quinta-feira, outubro 28, 2010

(R)evoluções


Acreditam hoje nos médicos como dantes acreditavam nos padres. Já os economistas não substituíram porque competem ainda, esforçadamente, pela psico-hegemonia das massas: com os astrólogos, quiromantes e outras bruxelências congéneres. Em clara desvantagem, reconheça-se.
Não tarda muito, estou mesmo em crer, o espírito perplexo da população interroga-se se não seria bem menos pernicioso à administração pública e ao futuro da nacinha ter o Professor Karamba ou o catedrático (e Grande Astrólogo) Mamadu no lugar, respectivamente, do Professor Cavaco ou do professor Teixeira. E da interrogação à constatação vai geralmente um passo de formiga.


PS: Aliás, para um regime em estado de disfunção eréctil crónica, o professor Karamba apresenta uma série de mais valias nada menosprezáveis. O único problema é que o regime, e o país por arrasto, padecem duma disfunção agravada e complexa: não é apenas a gaita que não levantam. Pior: é a coluna vertebral.



terça-feira, outubro 26, 2010

Presidente Gás

Especialmente dedicado àquela coisa gelatinosa que se recandidatou hoje. Todavia, mais qualificado - e osmótico! - que aquilo, para presidir à bandalheira instituída, dificilmente se encontrará. Teríamos que rebuscar, com toda a certeza, entre os antecessores.


terça-feira, outubro 05, 2010

Respútrida


VIVA O REI!!


quarta-feira, julho 07, 2010

Artesanato versus indústria

«Bombas caseiras matam mais três soldados no Afeganistão»

Lendo parangonas deste jaez, podemos rapidamente deduzir que prossegue a bom ritmo a vetusta refrega entre o terrorismo artesanal e o industrial.

Detesto visceralmente muçulmanos e calvinistas. Os segundos enojam-me apenas bastante mais. E os de imitação, pior um pouco! Isto é como quem diz: são mais perigosos os falsos amigos que os declarados inimigos.

Bandoleiros de estrada ou de repartição

Neste país à beira-mar desplantado, o latrocínio infestador e cavalgante subdivide-se em dois ramos concorrentes: aquele que a polícia reprime e aquele que a polícia garante. Sendo compostos por operadores - regra geral - diferentes, partilham, todavia, duma mesmíssima entidade hospedeira: as vítimas.

quinta-feira, junho 10, 2010

Os Bastardos de Íxion

Não escolhemos a hora, nem o sítio, nem os progenitores. Nascemos, pura e simplesmente. Mais puro e simples, de resto, não existe. Acontecemos, assim, enquanto lugar - no tempo, na humanidade e na terra. Chamo Pátria a esse lugar, à síntese desse tríptico vital. A Pátria não se elege, não se compra, não se troca, nem, ainda menos, se vende: honra-se. Na medida em que se cumpre.
Dir-me-ão que o que não falta para aí é gente que vende a pátria, ou que a troca por outra mais gratificante e vantajosa. Gente dessa, aliás, se é que gente se pode chamar, foi mesmo o que nunca faltou por estas bandas. Por estas e por outras - por todas as bandas de todos os tempos. Todavia, todo esse comércio não passa de vão simulacro, contrabando de pechisbeque e contrafacção. Não pode vender quem não tem; como, tão pouco, se pode comprar aquilo que não se adquire por transacção monetária. Dupla e recíproca vigarice, portanto. Mútuo embuste. Mercado do vácuo.
Não somos livres quando o preço da nossa emancipação consiste na escravidão e na prostituição da nossa própria mãe. Quem assim pensa, compreende-se: é filho de puta nem sequer real . A nuvem que Íxion tomou por amante, tomam eles, agora, por mãe. Pobre Nefele! Sobrignóbil sina na velhice: depois de parir semi-cavalos, ver-se na contingência de dar à luz asnos completos!...

quarta-feira, junho 09, 2010

Olex sed Lex

De modo a tranquilizar alguns adivinhadores mais visionários, entre os quais o meu sócio e compadre Ildefonso Caguinchas - que já para aqui anda em palpites descabelados e alvitres alucinantes -, convém esclarecer duma vez por todas a identidade do autor do segundo trecho. Pois, senhoras e senhores, não é Calvino, não é Darwin, nem é Jesus, o Jorge, tão pouco (ouviste bem, ó Ildefonso?!!) . Não, é mesmo Adolph Hitler. Na sua, dele, "Mein Kampf". Algures, no capítulo II.
Comentários para quê? Vem-me à memória aquele velho anúncio do Restaurador Olex. Pois é, "pretos de cabeleira loura ou brancos de carapinha"... Que também podíamos actualizar para "arianos kosher ou marranos hitlerozados".
No fundo, nem é para levar a sério. Não passa dum mero penteado. Mental.


domingo, junho 06, 2010

Doutor Estranho-Amor




Descubra as diferenças:

a)

b)
«Quando a raça corre o perigo de ser oprimida ou eliminada, a questão da legalidade passa para segundo plano. Em tal caso pouco importa que o poder dominante use meios legais; o instinto de conservação dos oprimidos justificará sempre a luta que usa todos os recursos.
Neste mundo, todas as lutas pela libertação da escravidão interna e externa e de que as história nos mostra exemplos prodigiosos, foram travadas com base nesse princípio.
O direito dos homens está acima do direito do Estado.
Se um povo sucumbe na luta pelos seus direitos humanos é porque ao ser pesado na balança do destino foi considerado demasiado fraco para ter direito à vida. Quem não está disposto ou não é capaz de lutar pela existência, é porque a Providência eternamente justa o predestinou a desaparecer.
O mundo não se fez para povos cobardes.»

Já agora, aproveite a embalagem e, ironia das ironias, adivinhe quem escreveu o segundo trecho. Não é difícil.


quinta-feira, junho 03, 2010

A merda não morre

Dizem que morreu o Coutinho
Coitadinho
Do vendedor.
Pois ei-lo que enfim jaz
A adubar pasto, a criar erva.
a nutrir siamesa caterva
Que o digere em paz!...
Já não destila ódios
Nem liberta vícios
Apenas gás.

Rejubila a goela obscura
Na antevisão do banquete.
A terra, porém, abomina o frete:
títere com alma de serradura.

Morreu, o Coutinho?
Foi apenas ter com o paizinho
Dele e da sempiterna selva
Que nos burila e perfaz.
Aqueles que o diabo traz
O diabo leva.

O papá que agora o ature
O cure,
O curta, laureie e recicle
O passevite, o asse, o torre!
Condecorado a escarro, ungido a manguito
Morreu, dizeis? Não acredito.
A merda não morre.

quarta-feira, junho 02, 2010

O lema constitutivo do Estado de Israel:

«Quero, posso e mato».


Já quanto ao Cogito judaico é todo um programa ancestral que vai do "minto, logo existo" ao "mato, logo existo".

Enfim, coisas dum país a prazo.

domingo, maio 30, 2010

Maiêutica democrática

De Inglaterra, o berço da para-lamentação que nos desalumia e do liberdadeirismo que nos transvaza, arriba-nos mais uma história de austera e edificante moral.
Ministro pagou quarto de namorado com dinheiro do Estado.

Ou de como na espécie humana, à medida que se atrofiam os olhos da cara (por míngua, entre outras coisas, da vergonha que nela mora ausente), mais decreta e exorbita o olho do cu.

Entretanto, no Malawi fica a prova: afinal, há uma globalização que, apesar das crises (reais e imaginárias), até vai de vento em popa - a da gayzice. Mais uma vez, a lógica imaculada rege: à medida que a malha em redor do estômago e da mioleira, à escala mundial, se estreita e aperta, o freio ao olho do cu - e respectivos derivados e constelações - relaxa-se. Ou de como as comunidades locais e nacionais concretas cedem cada vez mais as rédeas a uma comunidade fictícia, inefável que ninguém sabe realmente o que seja ou quem represente: a "Comunidade Internacional".

Já entre nós, à conta de idênticos folclores, o Príncipe (retrosculado pelo lobi, presumo) transformou-se em sapo. Ou, dito por outras metáforas, a república pariu um rato.

Bom dia. O meu nome é César Augusto Dragão. Estou a ficar realmente zangado. A demolição segue dentro de momentos.

domingo, maio 09, 2010

A Natureza da Civilização (rep)


I

A vitalidade e a grandeza duma civilização, qualquer que ela seja, medem-se pela sua intolerência. Intolerância ao homicídio, ao roubo, ao incesto, à corrupção, à cobardia, à mentira, à injustiça, etc, etc. Intolerância ainda, e especialmente, à escravatura e colonização por outra cultura. Quando as civilizações começam a ser sobremaneira tolerantes não significa que são mais fulgurantes e avançadas: significa apenas que entraram em declínio e que se aproximam fatalmente da extinção. A intolerância, fundada em leis, mitos, princípios, história comum e tradições, funciona para a civilização como as defesas do organismo para o indivíduo: quanto menos tolerantes forem aos vírus e bactérias infecciosos e quanto menos indulgentes forem para com as tendências venais do próprio, mais saudável será o conjunto. No dia em que as defesas começam a confraternizar com os bacilos, a tratá-los com toda a deferência, a recebê-los em festa, sabemos o que acontece. Ou chegou a velhice, anunciando a morte; ou chegou a doença, anunciando a febre, o delírio, a náusea e o tratamento de urgência. A corrida aos médicos e remédios.
Intolerância não significa repressão. Ao contrário da manhosice freudiana que equipara civilização a repressão, a intolerância, enquanto cimento civilizacional, significa, outrossim, que a civilização é um sistema de continências, de refreamentos espontaneamente cultivados, ou seja, aprendidos, transmitidos e guardados por todos. Civilizado é aquele que honra a civilização a que pertence.
É à medida que decaem, que declinam, que perdem o vigor, que as civilizações se tornam tolerantes e, em simultâneo, repressivas. Perdido o equilíbrio, tornam-se excêntricas e caem no excesso. Aquilo que deixou de ser guardado e cultivado por todos, passa a ser policiado e imposto brutalmente por alguns. O destino último, após rixas, zaragatas e corrupções, será a desagregação.
A civilização grega era intolerante, tal qual a civilização cristã foi intolerante. No entanto, foi no auge da tolerância que Atenas condenou Sócrates à cicuta e a Santa Madre Igreja largou os cães da inquisição. Farmacon, elucidativamente, no grego original, significa "remédio" e "veneno". A corrida ao remédio, no caso das civilizações, é sempre um acto de desespero tardio. E tanto quanto a luta, anuncia o estertor.

II

Dragão menino, houve uma época em que me dediquei à colecção de pássaros. Pintassilgos, verdilhões, bicos-de-lacre, capturava-os em armadilhas de visgo e engaiolava-os durante uma temporada. Pardais, piscos, carriças, felosas era escusado. Ao contrário dos anteriores, não se aguentavam na prisão. Enmurchesciam, não comiam nem bebiam, por mais insectos ou incentivos que eu lhes desse, feneciam e morriam a breve trecho. Deixavam-se morrer, melhor dizendo. Antes a morte que tal sorte, deviam eles pensar. E, no meu modesto entender, hoje que penso nisso, pensavam bem.
Descobri assim que havia aves tolerantes e aves intolerantes ao cativeiro. As granívoras adaptavam-se com relativa facilidade, as insectívoras nem por sombras. As intolerantes eram as que tinham mais amor à liberdade. Não a uma liberdade qualquer, conceptual, inefável, retórica, mas uma realidade concreta, vital, irredutível: a sua.
Da mesma forma, apenas em palco diverso, quando os labregos caras-pálidas à conquista da Terra prometida deram com os Sioux e lhes infernizaram a vida, descobriram rapidamente que os pele-vermelhas não se aguentavam em cativeiro nem, pior ainda, serviam para trabalhar. Os índios, diabos os levassem, eram completamente intolerantes ao trabalho e à escravatura. Foi então que os colonos começaram a importar africanos, peles-escuras exóticos que, ao contrário dos pele-vermelhas residentes, eram duma tolerância magnífica à canga e ao chicote.
Uma tolerância semelhante, se bem que encoberta e edulcorada com balelas do Santo Mercado, é o que se procura e promove com a mão-de-obra emigrante destes nossos dias. É essa a tolerância-mor que se destila sob o adestramento frenético e obsessivo em todas as outras tolerâncias.
O mais engraçado disto tudo é que tinha mais civilização na unha dum pé um Sioux que qualquer um daqueles babuínos protestantes por todo ele todo abaixo. No entanto, acabaram com a civilização dos Sioux. E depois vieram acabar com a nossa. É nisso que andam.
Houve civilizações que caíram às mãos de bárbaros. A nossa, desgraçada maior, está a finar-se às patas de macacos engravatados.

sábado, maio 01, 2010

Consenso

Segundo pude perceber, chegou-se a um consenso maravilhoso entre o desgoverno internacional e o desgoverno nacional acerca da coisa, ou crise ou lá como a pintam: temos desempregados a mais e sem-abrigos a menos.

domingo, abril 25, 2010

República dos Pinóquios





Em matéria de mentira, senhores
somos um povo culto, avançado...
Os outros dedicam-lhe um dia, o primeiro;
nós, para melhor diluir o feriado,
consagramos-lhe o mês inteiro.

Abril da treta, da tanga, do arroto
a criar pança, papada e cu fofo;
Não cheira a rosas, cheira a esgoto
não cheira a cravos, cheira a mofo.

Porque a verdade, senhores
analfabetos doutores,
é que faz hoje não sei quantos anos
que tombaram senis modernos
sob um surto de jovens bolores.

E quanto às portas que Abril abriu
mais as auto-estradas, rotundas e bermas,
melhor fora que nunca tivesse aberto as pernas
a grande e republicana puta que os pariu!

quinta-feira, abril 22, 2010

De bradar!

Bem, a ser ofensivo - injurioso, até! -, o tal enunciado do exame, só se for mesmo para os animais vertebrados e para os defensores (quiçá fanatizados, como é o meu caso) da poligamia. De facto, colocar-nos ao mesmo nível do casamento entre invertebrados, vulgo gayos, parece-me digno de escândalo e celestial brado. Parece-me, não: tenho a certeza!...
Entre um homem ( ou mesmo entre um cão ou um cavalo) e uma anémona gelatinosa ainda vai uma certa diferença. Mesmo nos dias de hoje, que diabo!...

segunda-feira, abril 19, 2010

Os do costume

O meu primo da Islândia só é responsável por enviar cinzas e labaredas para a atmosfera. Pelo envio de alarmismos seguranceiros, interdições histéricas e aero-preservativos, os responsáveis são outros. Os do costume.
Adivinhem quem vai lucrar com o vulcão...

domingo, abril 18, 2010

Álbum de Família



O meu primo da Islândia.


sexta-feira, abril 16, 2010

Con-gestões

"Gestores são dos que «mais impostos pagam em Portugal»"...

Pois, mais que eles só mesmo os tipos que ganham o Euromilhões.

quinta-feira, abril 15, 2010

Filão mignon

Lapso tremendo, no postal anterior, do qual desde já me penitencio... Esqueci-me dos alcoólicos católicos, essa torre de menagem. Devem estar mesmo por aí a estoirar. Proclamando, em altos - se bem que fanhosos - brados, a bebedeira imarcescível e infernal como vacina milagrosa contra toda e qualquer tentação pedófila.

A substância do substantivo

Evadidos do armário de sacristia onde criavam bolores e outros fungos, galvanizados pela hóstia-supositório e vários outros elixires e óleos modernaços, os homossexuais católicos saem em defesa da classe (sim, porque essencial é o olho do cu, a alma é mero acessório) e barafustam contra o Cardeal homofóbico e, de caminho, contra o hediondo celibato dos padres.
Já todos percebemos que o ideal, para toda esta gente culta, sensível, sofisticada e fascinante, era os padres poderem casar uns com os outros. Assim, devidamente acasalados, protegidos das más línguas porque ultra-lambuzados pelas boas, podiam adoptar as criancinhas que muito bem entendessem e ninguém tinha nada a ver com isso.
Em todo o caso, agora que os homossexuais católicos (uma delícia este casalinho substantivo/adjectivo, não me canso de admirar!) se manifestaram, o Papa e a hierarquia eclesiástica estão já todos, além de deslumbrados, reunidos certamente de emergência. Se a paciência é uma virtude, preparam-se para tomar de assalto a santidade. Depois dos homossexuais católicos, só já lhes falta escutar - calculo em que excruciante angústia e não menos gulosa ansiedade! - os carecas católicos, os proxenetas católicos, as putas católicas, os bestialistas católicos, os sado-masoquistas católicos, os satanistas católicos, os ateístas católicos, os calvinistas católicos, os darwinistas católicos, os comunistas católicos, os muçulmanos católicos e toda essa súbita catolicidade aos molhos, às dúzias e aos saltos, que, afinal de contas, palpita, recheia e avassala o mundo.


terça-feira, abril 13, 2010

Não trabalharão!

«Ministra garante que desempregados não vão trabalhar de graça».

E podemos bem crer que não. Nem de graça, nem pagos, nem de maneira nenhuma. Desempregado, neste país, para subir, de profissional só a vitalício.

PS: Ou a emigrante, claro. Mas isso já não é "neste país", pois não?...

domingo, abril 11, 2010

Ossos do ofídio

A pedofilia é uma coisa simplesmente abjecta, excepto, dizem os cidadãos modernos, evoluídos , sensíveis e fascinantes, quando praticada por artistas, passando a chamar-se pederastia e sendo, então, uma coisa bestialmente catita e chique. Ou, ainda, quando reivindicada por barbies gays em ânsias casamenteiras, passando então a catalogar-se sob o epíteto de "adopção de crianças" e transformando-se, instantaneamente, em algo não apenas pungente como também sublime, santo e ultra-prioritário para a civilização.
Eu, todavia, que sou um tipo completamente anacrónico, reaccionário e obscurantista, considero a pedofilia algo de asqueroso, seja ela praticada por padres, poetas, filósofos, políticos ou onanistas colectivos particularmente exibicionistas e ruidosos. Em resumo: seja por quem for! E seja em que dia, mês ou ano for, desde a Antiguidade clássica ao Admirável Amanhã Novo. E não apenas física como mentalmente. E daqui não arredo pé!
Ora, parece que ultimamente se quer fazer crer que a pedofilia é um fenómeno essencialmente católico (além de muçulmano, como já todos estamos fartos de saber). Está-se mesmo a ver donde jorra a lama.
Todavia, se eu fosse católico, até era capaz de concordar. Responderia talvez qualquer coisa como:
"Sim, é capaz de ser uma coisa tipicamente católica, ó alminhas fofas e delicadas. E por três razões muito óbvias, simples e concomitantes: em primeiro lugar, porque decorre entre duas pessoas, um adulto e uma criança; em segundo, porque é aberrante; e em terceiro, porque, inerentemente, é traumatizante para a vítima.
Assim, facilmente se deduz que nem os protestantes, nem, tão pouco, os judeus correm quaisquer riscos de incorrerem na pedofilia. No primeiro caso, porque não decorre entre pessoas mas entre pastores e o respectivo gado, donde, a acontecer algo de equivalente, configurará simplesmente o bestialismo. Ninguém decerto perderá tempo a chamar pedófilo a um bimbo que, mal cevado na ovelhinha de estimação, adentre na bizarria de molestar o borrego incauto. Na mais extravagante das hipóteses, clamarão incesto; mas pedofilia, nunca. No segundo caso, porque a idade de maioridade entre os eleitos, como o Bar-mitzvah (não sei se é assim que se escreve, se não for, corrijam) atesta, é de 12 anos nas meninas e 13 nos rapazes. Pelo que, na maior parte dos casos, evita-se, com solércia e desembaraço característico, toda uma série de contrariedades e entraves tipicamente católicos. Sob o frondoso beneplácito da lei, a coisa mais depressa singrará nos mares dos comércio do que nos pântanos da perversão. Por fim, eis-nos perante o corolário sincronizado de ambas as tribos: visto não constituir aberração em qualquer dos casos, mas apenas capricho ou negócio; não é traumatizante porque não há vítima ou abuso, mas simplesmente piquenique aleivoso ou transacção carnal; sendo até, pelo contrário, deveras gratificante para o infantil protestante e, quase de certeza, bastante mais lucrativo para o seu modelo ancestral. Em suma, o que um católico, na sua mente tacanha e obsoleta, encara como desastre na vida às garras duma compulsão digna duma hiena, o protestante e o judeu, numa (respectivamente) inata e profissional harmonia entre a vaselina e a ganância, atestam e glorificam como vantajosa retro-propulsão. E mesmo quando, por via da rudeza boçal do pastor ou da brusquidão volumetuosa do talmudo, a lubrificância não decorre às mil maravilhas, encaram a prova com bonomia e espírito empresarial. São ossos... Ossos do ofídio."




Breviário Teológico - IV

Não é só o porco que Iahvé interdita à lambança dos hebreus. Também o coelho, a lebre e o faisão lhes ficam rigorosamente proibidos. Em compensação, podem refastelar-se à vontade com gafanhotos de toda a espécie, saltões, grilos e vários outros invertebrados substanciais e crocantes. Nunca agradeceremos o bastante aos judeus por nos terem livrado da eleição e do favoritismo duma divindade destas!

sábado, abril 10, 2010

Breviário Teológico - III

O que Iahvé - depois de falar às trevas e a uma série de fenómenos atmosféricos e geológicos decorrentes - disse a Adão foi uma coisa. O que a serpente disse a Eva e esta, depois, transmitiu a Adão parece que foi outra totalmente diferente, senão mesmo oposta. Extrapolar daqui que o pecado original foi, essencialmente, um pecado de gula parece-me um erro grosseiro. Não foi de gula, foi de tagarelice. Tivessem todos calado a puta da matraca e nada disto acontecia.
Agora que o único virtuoso do incidente - o único que, tirando chamar nomes aos animais, não abriu o bico nem, comprovadamente, meteu prego nem estopa em todo aquele proto-palramento inaugural - , resulte como principal castigado, afigura-se-me duma clamorosa injustiça.

Breviário Teológico - II

A prova de que o enredo do pecado original é uma coisa tipicamente hebraica pertence mais ao domínio da culinária do que propriamente da teologia. Aquilo, para um chinês, por exemplo, seria inconcebível. Entre a cobra e a maçã, o Adão chinês nem hesitava: comia a cobra.

sexta-feira, abril 09, 2010

Breviário Teológico - I

Sempre que penso naquele episódio bíblico inaugural, do Adão e Eva às dentadas à maçã, ocorrem-me ideias sombrias e chegam a revoltar-se-me os fígados. Como é que há ainda alguém, com os alqueires bem medidos, que ouse e teime fundamentar-se em tal alicerce para vir falar de portentos metafísicos como "omnisciência divina", "omniprevidência divina" e outros que tais?...É mesmo só falar à boca cheia sem nada dentro da boca!...
Pois se o tal Iahvé tivesse alguma dessas qualidades (eu já nem pedia tanto, contentava-me apenas com um pouco de bom senso e noções básicas de planeamento), em vez de delegar as insignes funções de Árvore do Conhecimento na estúpida da macieira, encarregava disso o coqueiro...
Sempre queria ver se a cabra da Eva e o alarve do Adão também mordiam aquilo!...
E os amargos de boca que não nos tinha poupado a nós!...

sexta-feira, abril 02, 2010

Do Calvário, da Vida e dos Homens


Cada vez me convenço mais que a Vida de Cristo constitui o paradigma profético da nossa própria vida, de homens...
Num dia, fazemos milagres, caminhamos sobre as águas, convidam-nos para almoços e jantares, acorrem basbaques de todos os lados para nos verem e mararavilhar-se. No outro, tudo se altera e distorce: como num caleidoscópio infernal, damos connosco de madeiro às costas, arquejando ao fundo duma encosta íngreme, ninguém nos conhece, todos nos cospem, e flagelam-nos por ali acima, até ao cume sangrento onde, por vil embirração, cismam de nos crucificar.
Meio estarrecidos, perplexos, perscrutamos o chão que parece agora fugir-nos e conspirar contra nós. Afinal, o mel foi só para afinar o paladar para o sabor do fel?!...
Meio atordoados, interrogamos, com desespero, o céu: "Vou ter que beber este cálice?..."
E o céu, dum azul imenso, misterioso, profundo, responde:
-"Vais!..."
E é nesta altura, para lá do terror e da esperança, que o homem, se tem um dragão dentro dele, contém as lágrimas, esquece as feridas, fita com desprezo a maralha e clama:
"Então brindemos: À Nossa!..."
À nossa: à indiferença do Céu e à dor na Terra.


Se eu tivesse que eleger o melhor postal dos mais de seis anos deste batel, sem hesitação escolheria este.

sábado, março 20, 2010

Cultura protestante, ou o estahvé policial recauchutado


O Pedro Arroja refere, e bem, uma « cultura da bufaria (que) não acredita que possa haver justiça que não seja praticada pelo povo e pelo seu Estado democrático.»

Nesta singular notícia podemos ver um exemplo típico dessa cultura em plena acção:
"Namorados barulhentos proibidos de fazer sexo"


Transportar-nos-ia igualmente a algumas considerações eventualmente mordazes sobre a tão cantada "liberdade de expressão". Quando alguém já nem na própria cama pode gemer à vontade, impossível não rir a bandeiras despregadas daquela balela tão ao gosto dos nossos liberdadeiros de plantão - exactamente: aquela onde salmodiam, com ranço garantido, que "a nossa liberdade termina onde a dos outros começa" (eles geralmente usam a fórmula "os limites da minha liberdade são a liberdade dos outros", mas vai dar ao mesmo).
A prazo, já não muito longínquo, a concretização prática duma sociedade regida por uma tão bela fórmula será qualquer coisa do ordem da fotografia em epígrafe. Um descanso. É só o tempo dos zombis abdicarem do seu estado - por enquanto - ambulatório.

sexta-feira, março 19, 2010

Para grandes males...

Sobre esta candente questão nacinhal do raper Snake abatido pelo agente Magoo, tenho uma importante declaração a fazer...
Distingo, por princípio, razões criminais de razões estéticas. Naturalmente, só as segundas me interessam (e, por conseguinte, me parecem relevantes). Assim, talvez o agente Magoo não tivesse razões criminais suficientes para abater a tiro, ainda que por negligência ou imperícia, o raper Snake. Todavia, já quanto aos motivos estéticos, tinha-os de monta e de sobra. E não apenas a tiro, como também, caso necessário, à granada e, por fim, à baioneta silenciosa.
Que as pessoas trafiquem droga, assaltem bancos ou vandalizem muros, ainda é como o outro: sempre é menos prejudicial à sociedade que ser deputado ao parlamento, alcaiote de autarquia ou administrador por nomeação política. Quer dizer, sempre sai mais barato e até permite vender jornais e animar tertúlias instantâneas na internet. Agora que se exerçam, reiterada e cruelmente, abusos, sevícias e torturas sobre a nobre arte da música, isso, meus senhores, queiram desculpar, mas não se admite. E muito menos se tolera. Só por isso, e apenas por isso, estátua e comenda ao agente Magoo! Menos um melocida, e um melopata a menos à flor do planeta.


quinta-feira, março 18, 2010

Fedor mortis

Se é certo que temos um Primeiro-Ministro verdadeiramente inenarrável, não é menos certo que isso já não nos deveria causar qualquer espécie de urticária ou espanto. Afinal, longe de constituir caso excepcional, súbita anomalia, antes estadeia uma regra recorrente, uma excrescência típica (que nem chega a epifenómeno) dessa fermentação catita a que os cómicos e afectados de serviço estimam de chamar regime democrático. Visto friamente, Sócrates, à sua maneira desajeitada de tosco mal envernizado, apenas comete aquilo que a impunidade e a rotina dos seus predecessores, tanto quanto a quadrupedia mental dum povo adestrado e embrutecido no alombar tanso de elites rasteiras e parasitárias, facilitam, lubrificam e promovem.
Quanto ao regime, sendo de alterne, não possibilita, todavia, qualquer espécie de alternativa, ou variação mínima. Os partidos sucedem-se, se tanto, nos úberes do erário público, mas não se distinguem. Os dois principais geminam-se e competem nas desqualificações. A haver um resquício de justiça ou mera lógica mais depressa alcatrariam as penitenciárias do que os parlamentos ou ministérios. Os restantes, à medida da vigarice e do capricho eleiçoeiro, lá pastam pelas manjedouras adjacentes, entre sindicatos, autarquias, academias, pasquins, redacções e lobis (dou de barato os blogues). Todos juntos, corporizam o cancro que vai minando e carcomendo o país, injustamente cognominad0 de partidocracia, porquanto é na verdade duma autêntica e retinta partidofagia que se trata.
Não estamos diante dum problema que aguarde solução, ou sequer perante uma nódoa à espera de remoção, como dizia o outro. Isto já não vai lá com matemáticas, nem existe benzina capaz de absterger tamanha quantidade de estrume encardido. A própria cor do tecido social há muito que desapareceu sob uma capa gordurenta de surro lustroso. Uma mancha negra e pestilenta que, aos poucos, tem coberto a educação, a cultura e a justiça. Não que elas já valessem grande coisa na véspera, mas decerto dispensariam todo este despenhamento num minhocário abaixo de cloaca.
Também gradualmente, este "pseudo-regime" da maioria soberana vai-se marimbando cada vez mais despudoradamente para essa maioria lorpa e meramente folclórica. O rincão vai ficando cada vez mais inóspito para os maioritários (ou normais portugueses) e cada vez mais aprazível para os minoritários (ou portugueses especiais). O importante agora é mimar as minorias. Apaparicá-las até à medula, ao esfíncter. Lamber e relamber até à exaustão. À náusea!... Mas sempre com volúpia espalhafatosa, exibicionista. E não são já apenas os ricalhaços, os plutocoisos e respectivos avatares. Dir-se-ia até que vagamos, espectralmente, num nazismo de patas para o ar. Os mesmos que outrora eram conduzidos ao campo de concentração, agora são levados em colo ao Olimpo. Não é só o crime que compensa: é sobretudo a aberração. E a cobardia, a histeria e a hipocrisia também.
O desígnio nacional? É bem evidente e há muito que se tornou realidade concreta. Deveio mesmo compulsão colectiva... Annilingus em toda a sua desapoteose! Annilingus ao poder e à força, seja em acto (ou governo), seja em potência (ou oposição), seja em superpotência ou infra a cavalo na super. Dispenso-me de enunciar os nomes destes mega-ídolos de toda uma caterva de línguas devotas e veneradoras. Assim como me poupo a desejar-lhes bom proveito, porque presumo que, no seu protozoário entender, o retiram às carradas e assim, na mais pimpona e gratificada das imundícies, se auto-gloriolam e justificam!

Enfim, não sei para que serve.
Mas tudo isto existe
tudo isto é triste
e nem chega a fado: apenas fede.


sexta-feira, março 12, 2010

A Estrada para Nenhures (rep)


Mas agora que a estrada, além de campa, palco, escritório, cabine e alcova, deveio também sala de parto dos cidadãos, começa finalmente a perceber-se a estratégia formidável que presidiu à adesão europeia e, sobretudo, à torrefacção abundante dos respectivos –e generosos – fundos estruturais. Afinal, toda esta boa gente que nos vem apascentando, quando desatou a asfaltar freneticamente, não estava apenas a governar-se, a orientar-se, a tratar do seu futuro e dos seus filhos: não, ó luz da conhecimento e da cência que nos iluminas!, estava também a governar-nos, a orientar-nos, a zelar pelo nosso. Benditos sejam, todos eles, os nossos guias preclaros! Com a genialidade própria - e só ao alcance duma raça de eleitos e predestinados! -, portanto, com dedo de mestre e mira de águia, delinearam a ampla avenida do nosso porvir radioso. Eles sabiam com exactidão, com rigor de regra e esquadro, qual a solução mágica para a chusma amotinada dos nossos problemas, qual a panaceia debelante da horda indisciplinada das nossas maleitas, qual o desígnio congregante da matula desordenada das nossas aspirações: era a estrada! Ah, a estrada... esse ovo, não já sòmente de Colombo, mas de Portugal inteiro. Essa cura assombrosa, não já e apenas do nosso calcanhar de Aquilino, mas do nosso pé de atleta amnésico. A estrada, ó deuses!, pista de corrida e de dança; lusodromo para a vida e para a matança! Nunca agradeceremos o bastante. Toda a paga será pouca. Daqui por duzentos anos, tal qual hoje se cita, com nostalgia, os pais fundadores da América, sereis relembrados, em êxtase, ó padrastos e enteados asfaltadores da nacinha.
O país zanzava pelos campos, aparvalhado, a tratar das verduras, ao ritmo do sino. Atrasado e obscuro, para ali estava, ancorado, sem ir a lado nenhum. Mas eles, possuídos de filantropia inaudita, colocaram-no na estrada. Já não havia mares para navegar, horizontes para rasgar? Havia a estrada. Os avoengos gloriosos foram de barco? Nós vamos de carro. De carro, de autocarro, de ambulância, à boleia, a reboque, a penates, seja lá como for, havemos de ir. Sempre pela estrada. Tudo pela estrada, nada contra a estrada. Onde a estrada leva é irrelevante. Chame-se-lhe “progresso”, “moda”, “globalização”, “maria joaquina”, idem aspas. O importante é estar nela. Engarrafá-la e bebê-la desde bebézinho. Inalá-la desde embrião. Absorvê-la até às fímbrias mais secretas da alminha desde os testículos paternos, ao ritmo trepidante de ralis, travagens e solavancos. É ela, santa, o nosso trunfo derradeiro, a nossa descoberta capital, o climáx da nossa esplendorosa aventura colectiva. A estrada, claro está, com toda a sua plêiade de avatares magníficos – a auto-estrada, a rotunda, o viaduto, a ponte, o túnel, o nó rodoviário e até o parque subterrâneo. Será com tudo isso, com todo esse fruto maduro de atelier e estaleiro, ninguém duvide, que superaremos e ridicularizaremos toda essa estranja sobranceira, a começar nos espanhóis hediondos e a acabar nos ingleses pedantes, espantalhos escarninhos, todos eles, do nosso destino avassalador. Porque a pedra - tremei ó escórias mundiais! -, a pedra filosofal temo-la nós. A pedra e não apenas a pedra: a gravilha, o saibro, a areia, o alcatrão também. Em suma, o asfalto filosofal é nosso. Simboliza o acesso culminante à profetizada idade de Ouro, que se aproxima a olhos vistos e a passos largos. A operação hermética entrou já em estágios para-sulfurosos implacáveis. Nada poderá detê-la. Bem pode a ONU espernear, a Nato estrebuchar ou o Lóbi sionista ameaçar excomunhão. Somos um rolo compressor e vamos a caminho.
Para toda essa gente bárbara, estulta, turbopacóvia, -deixem-nos rir! - a estrada é mero equipamento estrutural. Nós, porém, com mil anos de avanço, descobrimos que a estrada é a essência: a essência do país e do povo - a fusão sublime de ambos ao assalto do futuro. Para os ignaros das obras verdadeiramente públicas, cães infiéis todos eles, a estrada banaliza-se, servindo de mero tapete utilitário para o transporte entre a habitação e as funcionalidades económicas e sociais. Mas nós, que há muito voamos nela regularmente, sabemos que, bem mais que tapete utilitário, ela é tapete voador, trampolim para o Céu e arredores; portal de embarque astronáutico, não raramente. Lá está, senhores: enquanto eles se metem à estrada para ir a algum sítio banal das suas vidinhas programadas, nós, regalo vivo de Deus e dos anjos, metemo-nos nela para ir ao Céu e voltar (salvo a meia dúzia diária de excêntricos que por lá se instala, trocando o turismo pela colonização). Aliás, nem é correcto dizer-se que nos metemos nela: estamos nela. Vivemos nela. Cavalgamo-la com todas as nossas forças e paixões. Metemo-nos é, isso sim, se bem que cada vez mais esporadicamente, em casas, repartições, fábricas, estádios, escritórios, oficinas, escolas, etc... Mas apenas como meros intersticios dela. Intervalamos apenas para remuniciar as ganas e cevar os apetites. Todos esses equipamentos e mobiliários tão essenciais para os outros, servem-nos a nós como vagos pretextos para lá viver. Na estrada. Entregues às nossas cosmonáuticas.
Mas ir ao Céu não basta. O nosso espírito irrequieto e faminto de glória quer sempre mais, e os nossos líderes são jóqueis esplêndidos, autênticas carraças do nosso espírito fogoso. Por isso, além de nos utilizarmos da estrada para ir ao Céu, vamos agora, através dela, e regidos por eles, trazer o Céu à terra. O paraíso, qual esfinge óbvia, sempre esteve diante do homem. Mas só um país cozido e assado com a estrada poderia decifrar o enigma. E o paraíso é a estrada. Não só conduz ao paraíso: é já o paraíso.
Os outros, povos incuravelmente estúpidos, não me canso de proclamar, entendem que o paraíso se constrói à volta da estrada: com escolas, hospitais, fábricas, complexos de diversão fabulosos, etc,etc, tudo isso funcionando na perfeição do melhor dos mundos. Ora, o melhor dos mundos, todos sabemos, não existe fora da estrada. Todos esses belos projectos, todas essas legolândias para adultos infantilizados dão, invariavelmente, com os burros, uns na água e outros, o que é pior ainda, na administração. Em nome do paraíso, acaba tudo, por sina, no inferno da corrupção, do espólio e do locupletanço. É tempo perdido.
Deixá-los, nessas maluqueiras e tricôs do absurdo alinhavado a embuste. Graças à locomotiva da nossa audácia, movida a carvão da nossa descoberta, vamos ultrapassá-los sem dó nem piedade e deixá-los para trás sem remissão.
Senão, atente-se: eles ainda precisam duma série de equipamentos e próteses supérfluas para viverem e existirem. Fatal contrapeso, âncora funesta, pobres analfabetos rodoviários! Para nascerem, precisam de maternidades; para se tratarem, precisam de hospitais; para se divertirem, precisam de teatros, cinemas, estádios e outros estábulos que tais; para rezarem, precisam de igrejas ou jornais; para aprenderem, precisam de escolas e universidades; para moverem guerras, precisam de inventar inimigos; para aterrorizarem a população, precisam de importar terroristas; para trabalharem, precisam de empregos; para comunicarem, precisam de telefones, computadores, correios. Toda esta traquitana dispendiosa e problemática lhes é indispensável. Observe-se, de resto, o duplo e descomunal embaraço: necessitam, por um lado, que toda aquela tralha exista; e depois, mais difícil ainda, necessitam que tudo aquilo funcione.
Pois bem, os portugueses, vanguarda destacadíssima da humanidade, emanciparam-se de todos estes sarilhos, empecilhos, cangas e preconceitos. Prescindiram de muletas e andarilhos. E, com a solenidade dos decretos transcendentes, preparam-se para enviar o restante mundo dito avançado para o aterro sanitário da sucata histórica e do ferro-velho socio-económico.
De que forma? As fórmulas simples são as mais letais. Assim, o português actual, o português anónimo, sempre que precisa de nascer, de tratar-se, divertir-se, aprender, rezar, comunicar, conviver, dar batalha, aterrorizar, telefonar, procriar, procurar emprego, trabalhar, ou que quer que seja, nem hesita: vai prá estrada. Já ganhou insígnias de instinto.
Aos antigos hebreus Deus enviou o Maná. A nós deu-nos a estrada. Ora, ao contrário dos campos, tantas vezes ásperos e ingratos, em boa hora largados às moscas, a estrada dá tudo. É duma fertilidade cornucópica. Deve ser da cor. Abençoados sejam os nossos pastores e profetas!
E reparem, mesmo para nos informarmos, trabalheira sinuosa em que os outros requerem, em permanência e à cabeceira, uma chusma de jornais, rádios, televisões, mais as respectivas catervas lalofrénicas de comentadores, explicadores, logotrituradeiras, enfardadores mecânicos e demais corujas empalhadas ou leitores da bola de cristal, pois, mesmo aí, nesse entulhado e rilhafolesco labirinto, o português resolve e descomplica, duma só penada genial: sim, vai para a estrada. Só que vai de táxi. Ou de blogue.

sábado, março 06, 2010

Liberdade de Expressão -VI.

Medina Carreira, há dias, em entrevista na RTP1:

«É por ser um homem livre que posso dizer o que digo. Por isso mesmo, não sou solucionável.»

Ora, solução, termo bem a propósito, tem muito que ver com dissolvência. O homem, em sendo livre (não em absoluto, porque tal não está ao seu alcance, mas em relação ao seu semelhante), não se dissolve. Não aceita diluir-se num qualquer caldo knorr da situação ou sopa de hortaliças em febres delirantes de tacho.
Outra coisa importante, talvez mesmo a mais essencial de todas, é que o homem livre (ou seja, o homem que não aceita ser degradado a mero utensílio ou ferramenta) não tolera, de ânimo leve ou sequer pacífico, ver-se dissolvido por um qualquer Palramento, Desgoverno, Estado, Empório, Mercado, Decreto, ou o que quer que qualquer multidão de bandoleiros mascarados entenda sofisticar-se.
Não misturar-se, não fundir-se nem confundir-se com tais soluções consiste, aliás, no mundo actual, numa das principais condições da liberdade.
Até porque, tanto quanto não solucionável, o homem livre não é representável - não autoriza ver-se imposto noutros ou por outros. A postura livre é o contrário da impostura. Não é a polícia nem, tão pouco, os tribunais que constituem garantes da minha liberdade. Pelo contrário, sitiam-na. O garante não é externo: é interno, é próprio, é pessoal, e chama-se consciência. Donde que , ao contrário do que hoje em dia se trafica pelos mentideros, a antinomia efectiva da liberdade não reside na autoridade mas na economia. Nunca a liberdade perigou pelo cacete ou pela censura aberta - seria confundir estímulos com reais ameaças. O método eficaz contra ela sempre foi outro, mais letal e insidioso: o veneno. A mentira. A falsificação.
São os principais e mais encarniçados inimigos da liberdade quem procurais? É simples. Entre tutores, zeladores e enfermeiros, não tereis por onde falhar. Cada tiro, cada melro. Os envenenadores sempre velaram à cabeceira.

quarta-feira, março 03, 2010

Liberdade de Expressão - V. Formatação do entulho (um breve e banal exemplo)


Acabo de tomar conhecimento com a Gailivro. Conforme a própria se autoproclama, no seu sítio internético:

«Nascida em 1987, a Gailivro especializou-se, inicialmente, na produção de manuais escolares. Com presença forte no 1º ciclo do ensino básico, expandiu gradualmente a sua actividade para material didáctico, paraescolar e edições gerais.
A editora assumiu um compromisso com a publicação de livros infantis e juvenis de alta qualidade e com a promoção de autores nacionais, especialmente os mais jovens. Em 2007 reforçou a sua posição como uma das principais editoras de livros no segmento do Fantástico e da Ficção científica.
Em 2009 assume a liderança do segmento do Fantástico onde continua a editar os grandes nomes e os novos valores nacionais e internacionais. No segmento infanto-juvenil posiciona-se como uma editora socialmente responsável publicando obras que pretendem não só entreter como também ajudar os mais novos a integrarem-se no mundo que os rodeia.»

Retenham sobremaneira a última frase, que aproveito para repetir: "No segmento infanto-juvenil posiciona-se como uma editora socialmente responsável publicando obras que pretendem não só entreter como também ajudar os mais novos a integrarem-se no mundo que os rodeia."

Registaram?

Agora, toda essa excelência cultural e pedagógica traduzida na prática:
«A Gailivro vai editar nos próximos meses os principais livros tendo como zombies os principais personagens. Tudo começa este mês, com «Guerra Mundial Z» (veja aqui o booktrailler), de Max Brooks, filho de Mel Brooks (já em fase de adaptação ao cinema por Marc Forster, realizador de «Quantum of Solace»).Os zombies substituíram na literatura fantástica mundial os vampiros. Depois de «Guerra Mundial Z», a Gailivro pretende publicar «Orgulho e Preconceito e Zombies» (Maio), de Seth Grahame-Smith, a versão zombie do clássico de Jane Austen, e «Floresta de Mãos e Dentes» (Junho), de Carrie Ryan.»

Estão a ver? Ainda há empresas sérias, socialmente empenhadas e culturalmente responsáveis. Como a Gailivro... Genuinamente devotada a - nunca olvidemos! - "ajudar os mais novos a integrarem-se no mundo que os rodeia".




domingo, fevereiro 28, 2010

Liberdade de Expressão - IV. Whisky de Sacavém




Mas se o ser, como ensinava Aristóteles, se diz em múltiplos sentidos, a Liberdade de Expressão, essa, pode ser avaliada, pelo menos, em duas dimensões, a saber, a qualidade de expressão e a quantidade de expressão.
Ora, neste nosso tempo de ruídos, grunhidos e seringas palrantes há, mais que a tendência, o imperativo categórico de considerar que dizer muito, palrar carradas de tanto, entornar-se por inúmeros púlpitos, palcos e pedestais, é dizer alguma coisa e é ser muito livre a todas as horas e minutos. Confunde-se liberdade com mera incontinência crónica; mascara-se opinião com mero despejo; trafica-se a mais gritante ignorância e, não raro, a mais rotunda falta de educação ou resquício de vértebra moral como sendo expressão de alguma coisa. Na verdade, a expressão duma ausência não exprime coisa nenhuma nem significa nada que seja. Assim sendo, não é livre nem deixa de o ser: pura e simplesmente, não é. É zero ou abaixo disso. E todavia, protagoniza, às escâncaras, o mais ubíquo dos fenómenos actuais, com devido patrocínio, impingência e promoção de meia dúzia de agências globosas. Mais até que avanço desbordante, adquire já contornos de enxurrada. "Podeis dizer tudo o que vos apeteça, desde que não digais coisa nenhuma", constitui o lema. É a cultura do solta-aleive como antídoto para a sempre indesejável inflamação da inteligência. Castra-se hoje a mente através da saturação noticiosa, como dantes se procurava exaurir através da escassez. Só que com bem maior perversidade e eficácia. A vítima da logocastração dispensa até torcionários sempre dispendiosos: automutila-se. Acaba esterilizada no seu próprio verbo hipersalivado. Sucumbe ao seu próprio vesúvio emissor. Enquanto palra, não pensa. Enquanto debita, não reflecte. Enquanto pasta notícia, ou gargareja sensação, ou cospe palpite, não digere (nem, vagamente, assimila). Quanto mais imerge no palanfrório desatado, mais se impermeabiliza a qualquer tipo de ponderação, equilíbrio ou ideia. Em bom rigor, nem opiniões ostenta, porque, à falta de esqueleto próprio, nem cabide ortopédico tem onde pendurá-las. Se tanto, resume-se ao esfregão mental, à amálgama de desperdícios de plantão a óleos, sordidezes e gorduras de garagem ou estação de serviço mediática. Porque se não despeja, convencem-no todos os dias, não existe. Mas se não absorve, pior ainda: não tem.
Jóquei da fervura do instante, surfista da poeira do momento, janota do último ruído a vapor, flana à esquina do acontecimento (quanto mais escandaloso, melhor) com a virtude da rameira e a perseverança do colibri. Tudo comenta, mas nada entende; tudo ingurgita, mas nada retém. Sob sequestro opressivo duma actualidade em constante metamorfose, entrega-se à tarefa digna duma danaide: encher uma cisterna sem fundo com um crivo por balde.
Contudo, este primado da quantidade não impera apenas no universo mediático: a própria literatura, a música, as artes enfim, também já cumprem os seus preceitos campeões. Ainda mais formatada e passevitada que a "expressão jornalística" anda a "expressão artística". Confundem-se até, expressão política, jornalística, artística e até científica, num puré uníssono, numa papa milupa comum. Cumprem o mesmo critério editorial: os mesmos que determinam quem escreve nos jornais ou aparece nas televisões, condiciona e filtra quem escreve nos romances, nos compêndios e CDs, ou seja, quem é catapultado nas editoras e embandeirado nos media. Mas não se pense que são apenas os donos do harém quem torce e distorce a seu bel-prazer: os próprios eunucos policiam-se, emulam-se, lambuzam-se, envazelinam-se, promovem-se e catam-se uns aos outros. No fundo, tudo se degrada doravante a mera xaropada publicitária, e não é apenas o jornal que se relaxa a pasquim imarcescível: é a própria linguagem literária (onde podemos incluir a "científica", na sub-cave) que estiola ao nível da mera bacoralalia efervescente de slogans, receitas, telegramas e anedotas. De tal modo que, se a ficção mediática raramente excede a prosopopeia ranhosa, já a literária, por seu turno, sem vergonha nem remorso, desalambica-se pelo algeroz duma contínua onomatopeia dodot.
Catalogar, assim, como liberdade de expressão todo este entulho da mera quantidade de expressão é não só rotundamente falso: é absolutamente obsceno. Pois, de facto, constitui, com todas as letras, o seu oposto. E tanto quanto atesta da ausência de expressão (porque destituição completa de autoria, autenticidade, originalidade, personalidade e autonomia), também procura, em perfeita sincronia, o seu extermínio.
Basta atentar como na realidade, por regra moderníssima (e ainda há pouco tempo podemos testemunhar um episódio desse tartufo jaez), são os grandes açambarcadores, armazenistas e empreiteiros -em suma, são os maiores falsários e mixordeiros - da "quantidade de expressão" (ou seja, e dito com propriedade, os inesgotáveis agentes, tarefeiros e moços de frete da "inexpressão") quem geralmente brama, em tom seráfico e descabelado, pela liberdade de expressão. Quer dizer, são os apaniguados - frenéticos e furiosos - do ruído (seja ele instalado, seja em ardores de instalação) quem mais barafusta pela redenção da música.
Não sabemos, com a segurança e clarividência que só Deus possui, onde mora a verdade. Mas duma coisa podemos ter a certeza absoluta: não vive em casa da propaganda. A não ser que ao matadouro já se chame residência. O que, bem vistas as coisas, neste mundo às avessas, cumpriria até toda a lógica.

Aquilo que denominamos como facções, na realidade, são meras erupções dum único fenómeno: a contrafacção. Da verdade. Mas, não obstante, representa o pão nosso desta "democracia de sacavém". Quem é como quem diz, esta zurrapa a imitar, rascamente, uma qualquer destilaria anglo-saxónica.




sábado, fevereiro 20, 2010

Liberdade de Expressão - III.





«Ora, tem de admitir-se que a afirmação da liberdade é hoje particularmente difícil. A resistência requer grandes sacrifícios; por aqui se explica o número excessivo daqueles que preferem a coacção. E, todavia, uma história autêntica só pode ser feita por homens livres. A história é o selo que o homem livre imprime ao destino. Nesse sentido, ele pode, sem dúvida, actuar como representante; o seu sacrifício conta para os outros.»
- Ernst Jünger, "Der Waldgang" (trad. port. "O Passo da Floresta")


Depois, há aquilo que diz, se não estou em erro, o nosso Pessoa (como podia ter dito eu, ou, ainda mais originariamente, Aristóteles), e que as pessoas hodiernas deviam mandar emoldurar à porta de casa:
«Aos activos falta, habitualmente, a actividade superior: refiro-me à individual. Eles são activos enquanto funcionários, comerciantes, eruditos, isto é, como seres genéricos, mas não enquanto pessoas perfeitamente individualizadas e únicas; neste aspecto, são indolentes. A infelicidade das pessoas activas é a sua actividade ser quase sempre um tanto absurda. Não se pode, por exemplo, perguntar ao banqueiro, que junta dinheiro, qual o objectivo da sua incansável actividade: ela é irracional. Os homens activos rebolam como rebola a pedra, em conformidade com a estupidez da mecânica. Todos os homens se dividem, como em todos os tempos também ainda actualmente, em escravos e livres; pois quem não tiver para si dois terços do seu dia é um escravo, seja ele, de resto, o que quiser: político, comerciante, funcionário, erudito.»

Quero com tudo isto significar o simplesmente óbvio: há liberdade de expressão quando existem homens livres. É a existência do homem livre que garante a liberdade de expressão, e não a mera permissão dum qualquer estado, decreto, polícia ou entidade fiscalizadora. A liberdade, seja de expressão seja do que for, não resulta duma concessão, mas duma essência. A liberdade em regime de parque nunca é liberdade, mas cativeiro mais ou menos suavizado.
Ao homem intrinsecamente livre a última coisa que lhe ocorre é reclamar pela liberdade de expressão. Exerce-a e arca com as consequências, sabendo de antemão que, hoje como ontem e se calhar sempre, a liberdade será tudo menos inconsequente. Na verdade, reivindica ou reclama algo quem o não tem. Ora, se o não tem, o mais que alcançará será a prótese, o postiço, o faz de conta. Ou, na maior parte dos casos, a simples maquilhagem.
Capacitem-se duma vez por todas: Não há sociedades livres; há indivíduos livres. O que pode haver ou não, no âmbito colectivo, é sociedades saudáveis, que são sociedades onde a liberdade não tem a cabeça a prémio e o pensamento não está sob vigilância permanente de crescentes e profissionais hordas de procustos, prebostes e magarefes. Sanidade, essa, que, como está bem à vista de quem não for ceguinho nem alinhe em cegadas, não é, decididamente, o caso das sociedades modernas.
Por isso, e sintetizando, falar em "liberdade de expressão" para jornalistas é o mesmo que falar em "amor livre" para prostitutas. Sendo o seu ganha pão, marisco e conta bancária -ou seja, sendo o abastecedor da sua gamela, de preferência e urgência o mais dourada possível - a sua expressão será tudo menos livre. Situar-se-á até, por regra, nos antípodas disso. Isto é, em vez de "liberdade de expressão" deveria designar-se "necessidade de expressão".

Liberdade e vida são sinónimos.

«Mergulhe Zeus o meu corpo no profundo e tenebroso Tártaro e nas horrendas voragens da Necessidade! De nenhum modo conseguirá roubar-me a vida!»
- Ésquilo, "Prometeu Agrilhoado"

Quereis Liberdade de Expressão, mesmo? Olhai Sócrates! Olhai Cristo! Olhai, enfim, Prometeu.



quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Liberdade de Expressão. II


Liberdade de Expressão

«Deus disse: "Faça-se luz"» e etc.

Há quem diga que o primeiro exercício de liberdade de expressão foi também o último.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Ironias do diabo

Lembram-se da pergunta (em parte retórica) "mas devem a quem"?

Lendo esta notícia (não é só na justiça portuguesa que há fugas de informação por encomenda) - Goldman Sachs in new storm over secret deal to mask Greek debt - talvez se enriqueça o panorama mental.


Agora reparem no actual frenesim mediático em torno do Primeiro-Ministro cá da nacinha. Acham que esta gentinha, dos jornais aos blogues, está minimamente preocupada com Portugal? Antifássistas instantâneos, democratas da farinha amparo, ultrapasteurizados da política, já nem uma vaga noção de séria independência ou genuíno patriotismo os habita. No mundo, quase todos, mimetizam - na metáfora e na perfeição - aqueles prostitutozitos forçados da Casa Pia cheios de vaidade nas suas prendas salariais e na importância mais o favor do respectivo pederasta. E depois, cobertos de tanta riqueza, mental e patrimonial, desdenham e snobam dos que não alinham, esses simplórios pindéricos. Reparem ainda no pretexto "fracturante" para tanta excitação: Liberdade de Expressão. Parece-vos que é um dos problemas graves da nação?
Mas, mais intrigante ainda, como é que pessoas do desnível deste José Sócrates chegam a primeiro-Ministro? Mas não excepcionalmente, senhores: por regra imperial e quase absoluta!... Espantoso?! Mais espantoso ainda: já amarinham à Presidência da Comissão Europeia. Ou acham que o Barroso é melhor que esta abécula porta-fatos Sócrates? E o Constancio vai para onde? Devemos ficar orgulhosos com tais ascensões meteóricas? Devíamos ter inveja? Devíamos era ter vergonha, isso sim. Eu tenho.
Mas quem é que os planta, a estes espécimes daninhos, nesses vasos? E porque é que os planta, providencialmente armadilhados com um leque muito conveniente de rabos de palha?
Pois, é como quem planta bombas-relógio por controle remoto. Quando lhes convém, accionam o engenho (neste caso, o engenheiro) e lá se instala o desejado efeito.
Se não é exactamente isso que está a acontecer, imita muito bem. A quinta-coluna lança o mote, a malta, viciada no dominó e na salganhada, vai atrás.
Querem derrubar o Sócrates? Nem por isso. Eles próprios nem sabem claramente porque é que ladram. Recebem o estímulo, acatam a ordem e desatam no basqueiro que lhes compete. Repito, uns por profissão, outros por imitação, ou mero oportunismo. Aparentemente, anima-os a mais angélica das intenções; na realidade, são meros instrumentos tácticos duma estratégia muito mais vasta. Uma estratégia que, tudo o indica, neste momento tem o euro na mira e, quase aposto, visa, entre outros fitos mais obscuros, manter o dólar como "moeda global".
Para os europeístas que acharam que a Europa devia ser constituída sobre as fundações de Mamon, isto é, sobre os alicerces duma moeda, é muitíssimo bem feito. E é bom que se vão compenetrando: esta ficção dura enquanto os anglo-saxónicos quiserem. Que é o mesmo que dizer-lhes, a estes homens de palha, que quem os promove também os desmonta, que quem os carrega também os despenha. Se calhar, no tribunal divino, compete ao diabo a acusação.
A verdade, essa, é que nada do que parece é.



segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Cibertasca - O Regresso.


Nem vos conto o que foi a minha reentrada na tasca –aliás, cibertasca. Andámos à porrada, nem mais. O caso, de resto, nem era para menos. Parece que me contradigo, mas é só impressão vossa. O que é facto é que eles, refodidos com a minha diáspora, rosnaram: “olha o peneiras, o blogomerdas voltou”, e eu, que fervo em pouca água e ainda em menos vinho vociferei: “olha, os cabrões mansos continuam refugiados em tábuas!” Aleive puxa insulto, insulto reboca impropério, sarcasmo arrasta calúnia, e em menos de nada, engalfinhados num ameno sarrabulho, já tínhamos escavacado parte da mobília ao Armindo Taberneiro, um ganancioso de merda, diga-se, que em vez de tomar partido por uma das partes, de dar e levar também como Deus manda, só carpia e gemia, só uivava –feito sirene lancinante- enfim, só choramingava o recheio do estabelecimento e tentava pusilanimemente deitar água na fervura, atirando com baldes dela à molhada. Aquilo enfureceu-nos ainda mais, especialmente ao Dinossauro, que estava de bengala, bem dura por sinal, e considerou o pano encharcado que o outro, com pontaria de sniper, lhe endereçara às trombas como uma afronta pessoal. Uma falta de respeito de todo o tamanho. Ofendeu-se mesmo todo, com quantos melindres tinha. Perfilou-se hirto e de olhar incendiado, fulminejabundo. Eu ia até para lhe desfechar com mais uma cadeira nos costados, mas estaquei também, ciente da gravidade da situação. Estacámos todos, aliás, subitamente petrificados, entupidos de súbita reverência. Fez-se silêncio, um silêncio sepulcral, enquanto o pano encharcado, depois de lhe conspurcar as ventas, resvalou lentamente e inobilizou-se, por fim, com um lúgubre “plop”, no chão pouco asseado do estabelecimento.

-“Chega um homem a uma idade destas, para levar com um pano encharcado na tromba!... – Como que crocitou, soturno. –“Andou um homem a combater no ultramar, agora no inframar e já não tarda muito no Além-terra e a paga que tem é um pano encharcado nas fuças!... ”

Íamos até para ter pena do gajo, quando, sem que nada o fizesse prever, irrompeu pelo antro o Finuras aos gritos de “Venham depressa!Venham ver!...”

Instintivamente, fomos. Um brado daqueles prometia variedades. Excepto o Dinossauro, bem entendido, que continuava perplexo com o pano.

Era o Animal Feroz. Estava a atacar a menina Liberdade. O Animal Feroz, aproveito para informar, é o ratito hamster do bordel Europa e, por alguma razão que se desconhece, experimenta uma vertiginosa atracção pela menina Liberdade, a mais eclética e palerminha das funcionárias do estabelecimento. Mas, talvez por isso mesmo, das mais procuradas e lambuzadas pela clientela. O costumeiro é que sempre que o Animal Feroz (assim alcunhado por obra baptista do Ildefonso Caguinchas) , escapa do recinto gradeado onde urde constantes planos de evasão, corre na direcção da menina Liberdade, com sérios e lúbricos intuitos de lhe amarinhar pelas pernas acima e gozar por elas abaixo (suspeita a grande maioria dos espectadores, excepto o Caguinchas, que, em aleive erudito, proclama a certeza mais completa e absoluta). Desta vez, deixem que vos conte, o Animal Feroz, aproveitando um instante desatento da tratadora - a Carla Bocadoce, como se veio mais tarde a apurar-, esgueirara-se solertemente e, com boa velocidade e superior desembaraço, encetara uma louca perseguição à sua tradicional vítima. Alvo de tão minúscula se bem que descomedida obsessão, a menina Liberdade esbaforira-se com grande alarido. Após atribulado rali pelo interior do albergue, acabara por vir cá para fora aos gritos e, simultaneamente de poleiro e torre de menagem (neste caso a deux, mas contrafeita) na mesa ao canto da esplanada, debulhava-se agora num pânico altamente cómico, embora pungente. Um grupo de clientes habituais, entre gajos do sexo feminino e gajas do sexo masculino, tripulados por um comité de proxenetas profissionais bestialmente iracundos (que a generosidade, tansice e proficiência da menina Liberdade é lendária e sustenta, de uma forma ou doutra, todo um mar de gente), organizava já uma manifestação espontânea, em protesto contra os recorrentes tormentos da desgraçada às patitas ínfimas - mas velozes e contumazes - da cruel microbesta. Um abaixo-assinado, daqueles tesos, circulava entre as abespinhadíssimas hostes, convocando ao encarceramento urgente e inediato da alimária opressora. Enquanto isso, a menina Liberdade lá ia imitando as ambulâncias, à medida que o Animal Feroz, num avanço sôfrego, depois de tomar de assalto uma das cadeiras, sondava agora, com indisfarçável gula e não menos fogoza arte, um acesso expedito à mesa apetecida.

Diante de tão grotesco espectáculo, onde o surrealismo e o rilhafoles se entrelaçavam em perfeita sincronia, toda a tasca, digo cibertasca, desatou num fartote de riso. Que redobrava a cada nova peripécia do circo chão.

-“Ai, socorro! Acudam! Lá vem ele, o Animal Feroz!...” – Uivava a menina aflita.

- “Que arrogância! É inaudito!... Irra, que besta... fascista!! Salazarento!!” – Barafustavam os manifestantes, tremebundos e noctiluzes de indignação cívica.

- “É um atentado flagrante ao estado de direito democrático! – Denunciava, em tom gosmoso, um dos proxenetas mais veteranos, às varandas, janelas e postigos circunridentes. Nunca esquecendo os terraços e águas-furtadas, claro está.

Nisto, recobrado do seu amuo entorpecente, arrima-se à porta o Dinossauro e, intrigado pela ridícula barafunda, pergunta:

- “Mas afinal o que é que se passa?...”

Responde-lhe o Caguinchas, com aquele seu dom de síntese característico:

- “São os chavalecos e as barbies, ou os barbies e as chavalontras, já não se percebe bem: querem mamar na Liberdade e o Animal Feroz não deixa!

- “Humm... – Fez o Dinossauro, pensativo. – Suspeito que só a águia Vitória poderá salvá-los.”

- “Sim –corroborei eu. – Ou, em último caso, o gato Tareco.

Porém, este meu último comentário foi abafado por um grande bruá que eclodira entretanto. Todo um clamor ufano e entusiástico sacudia agora os manifestantes. Murmúrios pariam interjeições. Até que, no auge da excitacinha, feito arauto à naçãozona, o decano dos alcaiotes, mais conhecido pelo Chupa-cabras da Marmeleira (ou Toucinho Semiótico II, para os amigos), cacarejou em truanesco delírio:

-“ É ele, camaradas, digo companheiros! Já se avista, e vem a todo o galope, montado no seu amigo Tonto: o LONE-RANGEL! Vai dar cabo do Animal Feroz!...”



domingo, fevereiro 14, 2010

Para que conste

Quero informar os estimados leitores e os outros também que nada tenho que ver com as caixas de comentários deste blogue. Durante o período de silêncio em que comemorei os seis anos desta nave absoluta e convictamente pirata, aconteceu desaparecerem as caixas da Haloscan. Comecei por imaginar uma teoria da conspiração, mas, às tantas, apercebi-me que a haloscan estava a proceder a não sei que upgrades e passava a cobrar não sei que maquias. Considerei de pronto enviá-los ao grandessíssimo caralho que os fecundasse e tratei de agir em conformidade. Como devem ter reparado, as caixas desapareceram durante um período considerável de dias. Depois, misteriosamente, apareceram estas. Nada fiz, nem nada tenciono fazer acerca das mesmas. Mesmo lê-las, não garanto. Até aos 10 exemplares, ainda vá, mas acima disso já não me parece coisa natural. Sinceramente, isto não é nem pretende ser "um blogue de referência". Neste país, e no mundo em geral, é bem sabido o que mais fulgurantemente atrai chusma: o desastre, o escândalo, a feira, em suma, o ajuntamento mirone. O basbaque soberano funciona por simpatia e atracção universal. Nada sendo, nunca está. Apenas coalesce instintivamente. Apenas adere à molhada, com volúpia pegajosa. Nada aqui habita que possa interessar tão homegéneo tipo de fauna. E tudo farei para que essa regra de ouro se mantenha. Nem que para isso tenha que recorrer a silêncios cada vez mais retumbantes. Há uma filosofia antiga que eu jamais deveria ter abandonado: distância é bonita e eu gosto. Por conseguinte, e que fique bem claro, nos postais escrevo eu e assumo o que escrevo, sendo notório que continuo onde sempre estive e estarei; no espaço dos comentários, escreve quem quiser e o que lhe der na real telha. Lisonja ou vitupério, para mim, é igual: já percebi que isto da blogosfera pouco mais ultrapassa que o egódromo turba-gaseificado. Os papagaios de hoje serão sempre os cágados raivosos de amanhã. E Macacus mutantis.
Entretanto, para os indefectíveis da ordem, aqui fica a minha garantia: um dia calar-me-ei para sempre, nada de mais certo e seguro. Mas amanhã, se Deus quiser, ainda não será a véspera desse dia.

Aproveito ainda, já que estamos em maré dialogante, para abordar um assunto recorrente das caixas de comentários. Perguntam-me muitas vezes, com lógica e propriedade, "mas então, que fazer?"
Viciadas na incivilização do espectáculo, do barulho e do espavento histriónico, cinematográfico, as pessoas tendem a imaginar milagres, revoluções, filmes e movimentações tumultuosas, ou quaisquer outras receitas ou panaceias urgentes. Do pensamento-rápido germina a solução fácil. Mas, no fundo, a verdadeira acção não decorre no mundo, com os seus chiqueiros e folclores contínuos, mas dentro de nós próprios. A vossa alma é o vosso real campo de batalha, ou ainda não percebestes, ó gente de fraca fé, que é por ela que estais e vale a pena lutar?
Que fazer, então, meus amigos? Diz-se numa única palavra: resistir. Não deixar que o que é mais baixo e rasteiro nos confisque aquilo que O mais elevado nos deu. A melhor forma de ajudar os outros é não nos perdermos a nós próprios. A verdadeira acção não é doutrina: é exemplo.



sábado, fevereiro 13, 2010

Regime de procissão (rep)

Como, para não variar, aqui se anunciava há um ano atrás:

Logo a seguir a Abril de 1974, tentaram sujeitar o país ao "Partido Único". Trinta e quatro anos depois, transpostas inúmeras e caricatas peripécias que seria agora fastidioso enumerar, alcançaram-no. Acordámos, um belo dia, não direi súbita porque lenta e merecidamente, subjugados sob a patorra duma seita cleptocrata única. Uma hidra de duas cabeças, qual delas a mais vácua, formada, via alporquia de cortelho, por um Governo que desgoverna e uma Oposição que promove. Ou seja, um governo que faz oposição ao país e uma oposição que faz promoção ao governo.
Isto já não vai a lado nenhum, muito menos a eleições dignas desse nome. O povo não tem por onde escolher, apenas ratifica. E o regime já nem é de república nem de monarquia: é de procissão.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Stand up pulhitics

Uma marcha solene de papagaios louros, macacos de importação e outros palhadinos coquetes, a cavalo numa petição verdadeiramente cómica, vai tomar de assalto o Palramento e convocar à restauração (no sentido de pastagem, naturalmente) a praga que lá habita. É o regime das amplas liberdades que periga, proclamam. O estado de direito democrático que periclita, lacrimejam em sobressalto. Ah, e é, em especial, a "liberdade de expressão", essa santa, que fenece sob tortura, atestam. Consigo até imaginar o cartaz com que dourarão tão intrépida embaixada peticioneira: "Fascismo, nunca mais!"
Bem, cumpre-me reconhecer, diante dum tal exército, já só uma coisa pode salvar o "animal feroz" que os amofina e, aos comandos duma das principais confrarias de malfeitores residentes, vai depredando este infortunado país: É, num golpe de asa e génio, o temível "fascista", devidamente escoltado pela inefável Esther Miklinizivschlepingeetc, vir a público exibir a sua ascendência judaica, mai-lo respectivo brevet e alvará, e, assim, devidamente blindado, descontar toda esta excitação fóbica como mais um lamentável epifenómeno de anti-semitismo atávico, recorrente e arreigado.
E é ver como toda esta chusma, num ápice miraculoso, perde logo os fornicoques revolucionários e manda às urtigas os ardores liberdadeiros.
De facto, só lembraria ao diabo: ver a nossa putativa liberdade de expressão a ser gloriosamente defendida por um rancho folclórico de papagaios.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Circuito Vicioso ou Do Mercado... de Escravos




«As 20 Maiores Dívidas Externas do Planeta.»

Não vou discutir critérios, nem curiosidades. Ocupamos um honroso 9º lugar, na peugada de naçoas tão ilustres como a Suíça, o Reino Unido, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca e mais umas quantas. Atrás de nós, embora solidárias e firmes no pelotão da frente, pedalam, entre outros, a Alemanha e os Estados Unidos, só para citar as cifras mais astronómicas: 5.208 e 13.454 triliões de dólares, respectivamente.
Pois bem, queria apenas deixar à consideração geral duas ou três notas, assim em jeito de aperitivo.

1. Dir-se-ia que o tão cantado Ocidente, depois da falência moral, enfrenta a falência económica. Afinal, vendeu a alma para quê?

2. Devem todos aqueles imensos balúrdios, cujos números até causam vertigens, mas ... devem a quem?

Diz o provérbio que "quem não tem dinheiro não tem vícios". Ao que eu acrescentaria: e quem tem o dinheiro, fabrica-os. E coloca-os a render.

É que os "países", tal qual as "pessoas", compram (e pagam) a crédito. Se bem que na verdade, tanto quanto na realidade, não compram nem pagam: vendem-se. Individual e colectivamente.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Sem vaselina

Depois da treta da crise, da treta da gripe e da treta do Haiti, eis que volta a super-treta do défice. O que vale é que estes deserdados mentais engolem qualquer supositório. Basta que lho apresentem em forma de notícia e lho enfiem pela boca abaixo. É que o orifício mais adequado e mais abaixo está geralmente ocupado pelo imarcescível bacamarte da realidade. Sem vaselina.
Mas disso não se fala. É segredo.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Sem Rei nem rota


Em tempo de naufrágio, cada qual agarra-se ao destroço flutuante que lhe bóia mais próximo e faz dele a sua jangada. Depois, a jangada torna-se a sua ilha. Dele e de quantos por lá se recolham, em desespero e refluxo. E, à medida que o seu número cresce, a ilha absorve o universo.

Ora, se o naufrágio dum navio constitui catástrofe de monta, o naufrágio duma nação e de todo o seu povo configura a tragédia completa. Em vários actos.

Porque o naufrágio dum país não se resume ao desmantelamento do navio pela tempestade e pelos recifes: prossegue depois na sucessiva destruição das jangadas, que vão devindo cada vez mais precárias e exíguas. Até que não reste mais que um mar de gente à deriva num mar de estilhas. O naufrágio duma nação torna-se assim, pior que a simples catástrofe, numa lenta agonia, num prolongado estertor, em suma, numa tragédia que nunca mais acaba.

A nau que Portugal foi, hoje já não é. Ao ritmo das marés e das luas, vão-se esfarelando as jangadas, vão-se irrisando as ilhas num coalho sórdido de arquipélagos chochos, vão-se engalfinhando e injuriando os náufragos, num rilhafoles pegado e sempreviçoso. Perdido o navio, qualquer armário velho serve, qualquer tabuado à deriva adquire contornos de embarcação. Juntem-se dois nadadores num destes batelões do acaso e logo um arvora ao capitão. E o outro ganha instantanemente artes e cédulas de timoneiro.

Perdido o todo, perdida a noção de todo, de pertença e comunidade dum todo, as partes ficam entregues às suas contingências. E aos devaneios de pavilhão ou fantasias de boleia no primeira embarcação que passe. Sonham agora não já apenas com alguém que os salve, mas, sobretudo, e resumido, com alguém que os adopte.

domingo, janeiro 31, 2010

Da desfaçatez parasitante

O facto de serem invariavelmente tipos apinhados em blogues colectivos quem mais proclama a soberana excelência do individualismo diz tudo sobre o que significa esse "individualismo".

Não obstante, dá-me imenso gozo ver resmas de fedelhos de popa, cuja única finalidade na existência é fazer conhecimentos, arranjar contactos e cunhar amiguices, a clamarem, em tom solene e lacrimijante, pelo império do mérito e da probidade. Autênticas putas de vão-de-escada a bradarem pela moral e bons costumes!

sábado, janeiro 30, 2010

Iahvé visto por Homero


«Na gruta habitava um gigantão, que vivia solitário, a apascentar o seu rebanho. Não tinha relações com os seus vizinhos; morava só e não respeitava nenhuma regra. Era um portento colossal, em nada semelhante aos homens que comem pão.»

- in Odisseia, Rap IX

Afinal, o Mono era Poli. Femo.

Do Macaco de Sótão ao Macaco de Laboratório


Lendo isto -e nem é preciso ser com muita atenção - percebemos facilmente o que separa o reverendo Richard Dawkins do reverendo Pat Robertson: um espelho.

Ou seja, o fetichismo científico, no essencial, não se distingue do fetichismo religioso. De facto, apenas compete com ele... no acessório.

Fatalmente, a treta evangélica haveria de redundar no evangelismo da treta. Uma peçonha nunca vem só. Na melhor das hipótese (que, neste caso, coincide com a pior) Dawkins é só o upgrade de Robertson, o Robertson 2.0, ou, para usar uma linguagem ainda mais querida ao macaquinho: a "evolução" do Robertson. Ora, a urgência primeira da nova versão é declarar aos quatro ventos e brisas associadas, tanto quanto a obsolescência, a inutilidade da versão anterior. Enfim, coisas do pensamento ortopédico: uma vez na cadeira-de-rodas da ciência, o aleijadinho mental, com a arrogância própria dos novos-ricos, atira fora o deus-muleta. E trata de considerar, com a estupidez gémea siamesa da arrogância, que estar ainda mais (toxico)dependente é estar mais evoluído.
Pelo que, bem vistas as coisas, o upgrade só não é um downgrade porque o nada não tem degraus. Impossível determinar escalas na nulidade. O que disto tudo resulta, deixo ao critério e à inteligência (ou penúria dela) do leitor.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

O Triunfo do postiço




Acontece que não sou democrático. Não gosto de democracias. Burguesas, populares, representativas, representadeiras, liberais, chamem-lhe o que quiserem: repugnam-me. Mas não as deprecio porque, em contrapartida, aprecie tiranias ou despotismos descabelados. Desprezo-as, precisamente porque desprezo despotismos exacerbados e, de todos eles, não há nenhum mais vil, absolutista e opressor do que o da mentira. E da sua primogénita mimada: a mediocridade.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Traídos pelo défice (ou pelo Castelo do Queijo)

Visto que hoje é 28, ontem foi dia 27 (descobri há bocadinho, dia de Santo Holocausto)... e, todavia, pasmai ó leitores, no Blasfémias, acabo de comprovar com a plenitude destes que a terra só não há-de comer porque o fogo se lhe antecipará, nem a Helena Matos, nem o (ó tempero, ó molhos!) inefável CAA se dignaram acender uma velinha que fosse. Quer dizer, nem postal, nem postala, nem postalinho: um deserto de lágrimas! Uma secura trans-saariana digna dum Paris-Timbuktu! Que pode significar um megaprodígio destes? Que poderemos esperar ou ante-visionar na sequência de tamanha despiedade? Que audácia inaudita adentanharão a seguir: convidar-me para escrever no Blasfémias?


Abaixo de cão

Os poetas - os autênticos e, por isso mesmo, raros - são tratados com menos consideração que os cães. E não me refiro aos cãezinhos da burguesia que avistamos, de pelo escovado e barriga farta, a passearem os respectivos serviçais por esses trotadeiros de bairros coquetes. Não, refiro-me a rafeiros vadios mesmo, daqueles famélicos e remelosos, abandonados à sua sorte e em espera para o desenlace final no asfalto. É que estes, ao menos, depois de mortos, são abandonados pelos parasitas. Ao contrário dos poetas: depois de mortos é que os atraem. Em verdadeira chusma.

Lembra-me um dito que havia na tropa (no tempo em que havia tropa), que servia de slogan na recepção ao instruendo:
"Estás dois abaixo de cão e três acima de polícia".
Se fosse hoje, por mim, remodelava-o:
"Estás dois abaixo de cão e três acima de polícia. O que significa que se não és poeta, pareces."

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Deveras ou devaras

Para que houvesse segredo de justiça, convinha, em primeira instância, que houvesse justiça. Não havendo justiça, é mais que lógico - é fatal - que não haja segredo de justiça. O que há, em compensação, é todo um segredo de injustiças, ou, mais exactamente, todo um rol de injustiças perpetradas no maior sigilo - o sigilo típico das seitas, das lojecas, das capelinhas e das amigalhaçarias (ou estrebarias sofisticadas).
Da mesma forma, para que houvesse justiça no país era essencial, antes do mais, que existisse, na realidade, um país. Ora, é bem patente que não existe. O que abunda é a desagregação, metódica, obsessiva e sistemática, dum país. O que campeia e reverdeja é uma multiplicação desenfreada de egos, ruídos, micróbios descomunais e aparelhos digestivos. Com a agravante de toda esta mixórdia enxamear em regime de absoluto despotismo, durante o dia, e de tribalismo vermicular, durante a noite.
Assim, não havendo país onde guardar a justiça, falta necessariamente esta e rarefaz-se, por inerência, o segredo nesta. Não havendo recipiente onde guardar a água potável, derrama-se o precioso líquido no chão imundo, onde, em vez de matar a sede das gentes, se converte em lama e atoleiro para o humano passante, tanto quanto em parque de recreio para o suíno residente. Exaspera-se naturalmente um onde goza bestialmente o outro.
Mas porque desaparece o país? Tal qual a função faz o órgão, faz a gente o país. Em faltando aquela, mirra este. Sumindo-se os homens, devém estéril a justiça. Ora, ao ritmo com que isto marcha, o caso é que, no balanço actual demográfico, entre bácoros e humanos, não patinam apenas estes em franca minoria: já estiveram mais longe da extinção.

No país das Papoilas Saltitantes


Alguém terá -alegadamente! - pago aos jogadores do Leixões para "travarem" o Benfas. (Não travaram: perderam por 5 e acabaram o jogo reduzidos a 9). Felizmente, ninguém precisou de pagar ao árbitro da partida, nem aos trafulhas da Liga ou da polícia judicida: trabalham todos por puro amor à camisola.

Ai, ai: agora é que eu lhes fui mesmo à vaca sagrada!

terça-feira, janeiro 26, 2010

Pessoa corrigido




Pois grande será a poesia, a bondade e as danças...
- pelo menos nos breves intervalos das matanças.
Grande o mar, o sol e a efemeridade dos prazeres;
mas o melhor do mundo, mesmo, são as mulheres.
-Sem elas é que, de todo, não haveria crianças.



sábado, janeiro 02, 2010

Silêncio


Sabem os entendidos das coisas do mar que um profundo silêncio antecede, por regra, formidável tempestade.