as narinas. Mas sempre com a esquerda, friso; retirando o búzio, descendo até ao nível da cintura, tranferindo-o para a direita e depois, com o indicador e o polegar armados desta, catapultando-o na direcção do sapato dum qualquer secretário de estado avulso. Assim é que é. Denota proficiência, organização. Como compete a um dirigente daqueles. Tenho dito."
Aproveitando que o Caguinchas estava distraído com as brasileiras, encristou-se e despulpitou de lá o secretário Alfredo Bisnau. Nos termos que se seguem:
-“Sou de parecer que se o Estado é laico, o primeiro-ministro deve dar o exemplo e abster-se de beatices. Caso a seca seja de meia noite e a comichão mais que muita, recomendo que passe a mão direita pela cabeça, no sentido testa-nuca e depois, com doutorice, enfie o dedo mindinho no orelhame, no bom desimpedimento do canal. Tenho dito.”
Embora contrafeito, temendo o pior e airbagando com as mais diversas ameaças, lá tive que dar a palavra ao Caguinchas. Ganancioso de exibir-se nas suas lendárias galarozices e marialvuras às brasileiras, e no mais que óbvio intuito desonesto de açambarcá-las, disparatou do seguinte jaez:
- “Se o Estado é esse cachorro que vocês p'r’aí dizem, então o primeiro-ministro que se deixe de benzeduras e delicadezas. Para benzeduras existem os padres, que representam Deus. O primeiro-ministro representa o povo, representa-nos a nós –e se nos representa a nós, também me representa a mim..."
Aqui desembestado na lógica, ainda tentei atenuar o descalabro que se anunciava. Dele e meu, que o raio da eslava saía-me uma habilidosa da melhor espécie. Tonitruei, pois, como se impunha:
-"O orador que abrevie a retórica. Há imperiais para beber!...Para além de congressos mais urgentes a que ainda tenho que presidir hoje!..."
- "Já estou a chegar à parte bravia, fique descansado, ó Presidente do Cuspo! -Rosnou ele, incomodado. - Como ia dizendo, se me representa a mim, o Loteia-tachos, trate de agir em conformidade: nas cerimónias solenes, ocupe mas é as mãos a coçar a tomatada como deve ser, ou a apalpar a peida à garina jornalista ou doutora que esteja mais à mão e mais ao pé! Ele que monte mais nas gajas e menos no povo, que é ver todo um país a medrar!... Ah, e quanto ao cabrão do cachorro, o tal laico, que lhe ponha um açaime que é para ver se o filho da puta nos deslarga das canelas!...”
Consumada a catástrofe, aproveitei para dar por encerrada a audiência (até porque um outro imperativo - sobremaneira categórico – me convocava). E escafedi-me de roldão, com o estojo, para as emergências.
As brasileiras? Ora, levou-as o diabo, na figura do Caguinchas, deixando os outros dois, mais que treinados na coisa, a chuchar não no dedo, tranquilizai-vos, mas numa canecas bem frescas e numas patas de santola a crédito, com que o Mefistófeles da Graça, em perfeita sincronia, os indemnizou e sobornou pelo direito exclusivo à dose dupla de pitéu exótico com que, imagino, se refastelou nessa mesma noite.

26 comentários:

josé disse...

Fico subornado de riso. Os termos exóticos são um bónus.

Mário Casa Nova Martins disse...

Dona Câncio, podia ter resolvido o problema da dita, na alcova com o namorado, o dito PM, segundo a imprensa cor-de-rosa, que diz que ele o é.

Anónimo disse...

Caro Dragão, Fiquei curioso sobre as duas pobres brasileiras. Seriam elas turistas de passagem pelo país lusitano?

Sou brasileiro também e acho esse blog um do melhores da internet, mas não pretendo participar de nenhuma audiência, a menos que tenha direito a voto.

Parabéns e continue com a árdua tarefa de abrir cabeças.

kommando

zazie disse...

os termos exóticos só por si valem um aplauso em pé

":O)))

zazie disse...

este "de pé" dá um bocado de mau aspecto no contexto ucraniano da história


ahhahahaha

dragão disse...

Não sejas marota, Zazie. :O)

E, entretanto, saudações especiais ao confrade de Além-Mar. Este é um momento especial do blogue: o Dragoscópio acaba de atravessar o Atlântico e desembarcar em terras de Vera Cruz.

Diogo Vaz Pinto disse...

epá que bem que escreves... e depois as porradinhas que vais espetando... bem tu não precisas que o diga mas tu és muito bom, o melhor escritor que já tive o prazer de ler na blogosfera.

dragão disse...

Sou o melhor escritor da minha rua, isso sim, porque aquilo é só analfabetos!... :O)
E basta-me.
Mas gostos não se discutem. O caro Diogo é melhor ir ter com a Zazie, o Timshel e quejandos maraus facínoras, e pedir-lhes um impresso para adesão ao Clube dos caluniadores do Dragão.
Porque chamar-me o "melhor escritor da blogosfera", note bem, avilta-me. Ainda me causa algum trauma. Preferia ser campeão da carica e matraquilhos! Pelo menos assim o cabrão do Caguinchas, esse mãozinhas mágicas, não se ficava a rir, sempre que temos que sortear a melhor gaja. :O))

Anónimo disse...

Caro Dragao,

Os elogios recebem-se em silencio.

dragão disse...

Que eu saiba, este blogue ainda não tem música ambiente, ó Lowlander. Não me diga que ouve coisas quando abre a página?!...
:O(
Garanto-lhe que é suposto reinar um silêncio sepulcral. Modernices, não é preciso dizer-lho, não é comigo!...

Diogo Vaz Pinto disse...

tu sabes porque é que estes gajos têm tanta facilidade em não gostar de ti... se eu tivesse a idade deles e me faltasse tanto aquilo que tu tens em jeito também arranjava pedras para encher os meus bolsos e depois vinha para aqui.

Anónimo disse...

Não há palavras...!!!!

"Não me diga que ouve coisas quando abre a página?!... "

ahahah! excelente dragão!

Este Dragão é "pior" que um vulcão!Devastador!!!

Anónimo disse...

"Que eu saiba, este blogue ainda não tem música ambiente,"

Tem razao isto e mais uma fanfarra cacofonica e de outra forma nao poderia ser se o objectivo e esventrar o jardim das delicias que nos servem para melhor analisar as delicias do jardim.

De qualquer das formas, apesar das tergiversacoes, creio que percebeu a mensagem.

josé disse...

Há uma citação interessante que não sei se será original, mas que a pesquei numa entrevista de um professor de Direito da U.Coimbra-.
Orlando de Carvalho, é esse o tal mestre, já falecido-, dizia numa entrevista ao Público, no fim dos noventa que tinha a inteligência suficiente para ter a modestia necessária.
Parece-me a definião perfeita e a quadratura do círculo dessa ambivalência entre a vaidade e a humildade.

josé disse...

Dito isto, parece-me que há malta que se espoja com elogios sem atentar na relatividade dos méritos.
Por muito alto que subamos na escala das qualidades, nunca chegaremos à perfeição.
E sempre que um elogio nos aparece, pode bem acontecer um deslumbre merecido ou então uma desvalorização conveniente. Bastará olhar para os mestres e comparar valias.
Muitas vezes é o remédio santo, para nos colocarmos no lugar que temos.

zazie disse...

neste caso os elogios que fazemos ao Dragão têm mais a ver com uma retribuição de justiça neste meio de vaidades que outra coisa.

Anda para aí meio mundo a passar por grande artista; não há gato-pingado que não seja citado até nos jornais e do Dragão quem é que fala?

Praticamente ninguém. Falamos nós que lhe reconhecemos o mérito. E lêem-no muito mais gente que nem anda pela blogosfera que os escribas da publicidade oficial.

Claro que nós sabemos que nem ele se sentia bem se andasse na boca dessa saloiada mas que há injustiça ou ignorância na apreciação dos escritos, há.

Não é nada comigo. Se fosse, e por outra "habilidade" qualquer, a tendência é exactamente a mesma da citação do O.C.

zazie disse...

"a tendência seria"

Anónimo disse...

Tomar os comentários de apreciação e os agradecimentos pelo divertimento que este flamegador nos proporciona, como idolatria é realmente algo típico das figuras solenes, mas antes de tudo vazias!

Felizmente que um dragão destes não é réptil para se deixar levar em miudezas!!!

Convenhamos, este nosso dragão tem qualidades, portanto um desafio aos solenes e bafientos ademoestadores de dragões:
Aprendam a rir!
Se possivel até de vós prórpios e já agora, também de cabeça para baixo!!

zazie disse...

o divertimento às vezes é tanto que até pode gerar gaffes de ataques de riso no trabalho

":O)))))

Anónimo disse...

E despedimentos...!

josé disse...

zazie:

É óbvio que poder ler em letra de forma hebdomadária uma destas crónicas só numa revista que não há.
Por exemplo, a francesa Actuel dos anos sessenta.
Ou a americana National Lampoon.
Ou ainda as mais prestigiadas que aceitassem quem lhes rasgasse o papel em que escrevem.

Assim, temo direito apenas às crónicas de uma Carla Quevedo, que continua no Sol a escreve inanidades, mesmo simpáticas.
Ou as de um João Pereira Coutinho que nem sei como foi recrutado para escrever o que escreve.

Só o facto de ser primo do carteiro do Incursões me impede de lhe malhar em letra de forma anónima. Por uma questão de cortesia.

zazie disse...

pois, isso eu sei e nem nomeio...

mas até vou mais longe. Quando falei nos c******* dos escribas oficiais que por aí pululam, a verdade é que, para sermos um bocadinho justos, até nem serão todos assim c****** como os que lançam os citados.
Haverá quiçá, meio-crítico e um ceguinho à mistura. E nem esse meio crítico e o bom ceguinho reparam, carago!

":O))))

zazie disse...

estava a ser demasiado complacente.
Haverá 1/4 de crítico e um bom ceguinho.

E, realmente, o que se pode exigir a 1/4 de crítico e a um bom ceguinho?

":O?

r disse...

Em forma!
Cumprimentos.

dragão disse...

OLha o R!

Ainda bem que o apanho aqui. Aproveito para protestar veementemente contra a hibernação infinita dum dos meus blogues preferidos!...

r disse...

Recato, recato, meu caro, pelo menos por enquanto. Quem sabe se um dia destes...