quinta-feira, novembro 30, 2006

Pilha-nomes, pilha-galinhas e outras badamequices

Buzinou-me o Labaredas-Mor do Reino o seguinte:
"Caguinchas, informaram-me que anda aí um badameco qualquer a botar comentários em teu nome!"
Como?!! Caralhos fodam e refodam o gajo, que gosto pouco de vigarices em fazendo eu o papel de otário! Começa a comentar com o meu nome e, um dia destes, em lhe dando para aí a veneta (com estes cocós d'agora é mato!), desata a levar na anilha ou a chupar gaitas e, tá-se mesmo a ver, quem fica com a má fama sou eu.
Perguntei ao Cospe-Lume como é que se chama um gajo que rouba o nome de outro. Disse-me ele que era um cleptónimo (até escrevi num papel para não estropiar alguma letrinha, que eu acho que gajo masculino com mais que a 4º classe do intigamente é assim um bocado a resvalar para o paneleirote).
Pois bem, este filho da puta deste cleptónimo que vá mas é gamar auto-rádios, ou carteiras no Metro, como qualquer gatuno honesto, e deixe a minha nomencladura em paz!
Ninguém me tira da cabeça que é o tal Pachôco Pereira, ou Pacholo Freira, ou Abrrôto, ou lá como o gajo se intitila, quem anda por aí mascarado com a minha pinta, a espreitar-retretes e a largar bostas. O gajo, toda a gente sabe, tem uma inveja de mim que até se morde todo, esgadanha e espuma pela boca. Claro está: gostava de ter uma nomencladura com'a minha, porque só tem uma nomenclamole, assim toda encarquilhada e mixuruca, a meter nojo a um leproso com sarna, bexigas doidas e chatos. Vai daí, toca de armar ao Caguinchas, como se alguma vez na vida, nem que Cristo voltasse à terra, tivesse categoria pra isso! Um nome varonildo como o meu é que lhe quadrava, ao arrota-postas de pescada de rabo na boca!
Pois, pois... Já me tinhas dito,ó estálino recãochutado! Mas Caguinchas só há um, o verdadeiro e mais nenhum! (O verdadeiro, que sou eu, bem entendido.)
Que fique portanto bem claro, distintas cavalheiras e cavalheiros: eu tenho mais que fazer que andar a gastar o meu tempo e a minha distinta lábia com caixotes do lixo informéticos. Tenho bicas para beber, gajas pra galar e casas de alterne para vistoriar (na companhia, entre outros, do meu amigo Dragão que, ainda mais que livros, grama de esgravatar em galdérias). Além disso, e principalqualmente, para comentar em blogues era necessário uma coisa cinequanona: que eu lesse blogues. Porcaria que eu não faço, nem morto, nem que me paguem, por duas razões muito simples: não tenho estudos para isso; e só leio a "Bola". Ah, e as legendas das revistas pornográficas, excepcionalmente.
SLB! SLB! Glorioso SLB!...

PS: A próxima vez que esse pilha-nomes atacar, solto-lhe os "No name bois". Vai ser cá uma tourada. Só que, para variar, vão ser os Bois a pegar o Toucinho-mal-depilado de cernelha.

P2: Se não nos virmos antes, um feliz Natal!

O Contra-edipismo

Sinceramente, não acredito que seja Putin quem esteja por detrás desta recente vaga de mortes e acidentes suspeitos. Um raio me parta se não é coisa da Mão Invisível!...
Aliás, o ela andar nesses inperscrutáveis trajes até acontece por puro brio profissional. Com tanto ceguinho voluntário que para aí abunda, nem precisava. Bem podia desfilar às claras, em toda a pujança da sua carne e nervo, que ninguém reparava. E se alguém reparasse, internavam-no logo.
Direi mesmo que chegámos à idade do contra-édipo: como reza o mito, Édipo arrancou os olhos depois de ver a verdade; estes, agora, arrancam-nos para não correrem o desagradável risco de encararem, algures, com ela.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Um risco que já passou

Escrevia Fernando Pessoa, há quase cem anos atrás:
«A nossa civilização corre o risco de ficar submersa como a Grécia (Atenas) sob a extensão da democracia, de cair inteiramente nas mãos dos escravos, ou então de ficar como Roma, não nas mãos de imperadores filhos do acaso e da decadência, mas de grupos financeiros sem pátria, sem lar na inteligência, sem escrúpulos intelectuais e sem causa em Deus.»
Pois bem, quase um século transposto, fosse hoje vivo, Pessoa podia tranquilizar-se: a nossa civilização já não corre tais riscos. Já ultrapassou essa fase perigosa. Já se "romanizou" até à ponta dos cabelos. Já caíu por completo nas tais garras... Que de mãos têm quase nada, mas de tentáculos providos de ventosas têm quase tudo.

Na altura, como antídoto para o ameaçador processo, Pessoa estipulava «uma lenta aristocratização» que «pela arte, supremamente, podia ser feita».
Hoje, porém, há suficientes provas de que foi precisamente o contrário disso que aconteceu: em vez da tal "lenta aristocratização, foi uma rápida cacocratização o que alastrou e floriu. Não foram os melhores, mas os piores quem vicejou. Inaugurou-se a era do "quanto pior, melhor". Num perverso sentido, acaba por ser uma aristocracia às avessas, de patas para o ar - uma "aristocracia dos pérfidos", dos destituídos de qualquer escrúpulo, ética ou valor - para além daquele com que recheiam os bolsos offshore. Daqueles a quem nada custa vencer a qualquer custo. Dos descendentes ufanos do macaco que doravante emulam a ratazana. A bem do sucesso fácil, do êxito rápido, do triunfo obscuro, o mais ignóbil e rasteiro possível. A mal deste desgraçado planeta que, em regime de praga, infestam.
E se a civilização vai assim, o país, penduricalhado à boleia, não vai melhor. Porque se, como vaticinava ainda Pessoa, «uma nação vale o que vale o seu escol», então, hoje, Portugal não vale a ponta dum corno!...

Mais putativas Putinices?...


Este estorricado Kerimov, mais o seu Ferrari em fanicos, é o 72º no ranking da Forbes Magazine.

Entroncamento de azaradas coincidências, ou alguém anda a trabalhar por atacado?

terça-feira, novembro 28, 2006

E agora?...


E agora, provavelmente, fica tudo em águas de bacalhau. O crime prescreveu, José Esteves teve este capricho agora de confessar, como, há-de concluir-se, teve aquele capricho imperioso, há vinte e tal anos, de mandar o avião pelos ares. Por sua pessoal e alta recreação.
Para o entrevistado e para a revista é mais um bom negócio.

Mais palavras para quê? José Esteves, aliás Sô Zé: um artista português, num país de artistas. E impunidades pimponas.
....//....


No meu buraco
passo os dias à espera
dum qualquer contrato
que traga a Primavera.

Vou virar psicopata
no próximo Natal,
só p'ra estar na ribalta
do teu Telejornal.

Um rasto desagradável

As investigações sobre o caso Litvinenko prosseguem.

Uma notícia que merece ser lida com atenção aqui.

Até porque adiciona alguns outros esclarecimentos deveras interessantes. Até aqui julgava-se, segundo os milhares de peritos clarividentes de todo o mundo que se prontificaram a nomear Putin como responsável pelo presunto, que o acesso ao Polónio 210 era um exclusivo da secreta russa, mas, afinal, segundo o Home Secretary de Sua Majestade, o muito conspícuo John Reid, «there were 130 premises in England and Wales with a known use of polonium 210, each regulated and controlled by the Environment Agency.»
Em resumo, cada vez há menos dúvidas que foi o Putin.

Esquemática da Ração Pura

«O estado de uma sociedade não depende das suas instituições políticas, mas da coesão entre os governantes e os governados. Quando essa coesão existe, isto é, quando a opinião pública, a opinião instintiva da nação é geral, individida, os próprios governantes partilham dela, dela participam. Basta-lhe, portanto, para governar, interpretarem o que está dentro de si próprios.
Nas sociedades desnacionalizadas, nas sociedades estragadas pelas ideias estéreis do humanitarismo, do pacifismo, e da fraternidade humana; nas sociedades que perderam as virtudes guerreiras e para quem o estrangeiro não é, como para as sociedades sãs, essencialmente o Inimigo - nessas sociedades os governantes perderam o contacto instintivo com a massa do povo, e não podem portanto interpretar o que não sentem. Podem ser homens pessoalmente honestos e bem intencionados; em geral não o são; mas não se pode interpretar os instintos dos outros.
Como há-de um governante interpretar um instinto de que não participa? Os governantes não nascem Shakespeares, com a arte de interpretar os sentimentos dos outros; só têm, querendo os deuses, o poder de interpretar os próprios.
A democracia é um sistema político que só aparece nas decadências.»

-Fernando Pessoa, "Páginas de Sociologia Política"


Como sempre, em Pessoa, há coisas com as quais concordo e outras nem tanto. Mas não é isso que vem agora ao caso.
Peguemos nesta sua intuição e transportemo-la à situação portuguesa actual. É nítido que nem os governantes compreendem os governados, nem estes devotam qualquer estima àqueles. Aliás, estão todos eles bem mais próximos dum ódio mútuo e inoxidável, que duma coesão orgânica minimamente decorosa. Em rigor, os governantes desprezam olimpicamente os governados, a quem consideram uma choldra infestante, recalcitrante, caprichosa e indigna (indigna sobretudo deles, sábios e preclaros ministros); e os governados reagem em conformidade, usando a choldra governante como vazadouro nocturno para todas as suas frustrações, insucessos, incapacidades, vícios, insuficiências e orfandades. Resulta mais que evidente que tanto uns como outros padecem, em fase terminal, galopante, da -chamemos-lhe assim - "Síndrome de Escandinávia". Que se traduz no seguinte: os governantes gostariam muito que os seus governados fossem escandinavos; e os governados, com não menos ênfase, adorariam ter a governá-los nórdicos governantes. O sincronismo que disto tudo decorre é deveras eloquente: às tantas, em vez de governarem os seus compatriotas, os governantes estão a tentar transformá-los em escandinavos, ou a legislar como se o fossem; e os infelizes governados estão, por regra e princípio, a lamuriar-se de não se transformarem em escandinavos os compatriotas seus que os governam. No fundo, esta curiosa síndrome funciona como pretexto régio: a uns para não governarem (o país não os merece); a outros para não se deixarem governar (eles não merecem um tal desgoverno). O que culmina no actual lema nacional: "ninguém governa ninguém; cada qual governa-se." A parte perdeu toda e qualquer noção do Todo.
Enfim, é todo um psico-país, estilhaçado, fragmentário, esquisóide, a padecer de dupla personalidade. E a detestar-se diante do espelho.
Mas dizer que a democracia é "um sistema político que só aparece nas decadências" parece-me um duplo exagero. Pelo menos, a fazer fé naquela que conheço e tenho experimentado na pele. Em primeiro lugar, porque ainda não consegui apurar se é a democracia que aparece na decadência, se é a decadência que aparece na democracia. E, em segundo, porque não é "um sistema político", mas, comprovadamente, uma "ausência e oclusão de qualquer sistema -político, social, filosófico, musical, ou o que seja. Chamar sistema a um mero "aglomerado heteróclito e concorrente de esquemas" afigura-se-me um equívoco grosseiro e extremamente infeliz.
É o mesmo que chamar corpo ao amontoado completo de membros e postas dum indivíduo depois de esquartejado.

segunda-feira, novembro 27, 2006

O Danúbio Azul

Recentemente rebaptizado como "Valsa do Iraque".

sábado, novembro 25, 2006

Goldfather, Goldfinger ou Goldfá(r)bula?...

Quem matou Alexander Litvinenko?
Antes disso, alguns factos...

«Andrei Kozlov era o Primeiro Vice-presidente do Banco Central da Rússia de 1997 a 1999 e, novamente, de 2002 a 2006. Em 14 de Setembro deste ano foi assassinado a tiro por atiradores desconhecidos. Antes da sua morte, Kozlov andava muito ocupado a encerrar bancos Russos acusados de branqueamento de capitais..
Boris Abramovich Berezovsky é um Bilionário Judeu Russo que dirigia a Segurança Nacional Russa durante o consulado de Boris Yeltsin. Quando Putin chegou ao poder, ordenou a abertura de investigações às actividades empresariais de Berezovsky, incluindo branquemento de capitais. A resposta de Berezovsky foi fugir para o Reino Unido, onde lhe foi concedido asilo político.
Berezovsky tem, ou teve, cidadania Israelita.
Na sua edição de 30 de Dezembro de 1996, a Forbs Magazine publicou um extenso artigo intitulado "O Padrinho do Kremlin?", no qual acusou Berezovsky de responsabilidades pelo assassínio, em 1995, do popular jornalista televisivo Vladimir Listev. A revista também acusou Berezovsky de ter inúmeras ligações à mafia e de se ter apropriado fraudulentamente de USD 50 milhões, angariados pela sua empresa, a milhares de russos que compraram acções AVVA, supostamente destinadas à produção dum nova viatura de passageiros.
Boris Berezovsky admitiu que conspira em prol do derrube violento do governo Russo, e foi admoestado por Jack Straw (que, subsequentemente, foi destituído do seu cargo como British Foreign Secretary) para não abusar do seu estatuto de asilado político na Grã-Bretanha. Putin requereu a extradição de Berezovsky para a Rússia. Blair recusou.
O advogado de Boris Berezovsky é Alexander Goldfarb. Goldfarb ajudou Berezovsky a conseguir asilo político no Reino Unido. Por seu turno, Goldfarb é um dissidente russo com cidadania americana.
Goldfarb era também um amigo íntimo de Litvinenko. A acusação feita por Litvinenko, à cabeceira da morte, de que era Putin o responsável pelo seu envenenamento, foi tornada pública por Goldfarb, durante uma recente emissão da BBC. Goldfarb sustenta que o documento lhe foi ditado por Alexander Litvinenko. »
(O resto do artigo, cuja leitura integral recomendo, pode ser encontrado aqui.)


Nevzlin, fugiu da Rússia para Israel, onde, quase instantaneamente lhe foi concedida cidadania israelita. Actualmente, é Presidente do Tutorial Council of the Diaspora Museum e presidente do Fundo Nadav.

Pois bem, deixem-me perguntar de novo: Quem matou Alexander Litvinenko?

25 de Novembro



"Sempre generoso na vitória e paciente na adversidade, o verdadeiro Comando trata com solicitude, acarinha e estimula aqueles que lutam e sabem vencer todos os obstáculos. Não admite a mentira mas respeita os estóicos e abnegados que servem sem preocupação de paga ou de satisfação de interesses de qualquer natureza.

O Comando não foge ao perigo, não evita as situações que possam acarretar-lhe incómodos. Incumbido de uma missão, põe no cumprimento dela todas as suas possibilidades de actuação, todas as suas forças físicas, intelectuais e morais."

(- fragmentos do "Código Comando")

Há dois detalhes subtis sobre o 25 de Novembro de 1975 dos quais nunca se fala:
1. Que a "operação" recebeu luz verde para 25 porque a Independência de Angola já tinha sido declarada a 11;

2. Que o Partido Comunista, que era para ser ilegalizado, acabou por ser habilidosamente poupado. Dizem as más línguas, por causa duns certos ficheiros da DGS que foram tranferidos para Moscovo, e onde constavam certas taras pedófilas et al de figurões do "Novo regime".

Em 25 de Novembro, já não se salvou grande coisa. O mais importante já tinha ido às urtigas: as condições objectivas para a existência efectiva duma Independência Nacional.

Business as usual


Primeiro criam-se e distribuem-se os vírus e as bactérias. Semeiam-se e promovem-se as epidemias. Depois é só enviar os caixeiros-viajantes com os remédios e vacinas.
Para os traficantes da morte, o caos sempre há-de ser mais lucrativo do que a ordem.

O Eixo malvado



Também a China destesta e conspira contra o nosso inefável Modo de Vida:

«Um tribunal Chinês sentenciou o fundador do maior Web Site pornográfico do país a prisão perpétua .»

«Além de Chen, o tribunal de Tayuan, capital da província de Xhansi, condenou outros oito cúmplices, quase todos com idades em torno dos 20 anos, a penas entre treze meses e dez anos de prisão.»

Quase tão mau como obrigar as mulheres a usarem burka, é impedi-las de se despirem e fazerem fornicar em público. Neste caso, pior ainda, porque não se trata apenas das mulheres, mas também dos homens, das criancinhas e, porventura, de alguns animais domésticos.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Quem semeia ventos...




«Russia has begun delivery of Tor-M1 air defense missile systems to Iran...»

«Rome and Paris arm Beirut.
On October 16th, 2006, Italian Minister of Defense, Arturo Parisi, would have authorized the sale of Anti-missile batteries sea-to-air Aster 15 to Lebanon.»

«French soldiers in Lebanon who feel threatened by aggressive Israeli overflights are permitted to shoot at IAF fighter jets...»

Fechem-no lá dentro e deitem fora a chave.

Pronto... Só me faltava cá este!...
Esta mania que as autoridades têm de deixar sair certos energúmenos em liberdade condicional ainda há-de trazer muitos amargos de boca à sociedade. Neste caso, à Alta Sociedade...

Olha lá, ó Ambrósio: não tens "Bolas" para ler e cabeleireiras para galar à porta da tasca?...

Falemos de coisas sérias...


- Ambrósio, estava a apetecer-me chupar algo.
- Tomei a liberdade de pensar nisso, senhora...
- Mas, Ambrósio, isso não é Ferrero Rocher...
- Pois não, madame. Mas Brochelência nunca ouviu falar que em casa de ferrero espeto de pau? Pois aí o tem, o pau. O pau e o respectivo recheio quentinho. Sirva-se à vontade.

- Humm!...(mham-mham!...) Bravo Ambrósio!

A Admirável Droga Nova

Parece que as drogas estão em saldo na Europa. Não as colectivas, como o futebol, a televisão ou os video-jogos, mas as individuais, como a heróina, a cocaína, o ecstasy, a marijuana, etc.
Segundo o relatório anual do Observatório Europeu da Drogas e da Toxicodependências (OEDT), existe mesmo, neste momento uma grande campanha de promoção.
A Heroína está a ser vendida com rebaixas da ordem dos 45%;
A Cocaína, na ordem dos 22%;
O Ecstasy, 47%;
As anfetaminas, 20%;
A marijuana, 19%;

Segundo as inefáveis leis do Mercado, se o preço baixa significa que há excesso de oferta. Ou carência de procura. No vertente caso, provavelmente ambas.
O mais sintomático é mesmo o tombo no preço da Heroína. A explicação não pode estar apenas no novo Afeganistão Democrático, onde a produção de papoila recuperou toda a sua antiga pujança e disparou para níveis recordistas. Há certamente uma nova droga que está a desviar clientelas e a agarrar novas hordas junkies. Quer dizer, se, por um lado, produções recordes estão a aumentar a oferta, por outro, concorrência certamente feroz de novos produtos e pacotes estupefacientes está a diminuir a procura destas drogas clássicas. E desafio o mais pintado a detectar uma microfalha que seja na perfeição imaculada desta minha dedução.
Ora bem, que nova droga irresistível e avassaladora será essa, que está a dar de pantanas com o comércio tradicional de chutos, snifos, tripes e charros?
Basta ligar a televisão a qualquer hora, abrir um jornal ou revista em qualquer página, contemplar os outdoors de qualquer rua... Lá resplandecem, extasiantes, os apelos hipnóticos, as instigações imperiosas, os convites idílicos. Tudo perfeitamente legal, benigno, com o beneplácito do estado e a bênção da civilização. Melhor que as drogas colectivas, mais viciante que as individuais, é a nova droga familiar. A "Todas em uma" -chuto-snifo-tripe-e-charro. O paraíso artificial ao alcance de todos para o século XXI... Ainda não adivinharam? O Crédito bancário, pois claro.
A nova fábrica de zombies, mitras e arrumadores de carros.
O aborígene só tem uma certa dificuldade em encontrar espaço para chutar na veia: a Banca açambarca-a, dia e noite, sem descanso. A chupar nela.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Nick Cave - We Came Along This Road

Para uma leitora especial. A minha "leitora das 8".

Da Liberdade de Ser

O Orçamento, geralmente, funciona como o principal antídoto contra a Consciência. A Rua da Honestidade termina num beco: o beco da Ruína.
Mas há prazeres subtis que a riqueza toda deste mundo não compra. Engana-se redondamente quem pensa que o Espírito não tem orgasmos.

Anatomia Americana



«A diferença entre os dois continentes faz-se sentir na noção de partido político. Na Europa, um partido representa os interesses de classe nos dois planos de dignidade e lucros, lutando pró ou contra os salários, os impostos, orçamentos e outros interesses materiais, pró ou contra um determinado sistema de poderio ou de hierarquia, portanto, a favor ou contra certos princípios. Na América, encontrando-se eliminada a condição, os dois partidos representam exclusivamente interesses realativos aos ganhos. São duas empresas concorrentes, dirigidas segundo os mesmos princípios e com objectivos idênticos, mas empregando caminhos e meios diferentes. Os dois partidos só diferem neste ponto. Lutam como dois grupos de futebol por uma mesma bola, que é o poder exercido no Congresso ou na Casa Branca. Pouco importa quem seja o vencedor, pois em qualquer caso será um jogador de bola. É aí que é preciso encontrar a explicação desta impressão de corrida no vácuo que tão frequentemente produz o conjunto da marcha política americana. Na verdade, muitas vezes não é outra coisa, pois que, tanto para um como para outro partido, não se trata mais que de negócios. O país é regido como uma empresa: todos os pontos de vista além dos económicos são de importância secundária.(...)

O lobby é o que se chamava no século XVIII uma "antecâmara", a do poder. Apenas esta sala não se compunha de um só local, mas de milhares de repartições que se estendiam por toda a cidade de Washington; em cada uma há um homem que representa determinados interesses de vertas sociedades, uniões ou associações. A sua obrigação é impedir o Congresso de empreender qualquer coisa que esteja em contradição com os interesses do seu grupo. Desempenha assim uma função de ama; ninguém lhe pede a sua opinião mas praticamente desempenha o papel principal quando do "baptismo" de uma lei, porque o lobbyist é, a maior parte das vezes, o único especialista que sabe sobre aquilo em que assenta o processo. Há mais de dois mil lobbyists em Washington e a A.F.L. e a C.I.O têm também ali as suas repartiçoes. Os chefes operários fazem, pois, exactamente a mesma coisa que toda a gente, tentando abordar um senador, um deputado ou qualquer outra personagem de influência, adiar as assembleias, influenciar indirectamente grupos pela obliquidade de homens de confiança, etc. Dispõem sempre de contrapartidas podendo valer milhões de dólares, assim estejam eles em condições de agir. São, como toda a gente, homens de negócios.
Mesmo quando não operam senão como lobbyists, mas se opõem ao manager de uma grande empresa, continuam a ser homens de negócios. A situação em que então se encontram é muito característica, porque não são dois poderios opostos que se defrontam, mas um único e mesmo poderio desdobrado. Se um deles põe sobre a mesa um maço de estatísticas, o outro faz outro tanto. Porque se trata quase exclusivamente de estatísticas. Todos os outros assuntos, e sobretudo a política, são eliminados. Os dois homens, representando perfeitamente as duas metades de um mesmo tipo, apenas diferem um do outro por este facto: habitualmente, o representante do patrão age, ao passo que o do empregado reage.»

- L.L.Matthias, "A Autópsia dos Estados Unidos"

terça-feira, novembro 21, 2006

Tamagoshenstein



Às vezes interrogo-me se isto dos blogues não será assim um espécie de "tamagoshi para adultos", ou quase adultos. Melhor dizendo: um tamagoshi enxertado em Frankenstein, ou seja, um Tamagoshenstein...
Ando a começar a ver este gajo torto!...

Nano-Micro-Pintelho Causa: Uma Barbie portuguesa



Enquanto não publico as Medidas Draconianas para o problema do Desemprego, aproveito para repor uma nano-micro-causa de há um ano atrás. Porque nunca é demais relembrá-la!

Decorreu no Porto, segundo escutei nas tele-notícias, uma exposição comemorativa da boneca Barbie.
Num ápice, fulminado por um ímpeto clarividente, ocorreram-me uma catrefa de nano-micro-pintelho-causas sublimes, cada qual mais urgente que a anterior...
Em primeiro lugar, na minha qualidade de secretério-geral da LDCPN (Liga para a Defesa e Conservação da Pintelheira Nacional), vou escrever desde já, em chocada reclamação, aos autores/mentores/e fabricantes da boneca, ou seja, à Mattel, contra o facto da dita cuja vir desprovida de pelos púbicos, vulgo pintelhos, o que induz em erro e gera um péssimo paradigma na tenra mioleira das crianças. Com tais exemplos nefastos, não admira que mais tarde se escalvem e descabelem onde menos devem. Esta, como devem calcular, é uma questão transcendente, de importância capital. Daquelas que pode gerar uma indignação capaz de culminar em atentados bombistas. Fiquem atentos: Um abaixo signatado circulará em breve. Escusam de lê-lo (até porque o vosso entendimento da palavra escrita é muito precário); basta assinarem e vociferarem nas ruas, quando for superiormente determinado (entenda-se: quando eu disser).
Em segundo lugar, passo a expor a catrefa de nano-micro-pintelho causas propriamente ditas.
Todas elas, registem desde já, orbitam à volta dum conceito fulcral: a adequação da Barbie ao nosso eco-sistema, ou dito por outras palavras, uma Barbie para os portugueses. Uma Barbie que nos espelhe, e não uma que nos aculture e colonize. Vá comer Mcdonnald’s para a puta que a pariu!
Note-se que quando eu digo portugueses refiro-me, como devem calcular, àqueles múltiplos infelizes sem meios de fortuna ou prebendas de tribo ou seita, que lhes permitam ser outra coisa qualquer. Aqueles que, proscritos das gordurosas elites e respectiva macacada satélite, se encontram destituídos da possibilidades de adopção, por mimetismo, de outra nacionalidade ou cultura e flanar ao alto em conformidade, pilotando ora múltiplos tachos, ora fantásticos jobs, ora resmas de sabujos acólitos e plateias de acéfalos babosos. Para estes está muito bem a Barbie com Ferrari, a Barbie Bond-Girl e outras opulências que tais. Mas para aquel’outros que refiro, os tais portugueses sem escapatória, que estão mesmo condenados a ser portugueses, 24 horas por dia, trinta dias por mês e 12 meses por ano, repito, sem fantasias, sem carnavais, sem devaneios nem partido, não existe puta de Barbie nenhuma e isso, além de trágico, é inadmissível. Num tempo em que hordas de coca-bichinhos exaltados espiolham a eito à cata de discriminações hediondas, eis aqui uma colossal, daquelas dignas de registo e merecedoras, senão dum Laiv Aid 9, pelo menos duma marcha decidida a pôr cerco ao parlamento. Nem quero imaginar quando os U2 souberem disto.
Porque, embora não pareça e a sua transparência proverbial dificulte as coisas, esta gente também é gente. Os portugueses, por incrível que pareça, existem carnalmente; não são apenas dígitos estatísticos. Cada vez menos, é certo, também têm filhos e estas crianças precisam de crescer com modelos que os preparem e instruam no seu futuro; carecem, como de pão para a boca, de moldes-guias para a sua imaginação, cenários que, ao mesmo tempo, as predisponham e conformem com os seus horizontes existenciais. Há cuidados paliativos mínimos a ter com certas doenças crónicas, dolorosas e incuráveis... São crianças que nascem já de pernas partidas, ou atrofiadas, e que, durante toda a sua vida vão ser atropeladas e violadas por profissão e princípio. Num mundo inóspito, cínico e grotesco, que se entretém a decorar com elas cadeiras de rodas mentais, um resquício de caridade, pelo menos durante os breves anos da infância, não fica mal a ninguém. Um pequeno simulacro que seja, que diabo!... A forma como estes tetraplégicos sociais reptam desde o berço até à sepultura, apanhando traulitada e escarro gorduroso pelo meio, devia merecer-nos alguma atenção, para além daquela que geralmente usamos e que consiste em, sempre que possível, acertarmo-lhes na cabeça.
Há crueldades e requintes de malvadez que são absolutamente desnecessários. Pior mesmo do que aquilo para que os reservamos na idade adulta e pela vida fora, é o deboche de infestá-los com ilusões e fantasias parvas nos verdes anos. A sucessão de choques e desilusões, de abismos e desesperos para que isso os prepara e adestra não tem classificação e só releva dum sadismo nojento, volutábrico, digno de hienas canibais.
Por isso, enquanto os portugueses não deixam de procriar de vez, poupando assim a sua descendência a agruras e tribulações horripilantes, o mínimo de atenção que o Mercado lhes deve, já que mais ninguém se preocupa, é disponibilizar-lhes brinquedos para os filhos que ajudem a conformá-los e não a deformá-los mais do que aquilo que já nascem. Que, em vez de os iludirem com asas que nunca terão e jamais lhes germinarão miraculosamente dos costados, os mentalizem para a paulada inexorável que lhes há-de chover nos mesmos, bem como para as muletas e cadeiras de rodas que o futuro lhes reserva com generosidade imarcescível.
Em resumo: Queremos uma Barbie para as crianças portuguesas. Uma Barbie que respeite a sua cultura, as suas idiossincrasias e, sobretudo, que as conforme com o seu futuro, servindo como lenitivo antecipado à sua vida adulta (omito aqui, por caridade, o adjectivo “desgraçada”). Lenitivo, aperitivo e incentivo, claro está.
Esta é a nano-micro-pintelho-causa para que vos convoco e cujo manifesto seguirá de imediato para a Mattel.
Resumir-se-á a exigir, sem mais delongas nem turpilóquios, o fabrico e distribuição no nosso país dos seguintes modelos da lendária boneca:
1. A Barbie Desempregada
2. A Barbie Operadora de telemarketing
3. A Barbie Acompanhante
4. A Barbie Massagista
5. A Barbie Sem-Abrigo
6. A Barbie toxicodependente
7. A Barbie Figurante

As Barbies e os respectivos Kens, bem entendido. Ah, e com pintelhos, nunca esquecendo. A Barbie!... O Ken, esse, pode continuar a vir capado. É um pormenor de grande realismo e uma lição indispensável ao futuro dos nossos pequenotes.

Tenho dito.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Medidas Draconianas - I. O Deficídio

(Passo a expor as medidas draconianas que urgem para este país. Se virdes por aí outras que não estas, berrai, protestai, queixai-vos à DECO: são pechisbeque, fancaria, contrafacção. Estão-vos a vender gato por lebre!
Para já, começo por recapitular as já anteriormente propostas, mas, todavia, como é apanágio cá da perspicaz casa, sempre actuais... O Deficídio, portanto.)

O português actual, verdadeiro calhau com olhos na sua grande maioria, quer lá saber da pátria, da cultura, do futuro, do passado, dos netos e da própria decência. Muito menos do défice. Peçam-lhe sacrifícios pela nação que ele, esfalfado de tanto proxeneta à bica dela, puxa logo dum valente manguito, cospe vários impropérios e desata num basqueiro de varina assanhada que só visto.
Agora, então, que o Benfica está quase campeão e o estio se aproxima, a grandessíssima besta, atarefada com os preparativos para as celebrações do título e as viagens às Caraíbas, Brasil ou Maldivas, está-se bem pouco maribando para o défice. Até porque, repito, já deita o défice, e conversas do défice, e ficções do défice pelos cabelos. E com razão, convenhamos.
Pois bem, se o que querem mesmo é acabar com ele, com essa abominação que não nos larga, com essa hidra medonha, a solução é simples. Atente-se:
Já sabemos que o Estado, dado o estado deplorável a que chegou, não é grande coisa no que toca a esmifrar o cidadão. Na verdade, a relação é complexa: não só o Estado não esmifra como devia o cidadão, ou seja, com alguma justiça, como, para espanto da galáxia, é ele, Estado, que se vê, não raras vezes, despudoradamente espoliado pelo tal cujo. Aliás, por sortilégio democrático, o Estado tem vindo a descambar num mero subterfúgio para uma certa classe de cidadãos viverem às expensas dos outros. Em suma: Tirando uns desgraçados e otários sem amigos na copa, ninguém paga impostos de jeito. Ou melhor dizendo: quanto mais deveriam pagar, menos pagam. O lema cínico do costume devém imperativo e princípio constitucional da república: "os pobres que paguem; são muitos e já estão habituados". Contudo, mesmo os pobres, esses beneméritos, já estão a ficar manhosos e, instruídos no exemplo alheio, começam também a eximir-se aos seus deveres, a desmazelar os seus encargos. Manifestam até má vontade, imagine-se; murmuram, rosnam, interferem com as sondagens. De facto, lá do alto até cá baixo, existe um consenso general: o país que se foda! Primeiro a casa, depois o carro, depois os telemóveis, depois as Caraíbas e depois, depois logo se vê.
Conclusão: com o Estado não vamos lá.
Então vamos como?
Com uma medida draconiana autêntica, genuína, de sucesso garantido, nem mais.
Repare-se: da mesma forma que não se sente minimamente vocacionado ao sacrifício pela pátria, pelo estado, pelo país, enfim, pelo que lhe queiram chamar, o matumbo do português está sempre, em contrapartida, numa ânsia e predisposição permanente, fervorosa, compulsiva de fazer sacrifícios pela Banca. Contra o Estado vocifera, mas contra a Banca nem um lamento. É a sua nova divindade inexorável, a Moira grega recauchutada. Aceita-lhe tudo: a fome, a humilhação, a escravatura e ainda agradece, ainda desfila todo inchado e vaidoso com as coisas que o Banco lhe aluga a preços dignos de pretos alforriados em loja de fazenda.
Portanto, para resolver o défice é muito simples: Liberalizam-se, desembaraçam-se completamente as mandíbulas e garras da banca. Que exerçam a seu bel-prazer. Traduzindo por miúdos: a Banca pode cobrar os juros que quiser e infestar - bem como armadilhar - os contratos com as letrinhas pequeninas todas que lhe der na real gana. Cláusulas omissas e cláusulas secretas, inefáveis, subentendidas, é à descrição. Assim mesmo. À bruta. À maneira da selva. À lagardére.
Acabemos, pois, com o faz que anda mas não anda, faz que cobra mas não cobra. A Banca, vampira queridíssima, ai Jesus dos meninos, que se entenda com os cidadãos, com os clientes, com esta choldra toda. Que lhes saque e sugue até ao tutano. Que os espolie até ao último cêntimo. Que os lobotomize e anestesie com publicidade onírica e paraísos artificias ao domicílio. Mais ainda do que já faz. À canzana! Hão-de pagar e andar felizes e contentes, ronronando e dando marradinhas nas sondagens. Todos ufanos e arruinados. Grávidos de sonho e volúpia consumista.
O Estado, calmamente, lá do alto, só tem que taxar a Banca. 60% sobre os lucros. Na ponta da espingarda, se for preciso. Vai ser um tesouro fabuloso, uma pujança financeira de fazer os luxamburgueses corar de inveja: Paga o défice, paga a horda residente na Função Pública e ainda sobram uns trocados para concluir aquele assuntozinho pendente desde a batalha de Toro.

Duarte de Almeida XX
aliás, Dragão

(- in Dragoscópio, Maio de 2005)

domingo, novembro 19, 2006

O Mal em figura de gente

Na saga humana ao longo dos séculos, quase tão premente quanto a necessidade de explicar o mundo, só mesmo a necessidade de explicar o mal do mundo. O historial é vasto. A figura mais proeminente que a civilização ocidental recrutou para o desempenho de tão tenebrosa incumbência chamou-se (e ainda se chama) Diabo.
Na Idade Média era polimorfo, panglota, ambíguo, misantropo, astuto, perverso, tentador, príncipe do mundo, maestro de orgias.
Actualmente é masculino, branco, heterossexual, cristão e europeu.
Especial Nick Cave & The Bad Seeds - (Are You) The One

Mais uma. Este gajo merece.
Especial Nick Cave & Bad Seeds - 15ft of pure white snow

Só para connaisseurs. Este tipo é um mister.

sábado, novembro 18, 2006

Pensamentos rubros

«Se você passa a vida dizendo exactamente o que pensa depois não venha se queixar.»

«Ser probre não é crime mas ajuda muito a chegar lá.»

«O pior cego é o que quer ver.»

«Cuidado com o homem cujos deuses estão nos bancos.»

«O Poder é uma sensação vertiginosa cultivada pelos impotentes.»

«Na Indústria e no Comércio, cada vez mais, o importante é vencer, se possível sem competir.»

«A democracia é o último refúgio da impossibilidade de governo.»

«O homem é um produto do meio. O meio é um produto do homem. O produto é um homem do meio.»

- in "Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr", de Millôr Fernandes

Aos senhores jornalistas, com afeição...

Sobre os escribas de vida fácil que se alugam ao caracter nas redacções dos pasquins, os mesmos que sobremaneira estipulam, em tom bufo, que a ostentação duma cara sem vergonha vale mais que a ostentação de vergonha na cara, e enquanto não me ocorre nada de mais pitoresco para lhes atirar, adianto a decapagem que se segue, a qual subscrevo integralmente, com todas as letras, até à mais insignificante vírgula!...

«Diz-se que os jornalistas são formigas que se aninham na orelha da fama, ou então, segundo outros autores, que são anelídeos do tipo vermes ranhosos do nariz, os que tiram nabos da púcara sem se escaldarem, vermes esses que só se sustentam a mostarda e defecações, porém duma tal suceptibilidade, meninos, que não podem ouvir ninguém tratá-los de sacanas sem bater logo o pezinho e ranger a dentuça. Ora acontece que os tratei por sacanas. Tivesse eu melhores conhecimentos de zoologia e com toda a certeza os haveria tratado de canalhas. Mas aproveitei mal e porcamente as aulas da Sorbonne. Por conseguinte, desta feita, advertido pelo efeito das minhas anteriores injúrias e com vontade de dar livre curso à presente obra, que se recomenda, notem bem, tanto pela qualidade da escrita como pela serviçal intenção do autor, que consiste em facilitar aos leitores, e em primeira mão aos suplicantes do diploma de licenciados, o amargo estudo da língua materna, com solicitude pois me apresso a colocar, já não em nota de rodapé mas no lugar mais honroso, em pleno exórdio, um ramalhete bonito de desculpas destinado aos Cavalheiros das Redacções. Retiro tudo quanto disse. Em rigor, poder-se-á apertar a mão a um jornalista. Onde é que se viu, aliás, que um homem que haja apertado a mão a um jornalista, aterrado depois por semelhante desonra alguma vez tenha dado cabo dos miolos ou sequer planeado tal gesto? Tê-lo-á a mãe expulso, dizendo-lhe: Some-te da minha vista, que já não és meu filho? Terá a casta noiva desse traste ido para freira, e terá ele ouvido, ao apresentar-se ante as grades do convento, aonde quiçá uma outra demência a conduzira, as terríveis palavras da irmã rodeira: Para trás, xô, tu que apertaste a mão a um jornalista? Não senhor! Direi até mais: há quem tenha por coisa lisonjeira isso de conhecer um redactor do Diário ou mesmo do Notícias. Embora se possa ter tal coisa na conta de notória perversão, ou, pelo menos, duma espessa parvoíce, bem preciso seria mostrar-me eu pejado de má fé para esconder tão interessante particularidade, de resto omitida no Dicionário, cuja explicação da palavra jornalista sobretudo certifica o repugnante terror dos académicos ante os periódicos, como dizem no correio. Declaro portanto ser possível apertar a mão a um jornalista. Com certas reservas, obviamente. Lavar-se uma pessoa logo a seguir. E não só a mão contaminada, mas também as restantes zonas do corpo, em especial as partes sexuais, visto ainda se não saber muito bem como envenena o jornalista as vítimas e por isso pairar a incerteza quanto à possibilidade de ele expandir por todos os poros da pele ou da roupa uma espécie de peçonha volátil e singularmente pestilenta detentora de extraordinária aptidão para se alojar nas rugas flexoras, e até nas mais dissimuladas pelo hábito e a decência. Dirijo-me agora aos que têm um domicílio. Caso se vos apresente à porta um jornalista, até há pouco dava eu o conselho que prontamente o atirassem escada abaixo, sem ouvir coisíssima nenhuma. Mas dizia-o sem razão. Vou reparar a injúria feita à imprensa dando um conselho mais moderado, que há-de pôr toda a gente a concordar. Antes disso, contudo, suplico aos Cavalheiros dos Jornais, e em primeiro lugar aos Cavalheiros dos Jornais Críticos, que considerem o facto de as minhas precedentes obras haverem sido redigidas nas primícias juvenis, quando ainda me não encontrava em perfeita posse da experiência e da reflexão. Entre grandes belezas que nelas se discernem, certos conceitos apressados, mais do foro do inconsiderado do que do vinco das calças, não deverão ser entendidos como expressão acabada das minhas ideias. No presente escrito se verá de resto como entretanto ganhei juízo. E como hei-de ainda ganhar mais. Quem sabe, talvez um dia destes acabe por dizer que um jornalista é quase um ser humano. Mas ainda lá não cheguei, estava só a falar aos que têm domicílio. Não atirem por conseguinte o intruso para a rua. Poderia a brincadeira sair-vos cara, acordando logo maldispostos no dia seguinte ao darem com o vosso nome escrito com espumante baba nas colunas do Dia [ou do "DN", do "JN", da "Sábado", do "Expresso", etc, etc*]. Façam pois entrar o visitante, mas apenas para o vestíbulo. Caso não disponham dum vestíbulo, terão concerteza uma retrete. Seja como for, nunca para a cozinha, não é sadio metê-lo lá. Calcem um bom par de luvas, cubram a cabeça com o pano preto que o fotógrafo usa para de nós obter a imobilidade relativa, e perguntem, então, cortesmente mas com vigor, a quem devem um tal incómodo. Não ouçam a resposta, declarando logo: Mais tarde hei-de ver isso. E depois, deixando de ter em conta o que narra o perigoso escalopendra, ponham-no a andar com toda a violência. Façam isso de supetão e à primeira. Em seguida, onde topem vestígios dessa medusa, esfreguem com palha d'aço, desinfectem o ar queimando enxofre e vaporizem pelo aposento uma essenciazinha aromática capaz de arrumar no esquecimento o remédio e o mal.
Espero que agora os jornalistas já possam ver com outros olhos as produções do meu génio.»

( - Aragon, "Tratado do Estilo")


Aproveito para referir que, embora tendo dele um série de livros que nunca li (exceptuando "A Cona de Irene"), sempre olhei de soslaio para Aragon, como um surrealista traidor, convertido à bufaria e jagunceria comunistóide. Pois bem, lendo este "Tratado do Estilo", escrito em 1928, antes portanto da bizarra adesão à seita, devo reconhecer que estou agradavelmente surpreendido.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Provas da Existência de Deus - I. Mozart

Concerto para piano e orquestra N.23 - Adagio

Minhoquices e contrafacções

O escândalo da semana, candidato ao óscar de horror do ano, deflagrou na terça-feira. Em pleno telejornal, a coqueluche das Papoilas Saltitantes, entregou-se ao queixume: alguém - em tom áspero - o havia medonhamente aviltado. O tremendo e assassino vitupério: durante a visita do SLB ao estádio com o meu nome, uma voz off na turba epitetou-o de "preto". Aproveitando o tempo de antena, o neogladiador dos relvados, foi também revelando que tinha muito orgulho em ser preto, mas que, não obstante, numa outra visita à Pérola outrora do Atlântico e agora do Jardim, perante idêntica invectiva descabelada, até tinha lacrimejado. Portanto, Mantorras é preto, tem orgulho em ser preto, mas quando lhe chamam preto, chora. Debulha-se em lágrimas. Que melindrosos que são estes atletas benfiquistas! Que frágeis e delicadas flores!
Convenhamos, se o Mantorras, que é naturalmente preto -e orgulhosamente também, segundo proclama -, chora porque alguém lhe chamou preto, então que fará ele se lhe chamarem "escarumba", "sardão", "barrote queimado", "macacão", "borrão ambulante" ou qualquer um desses mimos tradicionais com que o pagote desfruta da espécie humana oriunda das Áfricas? Entra em depressão? Torna-se agorofóbico? Mergulha em trauma cataléptico? Suicida-se com a vergonha?
Bem, atiraram-lhe ainda moedas e mandaram-no para a terra dele. Pois foi. Meu Deus, que coisa arrepiante!... Imagine-se, então, que lhe atiravam bananas, amendoins, pevides e o mandavam para a dama de beira-estrada que o pariu...! Isso seria, então, o quê? O prelúdio a um novo Holocausto, neste caso um Melanocausto?!...
Sinceramente, por mais que mire e remire a protuberante minhoquice de todos os ângulos, possíveis e imaginários, não consigo vislumbrar onde é que a constatação dum facto pode constituir uma ignóbil ofensa. A não ser, claro está, quando enumera uma diminuição... Por exemplo, a um paralítico chamarem-lhe "aleijadinho" ou "entrevadinho"; a um claudicante, chamarem-lhe "coxo", "deixa-qu'eu xuto!"; a um tipo de muletas chamarem-lhe "4x4"; ou a um obeso alcunharem-no de "chouriço", "badocha" ou "paquiderme chinês" (como certo colega meu dos tempos de liceu, já não falando no "Samuel Cabeça-de-Autocarro", adivinhem lá porquê...). Nestes casos, ainda por cima nada raros, está-se a reduzir o portador à deficiência. Como se esta em vez de mero acidente passasse a constituir exaustiva essência.
Não me digam que alguém ser de raça negra constitui deficiência?
Pois parece. E que certos fanáticos do pedigree assim pensem, não me surpreende. Ao menos não escondem, não se mascaram. Agora que aqueles que é suposto montarem sentinela à sacristia da Nova-Fé - toda a manada de vaquinhas e burrinhos de presépio que velam e bafejam, freneticamente, de roda do pretinho núcego e desamparado - o corroborem veladamente, já me parece uma perversão digna de denúncia e afixação em editais por toda a comarca. Porque, visto com atenção, é isso que se passa: temos que protegê-los, temos que criar estatutos de discriminação positiva, estufas de adaptação, acessos facilitados, próteses ortopédicas de amparo, enfim, todo um burodispositivo guarda-parque, pois, bem no fundo, são aleijadinhos, são deficientes, são desgraçadinhos à mercê de predadores oportunistas e caçadores furtivos, sempre prontos a vitimá-los e brutalizá-los sem dó nem piedade. Que seria dos pretinhos sem todas estas bobi-sitters de plantão? Toda esta parasitarquia do handicap? Todos estes oxiúros escuteiros do desfavor?!...
Só conheço uma merda pior que a direita burguesa: a esquerda burguesa. Isto, claro está, partindo do princípio que alguém, fora o Diabo que as pariu por desova homozigótica, conseguia distingui-las.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Liaisons Dangereuses

«O problema das origens da Maçonaria, e sobretudo do Grau de mestre, que é o seu fulcro, é confuso e obscuro ao último ponto: ninguém, fora ou dentro da Ordem, se pode orgulhar de ter achado para ele uma solução, simples ou composta, que satisfaça senão a quem a deu. Uma coisa, porém, se pode afirmar: a Maçonaria não é uma ordem judaica, e o conteúdo dos graus fundamentais, que vulgarmente chamam simbólicos, não é judaico em espírito, mas só em figura. Se se quizer dar um nome de origem à Maçonaria, o mais que poderá dizer-se é que ela é, quanto à composição dos graus simbólicos, plausivelmente um produto do protestantismo liberal, e, quanto à redacção deles, certamente um produto do século dezoito inglês, em toda a sua chateza e banalidade. O quadro judaico dos três graus e o cenário judaico do drama do terceiro podem ser considerados naturais em uma terra e um tempo protestantes. O protestantismo foi, precisamente, a emergência, adentro da religião cristã, dos elementos judaicos, em desproveito dos greco-romanos; por isso se serviu ele sempre abundantemente de citações, tipos e figuras extraídos do Velho Testamento. Ninguém crê, porém, ou diz que a reforma, pense-se dela o que se pensar, fosse um movimento judaico.(...)
Quanto ao idealismo social - isto é, aqueles princípios de radicalismo social que habitualmente se manifestam pelo lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" do místico cristão Saint-Martin -, ele não é só judaico, nem, nas suas origens europeias, precisou do judaísmo para nascer. O radicalismo social europeu nasceu, como doutrina, de remotas especulações gregas, transmitidas e reforçadas pelas especulações (tão frequentemente anti-monárquicas) dos escolásticos; nasceu, como facto, da normal reacção humana contra as várias tiranias da Europa, auxiliada espiritualmente pelos princípios sociais cristãos, tais como os Evangelhos os revelam. As doutrinas do Cristo, se as não interpretarmos mística ou simbolicamente, são plenamente anarquistas. Assim, o radicalismo social só pode dizer-se judeu no sentido em que o cristianismo é judeu.
Existe, contudo, um radicalismo social puramente judaico, e, coincidindo ele com o radicalismo social de origem europeia, é evidente que um ao outro se auxiliaram e auxiliam, se estimularam e estimulam. O radicalismo social judaico tem, porém, uma origem diferente da do radicalismo social de Europa.
O idealismo social dos judeus é, cumulativamente, uma saudade e um ódio, ou, mais propriamente, um saudosismo e uma defesa. A ânsia da pátria perdida assume necessariamente a forma da ânsia pela presumível forma original, patriarcal e simples, dessa mesma pátria; e o contraste, tanto entre a suposta liberdade dessa vida primitiva e a sujeição constante do povo judeu pelos povos cristãos, como entre o suposto judaísmo típico dessa vida e o suposto cristianismo típico da presente, faz com que, de dois modos, o idealismo judaico assuma um carácter igualitário, e esse igualitarismo um carácter místico, pois procede de um sentimento e não de uma ideia. De aí a sua intensidade íntima e o seu formidável poder emissor.
O que mais claramente prova isto é que esse igualitarismo místico se vê entre aqueles judeus que mais sofrem a opressão quotidiana, social ou política, da civilização estranha em que existem. São por isso os judeus orientais, e maximamente os judeus russos, que albergam, nutrem e espalham o igualitarismo como doutrina. Fazem-no sobretudo, como é natural, onde encontram para isso ambiente, e esse ambiente é fácil entre povos meio selvagens como o russo, ou entre as camadas meio selvagens como são, pela barbárie da semi-ignorância, os operários de todo o mundo. O comunismo de hoje - que, como ideia, só os idiotas sabem o que é - é o produto híbrido, e por isso estéril, do misticismo judaico e da estupidez europeia. Não esqueçamos: e da estupidez europeia.»

-Fernando Pessoa, "Prefácio a Alma Errante (de Eliezer Kamenezky)" , Lisboa, 1932

Liberdade de Expressão vigiada

Uma pergunta muito simples: que escrutínio tiveram estas "filantrópicas iniciativas" para serem impostas, sob ameaça de canga penal, às sociedades? Uma tal urgência de minorias hiperactivas, de vanguardas conspiratórias, foi sufragada por quem?

Português e estrangeirês

«Apenas 36% dos portugueses falam um idioma diferente», segundo noticiava o Diário Digital, há coisa de um ano atrás.
Ora, em boa verdade, isto não é de modo nenhum alarmante, nem sequer merecedor de grandes reparos.
Alarmante e, aí sim, horripilante é o número de portugueses que não falam o próprio idioma. Para cima de 80%, contando por baixo. Se pensarmos na percentagem à saída das universidades, então, o ponteiro abeira-se perigosamente dos 100. Uma amostra exclusivamente concentrada nas redacções plumitivas e rebentamos com a escala.
Pior que o panorama da fala só mesmo o da escrita. A generalidade das obras literárias lavradas por autores com a nacionalidade portuguesa requer tradução. Quando digo lavradas, subentenda-se literalmente uma cavalgadura ou junta bovina atrelados ao respectivo arado escrevinhante. Rasgam parágrafos como quem enfileira couves, semeiam metáforas como quem planta batatas.
Tudo somado resulta num enormíssimo mistério: saber ao certo em que idioma falam e escrevem os portugueses, sobretudo quando jovens ou jornalistas. Não sendo diferente do seu, nem, tão pouco, o seu, então que raio de idioma é?... Ao pé deste, o enigma esfíngico era uma brincadeira de crianças.
Filólogos e linguistas persignam-se, descabelam-se e debalde garimpam. De balde, de pá, de martelo compressor, de peneira e crivo, mas solução razoável é que não encontram. As miríficas escavações etimológicas ora conduzem a becos sem saída nem semântica, ora desembocam em labirintos de hieróglifos que só um Lovecraft nos seus melhores dias conseguiria decifrar. Escutar um destes aborígenes hodiernos (e, apenas em tese, nossos compatriotas) exige um certo sangue frio e não menor dose de ataraxia. Caso contrário, percalços traumatizantes podem suceder. De sustos tremendos a apoplexias súbitas, passando por colapsos nervosos, a galeria é vasta, ininterrupta e quase sempre pavorosa. O ruído que uma das mais belas línguas do mundo esguicha ao ser estropiada, mutilada e expectorada pelas dentuças (mais respectivo palato) dum tal energúmeno lalopata não é nada tranquilizador. Para o espírito menos avisado, a sugestão acode até, imediata e automática: "Estará a dirigir-se a mim ou às almas penadas do Outro-Mundo? Fala comigo ou blasfema a bandeiras despregadas? Convoca a minha atenção ou uma hoste completa de súcubos e íncubos, em passo de corrida e traje de cerimónia? Está a expressar uma opinião ou está a ter um ataque?..."
De facto, arrepiados diante das fórmulas, sortilégios e acessos verbofagos, criptogósmicos e acrogoéticos destes aborígenes palradores e tecnopalradores, a dúvida perpassa; quando não se instala mesmo, de pedra, cal e estojo de primeiros-socorros, clamando por apocalipses de gramáticas redentoras ou batalhões de exorcistas calejados, senão mesmo Van-Helsinguianos. E ao mesmo tempo que nos arrepia e perturba, tão cacofónico, abstruso e incoercível idioma desafia-nos, intriga-nos... De que galáxia ignota, abominável, provirá? Que nome maldito - torvo, lúgubre, assombroso - lhe será devido:
-Bimboguês? Labreguês? Pimbanhol? Pretoguês? Trolhantino? Alarvanita? Limusino? Gambusino? Herpes labial? Lalogonorreia?
Cercado por academias inteiras, sitiado por exércitos eruditos, esquadrinhado por hordas investigadoras, por curiosos autodidactas de toda a espécie, o mistério, no entanto, mantém-se. Inexpugnável.
Certo é que, mais uma vez, cabe ao concidadão à beira-mar plantado a fatia pioneira dos fenómenos esdrúxulos: é o único que, por regra, para falar (ou escrever), não usa qualquer idioma alheio, nem, ainda menos, o seu próprio idioma.
Paradoxo, esse, que, felizmente, não se verifica ao nível do pensamento. Aí desembarcado, após derivas boiantes ao sabor da maré, o luso-matumbo recorre avidamente -e por imperativo categórico - a um idioma diferente do seu. Nesse particular item, comanda mesmo destacadíssimo as tabelas mundiais: 99%. No mínimo. É um xenoglota viciado. Ou melhor, um xenonoeta. Pensa sempre em estrangeirês. Só fuma, bebe e acelera em ideias de importação. Maravilhemo-nos: Não há toino que não brilhe sob a espessa camada de tão bendito verniz.

- in Dragoscópio, Setembro de 2005

quarta-feira, novembro 15, 2006

Cobrança com juros

Aqui, na Toinolândia, basta desembarcar um qualquer xenofalante e é logo promovido a perito. Na semana passada, um tal Allan Beane andou por cá em pregação anti-bullying. Entre outras revelações estonteantes, transcrevo a que se segue:
«Os rapazes são os principais praticantes do bullying directo, ameaçando ou batendo em colegas mais fracos, enquanto as raparigas preferem o bullying social, caracterizado pelas ofensas, pela humilhação, disseminação de boatos maldosos e rejeição, explicou ontem o perito.»

Em Portugal, por enquanto, não corremos estes riscos. É bem de ver que, a níveis preocupantes, mais do que tem sido tradição nos últimos cinquenta anos, nem os nossos pré-adultos se entregam ao bullying directo, nem as nossas pré-adultas se comprazem no bullying social. Pelo menos enquanto estiverem, todos eles, entretidos com o bullying ocupacional, caracterizado pelas ofensas -morais e corporais -, e pela humilhação, difamação e perseguição dos professores.
É a nossa brandura atávica, pois é. Desde a mais tenra idade.
E sem praticarem, saudável e devidamente (ou seja, à americana) o bullying em pequeninos, como vão eles depois tornar-se compenetrados cidadãos modernos, empresários competitivos e bem sucedidos, num mercado cada vez mais liberal e globalizado? Não admira que o país não avance, que a terrinha nunca mais saia da cepa torta.
Entretanto, segundo revela o mesmo artigo, nos Estados Unidos, os Bullies esmeram-se na moléstia rotineira, os hiperactivos; e na retaliação a tiro, de vez em quando (ultimamente, quase todas as semanas), as vítimas mais infernizadas. Já em Portugal, estas últimas, inibidas pelas deploráveis idiossincrasias da raça, acumulam mansamente toda uma série de frustrações e rancores durante a carreira escolar, que drenam depois, através dum complexo sistema de psico-algália frenética, já adultos, ao longo da carreira profissional, na forma de retaliação retardada e particularmente virulenta. Tornam-se então, quase sempre, requintados e compulsivos sociopatas, dispostos a devolver com juros todo um património de humilhações, vexames, vilezas e menosprezos, agenciado ao longo dos primeiros vinte anos de existência. De certa forma, revivem esse período, mas invertendo as posições. É assim que o português, dotado duma mente mais evoluída que o seu congénere norte-americano, recorre à sublimação: em vez de descarregar directamente a tiro no colega agressor, opta por descarregar indirectamente no ex-colega, anos depois, e na forma, por exemplo, dum blogue ou coluna de jornal desvairadamente onfalépticos*, onde o ajuste de contas pessoal com todo um sistema público culpado e abominado é manifesto.
Porque é que acham que o João Miranda ficou assim?



*Onfaléptico - preso ao umbigo

Poluição benigna e maligna



Um novo estudo duma universidade americana descobriu algo preocupante: Hollywood está a poluir o ar.
«Special effects explosions, idling vehicles, teams of workers building monumental sets -- all of it contributes to Hollywood's newly discovered role as an air polluter...»
« [Hollywood] industry created more pollution than individually produced by aerospace manufacturing, apparel, hotels and semiconductor manufacturing, the study found.
Only petroleum manufacturing belched more emissions.»


Ora, isto é de uma extrema gravidade. A indústria americana do cinema não é suposto poluir a atmosfera, mas sim a noosfera. Quer dizer, não é suposto emporcalhar o ar, mas apenas a alminha e o pensamento das pessoas.
É a diferença que há entre a poluição benigna e a poluição maligna. Estará Hollywood a malignizar-se? A emitir para onde não deve?

And Justice for all

Richard Perle, lembram-se dele, o Neoconas principal? Ainda há dias carpia lágrimas amargas, de crocodilo traído, por causa da administração Bush ter delapidado as suas brilhantes receitas para a miraculosa "democratização" do Iraque e de todo o Médio Oriente, no mais dominó dos efeitos. Pois bem, tem planos e projectos novos, o Perle. Não menos lustrosos e milagreiros que os anteriores, diga-se em abono da verdade:

«Leading neocon Richard Perle, who led the intellectual charge for the ill-fated invasion of Iraq, believes two B-2 bombers, each with 16 independently targeted weapons systems, could punch out Iran's nuclear lights. No Air Force expert we could find agreed. But the Pentagon's Air Force generals believe it can be done -- and successfully -- with a much larger operation, including five nights of bombing, some 400 aim points, 75 requiring deep penetration ordnance. »

Os Estados Unidos até têm pena de morte. Porque é que não enforcam um cabrão destes?
Não que eu considere a forca uma punição justa para um tal mamífero. Para ser justo - quer dizer, exemplar, proporcional e dissuasivo - só mesmo empalado. À maneira de Vlad III, da Transilvânia.
Se queremos pôr ordem no mundo, temos que começar por pôr ordem em casa. Eis uma verdade eterna.

terça-feira, novembro 14, 2006

Livrinhos Infantis

«O Dragão bem podia construir uns livrinhos infantis»

Pois podia.
Bastava ver-me metido naqueles lençóis e assados, feito professor (tarefa da qual, é preciso não esquecer, estou jubilado e reformado) e ia ver se eu não desatava logo a construí-los de empreitada! Fabricava-os até do seguinte modo: mandava encadernar tijolos e tinha-os ali sempre à mão, bem empilhados, em cima da secretária.
Não vejo onde resida o espanto: um tijolo bem encadernado reúne toda a matéria que esta geração "morangos com açúcar" necessita e compreende.
É crime? Dar com um tijolo num calhau...? Não me parece.

Livros e Contra-violência

Há dias, pelas notícias, fiquei a saber que, finalmente, os professores vão receber um livro para saberem como lidar com a violência nas escolas. Penso que seria mais adequado um bom cacete, não só para pacificar algumas das bestas querubins, como também, e em dose reforçada, as bestas cavalares dos pais, encarregados da deseducação dos anteriores. Espero, ao menos, que o alfarrábio seja volumoso, pesado, com capa rígida. À falta de melhor, que sirva aos pobres coitados como arma de arremesso.
Quanto àqueloutro tipo mais problemático de violência nas escolas, ou seja, aquela que as cavalgaduras farolineiras do Ministério da (Des)Educação exercem, dolosa e sistematicamente, sobre professores, alunos e pais em geral, o cacete, temo admiti-lo, seria redondamente escasso: um Morteiro 80, no mínimo, seria muito mais apropriado.
Se levarmos em conta o último decreto da TLEBS, então, uma resposta à altura só mesmo de lança-chamas!...

Mais estável seria difícil


Foi modesto, o bom Olmert. Absteve-se de acrescentar "e ao Mundo".
Mas como é uma evidência universalmente reconhecida, que entra pelos olhos adentro de qualquer aborígene comatoso - que a intervenção militar dos EUA no Iraque levou estabilidade ao Médio Oriente e ao Mundo Inteiro - o tom acanhado cai bem. Denota sobriedade e pudicícia.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Os Mal Mortos

Os mortos não obra de anglo-saxónicos – da inquisição, dos comunistas, dos nazis, do Vlad, o Empalador, dos Hunos, dos Mongóis, dos Sérvios, etc – não param de aumentar. Mesmo depois de mortos, a cada novo estudo, monografia ou revisão, duplicam, pululam, multiplicam-se a olhos vistos. O que começa por ser um milhão, dez anos depois já ascende a cinco ou seis. Inesperadas valas comuns, apurados registos tétricos, recentes prospecções necrolíferas irrompem a cada esquina e ampliam a macabra colheita.
Em contrapartida, os mortos por via das forças civilizadoras, liberalizantes, democratizantes dos anglo-saxónicos, do Império Britânico ao Americano, passe a redundância, diminuem a uma velocidade ainda maior. Se em 1950, os civis alemães exterminados em Dresden com bombas de fósforo orçavam pelos 200.000, a contagem mais recente, na viragem do milénio já só recenseava 25.000 cabeças. Dez vezes menos. E quem diz Dresden, diz Hiroshima, Indonésia, América Latina e outras limpezas que tais . Dir-se-ia que depois de desaparecerem da face do planeta, refundem-se agora da face das estatísticas.
Somos compelidos a extrair uma conclusão lógica disto tudo: há mortos que, na verdade, não estão bem mortos, uma vez que se reproduzem. E há outros que ainda menos mortos estão, uma vez que se escafedem para parte incerta. Andarão a monte? Certo é que ressuscitam às centenas a cada ano que passa.
No entretanto, alegremo-nos: afinal, parece que há mesmo vida para lá da morte.

O Dragão e o Monstro



Contam que me viram sair de casa. Era noite e eu marchava à maneira de certos símios encorpados, bamboleando, ligeiramente corcovado, e parando, de quando em vez, dizem, para me catar. Ao mesmo tempo, ensaiava cavos grunhidos de barítono das selvas.
Claro está que tenho as minhas dúvidas. Mas juram-mo a pés juntos e por alma da mãezinha que Deus tenha.
É o Caguinchas, em pessoa, quem o jura.
-"Estavas era bêbado!" - Ripostei, com brusquidão. - E lá que tires macacos do nariz, capricho teu; agora que os extraias da porta da minha casa, devo dizer que não acho graça nenhuma!"
-"Mas se te estou a dizer! -Tornou ele à mesma, compungido e imaculado. - O Dinossauro estava comigo e não me deixa mentir: ele também viu! Eras tu, pá, ligeiramente mais baixo e com umas botas esquisitas!..."
-"Tirando a "Bola" e as transferências do Benfica, vocês lá vêem mais alguma coisa?! Nem um palmo à frente do nariz!..." - Não desarmei, disposto a vender cara a pele onde me queriam enfiar.
Mas ele não se calava. Jurava e tornava a jurar. Tinham-me visto e tinham-me mesmo seguido, estupefactos, intrigados, até uma Grande superfície comercial, daquelas especializadas em electrodomésticos.
-"Ah-ah!, mentira deslavada! -Bradei, em vitória. - Sabes bem que eu só saio da caverna para rumar à tasca (aliás ciber-tasca), aos alfarrabistas ou aos bordéis!... Que aldrabice mal atamancada! Que raio iria eu fazer ao paraíso dos modernistas, ãh, não me dizes?!!..."
O pior é que ele, grande cabrão, disse-me.
E é esse episódio horrendo que vos passo a relatar. (Um abismo lovecraftiano, que, desde já, anuncio e não recomendo às almas mais sensíveis).
Entrei, pois, jura ele, no imenso parque de electrodomésticos e dirigi-me à secção das torradeiras, tostadeiras e afins.
Como é da praxe, ter-me-á acorrido, solícita, uma atendedeira (ou seria atendedora?). Bem, lá veio ela, nada mal jeitosa, segundo o Caginchas, merecedora até duma certa coisa que não digo aqui por amor da decência, e eu, numa voz tenebrosa, perguntei-lhe:
-"Qual é a maior torradeira que tem?..."
Mostrou-ma, enaltecendo-lhe as habilidades. Tê-la-ei remirado com indisfarçável decepção. Terei proferido mesmo, com voz triste:
- "É um belo engenho, sim senhor. Seria giro vê-las saltar...mas não cabem lá dentro!... E as tostadeiras? São concerteza maiores..."
Exibiu-me a maior das que fazem tostas. Nova decepção. Tecnologia superior, sem dúvida, mas o mesmo inconveniente.
Debalde percorremos centrifugadoras, picadoras, trituradoras. Tudo lamentavelmente diminuto, para o sublime fim em vista.
Por fim, chegámos aos microondas. Explicou-me, a beldade, a rapidez e inexorabilidade do apetrecho.
-"Magnífico! - Clamei eu, diz o Caguinchas, maravilhado.
-"Sim, caro senhor - concluiu ela a sua peroração edificante - com este magnífico aparelho, coze um frango em menos de um minuto!..."
-"E uma pessoa? - Inquiri, interessadissimo. - Convinha-me um que tratasse pessoas!..."
-"Pessoas?!! - Exclamou, surpreendida, a cachopa.
-"Estúpida a pergunta, nao é? Esqueça. -desculpei-me. - Por momentos, deixei-me transportar num devaneio. É mais que evidente que uma pessoa, infelizmente, nem sequer caberia nesta pequena caixa. Talvez um chinês contorcionista, um yogi... nã, mesmo esses teriam que ser previamente desbastados dalgum membro recalcitrante. Quanto às pessoas normais, só depois de esquartejadas; o que, convenhamos, dá uma trabalheira dos diabos e duvido que haja ferramenta à altura - especializada, quero eu dizer. Aquelas facas eléctricas que ali tem não me convencem..."
Eu divagava, diz o Caguinchas, mas a interlocutora, profissional compenetrada, não demorou a recompor-se. Eis que, acesa de súbita mecha, me interpelou nestes solertes termos (garante o Caguinchas):
-"Pessoas?! Mas porque não referiu, o caro senhor, logo de início, esse requintado propósito?"
- "Lapso meu. -Ruborizei. - Queira desculpar. É o Alzheimer, presumo.
-"E que tipo de pessoas? -Tornou ela, alardeando erudição na matéria. - Pretos, ciganos, judeus, mongolóides, testemunhas de jeová, tem algum modelo em mente?..."
- "Bem, para lhe ser franco, as minhas inclinações vão mais para espanhóis, Ingleses e alentejanos. Sou de atavismos e antipatias, bem vê. Mas um judeuzito, de vez em quando, por desfastio, até é capaz de ter o seu interesse. Já os pretos, só mesmo se for preto americano genuíno: é o chamado filho da puta 2 em 1. Se ainda por cima cantar hip-hop, aí, confesso, não direi que não. Mas, já agora, esclareça-me: o que coze também carboniza, não é? Interessava-me que carbonizasse..."
-"Sim, sim, absolutamente. - Acudiu ela, pressurosa. - Converte em perfeito carvão animal, pode estar descansado. É uma questão de programar previamente no selector: selecciona o animal e o estado em que pretende que o animal fique.
- "Supimpa! -Chilreei. - É isso mesmo. E tem esse formidável electrodoméstico para entrega?"
-"Infelizmente, neste momento está esgotado. - Deplorou. - Os stocks têm sido devastados pela procura. Mas se passar cá no fim do mês, já conto ter disponível. Vamos receber em breve novas remessas da fábrica. Entretanto, ofereço-lhe este catálogo com os novos modelos, que, aproveito para lhe confidenciar, já são um sucesso de vendas por esse mundo fora e esgotam mal aparecem nas montras..."
E lá me deu ela o catálogo, ao qual, após breve passagem de olhos, logo eu bradei, fascinado:
-"Mas que vejo eu... Tem aqui o modelo junior, o modelo lactentes, o modelo gay em tons rosa e o especial sénior/aleijadinhos!..."
-"É como vê. Tudo com garantia de dez anos e descontos promocionais para pagamento a pronto ou facilidades de prestrações até 36 meses!" - Completou, como boa funcionária que era. Boazona mesmo, repito, na opinião do Caguinchas.
-"Isto, estou a vê-lo - rejubilante, asseguro-lhe - até faz lembrar aquelas linhas de fraldas modernas, eh-eh... O que, de resto, faz todo o sentido, pois cumpre o mesmo género de finalidade: tratamento de porcaria e incontinência!..."
A rapariga comprazia-se no meu contentamento e sorria. Reconfortava-a o meu entusiamo de consumidor sequioso. Aproveitei para lhe perguntar:
-"Olhe, ocorreu-me a talhe de foice... e comunistas? Não vejo aqui nenhum modelo específico no catálogo..."
-"Ah, caro senhor, mas é claro que tem! - Acorreu ela, em triunfo. - Preste a devida atenção à página 2, onde pontifica o modelo AMG, ou seja, Atrasados Mentais em Geral..."
-"Ah, pois cá está! -Exclamei. -Que distração a minha. E é uma bela máquina, diabos a levem!..."
-"Sim, é dos modelos mais procurados! - Elucidou-me a esbelta menina cujo cabelo, segundo o Caguinchas, lhe descia em cascatas douradas pelas costas. - E quanto à restante esquerda mais liberal, se acaso lhe interessar, chamo-lhe a atenção para a mesma página, logo abaixo, o modelo BM -traduzindo: Barbie Multiusos."
Aquela rapariga encantava-me e percebia do assunto como ninguém. Lamentavelmete, todas aquelas maravilhas tecnológicas só estariam disponíveis lá para o fim do mês. E logo eu que, diz o Caguinchas, ardia no maior dos desejos e manifestava grande urgência... Abateu-se sobre mim um grande véu de tristeza, uma imensa desolação devastou-me.
Apercebendo-se disso, a boa funcionária, apiedou-se. Através dum mecanismo de compensação, tentou resgatar-me às lúgubres sombras onde me conduzira:
-"Mas temos ali uns frigorífico especiais, ultra freezer, capazes de congelar uma família inteira, avós e primos direitos incluídos, em menos de nada...E olhe que cumprem já as últimas normas internacionais; são amigos do ambiente e, simultaneamente, Globalbusiness: tratam qualquer raça, credo ou nacionalidade!...Sem odores nem resíduos inúteis, saliente-se!"
Tão gentil oferta, porém, não me reanimou. Jura o Caguinchas que me encaminhei, cabisbaixo, para a porta, murmurando, dolorido:
-"Deixe lá, minha boa menina, meu docinho de coco. Esse frigoríco -estupendo, não duvido-, será óptimo para neoliberais ou neoconas. Eles é que vivem de comer as pessoas e convém-lhes conservá-las. Eu, pobre peregrino, apenas pretendo exterminá-las. É o meu passatempo."

Diz, o Caguinchas, que foi neste monstro que me transformei uma noite destas. Agora, à cautela, de atalaia, ele e o Dinossauro montam guarda ao meu tugúrio. Têm uma teoria (rocambolesca, se querem a minha opinião): que, desde que estou afixado no Portal Nacionalista, uma qualquer alquimia sinistra age sobre mim. Que durante o dia sou o Dragão, velho flibusteiro da vida, quixote fora de época, mas à noite transformo-me num monstro sanguinário que sai em busca de holocaustos e massacres.
-"Mas valeu a viagem, ó Dragão. - Conclui ele. - O cu da gaja merecia uma sinfonia!..."
Filho da puta!, fixou-se de tal modo no divino nalgatório, que nem é capaz de me apresentar um resumo condigno das mamas.

-in Dragoscópio, Junho de 2005

domingo, novembro 12, 2006

Os paisanos e a paisagem

O meu estimado amigo blogólico, num daqueles arranques poéticos que o dignificam, proferiu a seguinte receita:

Força-me a um reparo essencial:
Os embriões, os pobres, os deficientes, os idosos, vá lá, ainda dou de barato - quanto mais não seja, enquanto bibelot retórico. Agora os "menos capazes", francamente, não sei que mais é que o Timshel, ou quem quer que seja, pode reivindicar para eles. Do governo central ao poder autárquico, da administração pública à gestão desportiva, das forças de segurança às fraquezas armadas, os "menos capazes" já açambarcam praticamente todos os cargos de chefia, vice-chefia, direcção, gestão, ministério, assessoria e coiso-e-tal da nação (corrijo, da "nacinha"). De facto, a densidade de "menos capazes" nesses meandros inefabilíssimos, estou em crer, só será suplantada por certas aglomerações mirmitónicas geralmente conhecidas como "marabunta".
Por conseguinte, a fazer fé nesta fantasia "timsheliana", fruto certamente dum cocktail explosivo -e seguramente alucinogéneo - de hóstia consagrada com Pet Shop Boys, Deus o abençoe, Portugal, sem sombra de qualquer dúvida, lidera o pelotão ufano do "igualitarismo supino". Aliás, se juntarmos aos "menos capazes" triunfantes, todo o enxame coalescente - de "indigentes mentais", "pobres de espírito", "tetraplégicos morais" e "caquéticos juvenis" - que os reforça, apaija e inexpugnabiliza, então, mais que na liderança galharda, a Lusitónia pedala já, isolada, qual locomotiva resfolegante e toirabunda, em fuga desarvorada ao pelotão. Ou seja, da supremacia mundial abalança-se, com todo o seu arcaboiço boçal, à hegemonia avassaladora do planeta, os dois polos incluídos.
Isto deveio mesmo um país de tal modo igualitário, que colocar na presidência ou no governo um doutor-engenheiro ou um trolha das obras é rigorosamente indiferente, igual ao litro. Qualquer badameco lustroso que só aparentemente desfila, acelera e telefona na postura vertical, neste cóio de mediocridade soberana, neste ambiente de terraplenagem cultural, neste império da sabujice exo e endomilitante, ninguém duvide, pode ser ministro, secretário-geral, nababo, empresário-deus, PCA, vedeta, campeão, barão do jet-set, presidente da câmara, da república da Igreja Universal do Chuto na Bola, tudo! É claro que nem todos podem ser ao mesmo tempo, mas se houvesse tempo podemos estar certos que todos acabariam por exercer à sua vontade. Aquilo exala, mas turbilhoneia. Numa espécie de vórtice, de buraco-negro, de ralo hiante e centrípeto.
Não entendo pois a luta preocupada do meu bom amigo. O seu afã na instauração de algo que já existe e resplandece por toda a parte.
Em bom rigor, desfavorecida, aqui, só já se vislumbra uma pobre e desgraçada entidade: este pedaço de chão - sob este bocado de céu a velar esta míngua de esperança -, que padece conspurcado e flagelado por uma tão sórdida e descategorizada amostra de gente.
É que tais paisanos já nem na paisagem se integram: estragam-na.

PS: Musicalmente, se eu mandasse, este gajo, o Timshel, era logo internado num Campo de Concentração. Mas politicamente, não obstante a fábula esquerdista em que se fantasia feito fado dos subúrbios, devo reconhecer que é um castiço. E para arranjar motes, não há melhor.

Uma Santa Terra



«Prostitution and white slavery constitute a billion-dollar-a-year industry in Israel that expands virtually unrestrained. »

Isto é para calar a boca àqueles que apregoam que Israel só tem defeitos.
Quando eu acabar de traduzir o artigo ao Caguinchas, lá abala ele, qual Raposão, em peregrinação pela Terra Santa. Imagino que relíquias não trará de lá.

sábado, novembro 11, 2006

Teste Americano

Nos Estados Unidos, a mudança de Republicanos para Democratas equivale a:
a) Um truque de cosmética;
b) Uma operação de cirurgia plástica;
c) Uma máscara de limpeza;
d) Um peeling;
e) Um tratamento de botok;
f) Nenhum dos anteriores;
g) Todos os precedentes.

Um Blogue de Fulano de Tal

Não digo que a questão tenha voltado à ordem do dia, porque, pelos vistos, não sai é dela. Os Possidónimos, sobretudo os que vertem croniquetas pelos pasquins, vivem atormentados com a impertinência dos anónimos. Hoje estou sem tempo. O mais tardar amanhã, conto escalpelizar e tosquiar de novo tão cabeludo assunto. Até lá deixo-vos umas pretéritas considerações, dum já longínquo Janeiro de 2005, aqui desbaratadas, num daqueles dias em que acordei particularmente maquiavélico...

Dei comigo a pensar. É um distúrbio mental que ocasionalmente me visita e desinquieta. Nada de muito grave, tranquilizai-vos. Nada sequer que ponha em risco a minha sobrevivência ou a harmonia mortuária que urbanamente nos abençoa.
Num momento de ócio, lembrei-me desses grandes nomes da nossa blogosfera, e da cultura em geral, essas poderosas chancelas –os Mexias, os Pereira Coutinho e outros que tais -, e dei comigo –como já referi- a pensar. A matutar, melhor dizendo. Não sobre o seu –deles- talento ou genialidade, que são por certo descomunais e merecedores de todos os encómios deste mundo, nem, muito menos, sobre as obras-primas que produzem, pois também essas, quais tapetes mágicos donde os autores acenam longínquas esmolas a maltrapilhos mentais, me sobrevoam a grande altitude. Não; é coisa mais brejeira, mais ao nível subterrâneo dum biltre vandalizador da língua pátria como eu. Dum escrevinhador de vão de escada, enfim. Refiro-me ao “pedigree” daqueles anjos. Ou por outras palavras, e avançando-vos desde já, de chofre, com uma sinopse: a sua, deles, genialidade será paragénita – irrompeu-lhes um belo dia, cérebro a fora, como a acne nos rostos dos adolescentes menos dotados-, ou, pelo contrário, será congénita e herdada de linhagens insignes, pejadas de atributos e qualificações igualmente ofuscantes. O Mexia, por exemplo, é alguma coisa àquele senhor, todo ele inteligência, a escorrer argúcia, que é ministro? O Pereira Coutinho, de igual modo, partilhará laços de sangue com aqueloutro cavalheiro, superlativo empresário, a pingar riqueza, que até tem helicóptero e uma ilha privada na costa brasileira?Há muitos outros e haverá, mesmo nestes, outras questões importantes –se além do génio, também tiveram acne? Ou bexigas doidas, ou pé chato, etc? Se, tendo helicóptero, o putativo parente, é ele que o conduz ou tem motorista? – mas não nos dispersemos. Contentava-me com a resposta à questão singela do pedigree. Têm-no ou não? São adquiridos ou congénitos? É dom divino, milagre pessoal, ou legado dum bando de espermatozóides excelentíssimo?
Cada vez mais estrangeiro no meu próprio país, ignoro com quantos neurónios tenho estes detalhes, estas ninharias. Estou certo que alguma alma benemérita - qualquer porteira, cabeleireira ou vendedora de peixe - cá do burgo saberá esclarecer-me sobre este assunto e resgatar-me às garras desta vexante ignorância.
Entretanto, depois de me cocegar por breves instantes, o pensamento evade-se, em espirais etéreas, pelos campos elísios da fantasia. Vislumbro-me, num delírio caleidoscópico de cores, sabores e aromas, ataviado dum apelido todo-viçoso, gazua desferrolhante ds mais renitentes portas. Dou comigo transportado num turbilhão de ideias, todas elas sublimes, elevadas, culminantes, a galope por vales de cornucópias. Num ápice, de olímpica empreitada, escrevo romances, contos, novelas, poemas, ensaios, artigos, decretos, livros de culinária, breviários, anedotas, cada qual mais sumptuosa que a precedente. Sinto-me implacável, sobrepujam-me relâmpagos e pirotecnias celestes em prelúdio de hiantes partos cósmicos. O prelo e os escaparates arfam e resfolegam, desejosos das minhas tiragens. Editores disputam-me, nem sempre civilizadamente, às vezes com tumultos. Faminto de posteridade rápida, atiro-me a ela à dentada, em braçadas de mariposa haurifegante. Um fulgor convulsivo e compulsivo invade-me, encharca-me, atesta-me de superpoderes. O universo inteiro sustem a respiração na iminência duma vírgula minha. Será vírgula? Será ponto e vírgula? Serão reticências?... Nada me escapa; não é apenas o écran do monitor: são paredes, azulejos de WC, papelões, cortinados, toalhas, vestidos, guardanapos. Escrevo e assino. Por onde quer que passe, deixo um rasto inconfundível, uma baba, um monco genial, único, demiúrgico. Interrompo apenas para recobrar fôlego, para confabular com as musas. Mas o talento extravasante, a energia artística efervescente, aos borbotões, não me dão tréguas. Propulsionam-me para mais grandiosos voos. Também os blogs –os sites, os fóruns, as play stations- não deixo impunes. Nada de Dragoscópios, Pinóquios, Solilóquios ou anonimatos que tais. Agora há toda uma família que me catapulta, todo um apelido luzidio que urge ostentar. Não é uma criatura qualquer que me transporta. Não é um mija-na-escada avulso que serve de invólucro a tamanho espírito. É uma criatura de marca. Uma embalagem personalizada. No topo, à entrada, já entrevejo até, em letras flamejantes, magnéticas, poderosas, o título radioso, atracção irresistível: “Estratosfera –um blogue de Fulano de Tal”. Debaixo, servindo de passadeira ao meu triunfo, num charco de saliva desbordante, as massas prostram-se, subjugadas, avassaladas, tomadas dum deslumbramento inaudito. É o “Fulano de Tal” que as atrai, que as mergulha num torpor vizinho do êxtase vegetal. O resto, poupemo-nos a trabalhos, é irrelevante.

(Isto, bem entendido, dilucida sobre o conceito de "nome". De seguida, o mais breve que possa, elucubrarei sobre o conceito de "cara".)