terça-feira, julho 31, 2012

Do Neo-Internacionalismo

Reptiland



«Talk about adding insult to injury: An Everglades tour guide who lost his hand to an alligator last month was arrested over the weekend, charged with unlawful alligator feeding.»

Em tudo semelhante àquele nadador-salvador que foi despedido por salvar uma pessoa para lá dos limites da área concessionada - ou seja, fora da sua empresa -, agora é um guia turístico dos Everglades que se vê acusado  de modo a poupar à entidade patronal o ónus de uma indemnização; ou à seguradora a maçada da despesa com socorro médico.
Nesta bela sociedade não há acidentes de trabalho: Há descuidos por parte do trabalhador - quer dizer, faltas, negligências, pecados .A culpa é dele e, junto com o castigo de deus, merece o castigo do Estado-


Em suma, uma lei extremamente severa e persecutória com os mais fracos e extraordinariamente passiva e benevolente com os poderosos. O resultado dum coctail explosivo entre calvinismo, gangsterismo endémico e enxames de advogados. Mas acima de tudo, reina a lei das afinidadess: os répteis protegem-se  e ilibam-se uns aos outros.

segunda-feira, julho 30, 2012

O Nanocausto

Aqui há coisa de uma semana e tal, aconteceu um fenómeno raro: um autocarro com turistas israelitas, na Bulgária, foi interceptado por um suicida explosivo. Do atentado - ou nanocausto, se preferirem-, resultaram cinco baixas no povo mártir. Ainda o fumo não se tinha dissipado e já as autoridades israelaicas acusavam o Hezzbolla e o Irão (devolvendo estes o mimo). Bem, de facto, pode ter sido o Hezzbolla, como pode ter sido a Mossad. Mas porque não a Al-Qaeda, perguntará o leitor nais ingénuo?
O certo é que nisso, ao descartarem logo essa hipótese, os israelitas estão a  ser excepcionalmente honestos: já alguém viu alguma vez a Al-Qaeda a atacar alvos judeus?  Nunca. Um tabu paradoxal. E um mistério...cada vez mais escandaloso.


PS: Na verdade, entre as baixas contava-se uma mulher grávida, pelo que, tecnicamente, foram seis. Lá está, 6, o número mágico. Escrevam o que vos digo: vai ser mesmo promovido a nanocausto; e razão mais que suficiente, se preciso for, para casus belli.

PSS: Houve um atentado atribuído à Al-Qaeda, no Quénia, que escaqueirou uma instalação hoteleira onde os tipos da Mossad costumavam passar férias. Felizmente, nenhum se encontrava presente à hora da explosão. Pura e afortunada coincidência: tinham acabado de sair.

domingo, julho 29, 2012

Terra 2012



E quando uma superpotência se torna num verdadeiro estado falhado - uma nação super-pária, sob sequestro hermético de mafias e oligarquias nebulosas, promotor e exportador principal do caos e do terrorismo no Mundo?... E que tal o maior arsenal do planeta nas mãos de psicopatas?...
 Bem-vindos à Terra, ano de 2012! Ao pé dos actuais Estados Unidos da Amnésia, completamente ausentes de qualquer resquício moral ou sequer humano, a Alemanha de Hitler foi uma brincadeira de crianças.


There's no business like Death business!...

sexta-feira, julho 27, 2012

Da pedagogia à demagogia

Por alturas da decadência grega, ficou-nos de Aristófanes uma das suas mais célebres comédias - "As Nunvens" -, onde se aponta à nova pedagogia (a dos sofistas), a respondsabilidade pela ruína moral e, implicitamente, política de Atenas. Sobre este assunto, já aqui publiquei em tempos um postal, cuja leitura recomendo e me dispensa agora de mais elucubrações.

Todavia, o que é extremeamente curioso é verificar como na Roma do tempo de Tácito, transparece exactamente o mesmo quadro:

«Dantes, efectivamente,cada filho que se tinha, nascido de mãe casta, era educado, não no quartinho de uma ama comprada, mas noseio e dolo de sua mãe, cuja glória principal era a de gopvernar a casa e servir a seus filhos. Por outro lado, escolhia-se uma parente algum tanto mais idosa, a cuja moral, expermentada e conhecida, se confiava toda a prole de uma mesma casa; diante dela não era permitido nem dizer o que se considerava desonesto fazer. regulava ela, com uma certa seriedade e pudor, não somente as ocupações e as obrigações, mas até os receios e os brinquedos dos meninos. (...)
Agora, porém, a criança. quando nasce, é entregue a qualquer criadinha grega, à qual se juntam um ou dois dos escravos, quaisquer deles, na maior parte das vezes ordinaríssimos e impróprios para serviços sérios. Das suas histórias e erros se impregnam os verdes, tenros, inexpertos anos; não há ninguém em toda a casa que se preocupe com o que diz ou faz diante do menino seu senhor. nem os próprios pais educam os pequeninos para a decência e a modéstia, mas sim para a ligeireza e a mordacidade, e por aí gradualmente se introduzem a impudência e o desprezo de si mesmo e dos outros. Parece-me até que os vícios próprios e peculiares desta Cidade, o gosto de histriões e o entusiamos por gladiadores e cavalos, se concebem quase no útero materno. Ocupado e obcecado por eles, que poucochinho de espaço deixará o espírito para as actividades sadias? quantos e quais se encontrarão que falem de outra coisa em casa? Que outros discursos de adolescentes ouvimos nós quando entramos nos auditórios? Nem os próprios professores têm com os seus ouvintes assuntos de conversa que prefiram a estes; atraiem os discípulos, não pela severidade da disciplina, não pela experiência do talento, mas pela solicitude nos cumprimentos e pelas atracções da lisonja.»
(Tácito, in "Diálogo dos Oradores")

Mas  mais interessante ainda é constatar como esta mesma contraposição pode ser detectada e denunciada no nosso próprio Portugal pré e pós Ovuloção de Abril. A descrição de Tácito cai mesmo que nem químico naquilo que poderia ser dito acerca do nosso caso. Ora, se em dois mil anos se realiza um prodígio destes, anda onde a evolução? Ao mero nível do equipamento, decerto (dos Ipodes, Iphones, tablets e outros gadgets que tais). Porque o cabrão do macaco, esse, continua o ogre de sempre. Não está melhor; está apenas mais perigoso.


Acrescentarei que o que define, por regra, a modernidade - nas suas sucessivas eclosões temporais: da Grécia antiga ao nosso tempo, passando por Roma e pelo renascimento medieval (das universidades, pois é) - consiste na substituição duma genuína pedagogia por uma falsa-pedagogia, isto é, a transformação da pedagogia numa demagogia. Ou dito ainda noutros moldes, o abandono duma cultura de princípios por uma estreita, cega e desenraizada  obsessão  de fins. E não aconteceu, por despontamento maravilhoso, com Descartes, Galileu e Copérnico, como tanto gostam de nos impingir os psico-magarefes de serviço. Tem acontecido, ciclicamente, ao longo da história, com o episódio mais remoto que se conhece a ocidente datando do tempo da sofística grega. E sabemos de ciência certa que assim tem acontecido porque, precisamente, os moldes se repetem.


quarta-feira, julho 25, 2012

Liberdade de Expressinha


Mais um caso da típica liberdade de expressão que reina no manicómio ocidental:


«Greek athlete expelled from Olympics for racist tweet»

Parece que mandou uma boca do género: "com tantos africanos que há na Grécia, ao menos os mosquitos do Nilo podem alimentar-se com comida da sua própria terra".

Francamente, não sei onde é que reside o tremendo racismo. Afinal, é do pleno conhecimento científico que os parasitas acompanham as manadas nas suas migrações. Os africanos trazem consigo os mosquitos; os italianos transportam a mafia; e os portugueses, que são um povo mais do tipo mentalmente hospedeiro, o Benfica.

segunda-feira, julho 23, 2012

Crónica dum Descalabro mais que anunciado

«Dívida pública portuguesa, nos 190 mil milhões, é 3.ª maior da União Europeia»

Diminuiu? Não, aumentou. E vai continuar a aumentar cada vez mais.

Não tem nada de surpreendente. É o resultado lógico da joint-venture entre a mentecaptice  e o crime.

Relembro, a este propósito, parte dum diálogo fictício que de fictício nada tinha:


Acho mesmo que, por este andar, o subtítulo deste blogue devia passar de "escrito no nevoerio" para "coisas do Cassandro, mais até que do camandro"!

quinta-feira, julho 19, 2012

Direito Romano

«Suponhamos que um devedor não pretende  devolver-nos o dinheiro que lhe emprestámos; ou suponhamos ainda que, como fortuna total possuímos uma pequena quinta, à qual estamos muito ligados porque os nossos antepassados aí viveram ou porque a região é muito agradável. Um vizinho poderoso cobiça o que possuímos; à cabeça dos seus escravbos armados invade-a, mata os nossos escravos que tentavam defender-nos, mói-nos de pancada, expulsa-nos e apodera-se da nossa quinta como se lhe pertencesse. Que fazer? Um moderno diria: apresentar queixa perante o juiz (litis denuntiatio), obter justiça e conseguir que nos seja restituída a nossa propriedade pela autoridade pública (manu militari). Sim, as coisas passar-se-ão mais ou menos assim no termo da Antiguidade, quando os governadores de província tiverem feito triunfar, em todas as coisas, o seu ideal de coerção pública. Mas na Itália dos dois ou três primeiros séculos da nossa era as coisas passavam-se de forma diferente.
A agressão do nosso poderoso vizinho é um delito puramente civil e não depende de coerção penal; será a nós, queixosos, que compete assegurar a comparência do nosso adversário perante a justiça; para isso será necessário apoderarmo-nos desse indivíduo no meio dos seus homens de mão, arrastá-lo e acorrentá-lo na nossa prisão privada até ao dia do julgamento. Se o não conseguirmos e não pudermos obrigá-lo a comparecer à força pernate o juiz o processo jamais poderá ser estabelecido (litis contestatio). Conseguimo-lo e, graças à intervenção de um poderoso que nos aceitou como cliente, obtivemos justiça: a sentença pronunciou que tínhamos o direito do nosso lado; não nos resta mais do que executarmos nós próprios esta sentença, se tivermos meios para tanto. Consistirá isso, aparentemente, em conquistarmos através de grandes lutas a quinta dos nossos antepassados? De modo algum. Por uma extravagância inexplicável, um juiz não podia pura e simplesmente condenar um réu a restituir o que roubou. Abandonando a nossa quinta à sua sorte, dar-nos-á autorização para nos apoderarmos de todos os bens e domínios do nosso adversário; vendê-los-emos em leilão, guardaremos uma quantia em dinheiro igual ao valor pelo qual o juiz avaliou a nossa quinta (aestimatio) e daremos o excedente ao nosso adversário.»

- Paul Veyne, in "História da Vida Privada"


Como vêem, não é de hoje nem de agora: a tendência geral do direito é dar para o torto.



segunda-feira, julho 16, 2012

O Trono e a Cruz (r)





Isto vem a propósito duma questão acerca do maquiavelismo,  decorrente do último postal. Trata das tais consequências adentro da própria cultura católica e recapitula, tanto quanto reifica, uma das essências capitãs  deste navio fantasma. 
E é como se segue ...

Pois comigo é simples: qualquer rei que aceite uma Constituição é um tipo que aceita ser funcionário superior dum harém. Reis eunucos serão bons para povos castrados; reis postiços serão bons para gente de fancaria e para profissionais de decoração, cabeleireiras, merceeiros e outros pensadores de eleição, mas não para homens inteiros. Um rei que aceite uma Constituição, eu não aceito como rei, ponto final parágrafo.
Atrelar um rei a uma Constituição não é coisa de seres racionais, mas duma associação recreativa ou grupo excursionista de cavalgaduras. Dito ainda mais sinceramente: rei que aceite constituição é-me insuportável, a não ser que eu próprio seja esse rei. Como aceitar por soberano um cidadão meu semelhante, um súbdito duma receita lavrada qual catálogo duma teocracia de vermes? Intragável essa soberania promíscua, mais digna de albergue espanhol que de terra portuguesa, em que todos são soberanos do soberano, mas nenhum é soberano de si. Palco sórdido e velhaco onde se canta a liberdade, mas onde até o rei se vê reduzido à vassalagem. Da Constituição, imagine-se. Da democracia da treta e dos seus parasitas sufragados.
Um rei não me representa (senão teríamos, em vez duma teia de representantes múltiplos, uma trama de representante único): um rei simboliza-me, congrega-me, confere-me sentido enquanto povo. Serve de elo vivo entre o passado e o futuro, entre o sagrado e o profano, entre o que nunca muda e o que muda todos os dias, entre os mortos e os vivos, os antepassados e os vindouros. O rei é, não faz de conta. É um algo acima e para além da sua pessoa e de todas as nossas pessoas. A limite, pois, o rei não é derrubável ou cancelável por qualquer surto efervescente de turbamultas mais ou menos orquestradas ou noctiluzes. Não, o que é, de facto, é traível: a começar pela pessoa dele próprio, se aceitar, vilmente, a canga ou a mutilação. Se, em vez de príncipe de homens livres, se degradar ao Primeiro dos escravos da puta da Lei. Rex é regra e a regra está acima, antes e para lá da lei. Ou não está. E depois pode ser atraiçoado por todas essas pessoas que não apenas se proclamam republicanas, como, e se calhar pior um pouco, se apregoam "monárquicas", isto é, adeptas do pseudo-regime. Ora, a república que é ela senão o estado e consequência última da deterioração da monarquia? Aliás, entre nós, que tem sido a república senão um proliferar de pseudo-reizinhos ao colo dum feudalismo de Estado?
E note-se que o drama não começou na vaca da Revolução Burguesa, digo Francesa. Aí, na cloaca obrigatória, desaguou ele. Na verdade, tudo principiou, o trambolhão completo, quando um belo dia um rei, tentado por um qualquer espelho maligno, descortinou: "o Estado sou Eu". Foi o mesmo que dizer: "Eu sou a minha própria negação." Faltou lá um Aristóteles qualquer que lhe ensinasse, do alto daquela autoridade que só a neve dos cabelos brancos confere: "não, infeliz, isso é precisamente o que tu não és, e devias esmagar o quanto antes, como réptil peçonhento que é! Porque se em vez de o pisares, te transformares nele, trazendo-o para dentro de ti, virá o dia em que será ele a dizer: "O Rei sou Eu!"
Infelizmente, esse dia veio e é o dia que, como sombras errantes num Hades mais lúgubre que o original, atravessamos. Esta era em que o superior se submete ao inferior, em que se talha a regra à medida da lei, em que as estrelas do pântano se fazem aclamar como estrelas do céu. E, sobretudo, em que a "ausência de regime" passa por regime e a multiplicidade desarvorada de esquemas faz as vezes de sistema.

Ora, alguns idólatras da formalidade e do verbo fátuo, acreditam que se o réptil adoptar coroa a coisa fica menos sórdida e rastejante. É, assim, a coroa reduzida ao adereço material e o adereço promovido a fontanário de virtudes. Pior, é a Coroa legia nostra.
Todavia, não me parece assim tão difícil de perceber, mesmo para mentes frívolas e salta-pocinhas, a razão simples por que uma monarquia deteriorada e deteriorável não é melhor que a vulgar das repúblicas... É que a diferença entre ambas não reside já na essência mas no tempo. Diferenciam-se apenas enquanto fase, não enquanto processo. Querer regressar à monarquia deteriorada porque esta representa uma fase menos putrefacta do processo, mais que uma impossibilidade conjuntural (essa, contudo, ainda se resolveria), é duma desmioleira tremenda: é voltar de Cila para Caribdis e sentar-se lá à espera que Cila volte, fatalmente. Bem sei que o paradigma de Sísifo preside a esta Época do Absurdo, mas mesmo assim...
Na verdade, não nos compete restaurar monarquias, como não nos está autorizado arreá-las. É poder que não temos. Chamamos revoluções a meras bebedeiras colectivas, mai-las auto-flagelações, vomitórios e folclores decorrentes. O que temos é que restaurar a coluna vertebral, readquirir a postura vertical, a lucidez e a bipedia. Feito isso, a monarquia é o prémio natural, o resultado subsequente. Vem por simpatia. Ou seja, não é a monarquia que temos que restaurar, somos nós próprios. Os reis sempre foram o corolário natural de haver homens, mas jamais foram necessidade ou recompensa de escravos.
Por outro lado, o trono reflecte a cruz. Na monarquia, a de Cristo-rex; na pseudo-monarquia, do naufrágio assistido, a do papelinho anónimo para glória do papelão constituinte. É por isso que na primeira se simboliza o triunfo sobre a urna sepulcral, como na segunda se atesta o triunfo da urna eleitoral. A exacta diferença que medeia entre a vida e a morte lenta dum povo.
Resumindo e concluindo, ou há rei a sério ou sou anarquista. Ora, se há algo que não sou é anarquista. Logo, o rei está lá, onde sempre esteve e há-de estar. Não está sequer ausente: está encoberto. Pelo fumo, pelo ruído e pela névoa suja duma multidão de escravos, de pusilânimes, de sabujos do instante a ferver e, sim, de traidores. Traidores do seu rei, ou seja, das suas raízes, da sua terra, dos seus deuses, antepassados e nobres costumes. Traidores à sua própria natureza. Raquíticos mentais. Escaganifobéticos!
É nesse nevoeiro e contra esse nevoeiro que escrevo. A fogo.

domingo, julho 15, 2012

Esquemas de extorsão




«Esquecendo que Roma não era um Estado moderno, muitos historiadores consideraram estes princípios antigos como uma perversão dos princípios modernos; bradaram que em Roma a corrupção, o suborno e o clientelismo grassavam por toda a parte, ou então nada disseram sobre o assunto, considerando que tais "abusos" tinham um interesse meramente anedótico. Segundo os princípios modernos, um homem público não serve verdadeiramente o Estado se se aproveita das suas funções para encher os bolsos ou se coloca a ambição pessoal à frente do interesse geral. Isto é esquecer que o Estado moderno não é a única forma eficaz de dominação: um racket, uma mafia são-no da mesma maneira. A mafia, que protege e explora os italianos imigrados de uma grande cidade americana ou os trabalhadores imigrados de uma cidade francesa, preenche uma função "pública"; administra a justiça entre esses recém-chegados e protege-os contra o resto da população, por solidariedade nacional; tem de se devotar aos seus compatriotas sob pena de perder toda a credibilidade; trabalha para o bem deles, e por isso governa-os paternalmente. Ela desempenha tanto mais conscienciosamente o seu papel quanto o dinheiro que consegue extorquir a tais imigrados tem esse preço: quem protege controla e quem controla pilha.»

- Paul Veyne, in "História da Vida Privada"


Em tese, o Estado moderno ostenta inumeráveis virtudes e vocações angelicais. Na prática, porém, emula, com requintes burocráticos, o paradigma romano. Na verdade, mais até que emulá-lo, resgata-o às inibições cristãs (entenda-se católicas) da Baixa Idade Média. A diferença entre o "Príncipe" maquiavélico e o Padrinho mafioso é muito ténue, se é que existe.
Por outro lado, a mafia concretiza na realidade do mundo o ideal liberal do mini-Estado. Um Estado de funções básicas e exclusivamente devotado aos negócios. São pois tremendamente injustos todos aqueles que acusam de utópicos os liberais; tanto quanto estes são desonestos  de todas as vezes que, à bela maneira dos comunistas hagiográficos, se ilibam de qualquer experiência pura na história. Capcitem-se e assumam: o liberalismo puro existe. E até funciona.

sexta-feira, julho 13, 2012

O Inefável Reverendo Malthus

Certifica, o reverendo Malthus, no seu Essay on the Principle of Population as it Affects the Future Improvement of Society:
«Convém para a felicidade de cada um diferir o seu casamento até que à custa de trabalho e de economia esteja em estado de prover às necessidades da sua família».

Por conseguinte, os pobres não devem casar nem procriar. Todavia, impulsionados pelo amor, pela natureza que lhe impregna as hormonas ou seja lá pelo que for, teimam. Reproduzem-se, os infames, os insensatos!... Consequência lógica e inexorável:
«Entreguemos pois este homem culpado ao castigo pronunciado pela natureza. Agiu contra o caminho da razão que lhe foi claramente apontado, não podendo acusar ninguém e deve haver-se consigo próprio se a acção que cometeu tiver resultados desagradáveis. O acesso à assistência das paróquias deve ser-lhe vedado. E se a benemerância privada lhe prestar algum socorro, o interesse da humanidade requer imperiosamente que esse auxílio não seja demasiado abundante. É preciso que saiba que as leis da natureza, quer dizer as leis de Deus, condenaram-no a viver penosamente, como castigo por as ter violado(...) Parecerá talvez muito duro que uma mãe e crianças que não tem nada a reprovar-se sejam chamadas a sofrer pela má conduta do chefe de família. Mas isso é ainda uma lei imutável da natureza.»

Como é bom de ver, o ternurento reverendo chama Leis da Natureza e Leis de Deus àquilo que outros, menos líricos e mais prosaicos, chamarão "leis do Mercado".

Posteriormente, na primeira edição do seu An Essay on The Principle of Population,  o asqueroso indivíduo atinge um climáx poético deveras notável:
 «Um homem que nasceu num mundo já partilhado, se não pode obter dos seus pais a subsistência que justamente lhes pode pedir, e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho, não tem nenhum direito de reclamar a mais pequena porção de alimento, e, de facto, está a mais. No grande banquete da natureza não lugar para ele. Manda-o ir-se embora, e executará prontamente as suas ordens, se ele não puder recorrer à compaixão de alguns convivas.»

Ora, isto da "compaixão", como refere, logo de enfiada, o presuroso reverendo, é o pior dos crimes contra a harmonia "natural"! Note-se que é suposto estarmos perante as opiniões dum "pastor cristão"... Mas prossegue ele: «O rumor de que há alimentos para todos que chegarem enche a sala de numerosos reclamantes. A ordem e a harmonia da festa são perturbadas, a abundância que até aí reinava transforma-se em escassez, e a felicidade dos convivas é destruída pelo espectáculo da miséria e do embaraço que reinam em toda a sala, e pelo clamor importuno dos que estão justamente furiosos por não encontrarem os alimentoscom que contavam. Os convivas reconhecem demasiado tarde o erro que cometeram ao contrariarem as ordens estritas a respeito dos intrusos, dadas pela grande senhora do banquete.»

A "grande senhora do banquete", que é como quem diz, a Natureza, aliás, o Mercado.

Traduzindo: a esmola e a caridade conduzem ao caos e à ruína. Os devoradores de ossos e migalhas instalam fatalmente a desordem no banquete, prejudicando o sossego e o regalo dos convivas. Qual o imperativo categórico de Malthus: a pobreza é culpa dos pobres. Erradicando estes, extinguir-se-ia aquela.

Estais a ver, ó famintos, onde vos conduzem?

quinta-feira, julho 12, 2012

O Império da Corrupção

«Os nobres romanos tiveram um agudo sentido da autoridade e da majestade do seu Império, mas era-lhes desconhecido aquilo que nós chamamos a noção do Estado, ou do serviço público. Distinguiam mal funções públicas e dignidade privada, finanças públicas e bolsa pessoal.
(...)
O funcionário íntegro é uma excentricidade [eu chamar-lhe-ia fantasia para entreter papalvos *] do Ocidente moderno; em Roma, cada superior pilha os seus subordinados, tal como se fazia nos impérios chinês ou turco, onde tudo fuincionava por subornos, e que não deixaram por isso de dar mostra de uma capacidade multissecular de dominação.O exército romano não deixava de ser eficaz por via dos curiosos costumes que, ao mesmo tempo, possuía: "tradicionalmente, os soldados pagavam um suborno aos oficiais para isenção de serviço, ainda que um quarto ou quase dos efectivos de cada regimento se entretivesse com frivolidades ou se pavoneasse nos aquartelamentos: contanto que o oficial tenha recebido o pagamento... Os soldados arranjavam o dinheiro necessário através de roubo ou do banditismo, ou então fazendo trabalhos de escravo. Se um soldado era um pouco mais rico, o oficial enchia-o de faxinas e de pancada até ele lhe comprar a dispensa"; pensamos estar a ler não Tácito, mas as Nouvelles asiatiques de Gobineau. Qualquer função pública era um racket onde os encarregados faziam pagar os subordinados e onde todos juntos exploravam os administrados: assim aconteceu no tempo da grandeza de Roma e no do seu declínio.

A menor função pública (militia), a de escrivão ou de contínuo, era vendida pelo antigo titular ao candidato à sucessão, já que se tratava de uma espécie de renda representada pelas "luvas"; para além disso, o recém-chegado devia dar uma gratificação substancial (sportula) ao seu chefe de repartição. No Baixo Império, os mais altos dignitários,designados pelo imperador, deveriam entregar uma... ao Tesouro imperial; (...)
E como qualquer nomeação assentava em recomendações de "patronos" que gozavam dos favores da corte, as recomendações (suffragia) vendiam-se ou, pelo menos, pagavam-se; se o patrono não mantivesse a sua palavra, a vítima não hesitava em apresentar queixa perante os tribunais. Os corretores (proxenetae) especializavam-se nas transacções de recomendações e de clientelas (amicitiae), mas a sua profissão estava publicamente desacreditada.(...)

Aos subornos acrescentavam-se as extorsões praticadas pelos altos mandarins. (...)
Cícero, depois de um ano de governo de uma província, ganhou apenas o equivalente a mil milhões dos nossos cêntimos e pôde  daí tirar glória: era muito pouco. (...)
Não se servia o Estado, servia-se no Estado, ao mesmo tempo em serviço próprio; esta concepção pode ser censurável, mas, psicologicamente, um corsário não é um oficial de marinha de alma corrupta.
A questão não é ser íntegro, mas ter tacto, à maneira de um comerciante que não deve deixar a clientela perceber que vende só em seu próprio interesse. Ora, enquanto os governantes se servem servindo o imperador, as populações oprimidas desejam poder acreditar que esses senhores paternais as oprimem para o seu próprio bem. "Sê obediente e o governador amar-te-á", escreve S.Paulo. É preciso portanto enriquecer sem impedir, por atitudes demasiado explícitas, a possibilidade dessa crença; o interesse dos funcionários nos lucros do poder não deve desmentir o desinteresse do poder em si próprio De tempos a tempos um processo público dava um exemplo e a cabeça de um governador caía, ou pelo menos a sua carreira: esse desastrado tinha manifestado sentimentos cinicamente interesseiros; tinha sido descoberta uma carta onde ele escrevia à sua amante: "Que alegria! Que alegria! regresso para ti livre das minhas dívidas, depois de ter posto à venda metade dos meus administrados".»

- Paul Veyne, in História da Vida Privada


E no meio deste estarrecedor espelho, ó caros confrades e otários, onde é que situais a tão propalada ética repúblicana, a tão cantada soberania popular ou a não menos diáfona igualdade dos cidadãos perante a lei, que vos alumiam o paleio e canonizam a submissão?...
Este trecho, então - "Qualquer função pública era um racket onde os encarregados faziam pagar os subordinados e onde todos juntos exploravam os administrados" - é uma perfeita antecipação do vosso tão augusto "estado social". Basta actualizar "administrados" por "contribuintes".




* - Nota minha.

quarta-feira, julho 11, 2012

Clientelismo e Cooptação

«Ao que parece, um liberto não era, como os clientes, obrigado a fazer uma visita protocolar (salutatio) ao patrono em todas as auroras; em contrapartida era muitas vezes convidado para jantar e normalmente era colocado, à mesa, não longe desses mesmos clientes. Entre estas duas espécies desiguais de fiéis diz-se que as brigas à mesa não eram raras: um cliente pobre suporta mal a concorrência, perto do patrono, de um antigo escravo próspero; os poetas Juvenal ou Marcial, obrigados, para sobreviveresm, a fazer a corte aos grandes, odiavam os ricos libertos, assim como os clientes de nacionalidade grega, porque uns e outros eram seus concorrentes.
(...)
O que é um cliente? É um homem livre que vem fazer a corte ao pai de família e que, em voz alta, se proclama como seu cliente; é rico ou pobre, poderoso ou miserável, por vezes mais poderoso que o patrono que vem saudar. Podem enumerar-se pelo menos quatro espécies de clientes: há os que querem fazer uma carreira pública e contam com a protecção do patrono; há homens de negócios cujos interesses serão servidos pelo patrono através da sua influência política, de uma forma tanto mais voluntária quanto frequentemente têm também alguma negociata com eles; há os Zé-ninguém, pobres, poetas, filósofos que muitas vezes vivem apenas das esmolas do patrono (entre eles muitos gregos) e que, não sendo gente do povo, achariam desonroso trabalhar em lugar de viver da protecção dos grandes; há, por último, aqueles que são suficientemente poderosos para pertencerem ao mesmo mundo do patrono e poderem então legitimamente aspirar a tomar parte no seu testamento, em agradecimento das suas homenagens (de facto, encontrar-se-ão entre eles as mais altas individualidades do Estado, como os libertos do Imperador, administradores todo-poderosos): um velho rico sem posteridade tinha muitos destes clientes.
Tal era a multidão, muito diversificada, que todas as manhãs fazia uma fila bem ordenada à porta do patrono, à hora a que  os galos cantavam e os romanos se levantavam. São algumas dezenas, às vezes centenas. (...)
A saudação matinal é um ritual; faltar a ela seria equivalente a negar o laço de clientela. Faz-se fila em traje de cerimónia (toga); cada visitante recebe, simbolicamente, uma espécie de gratificação (sportula), que permite aos mais pobres ter com que comer nesse dia; na verdade a gratificação seguiu-se a uma pura e simples distribuição de alimentos.... Os clientes são admitidos na antecâmara segundo uma ordem implacavelmente hierárquica, onde se reencontram as categorias da organização cívica; acontece o mesmo nos jantares, sendo servidos pratos diferentes e vinhos de qualidade desigual às diferentes categorias cívicas dos convivas, segundo a sua respectiva dignidade; tudo sublinha a hierarquia.
(...)
Tanto em Roma como nessas cidades, o poder pertence legitimamente a essa elite governante diferenciada pela opulência: só ela está qualificada para julgar que família deve ser recebida no seu seio. Os critérios legais, tais como a eleição ou a posse duma fortuna, são apenas um engodo, uma condição necessária mas completamente insuficiente; para um só senador, milhares de proprietários teriam podido ambicionar entrar para o Senado se a fortuna fosse o verdadeiro critério. A realidade da vida pública era a cooptação: o clube que constituía o Senado decidia se um homem tinha o perfil social particular que o tornava próprio para ser admitido no seu seio e se traria a sua quota-parte de prestígio colectivo partilhado pelos membros do clube. Simplesmente, a cooptação não era efectuada directamente pelo corpo de senadores; passava por uma das numerosas redes do clientelismo político.»

- Paul Veyne, in "História da Vida privada"


Sabem porque é que a cultura moderna detesta a antiguidade clássica e tudo faz para refundi-la e trancafiá-la em baús de sótão ou porão: porque é como as velhas gaiteiras, as harpias decrépitas e frívolas que adoram  plásticas, idolatram  cosméticas, mas  detestam espelhos.



segunda-feira, julho 09, 2012

A mão oculta



Em Miami, um nadador-salvador que teve a distinta  (e infeliz) ideia  de salvar um banhista em perigo, fora da área concessionada, foi  imediatamente despedido. E foi muito bem feito. Devia saber que a humanidade prejudica os negócios; que, detalhe ainda mais importante, a vida humana, na escala de valores, está abaixo destes;  e pior que tudo isso: com a sua acção desmiolada, estava a  neutralizar danosamente o trabalho dos outros funcionários da empresa que trabalhavam, submersos, na área não-concessionada: os nadadores-afundadores. 

PS:  Pelo menos é assim que eu antevejo o empreendimento, na rampa auspiciosa de me lançar nele e  após um curso rápido de calvinismo aplicado, mirandismo às rodelas e turbo-liberalismo a jacto: não basta garantir um bom serviço na nossa praia; é essencial garantir e manter um péssimo serviço nas do lado. Chama-se a isto dar uma "maozinha invisível" ao mercado. Neste caso, o nadador-afundador, num léxico mais suave e marketingeiro pode até  - e deve! - ser denominado (e tributado para efeitos de IRS) como nadador-invisível.. De resto, o trabalho invisível, ao contrário do outro, o trivial  é que deve ser bem remunerado. O nadador-visível (ou salvador), que real valor é que cria?
A Humanidade? É um sub-conjunto da nossa empresa. O critério de admissão? O lucro, ora pois.

PSS: Bem, quem diz deitar a mão, diz deitar o dente. O dente, aliás, seria até bem mais proveitoso. O funcionário trabalharia por prazer, dispensando honorários, férias e outras regalias..


domingo, julho 08, 2012

A Torah e o Talmud já não servem?

Num artigo do Washington Post, acerca dum contencioso que parece estar a instalar-se entre judeus laicos e judeus ultra-ortodoxos, pode ler-se a certa altura:

« “Jews need to study the Bible. That is what makes us unique as a people,” Yerach Tucker, a 30-year-old spokesman for the ultra-Orthodox community »


Bem, o mínimo que se pode dizer é que, para ortodoxos, estão muito modernos estes judeus seminaristas. Então agora estudam a Bíblia?:.. Não admira que os laicos se insurjam e vociferem em altos brados. A seguir atiram-se a quê, estes roedores peregrinos -  ao Alcorão?...



PS: É evidente que tudo isto tem que ser descontado à estupidez atávica e à incultura endémica da espécie americana, em geral, e do plumitivo autor desta pérola em particular

Terra de Ninguém





«O governo angolano promoveu a Nova Cidade de Kilamba como um novo paraíso para a classe média angolana»


O cinismo estarrecedor do projecto: a criação dum paraíso para algo que não existe. Lá não existe. Cá, está em vias de extinção. Ou não morassem em Luanda os faróis guias dos nossos líderes de pacotilha.


Por outro lado, é apenas mais um episódio duma nova tendência mundial: as cidades-fantasmas. Quando abandonou os princípios, o Homem não percebeu que, implicitamente, deixava de ser o fim? 

Vox populi, vox dei



Dispensemo-nos de mais exames na faculdade!
Perante a ogre  asnopédia sem mais adornos
dum Roedor-Ministro proxeneta d'austeridade,
não percam  tempo a dar-lhe com a realidade;
dêem-lhe  o que ele pede: uma cadeira nos cornos!...

Poupemo-nos a mais solavancos na perplexidade
a escândalos inúteis de grotescos contornos.
Os tipos forjaram e trampolinaram na universidade?
Concedamos-lhe agora um diploma de verdade.
Pontapé na alcatra e cadeirada nos cornos!...


Engenheiro-Arquitecto & Deus-Autodidata Ildefonso Caguinchas


sábado, julho 07, 2012

O mercado explicado aos otári... digo, crentes.




Não sei se já ouviram falar no lendário negócio das cascas de noz. Aconteceu de facto e eu relembro-o nos seus suculentos trâmites.
Um belo dia, uns tipos empreendedores colocaram no jornal o seguinte anúncio: "Compram-se cascas de noz". Por X, o quilo...
Rapidamente, a notícia correu. Uma série de gente afluiu, vendendo as cascas de noz que conseguiura agenciar.
Os tipos pagaram o preço anunciado e armazenaram o produto. De seguida, sob outra identidade, colocaram um anúncio semelhante: "compram-se cascas de noz! - a  X + 2".  Ao mesmo tempo, colocaram  à venda toda a casca de noz que tinham em armazém por X+ 1.  Claro está, todos os que lhes tinham vendido a casca de noz por X  convergiram a comprar-lhes a mesma casca de noz por X+1 para a venderem por X+2.. 
O esquema prosseguiu. A mesma casca de noz foi rodando num circuito fechado onde os tipos que tinham atribuído um valor à casca de noz , através de sucessivas transacções de idêntico quilate, foram aumentando esse valor. Estabeleceu-se assim o mercado da casca de noz. Um mercado bem rentável, por sinal,
 Por fim, quando já tinham um ror de mercadoria (casca de noz) e o valor desta tinha atingido um grande valor - digamos X+10 -, os fulanos colocaram dois últimos anúncios, cada qual com identidades diversas e fictícias: "compra-se casca de noz a X x 10" e  "Vende-se casca de noz a X x 9!"- Neste ponto, venderam , por um preço astronómico, toda a imensa quantidade de casca de noz que tinham acumulado, e... desapareceram. Os engodados e convertidos ao mercado da casca de noz que haviam adquirido toda a mercadoria descobriram, subitamente, que não existia ninguém para a comprar. Ou seja, que a mercadoria afinal era lixo. Muitos deles, investidores fogozos no lucro rápido, experimentaram a fatal ruína. Um magote indignado correu à Judiciária, clamando contra a horrível burla,  a ignóbil  moscambilha de que tinham sido alvo.

Pois bem, caros leitores, o chamado mercado financeiro funciona em moldes muito semelhantes ao da casca de noz. A diferença significativa reside não na subtância, mas na proporção e na protecção de que é alvo por entidades públicas sob sequestro. Quer dizer, os burlões do mercado da casca de noz tiveram que suportar a investigação e a perseguição policial; os ciganos do mercado financeiro, em contrapartida, têm a protecção das polícias e tribunais, a bênção da opinião publicada, a inerente benevolência das massas, e o resgate garantido e cíclico dos contribuintes. Isto é, de cada vez que se descobre o inevitável, ou seja, que se andou a transaccionar lixo, os vendedores e comissionistas da finança são indemnizados pelo Estado.  E subsidiados opiparamente para reiniciarem novos esquemas.  Exagero meu? Infelizmente, nem a ponta duma pinga!...
É que o valor não é determinado pela procura. O valor é controlado por quem condiciona, controla ou teledirige a procura.

Os Títeres e os Títalos

Em todo o caso, não percebo tanto escarcéu de cada vez que descobrem um falso doutor entre os ministros ou um falso engenheiro entre os chanceleres. Já a evidência recorrente e corriqueira de , por obra e graça de eleicinha, tanto doutor e engenheiro se transformar em falso ministro ou em pseudo-chanceler  não parece incomodá-los minimamente. Para não variar, aponta-se o cisco, a pentelhice na vista alheia e faz-se de conta que o argueiro - melhor dizendo, a trave descomedida - no olho próprio, embora cego, é perfeitamente natural. O escandalinho funciona assim como quê - paliativo para a imunda resignação?
E sempre pergunto: qual é o espanto? O escândalo é ele ter-se feito doutor em doze meses? Num país em que centenas de milhar se fizeram democratas numa noite - a mesma velocidade que qualquer eleito leva a mudar de nacionalidade, só que de dia e passada meia-hora de investidura -, o que é que isso tem de extraordinário?...

A sério, um ex-país infestado de gente com testículos postiços, coluna gasosa, moral descartável e lógica de conveniência consegue  ainda indignar-se com um título postiço? Não, isso é que é assombroso.

sexta-feira, julho 06, 2012

Queimada

Contaram-me hoje.
Miguel Relvas, aluno universitário, chega atrasado à aula. Abre a porta e pergunta:
- "Dá licença, sr professor?"
- "Está licenciado!" - responde o docente.

PS: Fascina-me a origem destes anedotários. Algures, terá havido um autor. Mas rapidamente a coisa devém património colectivo, produto anónimo. Alastra à velocidade de fagulha em capim seco.

quarta-feira, julho 04, 2012

Justiça americana, ou Do Calvinismo aplicado

Na primeira comparência em tribunal, acusado de furto, Quartavious Davis, de 18 anos, foi sentenciado em...162 anos de cadeia (e  sem possibilidade de  condicional!). Não, não matou nem feriu ninguém. Andou apenas no gamanço.  O cínico da coisa é que não condenaram o infeliz a prisão perpétua por roubo, mas a 162 anos de pena efectiva e não atenuável.. Presume-se que, mesmo que  alcance os 150 anos de vida e solicite então a possibilidade de liberdade condicional, eles, severíssimos, não lha concedem.
Já não se trata aqui de mera volúpia do castigo: é state of the art do êxtase sádico. Bem, o tipo chamava-se Quartavious e era preto, duas temíveis agravantes naquela zona. Mas, mesmo assim, concedendo até que isso possa constituir uma potencialidade demoníaca formidável,  não explica em absoluto uma bestialidade destas. Posto que a pilhagem desenfreada é a instituição principal daquela espécie de país - a nível do estado sobre os contribuintes, a nível dos políticos sobre os eleitores, a nível das empresas sobre os consumidores, a nível da seita armada sobre os outros países -, arrisco alvitrar que o crime mais grave que conceber se pode e punir se deve é o de imperícia na virtude nacional. E quando cumulada esta com insucesso profissional flagrante, temos caso, no mínimo, para perpétua alargada. É que grave por ali não é roubar: é roubar pouco e, ainda por cima, deixar-se apanhar. Sim, isso e não estar devidamente sindicalizado.

PS: E que ninguém me venha com tretas de que isto é lindamente dissuasivo. Isto não dissuade ninguém de roubar. Pelo contrário, incita ao homicídio. E, às tantas, à bela maneira surrealista.

O Império do Absurdo





«China satisfeita com austeridade portuguesa».


Relembro a definição de "Democracia", segundo o Dicionário Shelltox Concise do Dragão:
Democracia s.f., tirania da multidão, ou oclocracia; regime onde o absurdo impera, já que o putativo soberano delega os plenos poderes em terceiros que sobre ele exercem todas as arbitrariedades, traições, fraudes e saques possíveis e imaginários; estado geral de fermentação e efervescência duma muliplicidade de egos até à eclosão dum único ego predominante e incontestado; género teatral.

Pois bem, nesta mescla heteróclita e geralmente fétida de império do absurdo, alambique egótico e género teatral, a notícia em epígrafe não apenas comprova como resplandece de pleno sentido (isto, claro está, na exacta medida irónica em que é permitido constar um sentido naquilo que, por definição, é destituído dele). Senão, repare-se:
Através dum esquema habilidoso e conveniente, uma minoria de portugueses (em nome de todos) elegeu um governo cujas realizações satisfazem povos tão distantes ( e díspares) como os chineses ou, embora não tão longínquos, os alemães. E flagelam a grande generalidade dos portugueses. 
Desse modo assaz grotesco, mesmo a definição lírica de democracia, em Portugal, vai às avessas: o governo não governa para a maioria; governa contra ela. E, untado de garbosa desfaçatez, age como se não fosse à maioria dos Portugueses que devesse satisfações, mas aos caciques eleitos da Alemanha ou nem isso da China. Aliás, com os portugueses actuais, o (des)governo actual, não só não deve satisfações como não nutre preocupações. À gémea semelhança dos comunistas, por exemplo, o presente que se lixe - terraplene-se! Porque o presente não presta, consiste num amontoado de pecados, erros, vícios e privilégios que urge desmantelar de modo a erigir o perfeito e imaculado Mundo Novo. Quer dizer, os nojentos portugueses de hoje existem, pura e simplesmente, para serem varridos de modo a darem lugar aos reprogramados (e evoluídos) portugueses do amanhã. Em tudo isto começa a ser indestrincável a incompetência, a traição e o delírio patológico. O que restava dum país arrombado está a ser destruído. O actual desgoverno não se distingue do anterior:  culmina-o!
O estrangeiro compraz-se. E agradece.

PS: Convém sublinhar, no mesmo Dicionário, o termo Demagogia -  s.f., substância da democracia; processo de auto-hipnose que consiste em a turba espelhar-se, narcisicamente, nas suas emanações fecais (os políticos, artistas, ícones), e vice-versa



terça-feira, julho 03, 2012

Punhetas ao cadafalso





Em relação à putativa "liberdade de expressão" podemos assim estabelecer o critério diferencial entre os chamados regimes autoritários e os auto-intitulados democráticos: naqueles pretende-se condicionar previamente o seu exercício; nestes procura-se corrigi-lo e puni-lo à posteriori. É a diferença que vai da repressão profiláctica à repressão vindicativa. Ou da instituição da censura ao império da denúncia. Ali tapam-te a boca; aqui  arrastam-te e prendem-te o corpo por inteiro.
Aliás, não é por acaso que, nas sociedades protestantes, onde a palração constitui a essência da fézada (e o parlamentarismo o fetiche da governação) a principal volúpia consiste na "volúpia do castigo". À sua imodesta dimensão, são todos replicazinhas rastejantes do beleguim primordial no éden bíblico, segundo um certo maniqueu caiado: "toma lá o livre-arbítrio, ó criatura! Usaste-o? beleza!,  agora fodo-te o canastro! Ou, por outras palavras: "esta é a lei. Mas a malta vem-se mesmo é quando toca ao castigo... Dos outros."

Resumindo: enquanto as sociedades tradicionais são, tendencialmente, intimidatórias; as auto-proclamadas modernas são, por vocação e cultura compulsiva, persecutórias. Não é por acaso que da guerra tradicional, em que as coisas ficavam resolvidas e derimidas no campo de batalha, se passou, hoje em dia, para a guerra humanitária; em que o inimigo, depois de massacrado no terreno, é levado ainda a tribunal, onde , após um calvário de sevícias legais e prepotências forenses, padece também pelourinho, cadafalso e anátema post-mortem.

Ou não fosse esse o móbil capital e principal do frenesim protestante: fazer de todo o Adão um perfeito Cristo. Expulsão sabe sempre a pouco: suplício, flagelação, cuspinhanço público e crucificação são imprescindíveis e fundamentais. De resto, não é por acaso que os maiores fundamentalistas do planeta são igualmente os mais desvairadamente exclusivistas. Só o seu fundamentalismo é autorizado.





segunda-feira, julho 02, 2012

Censura nunca. Denúncia é que é democrático!


«Diário de Notícias denuncia possíveis crimes de racismo»


Isto tem a ver com comentários on-line, imagine-se. Todos nós sabemos da grande importância, enorme seriedade e sumptuosa consequência dos comentários on-line. Ainda por cima, de jornais. De jornais, Deus meu!... Onde a generalidade dos artículos e a grossa maioria dos comentadeiros competem com os comentaristas de roda-página na javardura soez e mentecapta..

Pois, que lindo! Que idílico! Que acéptico! Eles não censuram: apenas chibam. Sòmente bufam e indicam às autoridades.
Este conceito  de liberdade de expressão lembra em tudo aquela fórmula manhosa com que os esbirros abordam as presas: "pode expressar-se à vontade, mas tudo o que disser pode ser e será usado contra si."

Não sei que crimes horríveis possam ser cometidos em caixas de comentários de pasquins. Ofensas sérias, injúrias acintosas, ultrajes celerados, em manifestação diária e ininterrupta, dos opinadeiros aos comentúrios, que eu saiba, só mesmo à Língua Portuguesa. Mas dessa, coitada, ninguém quer saber; e todas as tripudiações e martírios lhe estão, mais que prometidos, garantidos e desculpabilizados.


O Rock'n'roll é sulista. Viva a Confederação!