quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Berda mer...quê?, ou o Português-novo





«A Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Hagadá assinaram esta quarta-feira o protocolo para a construção do Museu Judaico, na zona de Belém, frente ao Tejo.»

Até me admira não despejarem os Jerónimos, esse monumento ao colonialismo e ao antissemitismo, para lá instalarem o museu dos ciganos mitómanos.
Entretanto, chamo a atenção para dois detalhes da ordem do inefável que convém sempre registar:

Em primeiro lugar, a presidenta da tal associação hagacobra: a sempre ubíqua e efervescente nestas matérias aromáticas, Esther Muzniscsshllhcoiso. 

Em segundo lugar, prestem atenção ao primeiro grande doador já alardeado: Claude Berda. Que já se chegou à frente com dois milhões. Berda é um distinto e abonado empresário "francês".  Francês e não só. Agora, por artes ágeis, também já é português:

«Para muitos o processo de obtenção da nacionalidade portuguesa é difícil e moroso, mas para Claude Berda o processo já foi concluído – e com sucesso. "É com uma enorme alegria que vejo este meu sonho de ser português realizado».

Pois, estais a ver, ó crianças? Era um sonho antigo que ele nutria.  Agora que os rectangulares querem ser qualquer outra coisa menos português, eis que ainda resiste, extra-polígono, quem o aspire.  Não tarda, temos isto infestado de "portugueses-novos." Na qualidade de alegres e esmifradores senhorios. Mas, enfim, postas a segunda e terceira nacionalidade do fulaninho, alguém adivinha qual será a primeira?  


PS: O Rectângulo restante está literalmente a ser vendido à posta ao alienigenato pluto-chunga. E não é difícil adivinhar porquê: começaram por tratar da gestão de condomínios dos palácios, especialmente aquele da Praça do Município, o outro de Belém, bem como do antigo mosteiro Beneditino ali prós lados da Calçada da Estrela e, a partir daí, foi sempre a aviar. Tudo a bem da ração. 

quarta-feira, fevereiro 28, 2024

Lemmingdução súbita

 




«Ameaça de envio de tropas para a Ucrânia mostra que "Macron está em competição com a Alemanha pela liderança da Europa"»

É uma competição às avessas: não em prol duma qualquer vitória, conquista ou triunfo, mas pela vanguarda liderante duma cega correria ao abismo, à auto-destruição, ao esparvoamento total. Portanto, uma espécie de concurso de salto em baixeza, para anões, eunucos e toxicómanos. Não tenho quaisquer dúvidas que, tanto Macron como Schultz, congregam qualidades superlativas e compleição atlética para a medalha de ouro. Quanto mais não seja pela dose  de doping snifado. Entre os Lemingues também devem emergir, por alturas de pré-desembestação, condutores iluminados, isto é, cegos. A Oeste nada de novo: a logofobia nunca teve melhores dias.

Adenda visual (a bem do grafismo):





terça-feira, fevereiro 27, 2024

Apagado nas notícias


 

Aaron Bushnell, de seu nome. Imolou-se pelo fogo defronte da embaixada alienígena, em protesto contra o genocídio em Gaza.  O mais surrealista no meio da tragédia humana é um segurança qualquer, perante um corpo a arder, a apontar uma arma... A título de quê? Apenas da mais estúpida brutalidade e desumanidade que imaginar se possa?...  Vá lá não ter crivado de balas o corpo em chamas. 

Entretanto, um apagão completo nos mass-merdia à notícia. Imaginem se fosse em frente à embaixada russa.

É por isso que eu já só acredito na justiça das catástrofes naturais.

domingo, fevereiro 25, 2024

Anabismotomia da Revolução - 8. Proto-revolução ou Cripto-restauração




 «Apoiada por e constantemente apelando para os semiletrados, a revolução social em Münster era decididamente anti-intelectual. Os anabaptistas faziam alarde da sua ignorância dos livros e declaravam que eram os iletrados que tinham sido escolhidos por Deus para redimir o mundo. Quando saquearam a catedral fizeram gala em manchar, rasgar e queimar os livros e manuscritos da sua velha biblioteca. Finalmente, em meados de Março, Matthys baniu todos os livros com excepção da bíblia. Todas as outras obras, mesmo em posse privada, deviam ser levadas para a catedral e lançadas a uma grande fogueira. Este acto simbolizava um corte total com o passado, sobretudo uma completa rejeição do legado intelectual das gerações precedentes. Em particular, privou os habitantes de Münster de todo o acesso a especulações teológicas a partir de Padres, assegurando assim para os chefes anabaptistas o monopólio da interpretação bíblica.»

  - Norman Cohn, "Na Senda do Milénio".


Münster, Vestfália. Fevereiro de 1534.

Os Anabaptistas instalam-se na cidade. Uma seita protestante animada por singulares intuitos milenaristas. O seu primeiro grande profeta é Jan Mattys, um alucinado holandês com ideias muito claras e concretas acerca da salvação. Apregoa ter-lhe sido revelado que urge pegar na espada e, desferindo-a solenemente sobre os ímpios, abrir passagem ao Milénio.  No seguimento de outras jornadas igualmente sanguinárias, como a de Tomás Müntzer, entretanto executado, os anabaptistas de Münster desencadeiam a violência e a matança como método redentor. Anima-os não apenas o espírito de seita iluminada e incendiária, mas igualmente um ímpeto militante: não se ficam pela visão religiosa; têm também um projecto político, que coincide com um empreendimento social e económico. Trata-se dum apressamento do futuro através dum regresso mirabolante ao passado: Münster é a Nova-Jerusalém. Tal qual os anabaptistas de Matthys protagonizam a nova-tribo delegada do Deus severo, zeloso e vingativo do Antigo Testamento. É o Ihavé tempestuoso, surripiado ao panteão Assírio, que os inspira. Assim, este anabatismo opera algures num limbo desvairado, entre o cristianismo e o judaísmo: negação radical do primeiro que, por natureza intrínseca, não acede, exasperadamente, ao segundo. Cristãos do avesso e judeus de imitação, em resumo.

As peripécias do acontecimento são conhecidas. Principia pelo ataque e destruição de igrejas e mosteiros, com a brutalização inerente do clero católico. Passam depois aos luteranos, demasiado moderados e coniventes com as autoridades (o bispo-príncipe da cidade) para o gosto refinado dos novos tradutores do Apocalipse. Após uma depuração sistemática, em que, só os anabaptistas restam, reinam  e determinam as leis na urbe, passa-se então à fase da "Nova-Jerusalém", fenómeno que ainda vai durar cerca de um ano. Vou tentar ser sucinto e seguir uma ordem cronológica:
- Criam milícias armadas, para defesa do empreendimento; todos, homens, mulheres e crianças são chamados ao serviço; fortificam e cavam trincheiras á volta da cidade (até porque o bispo não ficara inactivo e organizara uma expedição punitiva e restauradora da ordem);
- Confisco de toda a propriedade dos emigrantes (todos aqueles que tinham fugido, católicos e luteranos de algumas posses);
- Toda a documentação relativa a dívidas, contabilidade ou contratos foi destruída;
- Todas os bens - roupas, nobiliário, ferramentas, armas e produtos alimentares foram confiscados e depositados num armazém central (para controle e distribuição supervisionada pelos necessitados);
- Matthys, ele próprio estrangeiro, rodeou-se de uma guarda pessoal também constituída por alógenos; nomeou também sete diáconos (da mesma categoria) para administrarem o armazém central;
- Logo a 27 de Fevereiro, sob uma tempestade de neve, todos os hereges (católicos e luteranos) foram expulsos da cidade, crivados de murros, pontapés e injúrias pelos anabaptistas. "Fora, hereges, e não voltem mais, inimigos do Pai!"  No geral, constituíam a camada mais próspera da população. Toda a que restou adentro de portas, teve que aderir ao novo credo. Procedeu-se ao rebaptismo geral (anabaptismo significa isso mesmo: baptizado de novo), que durou três dias; doravante, qualquer discordância com a doutrina obrigatória, proferida pelo profeta residente, seria considerada heresia;
- Quando um ferreiro colocou em dúvida a excelência destas medidas, Matthys, pessoalmente, apunhalou-o e abateu-o a tiro, no seguimento duma arenga em que proclamava o "Pai" ultrajado pelas calúnias ao seu profeta.  Iniciou-se então o terror que presidiu à instauração do comunismo na Nova-Jerusalém;
- A campanha contra a propriedade e o dinheiro desencadeou-se; decretou-se a entrega obrigatória do dinheiro ao "armazém central" como prova de cristandade. Quem não a respeitou foi declarados prontos para o extermínio. Procederam-se a algumas execuções moralizantes:
- O dinheiro confiscado passou a servir apenas para trocas e negócios com o exterior; todo o trabalho e actividade interna eram pagos através de víveres, segundo o critério do governo teocrático;
- A propriedade comum dos produtos (e depois das próprias habitações) tornou-se imperativa. Estabeleceram-se refeitórios comunais. Cada diácono zelava pelo abastecimento e pela propaganda (o Antigo Testamento, em força). Para o efeito, percorria as casas privadas requisitando consoante as necessidades. Quando foi preciso instalar as multidões de imigrantes, que entretanto tinham acorrido atraídos pelo novo "regime", começaram por instalá-los nas antigas casas dos emigrados e expulsos a 27 de Fevereiro, bem como nos antigos mosteiros. Todavia, insuficientes, foi então declarada pecaminosa a posse privada e exclusiva de alojamento,  obrigando-se a que as portas de todas as casas tivessem que estar abertas dia e noite e o espaço disponível a toda a comunidade;
- Instalada uma ditadura absoluta, de contornos singularmente alucinados, Matthys inflou-se daquela soberba própria dos possessos e sentiu-se replecto de poderes sobrenaturais e concessões inauditas do Além. Tratou, então, de agir em conformidade, lançando-se numa surtida exterminadora contra as tropas sitiantes (do bispo). Aconteceu, porém, um episódio adicional numa tendência atávica: a guerra à realidade não correu lá muito bem para os paladinos. O profeta e os seus sequazes foram literalmente feitos em postas. Sucedeu ao martirizado profeta, o seu vice na empresa, um tal Bockelson;
- Bockelson juntava à condição herdada de profeta os dotes próprios  de superlativo demagogo e propagandista; a sua capacidade de antena para revelações frequentes também se manifestou em barda; o alucinado esquálido e austero dava lugar ao presidente do conselho de administração místico, e venal;
- O seu primeiro acto oficial foi altamente simbólico: deambulou nu pela cidade, em frenesim, até que se quedou numa espécie de êxtase mudo, durante três dias; quando regressou dessa viagem mental, proclamou a primeira das suas grandes revelações: Deus (o pai, claro) incumbira-o de substituir o foral mundano por um divino, ou seja, demitir o Burgomestres e o conselho e instalar, segundo o modelo da antiga Israel, ele próprio, Bockelson e doze Anciãos.  este novo governo passava a ter autoridade em todas as matérias e poder de vida ou de morte sobre todos os habitantes:
- Lavrou um novo código legal. Aprofundava-se a socialização e uma severa moral puritana. Todos os artesão não convocados para o serviço militar, passavam a ser funcionários públicos, trabalhando para a comunidade sem benefício monetário.  Qualquer delito passava a ser objecto de pena única: a pena de morte. Um anabaptista que casasse com um ímpio? Horror! pena capital!;
- Na urbe, entretanto, surgiu um problema; havia três vezes mais mulheres que homens. Bockelson era também um pragmático, ou lúbrico (como preferirem): entendeu romper com a moral anabaptista recente em nome duma mais antiga... Como já devem ter adivinhado, a dos profetas de Israel. A poligamia que eles, tão virtuosamente, tinham praticado era a mais recomendável para a Nova-Jerusalém;
- A medida revolucionária (e simultaneamente restauradora) não foi inicialmente muito bem aceite. Houve resistência do rebanho. Chegou-se mesmo a uma rebelião que conduziu o novo profeta e a sua polícia dos costumes à prisão. Todavia, os rebeldes eram minoritários pelo que acabaram derrotados e numa boa quantidade condenados à morte. Alguns outros críticos, nos dias subsequentes, também conheceram o mesmo desenlace. Finalmente, em Agosto, a poligamia estava plenamente instaurada, de jure e de facto;
- Bockelson, que deixara esposa na Holanda, encetou então uma série conúbios, começando pela viúva do anterior profeta residente e ascendendo à bela quantia de quinze esposas em pouco tempo. O séquito de pregadores e a população masculina em geral trataram de seguir o soberano exemplo. Fez-se uma lei que obrigava todas as mulheres a aderirem ao matrimónio (e ao subsequente harém) quer quisessem, quer não. Qualquer conflito, recusa ou protesto por parte das senhoras era classificado de pecado mortal e sujeito a pena de morte;
- Mas como um paranóico nunca vem só... No princípio de Setembro, eis que um novo profeta, um tal Dusentschur, aceso em súbita revelacinha, irrompe com nova anunciação:  Bockelson estava destinado a "rei de todo o mundo", dominando sobre todos os potentados da terra. Herdaria o ceptro e o trono do seu antepassado David e governaria até que Deus entendesse. Acto contínuo, o novo profeta ungiu e proclamou Bockelson como Rei  e, inerentemente, messias vivo. Estava assim instaurada a monarquia na Nova-Jerusalém;
- O rebanho murmurou e resmungou, mas o novo rei celestino sobrepujava-o com um festival de novas medidas munificentes: as ruas e as portas da cidade receberam novos nomes; abolição dos domingos e dias festivos, passando os dias da semana a ser designados por ordem alfabética; também os nomes dos recém-nascidos eram escolhidos pelo monarca de acordo com um critério peculiar; cunhou-se moeda comemorativa - nas moedas de ouro e prata, gravavam-se inscrições de auto-glorificação: "A palavra tornou-se carne e habita em nós"; "Um rei para todos, um Deus, uma Fé e um Baptismo"; chegou-se ao requinte de criar um emblema especial para simbolizar a "pretensão de Bockelson ao domínio espiritual e temporal do mundo";
- O novo rei, como exigia a sua elevada extracção, passou a ostentar toda uma sumptuosidade, de joias, roupas e séquito; floresceu em redor dele uma corte igualmente luxuosa, de cerca  de 2000 abençoados, instalada em mansões confiscadas à catedral;
- Para contrabalançar a riqueza majestosa da corte e da coroa, o rei entendeu por bem impor à massa do povo uma "rigorosa austeridade". Depois de abdicar de ouro e prata, domicílio e dispensa, o povo era agora notificado pelo profeta Dusentschur que o Pai abominava todo o vestuário supérfluo. Seguiu-se o racionamento do vestuário e roupa de cama, com a entrega ao estado do excedente, por ordem do rei e sob pena de morte; três carroças de expropriações têxteis foram distribuídas à turba imigrante, oriundos da Holanda e da Frísia, a maior parte; 
- De modo a garantir a submissão da massa, os pregadores e o próprio rei arengavam toda uma propaganda apocalíptica, com ênfase particular no Milénio, através da qual se disseminava, em doses constantes a esperança e o terror. Firmava-se igualmente um método que nunca mais deixará de assombrar e pairar nas revoluções e suas subsequências mais ou menos democráticas: a manutenção dos espíritos enclausurados e amalgamados num clima de expectativa e, subjacentemente, de diversão e entretenimento. Tudo isto sob um controlo rigoroso e hermético da linguagem;
- As fantasias e volúpias do morticínio vingador abundam: "A glória de todos os santos é saciar a vingança (...) A vingança implacável terá de exercer-se sobre todos os que tiverem o sinal (dos Anabaptistas)»; a matança é indispensável para abrir o caminho ao regresso de Cristo, para o julgamento final e  para a emergência do novo céu e da nova terra, onde os Santos (os anabaptistas) viverão "sem choro nem ranger de dentes"; o profeta Dusentschur desempenha também as funções de funâmbulo mor da corte, transmitindo ao povo todo um circo mental em transbordante e permanente espectáculo, crivando os dias e os espíritos perplexos como renovadas e inauditas visões, geralmente decalcadas de cenas patéticas do Antigo Testamento;
- O terror, entretanto, ampliava-se; a distância entre a corte e o povo aumentava; até porque a corte era quase na sua totalidade constituída por estrangeiros, imigrantes;  Dusentschur, num belo dia, disparatou nova revelação: qualquer afronta à verdade instituída era pecado mortal. Seguiram-se execuções por razões frívolas e anedóticas que me dispenso sequer de enunciar; o rei, entretanto, também confiscou todos os cavalos e transformou a sua guarda pessoal (de estrangeiros) num esquadrão montado;
- Várias peripécias adiante, por alturas de Janeiro, os sitiantes (as tropas do bispo) encetaram uma nova táctica: bloquear completamente os acessos à cidade e conduzi-la à inanição; seguiu-se uma escassez de víveres e abastecimento;
- Em conformidade, o rei mandou revistar as casas e expropriar todos os restos de comida; de modo a abastecer a corte necessitada; as rações distribuídas à população começaram a rarear, até que, por Abril, a fome se instalou na Nova-Jerusalém;
- O rei, compenetrado dos seus deveres messiânicos, agiu com prontidão: com base na sua mais recente revelação, prometeu a salvação geral para a Páscoa; descomparecendo esta à chamada, o rei explicou que se tratava da salvação espiritual, sendo que Deus (o paizinho) estaria em vias de transformar as pedras em pães, de modo a matar a fome ao seu rebanho;  nova contrariedade e desilusão, pelo que o messiânico monarca, actor teatral de origem, recorreu ao espectáculo para entreter a fome. Aqui, vou citar literalmente: "concebeu os mais fantásticos divertimentos para os seus súbditos. Em certa ocasião a população esfomeada foi convocada para três dias de danças, corridas e provas de atletismo; era essa a vontade de Deus. Encenavam-se cenas dramáticas na catedral: uma paródia obscena da Missa, uma peça moralizadora baseada na história do Rico e Lázaro. Mas entretanto a fome prosseguia a sua obra; a morte por inanição tornou-se tão vulgar que os corpos tiveram que ser lançados  em grandes fossas comuns.";
- O que se seguiu, durante as últimas semanas do reinado, foi um terror brutal: o rei, escorado na sua guarda estrangeira, a quem prometeu ducados e condados no futuro milenar ao virar da crise, lançou-se numa repressão sanguinária sobre qualquer oposição ou recalcitrância. Proibiram-se ajuntamentos; qualquer suspeito de fuga ou de auxílio a fuga do reino, era imediatamente decapitado (acumulando o rei com a função de carrasco); o corpo era seguidamente esquartejado e exposto em público, como aviso; o Messias da Nova-Jerusalém completou os últimos dias do seu reinado, assoberbado nos seus deveres de verdugo - diariamente, sucediam-se as degolações e todo o talho subsequente.

Quando, em 24 de Junho, as tropas sitiantes tomaram a cidade, a situação raiava o pesadelo. O que se seguiu foi o massacre dos anabaptistas sobreviventes à batalha. Os principais cabecilhas do empreendimento, com destaque para o rei-messias, foram supliciados e, a terminar, expostos nas gaiolas que ainda hoje estão hasteadas no frontispício da catedral de S. Lambert, em Münster (conforme podem ver na fotografia em epígrafe). Não se pode dizer que tenha sido uma injustiça.

O que importa reter de todo este folhetim, é uma certa fórmula operativa que se tornará guião nas revoluções, revolucinhas e quejandos desarranjos culturais posteriores. A saber,
1. O retrocesso a um delírio tribal exclusivo e devastante impingido como superação de todos os males do presente, bem como antecâmara necessária e catalisador infalível dum paraíso adveniente.  
2. A indiferenciação entre o evangelho e a banha da cobra, a inspiração e a possessão, a religião e a ideologia de conveniência, a igreja e a exploração empresarial, a fé e o saque.
3. O espoliamento sistemático das pessoas, na sua múltipla acepção: dissolução metódica da consciência e da individualidade, numa papa desumanizada e desorientada, submetida ao terror reiterado e à credulidade exacerbada;  redução à miséria económica e moral, a pretexto duma cornucópia de ficção e fantasia que está para chegar;  a expropriação dos meios de existência e consciência mascarada de libertação redentora de ambas.
4. O sacrifício da realidade no altar da abstracção como fórmula infalível para propiciar a salvação colectiva; e como biombo encobridor para a efectiva condução do gado a um patamar ainda mais desalmado de servidão.
5. O controlo frenético da linguagem de modo a transmutar a negação pura em afirmação única; a fazer passar a usurpação por direito legítimo, a contrafacção por autenticidade plena, e  o mero presente em exercício por toda a eternidade. 
6. A santificação da matança revolucionária.
7. A baixa barbárie recauchutada com ouropéis de progresso: a regressão antropófaga como tomar balanço para o salto à conquista do amanhã superior.
8. O entretenimento massivo como lenitivo e anestesia para o desgraçado quotidiano.


Em jeito de corolário, uma consideração final: praticamente ao mesmo tempo que a atomização e o heterozelo protestante aconteceu outro fenómeno marcante: o Renascimento. Ora, neste época, Platão desembarca em força na Europa ocidental (até então apenas o Timeu e as Leis estavam divulgados). Encavalitado nele, tanto Galileu e a ciência moderna quanto os inúmeros pensadores do Renascimento, vão desprezar Aristóteles (e a escolástica numa leitura dele assente) e cozinhar todo um caldo cultural donde fermentarão quer as futuras e inúmeras utopias, quer as várias e descabeladas revoluções. Para ser sincero, eu ia a meio deste postal, quando experimentei também uma espécie de "revelação": há ingredientes que, isoladamente, não constituem um enorme perigo, mas que juntos adquirem propriedades explosivas. Refiro-me, neste caso em concreto, a dois: Platão e o Livro do Apocalipse.  Se acrescentarmos a invenção da tipografia por esta mesma altura, então, que Deus, o bom e misericordioso, tivesse piedade de nós!... 

sexta-feira, fevereiro 23, 2024

A síndrome de RBD (rules based disorder)


A mentalidade entre os neo-conas e os marxistas é a mesma. E a desordem prevalecente nela também. E, de facto, teve origem nas seitas apocalípticas protestantes (sucedâneos e reedições serôdias mas assanhadas duma outra seita mais antiga).









quinta-feira, fevereiro 22, 2024

Chegofobia ou chegojecção?






« Rui Tavares acusa Chega de "cavar discurso de ódio e agressividade"»

Não é apenas Rui Tavares, o frei soja: Todos eles acusam e verberam o Chega. Apedrejam, mascabam e vituperam! Um coro mais uníssono seria difícil. Dos partidos aos truões de serviço, passando pelos porta-vozes oxidentais aos gritos, não há quem não expresse uma animadversão furiosa. Não há microfone ou câmara que escape. Confesso que não faço a mínima ideia do que raio seja o tal Chega. Mais reconheço que nunca me senti muito estimulado a investigar. A figura de cartaz único da agremiação desmotiva-me logo à partida.  Mas, não obstante, mesmo eu, que vivo geralmente retirado destes carnavais, consigo deduzir que o Chega parece operar em abstracto, enquanto todos os outros, seus detractores briosos, não escondem batalhar em concreto. Quer dizer, o Chega  fomenta um ódio indefinido, de contornos difusos (odiar porque sim, quiçá); enquanto os outros todos praticam e apregoam, a escorrer espuma da dentuça, um ódio muito bem definido e delimitado:  o ódio ao Chega. Isto, bem entendido, segundo o folclore e a presunção da moda. Porque, na realidade, desculpem lá, mas tenho uma má notícia: são grunhos instalados a cuinchar, alarmados, a grunhos que lhes ameaçam a exploração agro-pecuária (reparem na gentileza de não grafar "pocilga"). Noutras palavras, o charco da (des)governação contra os penetras não-credenciados. A bruxa má que não é convidada para o baile da princesa.

Portanto, e para que fique bem claro: Não sendo eu simpatizante do Chega nem, ainda menos, dos que odeiam o Chega, sinto-me desobrigado de seguir qualquer uma das tendências. Se bem que, em rigor, se trate apenas de uma: a dos especialistas na matéria do ódio. Os do costume. Os do protesto contra o ódio fictício como máscara para o ódio concreto - reiterado, cultivado e incurável. Os que não apenas fazem do ódio militância principal como cartaz de pinta-fachada alheia. Os mesmos que, apesar de tudo, não me suscitam ódio. Por uma razão muito simples: nos sentimentos negativos também deve cultivar-se uma hierarquia. E, para o caso, o grau correspondente da mesma não é ocupado pelo ódio: é mesmo o nojo. As coisas asquerosas, como certos excrementos, nem sequer requerem confronto: apenas pá, vassoura e creolina.


PS: Como é público e notório, e já afirmei ene vezes, tenho dos partidos, quaisquer que eles sejam, o seguinte conceito: associações de malfeitores. Sendo que a sua capacidade de malefício é tanto maior quanto o seu alcance da coisa pública. Os que desgovernam actualmente são sempre os piores (como é o caso da presente seita instalada e a clamar remoção urgente). 


PS2: Já agora, os sacro-proxenetas da virtude de ocasião deviam publicar uma lista solene de ódios recomendáveis e gratificados do rectângulo: além do Chega, presumo, o Pinto da Costa, o Putin, o FC.Porto, o Salazar, o fassismo, a Igreja, a História de Portugal, Portugal, os pobres, a Independência, a Liberdade de Expressão, o espírito livre, a Cultura, a Memória,  a Realidade, enfim, há muitos.  Deviam reunir tudo num decreto único, a ser publicado em Diário da Respútrida. Podiam (e deviam) até criar um documento único do cidadão rancoroso, estilo carta de aversão cívica autorizada, onde o energúmeno acumulava pontos (positivos ou negativos, caso não odiasse em conformidade). O exercício teria que ser naturalmente comprovado por mensagem, depoimento público, foto ou videogravação em tempo real, etc, e a partir de determinados montantes, seria devidamente recompensado com bugigangas da moda (telemóveis, tablets, play-stations) e um sorteio anual de automóvel. Mas para este, o virtuoso odiador teria que não apenas odiar fervorosamente mas também delatar toda e qualquer heresia. A chamada delação premiada no seu mais nobre sentido.

quarta-feira, fevereiro 21, 2024

O Debilitamento da Rússia (Made in USA)

 Neste momento já são, segundo o World Bank, a quinta economia mundial e a maior da Europa, ultrapassando a Alemanha. 

A canibalização de máquinas de lavar, esquentadores e secadores de cabelo já alcança extremos intoleráveis...


 PS: Uma nova carência total parece estar a flagelar os russos: de bandeiras. Estão a gastá-las a um ritmo assustador.

PS2: Entretanto, o Titterington de trela,  sempre  belicoso e rosnador, avisa-nos das suas projecções caninas: «Putin quer "destruir" a União Europeia».

Não precisa. De todo. A "União Europeia" já foi destruída e usurpada pela URSSE, uma burrocracia particularmente estúpida e acutilante (aliás, é mesmo o que a sigla enuncia: União das Repúblicas Sociopatas e Singularmente Estúpidas). Que agora, porque também não sabe fazer mais nada, se entrega a duas ocupações exclusivas: Vitaminar a Rússia; e auto-destruir-se.  

terça-feira, fevereiro 20, 2024

Pepsoxident, o dentífrico da consciência





«Aprovação de Putin na Rússia é de 81%»

Mas fora da Rússia, no Oxidente, é mínima e só não é declarada abaixo de zero porque a manipulação daria demasiado nas vistas. E isso é que conta. Assim, é superlativamente imperdoável e gritantemente inadmissível que a Rússia persista num governo não escolhido pelo Oxidente. Que diabo, é nisso que consiste a democracia e o estado de direito na Terra: o Oxidente, que é sábio, clarividente, racional, sagrado, amigo do ambiente, das minorias, dos migrantes e dos animais vítimas de violação, bem como auto-delegado tutor da humanidade, micróbios e pinguins, elege - prévia e convenientemente - os governantes (pessoas decentes, abnegadas e recomendáveis todas elas). Pretender que sejam as populações autóctones a escolher os governantes que as dirigem é uma forma, vil, torpe e suja, de populismo. Esse vício repugnante e intolerável em países civilizados e evoluídos, vade retro!...

Na União Europeia, por exemplo, a popularidade dos governantes junto dos governados é péssima. Mas isso apenas certifica da sua excelência. Já que ao nível do Oxidente, a sua aprovação é máxima e com distinção. Os eleitores devem compenetrar-se que devem depor a cruzeta nos candidados que o oxidente, prévia e solenemente, teve o cuidado de lhes escolher. Populações renitentes, relapsas ou cépticas deste - higienizado e soberano - processo apenas merecem ser devidamente punidas e flageladas por sanções, bloqueios, sabotagens e pelourinhamento global. Sim, e bombardeamentos, caso refilem. Já os governantes escolhidos pelo Oxidente, é melhor que entendam duma vez por todas, não estão lá para agradarem aos governados, mas, isso sim, exercerem uma curadoria em nome do Oxidente. É natural que doa, é natural que arda, é natural que cause sofrimento: o que arde cura.

Em que consista o Oxidente é assunto cabeludo. Basicamente, é uma forma de ruído - um alarido (ou enchido) mediático - que faz as vezes de "consciência planetária". Tudo muito protestante e bem desinfectadinho, como manda a transdicção.

segunda-feira, fevereiro 19, 2024

Coca-Cola Killing (como dizia o outro)

 


Navalny descambou em asset americórnio. Acabou (se é que acabou) como todos os assets que perderam a utilidade enquanto vivos. Passam-nos então à fase de mártires da propaganda. Tal qual o general Coca-Cola, o Delgado destemido. Nisso, aquela ratazana dos negócios estranhos, o Titterington irremovível, acertou no palpite. Fica-se por um esboço tosco e rasca de elogio a Putin assestando-lhe um paralelismo com Salazar, mas, se o fulano faleceu, decerto que foi segundo a mesma lógica e metodologia do outro: e nem Putin nem Salazar tinham interesse nem necessidade disso. É preciso simplesmente atentar em quem lucra com o passamento.

Para já, a notícia serve para desviar as atenções do desastre de Avdivka. E dos que se seguem, em bom dominó. E de Gaza, sobretudo. Voltou-se agora de supetão ao genocídio ao ralenti na Ucrânia para encobrir o fast-genocídio em modo expresso na Palestina.

Mas a histeria dos nossos anilinguístas oxidentais, no desempenho convulsivo da tarefa, chega a raiar algures entre a anedota e o sepulcro caiado a várias mãos... perdão, cascos. 

O  Coiote Xavier perorava algures, no dia de ontem:

«No Ocidente "não estamos habituados" a atos como o de Navalny!...»

Pois não, ó coisinho. Vocês, aí, no Oxidente, é mais bolos e Julian Assange.


PS: Este, entretanto, foi mesmo por ordem do Putin:

«Piloto russo desertor encontrado morto em Espanha» (e até admira as carpideiras de plantão não estarem já aos gritos, a arrepelarem cabelos e a debulharem-se the crocodile way).

 

Do linchistão à cleptagónia

 


«Montenegro defende facilitação dos licenciamentos para combater corrupção»


Isso ainda vai demorar, suspeito bem. Por enquanto ainda vamos nos linchamentos. E não parece que a coisa esteja a resultar muito bem...

De resto, isto do "combate à corrupção" faz cada vez mais lembrar a caça aos gambozinos de outrora. Com a agravante de ser  entusiasticamente perpetrada por gente putativamente adulta.

Mas já esteve mais longe da "corrupção" ser equiparada, numa primeira fase, à toxicodependência. Então, dado que a repressão bruta e cega (especialmente esta) ao flagelo não brilha nas estatísticas, alvitrar-se-á, eventualmente, uma discriminização da "corrupção leve ou ligeira". Legislar-se-á, não me custa crer, em conformidade; porque senão o país não anda pá frente. Só desliza pró lado, como os crustáceos, na melhor das hipóteses. Finalmente, estabelecer-se-ão salas de corrupção, onde os mais agarrados ao vício serão tratados com sucedâneos sintéticos ou pequenas doses nas obras públicas. A limite, num mundo perfeito, sem zoofilia rural nem feministas desempregadas dos altos cargos do estado, a corrupção será equiparada à orientação sexual e integrada na sacro-vastíssima onomatorreia LGTBI+x&$€Pi etc. Nesse estágio ideal da coisa, o corrupto alcançará a plenitude cívica que presentemente lhe é legalmente denegada, deixando de ser menoscabado com as depreciações racistas e homofóbicas de "activo" ou "passivo". Nem activo, nem passivo: completo. De pleno direito. Por essa altura, não será difícil calcular, o país correrá à desfilada.

domingo, fevereiro 18, 2024

Cavalgadura auspiciosa

 


«António Costa: "Portugal não cairá nas mãos da extrema-direita»

 
Sem dúvida. Até porque está - tenaz e firmemente - seguro nas mãos da Extrema-estupidez!...

Eu disse mãos? Perdão pela fantasia. Na realidade, devia ter dito cascos. E descalços.



sexta-feira, fevereiro 16, 2024

Anabismotomia da Revolução - 7. Itinerário do Protesto para o Aero-Plano

Aviso à entrada: Munam-se dum bom fio, para o caso de se perderem... 


                                                                 ----//----

 


«Duas cidades, uma dos justos, outra dos maus, que persistem como entremeadas no tempo até que o julgamento final as separe e que, reunida aos anjos bons sob seu rei, uma obtenha a vida eterna, e a outra, reunida aos anjos maus sob seu rei, seja entregue ao fogo eterno.

(...) Um fio condutor permite, todavia, orientar-se com segurança no dédalo dos textos: é o princípio, muitas vezes proposto por Agostinho, de que as duas cidades de que fala recrutam seus cidadãos unicamente segundo a lei da predestinação divina. Todos os homens fazem parte de uma ou de outra, porque todos os homens são predestinados à bem-aventurança com Deus, ou à miséria com o demónio.»

             E. Gilson, in  "A evolução da cidade de Deus" 


Em Junho de 1520, a bula papal Exsurge Domine, intima a retratar-se, sob ameaça de excomunhão,  um frade agostinho, professor das Sagradas Escrituras em Wittemberg, na Alemanha.  Chama-se Lutero e, segundo o costume da igreja, é intimado a abjurar das suas 95 teses críticas da hierarquia eclesiástica. Longe de se submeter, queima o documento e extrema as posições, transportando a contestação para fora da Igreja Católica. Chega a disputar a infalibilidade do Papa e do Concílio. Em Abril de 1521, convocado pela Dieta de Worms, Lutero inventa a "consciência", base fundamental do liberalismo. Mais adiante irá mais longe ainda, estabelecerá o dualismo nessa mesma consciência.

  «Um cristão é um senhor livre sobre todas as coisas e não é súbdito de ninguém. Um cristão é um servo de todas as coisas e é súbdito de todo o mundo. (...) »

Entenda-se do acima exposto, que, segundo Lutero, o cristão é absolutamente livre na consciência (no nível interno) e submetido à servidão mais completa no mundo (nível externo), isto é, nesta vida terrena. Portanto, o "cristão" é livre na fantasia e servo na realidade. O que resulta disto é que, efectivamente, o cristão é a sua própria negação. Em rigor, este "cristão" equivale àquilo que Aristóteles, na Antiguidade, define como "ferramenta de outro homem", ou seja, o escravo. À data actual, no auge de toda uma evolução eufemística, ostenta o título de "colaborador". Apesar de tudo, permitem-lhe que vote e frequente festivais.

Quando Lutero (que Nietzsche descreve justamente como um germano-labrego) coloca o seu umbigo acima da Igreja não está apenas a dar vazão à sua perversidade intrínseca, está a estabelecer um novo paradigma e a inaugurar toda uma anti-cultura. Anti-cultura, porque, doravante, nenhuma tradição é possível ou, genuinamente, sustentável. Em primeiro lugar, porque  esta onfalarquia mascarada de consciência consigna três coisas: a) o egoísmo absoluto - a Igreja sou eu (donde  qualquer um, de ora em diante, pode arvorar-se como igreja, papa ou escritura de si próprio - o acesso instantâneo a deus, pelo imediatismo da consciência, cumulado duma Bíblia em edição de bolso para hermenêutica íntima e estojo de viagem, pavimenta e autoriza quaisquer delírios; b) a redução da Igreja ao seu presente e, pior, á sua mundanidade (quando, em rigor, a Igreja é passado, presente e futuro - é Kleros, isto é, herança da Palavra Divina e, nesse sentido,  embora participe no mundo, não lhe pertence em exclusivo nem nele se esgota,  mas aponta e liga entre o Tempo e a Eternidade, entre o Aquém e o Além; pelo que miniaturizá-la ou afunilá-la a uma qualquer figura papal ou critério purificador (invariavelmente fariseu) da hora ou do capricho a ferver, equivale à birra dum rato contra uma montanha; c) na medida, em que o ego/consciência devém determinante radical, auto-fundamento e critério auto-suficente, então o esquisocrente não apenas talha uma igreja à sua medida, como uma criação e, a limite, um deus a seu gosto: o self-made-man (que o futuro celebrará) culmina fatalmente num self-made-god, (Mercado para os amigos). Em segundo lugar, porque ao atentar contra os fundamentos da própria ordem, vai facilitar, convocar e potenciar toda uma sucessão e proliferação de desordens sucessivas, que funcionam quer como falsificação, quer como desagregação da ordem  regular. O ataque à Igreja é. e permanecerá sucessivamente,  tanto um ataque a Deus como ao Rei e à família. Nesta, aliás, denota-se de imediato um ponto desintegrante fulcral: o casamento deixa de ser uma união para a vida, no bem e no mal. Tal como na questão da própria Igreja, a essência do matrimónio é deslocada para o plano meramente particular, visto não como plenitude, de passado, presente e futuro (o casamento para a Eternidade), mas estrito expediente casual, sujeito ao interesse do momento  e confinado a um presente de conveniência (o divórcio livre, mas altamente oneroso ou vantajoso). Aliás, nesta palavra - "divórcio" resume-se o espírito e a dinâmica protestantes. Divórcio da Igreja, divórcio da comunidade, divórcio do Rei, divórcio da regra e, sobretudo, como se verifica actualmente, decorrido um completo ciclo evolutivo, divórcio da realidade. Convém nunca esquecer, que os calvinistas ingleses, vulgo puritanos, depois de massacrarem um ror de gente e o rei junto com ela, levados do diabo que os animava, embarcaram no Mayflower para as américas. Desembarcaram em péssimo estado, depauperados e moribundos, e não fora a caridade dos indígenas, teriam certamente sucumbido logo ali, miseravelmente, ao empreendimento. Péssima ideia, a dos pele-vermelhas incautos, que a humanidade ainda hoje padece com língua de palmo. Pouco tempo depois, os recompostos puritanos imigrados já estavam a espoliar e a genocidar os indígenas, a pretexto de se tratarem, muito convenientemente, de tribos do diabo. Se levarmos em conta que o diagnóstico era apresentado pela tribo do anticristo, a fazer fé no delírio da mesma, então tratar-se-ia duma briga familiar. Ou então, mais uma vez, novo cisma sectário: agora contra os irmãos mais antigos na demogénese, segundo os psicopatas em processo de auto-canonização.

Enfim, seria para rir se não fosse abissalmente trágico. O termo, porém, é todo um programa, se bem que assaz monótono. De "di-vorto" (o mesmo que di-verto), divórcio revela essa bifurcação, esse desvio e separação em direcções opostas no caminho, que não mais deixou de assombrar a civilização, melhor dizendo, o seu extraviamento para parte incerta. Porque, se atentarmos bem, di-vórcio/di-verso é o oposto de uni-verso (católico, em grego, significa universal), ou seja, voltamos à questão dos "heterozelos" (como já exposto num postal anterior desta série) - o confronto entre a parcialidade e a plenitude, a rotura e a redução daquela contra esta. O protestante, e mais ainda, radicalmente, em Calvino do que em Lutero, é por natureza e obsessão exclusiva, um divorciado militante e obsessivo. Um litígio ambulante e permanente. E uma demanda compulsiva de indemnização. O seu método é o da separação, da clivagem, da peneiradela ininterrupta. A palavra grega para estes fenómenos é, muito justamente, "crise"... e análise. Krisis - faculdade de separar, litígio, processo, juízo, desenlace; Analysis - solução, dissolução, análise e (notem bem) libertaçãoOraSe o catolicismo, de algum modo e com maior ou menor êxito, engenho ou justiça, almeja a paz, a concórdia, a estabilidade (ou estabilização), já o protestantismo respira e vive da crise - da sua exploração, implantação e remodelamento.  E opera igualmente na perpétua análise, que funciona como uma espécie de corolário e via de transporte para a anterior. Se a Igreja procura unir numa só família, com os deveres inerentes, todos os filhos de Deus, a crise protestante exige e vocifera pela dissolução dos vínculos, pela solução individualista da fé e pela libertação do elemento cismático de todos e quaisquer deveres ou obrigações para com a Assembleia (Eklesia). Chega-se assim àquele panorama comparativo em que dum lado se cultivam deveres e no outro se engendram e contrafazem direitos. Sendo que aqueles se perseveram ao nível da natureza (a família enquanto manifestação elementar desta na humanidade), ao passo que estes se mistificam no domínio da abstracção, do direito civil de conveniência (o trabalho, a empresa, o mercado, a riqueza enquanto via principal da salvação e prova antecipada da predestinação bendita). Os direitos, em concreto e por primazia, não referem de modo nenhum os "direitos dos mais fracos ou vulneráveis" (esses já são os antecipadamente danados e votados à fornalha eterna), muitos menos da generalidade, mas, outrossim, e radicalmente, os direitos dos mais bem instalados, protegidos e abastados.  Que devem, por lógica absoluta, tender para absolutos, retumbantes e esmagadores. A cacete, a tiro, à bomba,  seja lá como for, mas sem margem para dúvidas nem interstícios. As fantasias e devaneios socialistas ou socializantes não são para estômagos anglo-saxónicos: isso é mais para espargir sobre a concorrência, católica, ortodoxa, muçulmana, etc. Em forma de praga ou manta infectada sobre população sem imunidade nem vacina... Quanto aos escandinavos, estilo reserva de mentecaptos, é apenas para estiolar em lume brando, ou socialismo em forma de caldo maggie para culinárias instantâneas de neo-sopeirismo vicking. À presente data, e com todo o merecimento deste mundo,  estes arianos-de-cima imitam em tudo os arianos-de-baixo: constituem a testosterona crime capital e, devotos da auto-abjecção, despejam-se flacidamente pelo esgoto da História.
De qualquer modo, uma boa definição para o percurso da anti-civilização oxidental (deste o século XVI até hoje) seria qualquer coisa como "de divórcio em divórcio até á impotência (e falência) final".

Mas  di-verso não é apenas o oposto de uni-verso; é também uma contraposição de con-verso. O protestante desconverte-se, desliga-se, amotina-se.  Não apenas inventa e falsifica um novo culto: renega, acusa, julga e sentencia o anterior. Excomungado, demoniza a comunhão; expulso da congregação, proscreve-a para fora da humanidade.  A desumanização devém, aliás, um preceito recorrente do "protestante" bem como dos seus sucessivos avatares no tempo. Em primeiro lugar, desumanização/demonização do "católico", do "papista", do "padre". Depois, do "nobre", do "tirano", do "déspota". Mais tarde, todo e qualquer obstáculo à peregrinação, invariavelmente açambarcadora, da altura. Pelo que, na realidade, o di-verso protestante nunca vai mais além do que ao per-verso - isto é, á perversão do catolicismo. Simultaneamente uma caricatura e uma regressão: um refluxo a certas singularidades mais descabeladas do judaísmo - o imitatio propheti. Se bem que, na generalidade dos casos, o alucinado imagina-se não já apenas como um profeta qualquer avulso, mas como um neomessias efervescente e levado de seiscentas urgências. Thomas Múntzer, um famoso arruaceiro que os próprios marxistas canonizarão séculos adiante, vai ao ponto de regurgitar em si o próprio Cristo. À maneira dos dragões, diga-se em abono da verdade, já que auferindo-se poderes incendiários de lançar pela boca.

Müntzer, aliás, é um personagem paradigmático de tudo isto que vimos dilucidando. Intelectual errante, acumulador de estudos e conhecimentos linguísticos, chega a ser ordenado padre e torna-se seguidor de Lutero. Não demora a romper com este e a extremar a análise. Ei-lo a perorar a esmo, agremiando seguidores e basbaques, exaltados quase todos. Um núcleo de fiéis irredutíveis ganha a categoria de Eleitos (onde é que já ouvimos isto?)  Cumpre-lhes purgar e desinfectar a eito. As fantasias que animam os projectos redentores deste tresloucado são particularmente impiedosas e sangrentas. Exterminar católicos é prioritário; mas os luteranos  também  não perdem pela demora. Os Eleitos organizam batidas a mosteiros e conventos, onde frades e freiras passam um mau bocado. A santa destruição propõe-se abrir caminho ao Milénio - na Bíblia de bolso, o Apocalipse em modo readers digest torna-se a leitura de cabeceira destes visionários. Tudo isto decorre numa Alemanha fragmentada em múltiplos principados e bispados, no pós-desmoronamento do Sacro Império Romano-Germânico. O que também firmará, género predisposição fatal, uma receita para qualquer sarrabulho social  do futuro: a fragmentação e afrouxamento do estado. Isso e a invariável inflacção demográfica. O excesso populacional ocasionará, sistematicamente, desequilíbrios, migrações, misérias, tumultos... A simultaneidade dos dois fenómenos  patentear-se-á fatal.  Paris, de 1789, é caso disso. A revolucionite é sempre um praga urbana, instala-se no tecido hospedeiro da putrefacção social resultante das crises em redor das cidades e centros comerciais/industriais. O protestantismo germina inicialmente dum motivo frívolo, em meio supérfluo; mas evolui depois para um transtorno radical, fundamentalista e revolucionário. O fundamentalismo coincide com a imposição abrupta e violenta dum falso-fundamento, ou in-verso , isto é, um aero-plano. Quer dizer, deriva-se duma questiúncula, uma embirração com a topografia vigente para um "novo-mundo", uma "nova-gente", uma a-topia (utopia, como diz o vulgo) - uma deslocalização maravilhosa, redentora e apocalíptica.  Este aero-plano (ou projecto volátil, urbe neo-celestial, etc), por oposição à realidade terrena, é justamente aquilo  a alegoria swifteana da ilha voadora, donde o soberano alado patrulha o reino, exemplifica. Permitam que abra um parêntesis:

Quando aqui refiro protestantismo, estou à partida  a falar dum fenómeno histórico de índole para-religiosa. Mas, depois, essa índole não esgota esse fenómeno, porque o mesmo, rapidamente, ganha outros contornos. De (des)ordem revolucionária, dito com propriedade e rigor. Que irrompe logo no dealbar da coisa, mas também depois ao longo das épocas e episódios. Tanto assim, que já podemos passar a falar em "protestantismo" não apenas como "luteranismo/calvinismo/etc", mas, de igual modo, como acção de protesto e reivindicação tumultuosa ou mais ou menos organizada. Uma espécie de leitmotif histérico. Assim, os manifestantes do nosso tempo são, de algum modo, "protestantes". Protestam. Reclamam. São, não raro, portadores e crentes num aero-plano. Em que urge embarcar para salvação ou redenção de ...... (preencher a gosto). No nosso malfadado caso de Abril de 74, por exemplo, tudo começou num "protestantismo" militar. Uma questiúncula que já aqui esventrei à minúcia em bom tempo. E notem que o enquadramento é supérfluo (um bando de magalas desocupados em pós-comissão) e a questão frívola. De igual modo a demografia tinha disparado nos anos sessenta, com emigrações e migrações a granel, disparo industrial, aceleração mercantil. E claro, tudo se passa à volta da nova babel lisboeta. Porém, num ápice, passou-se duma questão frívola, em ambiente supérfluo (não essencial, entenda-se) para a exigência nem sequer dum novo regime ou sistema governativo, mas dum novo país. Habitado duma nova gente e votado a um novo mundo. De pronto, lavra-se um divórcio: dos protestantes doravante arvorados e amesendados em Estado, com a antiga nação e respectiva história. Demoniza-se o todo anterior e consagra-se a parte triunfante e usurpadora, que rapidamente se atomiza e rompe em zaragata sectária - onde os protestantes iniciais são sucessivamente ultrapassados por protestantes cada vez mais protestadores e alardeando e reclamando em nome de aero-planos cada vez mais delirantes. Quem quer que se recusasse a celebrar ou comprar bilhete para os múltiplos aero-planos era excomungado da nova para-religião e expulso para fora dos novos templos de culto e das sagradas escrituras, da constituição ao palramento, com interdito eleitoral. A heresia ganhou um ápodo de arremesso: fascistas. Na essência, para não variar da "tradição protestativa", eram católicos. Esse, de resto, é aquele ódio primordial que nunca esmorece.

Pois reparem, e para fechar parêntesis, em Paris, numa dimensão muita acima desta liliputante sequela, passou-se algo de extremamente idêntico. Os protestos do princípio, em modo ou tempo algum, reclamavam os resultados do fim. Mas, no entretanto... pois, irrompeu a revolução. Parece que faz parte da dinâmica intrínseca do processo. Que, sendo kafkiano, à sua maneira, descamba geralmente em sádico. Uma avalanche de casos e enredos emblemáticos.

Não obstante, a revolução, como já apontámos, sucedera já com Müntzer e, no rescaldo deste, com os Anabaptistas, em Münster, na Vestfália, deambulou por extremos nada inferiores aos iluministas. Um apocalipse de se lhe tirar o chapéu. Disso falaremos em anexo, mas no próximo postal.

Para terminar, que isto já exorbita, se pegarmos na teoria da predestinação, segundo Agostinho (que servirá de farol em larga medida ao protestantismo) teremos igualmente a pura negação daquilo que se estabelece como a "evolução" cristã em relação ao pensamento grego: a superação do destino e da ausência de liberdade humana na dimensão cósmica. Porque esta predestinação agostiniana (de clara influência maniqueísta - e é preciso não esquecer que Agostinho foi maniqueu antes de se converter ao cristianismo) é ainda mais mecânica e cega do que a Moira grega. De qualquer modo, nem o pensamento grego cerceava tão absolutamente a liberdade humana, nem Agostinho melhorava em relação ao mesmo coisa que se visse. Mais: Era pior no seu pior aspecto e não muito distante no seu melhor.

Se nascemos predestinados, é irrelevante a nossa acção. E esta irrelevância da obra, em Lutero, conduz à tal servidão completa ao nível exterior do homem escorada na liberdade completa ao nível interior, da consciência, ou seja, um servo em concreto, mas livre em abstracto. Calvino irá mais longe e estabelecerá o divórcio total com a Igreja (Lutero propunha-se apenas reformá-la e, de certa forma, empapar-se dela), mas mantendo a predestinação agostineana em absoluto e da forma mais grosseira possível: os sinais de fortuna neste mundo são já sinais da bênção no Além e anteparos da salvação. Só que o que entretanto fica, em forma de suco desta esponja é que o protestantismo (na sua múltipla e transtemporal acepção), significa um individualismo sem indivíduos, em contraponto ao catolicismo:  indivíduos sem individualismo. Na História - e no deambular da civilização - o confronto é entre uma arquitectura terrena (a hierarquia) e uma multiplicidade competitiva de aero-planos. E o conflito insanável verifica-se entre uma liberdade autêntica e o liberticídio mascarado de libertação (analysis), ou seja, dissolução, divórcio. A liberdade autêntica dum homem é ser homem e não outra coisa qualquer, geralmente uma besta. Como a liberdade do sol é ser sol. Liberdade é a faculdade de uma coisa ser aquilo que realmente é. Um Sábio da Antiguidade também, em dado momento, deu o nome próprio ao protestantismo: "O teu nome é legião!"

Por fim, dizem que a escreveu com a melhor das intenções, à Civitas Dei. Mas não deixa de ser um grandioso aero-plano. E os aero-planos têm consequências.

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Carnaval da Madeira, ou Regime de Carnaval

 



Passadas as férias e o entrudo de brincar, voltemos à vaca fria e ao sempiterno carnaval com sentido de estado...


Por conseguinte, se acompanhamos a lógica e a realidade subjacente, a Procuradora-Geral da República atirou-se aos subordinados. Começa já a bradar ao escândalo: Ninguém como eles tem descredibilizado a instituição.

Ou então, situação mais perversa, atirou-se àqueles que pretendem concorrer deslealmente com os subordinados (mais conhecidos pelo pomposo e solene epíteto de magistrados do Ministério Público), na descredibilização da instituição.

Ora, no estado actual da romaria, cada instituição (chamemos-lhe assim, para simplificar) detém o exclusivo do seu próprio descrédito. Digamos que é plenamente soberana e auto-suficiente no seu próprio desabono. O Presidente da República auto-desacredita-se; o Governo auto-desacredita-se; o parlamento, idem; e o Ministério Publico mai-la justiça em geral, a mesma coisa. Chama-se a isso "separação de poderes". E está muito bem visto e superiormente testado na experiência. Os fulanos que confabularam isto foram uns artistas. De facto, ninguém como as pessoas instaladas nas instituições para as desacreditarem com toda a força, pundonor e competência de que são capazes.  Aliás, é essa a sua função e mister, segundo o quadro geral desta administração. Mas tudo muito bem arrumadinho, como os macacos no galho, cada qual no seu. Não esquecer: O Presidente desacredita a Presidência; O Primeiro-ministro e os acólitos ministeriais desacreditam o Governo; os deputados desacreditam o parlamento; e os magistrados (pró vertente caso) desacreditam o Ministério Público. A toda essa organização, concertada,  devotada e juramentada ao descrédito nacional (e internacional), chama-se República portuguesa. Mais aperfeiçoadinho que isto é difícil.
Todavia, por maior que seja a bela, teima sempre o senão. E este, ao que tudo indica e as notícias não se cansam de assinalar, é que os institucionalizados despistam-se grosseiramente, desatam a saltar os limites comuns e largam a esgravatar o descrédito uns dos outros. Em matéria de poderes, resvala-se, assim, da separação mimosa para a promiscuidade enxovalhante. Não contentes de desacreditarem a sua instituição, os inefáveis inquilinos, desatam a tentar  desacreditar também as dos vizinhos, na paródia simuladora de Estado em que se recreiam e nos desfrutam. Neste dispêndio frívolo e supérfluo de energias e expedientes, importa principiar por dizer que ficamos sem perceber muito bem se o fazem por acreditar, um tanto ou quanto candidamente, que se desacreditam ainda mais a si próprios na proporção em que desacreditem atabalhoadamente os outros (a chamada crença no descrédito partilhado), ou se o desferem por mero e olímpico desprezo, muito típico entre nós, dos incrustados vitalícios (geralmente intitulados "de carreira") pelos alapados de ocasião e arribacinha (vulgarmente denominados "eleitos") [Nota abrupta ou nem tanto: um pouco como aquela quezília entre os do quadro e os milicianos, na tropa fandanga em estágio para abrilampos].
Porém, a verdade é que existe um outro factor não despiciendo a concurso. Uma instituição que, não o sendo, age como se sobranceira e supervisora de todas elas: a famosa comunicação social. Sendo, por incrível que pareça, a mais desacreditada e insaciavelmente obcecada em cobrir-se de descrédito, arvora-se, não obstante, como, em cúmulo, o farol e a campainha do andor; proclama-se a sancha padroeira da romaria. Tratando-se, sem sombra de dúvida, da mais venal, fraudulenta, prostituída e sabuja de todas, por lógica intrínseca à missa negra republicada, desempenha, no entanto, o vaso nocturno  da virtude, a santa inquisição da moral e o preboste-geral dos costumes. Pode parecer, um fenómeno destes, um absurdo completo. Mas apenas ao cidadão incauto e menos esclarecido. Porque, com patente, alvará e franchising autorizado, a este aleijão disforme, badalhoco e obsceno, fruto do cruzamento patibular entre a aberração e o tráfico, chamam, os anabaptistas e luzecus de plantão, democracia. Isto, caso ninguém tenha reparado, está de tal forma genialmente entretecido que, mesmo quando parece descarrilar a todo o vapor, na verdade eis que desemboca num degrau superior de virtude.
Depois, cereja no topo do bolo, no seu estrénuo afã de se desacreditarem, todas as instituições da república, como que tomadas de idêntico frenesim devassante,  cedem à vertigem do descrédito em modo turbo (e turba), demandando o descrédito generalizado e galopante: o Presidente da República albarda-se de comentadeiro e comunicador; o governo despeja-se pelas agências de puxa-sacos e bajula-tachos de serviço abaixo;  o parlamento multiplica-se em poses, alaridos e funambulices para os jornais e televisões; e, finalmente, a magistratura cata-pentelho e mata-segredos vive em união de facto com a pasquinaria derrancada à bica da incontinência e do escandalinho da porcalhota. A isto, a um estropiciário destes, chamaria qualquer extraterrestre recentemente chegado ao planeta, um estado geral de rilhafoles. Os doidos varridos instalados na administração, no entanto, preferem chamar de "estado de direito". Há forma de escapar a um primor destes?

Serve este postal como forna de denúncia ou protesto? De maneira nenhuma. Quem sou eu para bulir ou contender, sequer com uma flor, com perfeições destas?

Vamos lá a atentar na realidade, fria e crua: a República actual, real, concreta, consiste num conjunto de expedientes, pretensamente legais, anedoticamente racionais,  de descredibilizar as instituições e esvaziar os poderes. É um sistema de governo cujo poder emana do povo? Sem dúvida. E em forma de cortejo alegórico itinerante. É o regime adequado ao rectângulo? É o que temos... um regime, aliás, duplo: de carnaval (perpétuo) e de internato (sob vigilância externa). 

A mim sobra-me apenas uma questão: com esta minha idade, vou emigrar para onde?


PS: Um breve nota de rodapé: até aqui parece que a esbirraria compenetrada fazia arrastões em busca de provas; ao que tudo indica, apuraram o engenho: agora já lançam mega-arrastões à cata de indícios. Dizer que a montanha pariu um rato denotaria claro exagero: não era trabalho de parto; eram gases. 

segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Chá de arruda

 




Diz-me o curandeiro, segundo o jargão da tribo, que estarei sob ataque dum vírus. Deve ser feroz, a criatura, dados os efeitos, congeminei. Estas ficções modernas  têm que ser sempre levadas com um certo humor e condescendência. Antes um vírus que um basilisco, tornei a congeminar. Afinal, o hediondo monstro ainda congregava em si um sinistro agregado de horrores e faculdades maléficas. Por outro lado, que raio vem a ser um vírus? Nem sequer um organismo é, bacorejam os entendidos. Um nada metido a besta... Um nano-microparasita ao nível celular, segundo a mitologia hodierna. Aí começo a alarmar-me... Será que tenho um milimicra-judeu a conspirar dentro de mim?

Pelo sim, pelo não, vou tomar o chá de arruda. Se funcionava com o basilisco, pode ser que iniba este nanointruso.

Paciência, leitores. Assim que estas dores de cabeça amainarem, vou tentar garatujar qualquer coisa. Neste momento, não consigo. Estou demasiado furioso. É como eu fico quando me atacam. Mas isso também já não é novidade nenhuma para ninguém, 

sábado, fevereiro 10, 2024

sexta-feira, fevereiro 09, 2024

Voando sobre um Ninho de Cucos - 4. Em busca do Ghetto perdido





 

«Algumas obras, como a de Nordau e a de Lombroso, pertencem ao charlatanismo scientifico»

                                     - Fernando Pessoa 

 

Charlatão científico, como a generalidade da sua raça em quase tudo - sobretudo em matérias psiquiátricas, psicológicas, judiciais, económicas, etc -, Max Nordau foi um dos sócios fundadores do Sionismo. O texto que se segue é tremendamente elucidativo da essência do projecto sionista. A implantação artificial dum Super-Ghetto, não já local e sujeito às contingências dessa localidade, mas global, inexpugnável, hermético, completamente calafetado e impregnável. É isso que Israel - a Neo-Israel de fancaria histórica - representa e almeja realizar. 

Vou por parágrafos, cada um com a respectiva explicação para português suave. Se bem recordo, o texto faz parte do discurso de Nordau no Primeiro Congresso Sionista, em 1897.

Então, diz ele:


«Jewish misery has two forms, the material and the moral. In Eastern Europe, North Africa, and Western Asia -- those regions which shelter the vast majority, probably nine-tenths of our race -- the misery of the Jews is understood literally. It is the daily distress of the body, anxiety for every following day, the painful fight for the maintenance of a bare existence. In Western Europe, the struggle for existence has been made somewhat lighter for the Jews, aithough of late the tendency has become visible even there to render it difficult for them again. The question of food and shelter, the question of the security of life, tortures them less; there the misery is moral.» (...)

Tradução: A grande maioria dos judeus está fora da Europa ocidental e padece de miséria material; uma minoria reside na europa ocidental, mas embora bem na vida, padecem de miséria moral (entraram em processo de assimilação, pelo que estão a abandonar a sua judaicidade).

«All kinds of vices are falsely attributed to the Jews, because one wishes to convince himself that he has a right to detest them. But the pre-existing sentiment is the detestation of the Jews.» (...)

Tradução: Os judeus são cidadãos perante a lei, mas não são estimados pelo coração das pessoas. As pessoas que, geralmente, fazem  de sua ocupação predilecta o pesquisar maneiras, pretextos e motivos para se hostilizarem, desentenderem e antipatizarem entre si deveriam abrir uma excepção maravilhosa para os Judeus. De notar que, mesmo Ihávé, que arranjou uma fórmula peculiar de excepcionalismo para eles, nunca se conteve de cobri-los de toda a espécie de castigos, flagelos e perseguições  Exigir a conterrâneos de infortúnio aquilo que não se exige ao Deus todo Poderoso, é obra, e revela da boa fé do peditório. Por outro lado, se existe um antipatia recíproca ao longo de séculos, é evidente que Nordau tem razão em dizer que não vai ser um mero expediente legal que vai regular ou sanar a coisa.

«The Jew without any rights did not love the prescribed yellow Jewish badge on his coat, because it was an official invitation to the mob to commit brutalities, and justified them in anticipation. But voluntarily he did much more to make his separate nature more distinct even than the yellow badge could do.' the authorities did not shut him up in a ghetto, he builst one for himself. He would dwell with his own, and would have no other relations but those of business with Christians.» (...)

Tradução: Embora o judeu ilegal não apreciasse particularmente os símbolos portáteis da sua marginalização, porque isso acarretava uns quantos incómodos, a verdade é que ninguém mais que o judeu experimentava a volúpia de se encasular em ghettos fofinhos, onde pudesse calafetar-se em voluntária reclusão. Não são os outros que determinam o que quer que seja ao judeu. São demasiado insignificantes para tal. O seu único interesse para o judeu é enquanto fonte de rendimento. Os cristãos, sobretudo, são ótimos para sacar.

The word "Ghetto" is today associated with feelings of shame and humiliation. But the Ghetto, whatever may have been the intentions of the people who have created it, was for the Jew of the past not a prison, but a refuge. It is only historical truth if we say that only the Ghetto gave Jews the possibility to survive the terrible persecutions of the Middle Ages. In the Ghetto, the Jew had his own world; it was to him the sure refuge which had for him the spiritual and moral value of a parental home. Here were associates by whom one wished to be valued, and also could be valued; here was the public opinion to be acknowledged by which was the aim of the Jew's ambition. To be held in low esteem by that public opinion was the punishment for unworthiness. Here all specific Jewish qualities were esteemed, and through their special development that admiration was to be obtained which is the sharpest spur to the human mind. What mattered it that outside the Ghetto was despised that which within it was praised? The opinion of the outside world had no influence, because it was the opinion of ignorant enemies.» (...)

Tradução: O Ghetto é extremamente confortável e reconfortante para os judeus. Permite-lhes aconchegarem-se muito uns aos outros, usufruindo da sua putativa e colectiva  superioridade sobre os povos exteriores, hostis e ignorantes, todos eles. É o verdadeiro lar onde o judeu nidifica, confraterniza, planifica, contabiliza e detesta o que está lá fora. O judeu, de resto, é o único povo que dispensa a evolução: há séculos que alcançou a perfeição e o zénite étnico.

«Such is the existing liberation of the emancipated Jew in Western Europe. He has given up his specifically Jewish character; but the peoples let him feel that he has not acquired their special characteristics. He has Lost the home of the Ghetto; but the land of his birth is denied to him as his home. His countrymen repel him when he wishes to associate with them. He has no ground under his feet and he has no community to which he belongs as a full member. With his Christian countrymen neither his character nor his intentions can reckon on justice, still less on kindly feeling. With his Jewish countrymen he has lost touch: necessarily he feels that the world hates him and he sees no place where he can find warmth when he seeks for it. This is the moral Jewish misery which is more bitter than the physical, because it befalls men who are differently situated, prouder and possess the finer feelings.» (...)

Tradução: Sem guetho e sem Sião, o judeu não é nada, a não ser desespero e amargura. Errante numa terra de ninguém, o judeu descobre que é o Calimero da civilização. A assimilação, é garantido, conduz à miséria moral. Como o ser superior que condescende em coabitar com alimárias.

"What did it matter that those values which were prized within the ghetto were despised outside it? The opinion of the outside world did not matter, because it was the opinion of ignorant enemies. One tried to please one's brothers, and their respect gave honorable meaning to one's life.»

Tradução: A opinião das bestas não interessa. Trocar o guetho pelo mundo inóspito e inferior dos goym é completamente errado e nada recomendável. A raça superior não deve misturar-se. Afinal, só vai decair da perfeição e do zénite evolutivo. Que, no caso prodigioso dos judeus, e ao contrário dos outros povos, não está à chegada, mas à partida. Importa repetir e reforçar: Irrompem na História completos e acabados, sacolejando virtude e génio, exibindo excelência sem excepção. 

«They abandoned the ghetto and sought a new belonging, and acknowledgement as fellow Frenchmen/women, Germans and Austrians. Eagerly they rushed to pay the full price for their admission to gentile society, shedding their Jewishness and modeling themselves after their new compatriots. Tragically, after a short honeymoon period, the Jewish longing for acceptance was balked by an abrupt antisemitic backlash. Jews were then psychologically defenseless, for they could no longer take comfort in their ghetto refugeor from the esteem and solidarity of their fellow Jews.»

Tradução: O abandono do Ghetto equivale a uma segunda expulsão do paraíso. Se bem que eles nunca tenham sido expulsos: Ihavé estava apenas a treiná-los e a prepará-los para a maratona subsequente do... antissemitismo. Que, no caso deles, não é medida ao quilómetro, mas ao século.


quarta-feira, fevereiro 07, 2024

O Ódio ao Extraordinário

 Apercebi-me, meio de raspão, e por mera curiosidade mórbida, duma pérola videogravada dum tal Richard Dawkins, um alto reverendo ateísta, presumo. Gabava-se o sujeito que num debate qualquer com um tal Jordan qualquer coisa, este teria ficado encavacado com uma tremenda pergunta que o demopresbítero lhe assestara de chofre; a saber, se acreditava que Jesus tinha nascido de uma virgem. O outro, ao que tudo indica, um pop-sapiens agora muito na berra (nem sempre pelos piores motivos, conceda-se), teria ficado encabulado e sem resposta condigna para a tremenda e cabeluda questão.

Logo à partida, discutir com um ateísta profissional  é o mesmo que tentar conversar com um autista espalhafatoso. Certos animais ditos irracionais apresentam mais inteligência ou, pelo menos, superiores  rudimentos dela. Depois, isolando a questinha, a resposta é muito simples e facilmente compreensível para seres modicamente equipados de cultura e intelecto activo.

Um homem ordinário não nasce ordinariamente de qualquer ordinária mulher virgem. É necessário intercurso sexual. Ou seja, um homem ordinário nasce de forma ordinária.

Mas um homem extraordinário pode nascer duma mulher extraordinária de uma forma extraordinária. Seria, aliás, uma perfeita aberração ou contrassenso, que algo extraordinário acontecesse ordinariamente. 

Se só existisse e sempre tivesse existido o ordinário, então nós nunca falaríamos, ou sequer pensaríamos algo de extraordinário. O extraordinário, por outro lado, não se limita à religião: acontece igualmente na Arte, por exemplo. Bach, entre outros, é prova disso. Bosch também. Uma catedral gótica é igualmente do domínio do extraordinário. E até na filosofia: Aristóteles é extraordinário. Newton também teve um momento extraordinário e ele próprio o reconheceu. O extraordinário é, à nossa dimensão, o contrário do banal, do medíocre, do mundano.

Portanto, a questão do imbecil em questão, no fundo, resume-se a algo que vamos visitar até no próximo postal sobre a Revolução, a propósito do "espírito protestante" (esse super-oximoro) que ajudou à monstruosa gestação; a saber, na descrença não exactamente em qualquer conteúdo específico de ordem religiosa per si (afinal, os ateístas profissionais são ultra-religiosos, fundamentalistas do avesso), mas, outrossim, na descrença, na aversão e na recusa do Extraordinário. Isto é, em vez duma Ordem fundada e orientado pelo e ao Extraordinário (a excelência, o sublime, a perfeição, podem ser considerados seus avatares terrenos), o decreto duma desordem permanente (que no folclore actual se vai fundando numa explosão sideral), mascarada numa evolução progressiva, dirigida e telecomandada pela mais recorrente e retroalimentar ordinarice. Sim, sem tirar nem pôr, o universo de Sade em cena e acção. E nem sequer podendo dizer-se que transposto da ficção para a realidade porque, de facto, é o inverso: a redução, conversão e caricatura da realidade a essa ficção particularmente distópica. Dawkins é um macaco de feira do Marquês, incapaz sequer de articular - além de meia dúzia de memes - uma ficção minimamente apreciável. Contrariamente ao Marquês, que consegue não raro beirar o extraordinário na forma ao mesmo tempo que mergulha no escabro do conteúdo, no primata inferior, de serviço a um realejo da treta, nem a forma nem o conteúdo se aproveitam. Até como fruste tentativa de entretenimento, o despejo concorre, se tanto, com drogas soporíferas. Quer convocar-nos ao espectáculo, ao contorcionismo, à acrobacia, mas nunca vai além do bocejo. Todavia, aufere desse interesse específico para o entomólogo das ideias: reverbera e zumbe toda uma "tradição" epidémica que o precede, equipa e predetermina. Nisso, é prova viva da sua receita evolutiva... pelo menos, tanto quanto uma infecção, ou cancro maligno manifestam evoluir. Do ponto de vista do tumor será seguramente um sucesso - a estrada para o triunfo, quiçá; mas na triste perspectiva da humanidade que o padece, melhor fora que nunca tivesse nascido.

Nada há, pois, de extraordinário em Dawkins. Poderíamos contra-argumentar com uma extraordinária estupidez, mas a estupidez, por muito descomunal que seja, nunca é extraordinária. Não sendo da ordem do dom, pertence ao domínio da ausência. Entramos no universo dos números negativos, abaixo de zero, de nada. Certos números de circo, enfim.