sábado, dezembro 30, 2023

Da Falácia à falência

 Do verbo falio (falis, fere, feleli, falsum) - enganar, induzir em erro, trair, etc - radica o termo latino "fallãcia" e o português "falácia". Falácia e falso são da mesma família.

A falácia começa por ser retórica, enquadra-se ao nível da linguagem, da "comunicação". O termo surge entre aspas porque, na realidade, veicula o oposto - na medida em que falsifica  a mensagem, a falácia nadifica o discurso, erradica o sentido; não existe troca, apenas despejo.  É uma emissão unilateral que pressupõe o cancelamento da resposta. Não admira, por conseguinte, que a falácia constitua, na essência, o vocabulário do totalitarismo.  Enquanto sofisma, na lógica mais ou menos filosofóbica, a falácia traduz dois embustes principais: concluir do particular para o universal; confundir o acidental com o essencial, ou, dito doutro modo, fazer do acessório o fundamental.

Podemos enunciar algumas falácias ribombantes e completamente despudoradas da actualidade. 

1. A falácia dos "nossos valores". Consiste em promover os nossos particulares valores a valores universais; em fazer de conta que a nossa presente acidentalidade (que, ainda por cima, traduz a inversão, perversão e transgressão de quaisquer axiomas ou axiologias antepassadas) conforma e contém a absoluta essência ética da história e do mundo. Quer dizer, valores que não existem ou ninguém sabe exactamente o que sejam subsituem-se a todos os valores. Fora do nada é o abismo.

2. A falácia da "democracia como melhor dos regimes". Trata-se, a limite, dum leibnitzianismo recauchutado - o argumento do melhor dos mundos, que já Voltaire, com imensa graça, desmantelou. E Voltaire, convém nunca esquecer, no meio da sua imensa constelação de defeitos, arvorava uma virtude cintilante: desprezava olimpicamente Rousseau. Mas atentemos na fórmula mais usual da falácia, pela voz do bipolar psicopata que a garatujou: "a democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras". Isto tem tanto ponta por onde pegue como um monte de bosta fumegante. Nem no domínio da abstracção pura, ou seja, da lógica proposicional, é defensável, quanto mais na realidade concreta. Volta a concluir do particular para o universal, reincide no fazer do acidental o essencial. O silogismo aciganado é mais ou menos este: Todas as formas de governo são más, a democracia é a menos má; logo, a democracia é a melhor. Da melhor à única aceitável é um passe de mágica. Da única aceitável ao paraíso na terra que urge defender contra todas a horda de papões e gambozinos que imaginar se possam, um instantinho. Nem se trata sequer duma falácia, mas dum monturo delas. Sendo que até o monturo é falsificado.

Logo à partida, no expediente duma suposição tresloucada: a forma de governo como forma de flagelo. A democracia é santa porque nos flagela menos. Que reconforto! Que conquista civilizacional! O Marquês de Sade, lá das profundezas, sorri, embevecido. E preside ao panteão dos taumaturgos padroeiros da nova-religião. Embora algo contristado com a clara cedência desta Justine sodomita aos escrúpulos retrógrados: a vaselina institucional.  

Depois, a sarrabulhada a priori, isto é, a experiência dispensada pelo preconceito. O passado é reduzido aos seus defeitos, reais e imaginários - uma mera sucessão de males, desgraças e opressões; o presente promove-se como um cancro benigno. Comparam-se duas vigarices, de modo a impingir a actual. O facto, é que não sabemos exactamente como se processou o passado e ainda menos como se processa o presente. Baseado nesse desconhecimento geral e agudo, somos levados a crer, por toda a espécie de dogmas de ocasião e preconceitos de conveniência, na benignidade do cancro. Os preconceitos da tradição são simplesmente usurpados pelos preconceitos da abstracção. Isto é, os preconceitos que lavavam séculos a criar são substituídos por preconceitos de aviário, semi-instantâneos e de consumo massificado. Desemboca-se assim numa espécie de vazadouro geral do preconceito, ou ETAR (estação de tratamento de angústias residuais): a Ciência. Com uma estirpe a vapor à cabeça: a Ciência política. Outro sofisma, já que não é ciência nem é política. Entretanto, outra má notícia: no império do preconceito passou-se da república à tirania.

Por fim, a transfiguração do "nosso regime" como o "único regime". Fora dele é o caos, o indiferenciado, o "todos os outros". Donde que, na verdade, não acontece sequer uma comparação, mas uma pressuposição, uma assumpção unilateral e ditatorial duma determinada circunstância arvorada em verdade exclusiva e indiscutível. Daí ao dogma não vai distância nenhuma: já se lá está hospedado, de armas e bagagens. Não existe dedução, apenas redução - a falácia ou estratagema do reductio ad vicarium (redução á vigarice). 

Mas falácia não significa, na nossa língua, apenas sofisma, engano, arteirice. Significa também falatório, ruído de muitas vozes. O que nos remete para a fala e o falar. Curiosamente, falar não partilha a mesma raiz de falácia. Falar devém do latino fabulor. Fabula, em latimtraduz conversa, conversação,  ou narrativa, lenda, peça teatral. Nas fábulas, no sentido mais importante que a nós chegou, acontecem conversas entre os animais. Por exemplo, na conversa fabulosa entre o cordeiro e o lobo, este procura recorrer a várias falácias, mas a moral da própria conversa é tudo menos falaciosa. Todavia, o cordeiro tenta falar com o lobo, tenta comunicar com ele, convocando-o até a uma certa razão. Numa certa medida, o cordeiro demanda colocar-se num plano moral, real, do direito até. Debalde o tenta. A fera está confinada ao seu próprio aleive. Não comunica, não debate: apenas informa; e decreta. Vem para expropriá-lo da sua vida. Quer simplesmente apropriar-se da sua carne, para mera cevadura dum apetite.  Uns anos depois, um outro Cordeiro, mais sábio, prescindiu da argumentação. Com César não se discute.  Dirigiu-se, em silêncio, para o suplício. Um silêncio que ainda hoje reverbera e repercute... pelo menos nesta página. 

Em todo o caso, o domínio da fala e da falácia não são coincidentes. Longe disso. E precisamente pela razão apontada no início deste postal: é que a falácia exclui a fábula no sentido original de conversa, porque implanta a falsidade pura no sentido da propaganda corrente como consagração estrita da vontade. Assim, embora a fala demande algo mais que uma simples manifestação de ruído, dado que base de comunidade e comunicação, o facto é que a falácia  mais não urde que o confinamento da fala aos seus desígnios particulares. Ou dito noutras palavras, o controlo absoluto da fala pela falácia. E, com isto, eis que aportamos à 3ª grande Falácia do nosso tempo: a equivalência entre democracia e estado de direito.

Em primeiro lugar, a democracia é um estado falaz, ou seja, não de direito mas de falácia. Aliás, a própria embrumação da "democracia" mais não corporiza que a falácia com que um determinado estado trata com as pessoas, doravante abaixo de súbditas: apenas "legalmente subjugadas". Direito pressupõe uma qualquer justiça a montante e a jusante, enquanto princípio e finalidade, sendo o direito apenas a causa eficiente. Ora, na ideologia democraticóide, o direito desliga-se da justiça e arvora-se como princípio e causa absolutos, necessários e auto-suficientes; sustentando-se num  aviário jurídico, onde a monstruosidade apenas se perpetua e consagra através da proliferação artificial, por partenogénese burocrática, da falácia. O que administra não é o bem comum, mas o mal comum, único vínculo e elo de ligação entre as partes. O que implementa não é a comunidade nem, tão pouco, a comunicação: mas exclusivamente a contrafacção de ambas na forma da chamada "comunicação social" - a qual, sem excepção nem pausa, apenas desagrega a sociedade e envenena a comunicação. Deste modo, em vez de estimular a fala e, nela, a cultura, a democracia, de falácia em falácia, alcança o seu estado final: o de falência. Falência moral, cognitiva, histórica e, por fim, económica. Quer dizer, o título pelo qual se abdicou duma ética, duma memória, duma essência, finalmente, desvanece-se, como a mera ilusão de qualquer vítima duma grandessíssima vigarice. Como antes os paraísos socialistas, também agora os infernos climatizados dos neoliberais se esboroam numa mar de corrupção, miséria e caos social. Sim, estou a falar, objectivamente, e brada à evidência, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Na fábula actual, em directo e a cores, o Estado lobo não comunica - tão pouco fala - com os cordeiros abaixo de seus súbditos: decreta-lhes apenas as suas necessidades de consumo, estipula-lhes unicamente os sacrifícios que as modas do instante a ferver com que mascara os apetites requerem deles.

Era Chesterton que dizia, com muita propriedade, "que não é por uma falácia se tornar moda que deixa de ser uma falácia". No tempo de Chesterton, porém, a falácia talvez ainda aspirasse apenas a moda; nos nossos dias já se ensoberbece armada em realidade, história, mundo. E quanto mais esfarrapada, esboroada e falida se arrasta, mais ruidosa, arrotante e propagandeada se manifesta. A algazarra como cura para o vazio; o estrépito gasoso para dissimular o óbito.

Entretanto, lá mais ao fundo, no dealbar grego, o rasto é ainda nítido: faylos já preconizava o que lá vinha. Significava feio, defeituoso, malévolo, frívolo, vil, grosseiro, insignificante, inferior, fácil, cómodo. Enfim, bem visto, tudo aquilo em que este nosso tempo de falácia se destaca e refina. Já a falácia os gregos diziam-na apathe.  Logro, engano, cilada, artimanha, astúcia. Num certo sentido, uma decorrência de a-pater, ou seja, algo indigno de um pai. Ou, como diria o meu amigo Ildefonso, uma genuína filha da putice.

segunda-feira, dezembro 25, 2023

Parabéns, querido Irmão!


 


Parabéns, querido irmão, Menino Jesus!
Goza bem o dia, a pausa nas impiedades...
Porque a seguir, dia 26, já sabes:
voltamos a pregar-te, bem pregado, na cruz.

domingo, dezembro 24, 2023

Rogai por nós

 Não faz sentido falar na "existência" de Deus. Deus não pertence ao domínio da existência: transcende-a, na medida em que a precede e supera. Também o domínio da linguagem, enquanto mero adereço da existência, não O alcança. 

Poderemos, talvez, falar da presença de Deus. No domínio daquilo a que chamamos Arte. Com A maiúsculo. Aí, a presença de Deus, transparece no sentimento - ou pressentimento - de Deus.

Para mim, o Caminho para Deus manifesta-se não através da Religião, mas da Arte. É como eu O sinto.



Deus não existe fora de nós. Deus está em nós. Na medida em que nós não estejamos fora de nós; na medida em que nós não nos abandonemos.

sábado, dezembro 23, 2023

sexta-feira, dezembro 22, 2023

Um Feliz Natal!

 Uma pausa nas hostilidades em honra ao Menino Jesus. 

Aproveito para deixar aqui, bem expressos, os sinceros votos de um Santo e Feliz Natal a todos os leitores!




terça-feira, dezembro 19, 2023

Agora a sério: 20 anos a virar frangos!...




 Auto-esqueci-me. Fez ontem 20 anos, efectivamente, o Dragoscópio. Se não o mais vetusto dos blogues, seguramente um dos mais antigos. E como a antiguidade é um posto...

Porque é que raio ainda o escrevo?

Por duas razões muito simples: para não descurar a ginástica mental; para não ceder à minha tendência avassaladora e atávica para o eremitismo. Não é fácil. Quem me tira a caverna, tira-me tudo.

Por outro lado, como Cristo e Swift, nunca acreditei em multidões. Muito menos em massas e respectivas modas, lavagens e cevaduras. Nunca acreditei, nem, ainda menos, apreciei. Pelo que me dispenso de critérios quantitativos. Ou volúpias popularuchas. Já nem direi, à maneira de Nietzsche, um blogue para todos e para ninguém. É mesmo uma página  para poucos. Para alguns indivíduos. E senhoras inteligentes. Como sempre foi. 

Posto o passado, vamos ao futuro. No próximo ano, 2024, se Deus quiser e a Musa amparar, proponho-me as seguintes campanhas & churrascarias:

1. Prosseguir a série sobre "O Dinheiro" (estou em falta aí com um dos tais indivíduos);

2. Completar e concluir, bem a propósito do Quinquagenérico  das Petas, a "Acromiomancia Revisitada";

3. Para meu especial gozo e recreio, expor uma Anatomia a Fundo da Revolução - a de 1789, dos Corta-cabeças.  Vai ser coisa digna de se ver. Nada como ir ao original.

E pronto, não é que me esteja a meter em sarilhos porque, na verdade, nem preciso. De meter-me neles, entenda-se. Eles é que andaram sempre à minha procura. Este meu magnetismo animal...


Democracia consolidada

 

«Portugal tem o dobro dos estrangeiros de há uma década, mas ganham menos e têm maior risco de pobreza»

Tudo indica que estão a ficar cada vez mais parecidos com os portugueses. É bom sinal. Não estão apenas a habituar-se, estão sobretudo a diluir-se.

segunda-feira, dezembro 18, 2023

Descese

 O negócio que a ciganice moderna nos propõe é, mais coisa menos coisa, o seguinte: trocamos o sobrenatural pelo contra-natural. 

domingo, dezembro 17, 2023

A Regressão puguessista

 Mais uma pitada de Chesterton:

«O problema de quem faz da descrença profissão não é deixar de acreditar em alguma coisa, mas passar a acreditar em demasiadas.»
E é por isso mesmo que, por exemplo, o ateísmo frenético dos nossos dias e o puguessismo em geral, ao contrário duma qualquer lucidez ou exibição racional de ponta, apenas exprimem uma credulidade exacerbada - uma infantilização perversa, dado que descabida, rançosa e senil. Em bom rigor, portanto, uma imbecilização desatada. Pois, de facto, todo o puguessismo patenteia uma regressão -  na estrita acessão psiquiátrica do termo. Uma fuga à realidade que se tenta compensar através dum delírio "objectivista", quer dizer, uma diarreia de coisificações mais ou menos efémeras, inúteis ou fetichistas para compensar e preencher um crescente vazio vital e espiritual. Em síntese, o expediente da objectivismo contra a cultura personalista. Todo o sujeito é banido: no cosmos, no mundo, na vida e na gramática. O artificial, o acessório, o acidental, o predicado simulam e contrafazem a realidade. Traduzindo: as pessoas (de Deus ao Homem) são o problema; a solução está nos objectos. Trata-se do problema atirando objectos para cima das pessoas  - objectos, entenda-se,  não apenas coisas fabricadas  enquanto aparelhos ou utensílios, mas também coisas fabricadas enquanto leis, programas, ficções, modas, superstições, ou, no jargão mais recente e liberabundo da banca inefável, produtos. Note-se, aliás, a esquiso-competição entre os dois projectos votados à desagregação humana: os socialistas arvoram a resolução na forma de atirar dinheiro para cima do problema; os liberalóides alardeiam que se resolve com o despejo de produtos financeiros. O efeito prático é o mesmo comunismo - o da miséria mental; no primeiro caso, reforçado pela penúria económica; no segundo, agravado pela indigência cultural e social. O socialismo acaba por nunca exceder a incubadora do liberalismo; o liberalismo redime, recicla e ressegrega o socialismo e ambos, em tandem, apenas servem de veneno dissolvente à trans-oligarquia  e ao cancro financeiro global.

sábado, dezembro 16, 2023

Psico killing

 

«Exército israelita mata três reféns por engano»

Não foi engano. Não matam porque é certo ou errado: matam por vício. E, sobretudo, cultivam  uma especial predilecção por alvos desarmados. Quanto mais indefeso, mais apetitoso. E então, se ainda por cima, a agitar uma bandeira branca, devém irresistível.

Em remate, algum acompanhamento musical, para as incontinentes IDF:





sexta-feira, dezembro 15, 2023

Democracia de ponta...pum

 



Devo dizer que, enquanto democracia avançada e laboratório experimental de novas metodologias argumentativas e técnicas parlamentares, nada tenho a apontar-lhes. Já no que concerne aos "vossos valores", trata-se, seguramente, duma flagrante - e, mais ainda, deflagrante! - exposição dos mesmos. Melhor que isto, só na Palestina. Eita democracia!...

quinta-feira, dezembro 14, 2023

Da rara mania à convulsiva tara

«A grande tradição intelectual que chegou até nós, desde Pitágoras e Platão, nunca se interrompeu ou perdeu com bagatelas como o saque de Roma, o triunfo de Átila ou todas as invasões bárbaras da idade das trevas. Apenas se perdeu após a introdução da imprensa, o descobrimento da América, a fundação da Royal Society e todo o progresso do renascimento e do mundo moderno. Foi aí, se o foi em qualquer parte, que se perdeu ou se quebrou o longo fio, fino e delicado, que vinha desde a antiguidade remota. O fio dessa rara mania dos homens - o hábito de pensar.»
                              - G.K. Chesterton


Passou-se da rara mania dos homens ao popular desporto dos anti-homens: a obsessão de dispensar. Dispensar Deus, dispensar o Homem, dispensar a Realidade, dispensar a memória, dispensar a Inteligência, dispensar a postura vertical e, sobretudo, a maçada de envergar qualquer tipo de vértebra ou ossatura vagamente ética. Esqueci-me da Verdade?  Está implícito.

quarta-feira, dezembro 13, 2023

A certeza do erro

 Chesterton, em 28 de outubro de 1922, escreveu: "O reformador está sempre certo sobre o que está errado. Geralmente, está errado sobre o que está certo".

À data de hoje, eu acrescentaria  que o reformador desenvolveu uma quase toxicodependência da certeza. Já excede a simples mania. Assim, o modo invariável que encontra para lidar com o problema é converter o certo em errado, ou seja, como para ele o que está errado está certo e o que está certo está errado, quanto mais errar mais acerta. Deste modo, quando tudo estiver errado, teremos a reforma perfeita e acabada. Quer dizer, teremos alcançado aquele ponto em que, por um automatismo perverso, rebentam coros indignados a clamar por nova reforma. É que, tal qual a estupidez não tem fim, também um erro nunca é bastante nem plenamente satisfatório. Pelo que, por dinâmica inerente ao sistema, a reforma nunca estará acabada. Mesmo quando tudo o que estava certo já esteja errado, descobrir-se-á, fatalmente, que o errado nunca está suficientemente errado. Donde decorrerá, então, o processo de transformar o que está errado em algo mais errado ainda. Isso é certo.



terça-feira, dezembro 12, 2023

A volúpia da modéstia

 Depois que descobriram a modéstia, os neo-israelitas, não querem outra coisa. De tal modo que, no exercício sôfrego dessa volúpia recém-revelada, assinalam, com solenidade, a descoberta do centro de treinos do Hamas numa mesquita... Omitindo, todavia, o principal: a Padaria Portuguesa recentemente inaugurada ao lado do centro de treinos.


segunda-feira, dezembro 11, 2023

Dr. Strangehate, ou Lapso freudiano





 

«Netanyahu garante que "guerra está a todo o gás"»

A todo o gás, diz ele... Bem, assim de repente, não soa lá muito judaico, pois não?...


Faz até lembrar aquele braço automático do Dr. Strangelove, que lhe estava sempre a fugir para a verdade.


domingo, dezembro 10, 2023

Apocalipses de alguidar

 Mais um episódio da Stand-up ciency. Ora oiçam:

«A humanidade acabará antes do final do século».

O humorista de serviço, neste caso, é William Rees (o pai da "pegada ecológica, pois).

Duas breves notas:

1. A dita "humanidade" vai continuar a cheirar dum modo esquisito. Talvez ainda mais esquisito. Mas duvido que acabe. Pelo menos, toda.

2. Alguma dela, de certeza absoluta, vai acabar. O professor William Rees, por exemplo, acabará antes do final do século. Não se pode dizer que a Humanidade perca grande coisa.

Pensamento final: é um facto que a desumanidade pretende a exclusividade do planeta.  A coabitação e a convivência com a Humanidade é-lhe intolerável. A tese do William Rees gargareja  basicamente nesse sentido: há humanidade a mais. Convém acabar com ela. A bem do planeta. E da desumanidade que o ambiciona todo para si.

PS: o ideal era que se acabasse com a desumanidade antes do final do século? Talvez. Se eu responder que sim, chamam-me utópico.

sexta-feira, dezembro 08, 2023

Uma dicotomia com barbas

 Perdoem-me a longa citação, mas  vem muito a propósito:

«Portanto, há um populismo que é bom, sofisticado, ultra-pasteurizado (um popelitismo, chamemos-lhe assim), e um populismo que é péssimo, imundo e odioso (odioso, porque atestado de ódios, sobretudo aquele que os "populistas" benignos e beneméritos com o dinheiro alheio -chamem-se eles socialistas, sociais-democratas ou democratas não sei quê, no que concerne, por exemplo, às questões da agenda globandalhista - lhe devotam e desferem a todas as horas e oportunidades). Quanto às diferenças, manifestas e comprovadas, entre ambos parece que se resumem a uma (todavia, capital): os populistas benignos, ou popelitistas, só exercem a demagogia em período eleitoral, como forma de sedução (uma vez eleitos, nada do que prometeram cumprem); os populistas maus exercem a demagogia em período eleitoral e mesmo antes ou depois (segundo os seus detractores) e, uma vez eleitos, executam (ou são suspeitos de virem a executar) grande parte do prometido. Ou seja, em bom rigor, os populistas maus são aqueles que, na verdade, não são populistas nem demagogos profissionais. A limite, e no pior dos casos, é o velho desprezo da indústria pelo artesanato, ou do amor ao lucro pelo amor à arte

 

Ora, a moral, sobretudo o seu simulacro geo-político, tem muito que ver com esta dicotomia indústria/artesanato. Assim, o terrorismo é imoral, ou seja, artesanal, da mesma que o super-terrorismo (ou supraterrorismo, dito com mais propriedade) é supramoral, ou seja, industrial. O primeiro é destituído de moral, da mesma forma que o segundo está acima dela. Um atentado ou mesmo uma chacina quando executada pelos terroristas - no presente caso do Hamas, por exemplo - é imoral porque não ultrapassa o nível do artesanato, nem, fenomenologicamente, a dimensão da física - é estrito efeito num processo causal... Os terroristas matam por causa de. Em contrapartida, o genocídio ou o massacre industrial, promovidos pelos Estados Unidos, pela Nato - ou, na vertente cegada e acima de todos - por Israel não se insere numa fenomenologia e transcende as próprias regras da física. É, por essência e vocação, metafísico, transcendente, sobrenatural. Não exterminam por uma causa, mas, pura e simplesmente, por um poder, um aleive, ou vício atávico. Exercem nunca "por causa de", mas "em representação de". Da Razão,  da Democracia, de Deus, ou do quer que faças as vezes do "sagrado" na ocasião. A distância que medeia, assim, entre o artesanato e a indústria é exactamente a mesma que vai  da natureza à mecânica. No caso dos neo-israelitas, importa dizê-lo, já ultrapassou mesmo a tendência ou o vício: já deveio tique. Um bestial automatismo.

quinta-feira, dezembro 07, 2023

Zombipolis, ao virar da esquina do puguesso

 Uma viagem ao mundo da panaceia liberalizante. O resultado é basicamente o mesmo que o do seu gémeo socializante: só que leva muito menos tempo. De notar como, para não variar, a sanitarização avança de mão dada com a liberdinarice..




quarta-feira, dezembro 06, 2023

segunda-feira, dezembro 04, 2023

Panopticum e outras distopias



 «As taxas de criminalidade Americanas sempre foram mais elevadas do que a maioria dos países europeus. O que é novidade é o recurso nos Estados Unidos a uma política de encarceramento maciço, em substituição dos controlos comunitários enfranquecidos pelas forças do mercado desregulado. Ao mesmo tempo, os americanos ricos estão, em número crescente, a afastar-se da co-habitação com os seus concidadãos, recolhendo-se a propriedades comunitárias muradas. Cerca de 28 milhões de americanos -mais de 10% da população - vivem hoje em prédios ou condóminos com guardas privados.

Nos fins de 1994, mais de 5 milhões de americanos viviam sob uma forma ou outra de restrições legais. De acordo com os números do Ministério da Justiça (Department of Justice), cerca de 1,5 milhões estavam encarcerados - em prisões estaduais, federais ou municipais. Isto significa que 1 em cada 193 adultos americanos está preso, o que corresponde a 373 em cada 100.000 americanos. Este número era de 103 em 100.000 quando Ronal Reagan foi eleito presidente. 3,5 milhões de americanos estavam em liberdade condicional.
A taxa de encarceramento dos Estados Unidos no fim de 1994 era quadrúpla da do Canadá, quíntupla da da Grã-Bretanha e catorze vezes superior à do Japão. Apenas a Rússia pós-comunista tem uma percentagem maior dos seus cidadãos atrás das grades. Na Califórnia, cerca de 150.000 pessoas estão presas. A população da Califórnia na cadeia é agora oito vezes superior à de 1970. Excede a da Grã-Bretanha e a da Alemanha juntas.(...)
A confluência de divisões e antagonismos étnicos e económicos nos Estados Unidos não tem equivalente em nenhum outro país desenvolvido. O mercado livre produziu uma mutação no capitalismo americano, em consequência da qual ele se assemelha mais aos regimes oligárquicos de alguns países latino-americanos do que à civilização capitalista liberal da Europa ou dos próprios Estados Unidos em fases mais recuadas da sua história.(...)
Os níveis de todos os crimes de violência, excepto homicídio, são consideravelmente mais elevados na América do que na Rússia pós-comunista. Em 1993 houve 264 roubos por 100.000 habitantes (contra 124 na Rússia), 442 assaltos (comparados com 27 na Rússia) e 43 violações (9,7 na Rússia). (...)
O assassínio de crianças é particularmente comum nos Estados Unidos. Cerca de três quartos dos assassínios de crianças no mundo industrializado ocorrem nos Estados Unidos. Entre os 26 países mais ricos do mundo,os Estados Unidos têm de longe as maiores taxas de suicídio infantil e de homicídios e outras mortes relacionadas com armas de fogo.(...)
Em 1987, a mortalidade infantil no Harlem oriental e em Washington DC era praticamente a mesma que na Malásia, na Jugoslávia e na antiga União Soviética. Um bebé nascido em Xangai em 1995 tinha menos probabilidade de morrer no primeiro ano de vida, maior probabilidade de aprender a ler e uma esperança de vida dois anos mais longa (até aos 76 anos) do que um bebé nascido em Nova Iorque.
As elevadas taxas de encarceração e de crime nos Estados Unidos estão acompanhadas por números igualmente excepcionais de litígios e de advogados. A América tem pelo menos um terço de todos os advogados do mundo.(...)
Os condóminos privados, murados, fechados e vigiados electronicamente que protegem os habitantes dos perigos da sociedade que abandonaram são a imagem das prisões americanas. Erguem-se como símbolos do esvaziamento de outras instituições sociais - a família, a vizinhança e mesmo o emprego - que no passado suportavam o funcionamento da sociedade. A combinação de prisões de alta tecnologia e empresas virtuais pode tornar-se o emblema da América dos inícios do século XXI.
Na América do fim do século XX, o mercado livre tornou-se o motor de uma modernidade perversa. O profeta da América de hoje não é Jefferson ou Madison. E ainda menos Burke. É Jeremy Bentham, o pensador iluminista britânico do século XIX, que sonhava com uma sociedade hipermoderna reconstruída segundo o modelo de prisão ideal
                                     - John Gray, "False Dawn"

É deveras sintomático que muito antes do Big-brother na hiper-vigiada distopia de Orwell, o paradigma da engenharia ultra torcionária tivesse germinado com Jeremy Bentham, no seu famigerado Panopticum. Tratava-se, basicamente, duma arquitectura de vigilância perfeita - uma construção circular em volta dum "óculo central" que tudo perscrutava em modo permanente e subtil (nunca sabiam os vigiados quando o "olho " os contemplava activamente). É difícil imaginar uma "utopia" menos livre ou natural (quanto a "humana", o termo é seguramente discutível, dadas as estarrecedoras evoluções do mesmo). A mim, pelo menos, dá-me volta ao estômago. Todavia, e muito compreensivelmente, o Panopticum foi mandado traduzir e publicar, como obra mui educativa, em 1791, pela Assembleia Nacional, dos revolucinhários franceses. Mas estas bestas vão ainda mais longe: em 1792, concedem mesmo a cidadania a Bentham - e a mais 17  outros insignes  estrangeiros, "amigos da liberdade e da fraternidade universal que empenharam os seus braços e as suas vigílias no banimento dos preconceitos da terra», todos eles. É claro que para tão distinto prémio, não terá contribuído menos o seu peregrino cunhamento do termo "internacional" no seu "Plan for an Universal and Perpetual Peace", onde preconiza a "criação duma Dieta europeia, a redução das forças militares e a emancipação das colónias". Esta ideia duma "paz perpétua", segundo os princípios da razão, já a encontramos em Kant (tanto como, noutros moldes e variações, em Herder, Proudhon, Fourier, Saint-Simon et al) e o seu alcance profundo alveja, a limite, um "governo mundial" supranacional, ou melhor dizendo, "um estado federal planetário" panoptimum (e panopticum), ao leme duma "cosmopolítica". Esta ideia fervilha durante a própria Revolução Francesa que, a partir dum dado momento, já se antevê como o episódio inaugural duma Revolução Universal. Um dos seus principais arautos é um barão alemão convertido à nova cegada, um tal Cloots, deputado à Convenção (que se auto-alcunhou, entretanto, de Anacharsis). Palhadina furiosamente, com o fervor dos esquizofrénicos, pela república universal (qual Trotsky avant la lettre). Do mal o menos: imaginem só, será o próprio Robespierre a acabar-lhe com o circo. Eventualmente irritado não sei se tanto com a ideia alucinada, se com o  inusitado protagonismo. Mas a semente fica. E não mais parou de desabrolhar.
Do Panopticum, falta apenas referir que foi congeminado pelo autor como modelo ideal para prisões, hospitais e escolas. O futuro é o principal cúmplice das distopias. 

domingo, dezembro 03, 2023

Super pigs

 





Que novo flagelo ameaça a Holly América? Depois dos kosher pigs, em epígrafe, escalavrando, sem dó nem piedade, a economia, a política e a diplomacia, eis a iminente invasão dos super-pigs, dispostos a devastar a agricultura e a paisagem: