Em tempo de naufrágio, cada qual agarra-se ao destroço flutuante que lhe bóia mais próximo e faz dele a sua jangada. Depois, a jangada torna-se a sua ilha. Dele e de quantos por lá se recolham, em desespero e refluxo. E, à medida que o seu número cresce, a ilha absorve o universo.
Ora, se o naufrágio dum navio constitui catástrofe de monta, o naufrágio duma nação e de todo o seu povo configura a tragédia completa. Em vários actos.
Porque o naufrágio dum país não se resume ao desmantelamento do navio pela tempestade e pelos recifes: prossegue depois na sucessiva destruição das jangadas, que vão devindo cada vez mais precárias e exíguas. Até que não reste mais que um mar de gente à deriva num mar de estilhas. O naufrágio duma nação torna-se assim, pior que a simples catástrofe, numa lenta agonia, num prolongado estertor, em suma, numa tragédia que nunca mais acaba.
A nau que Portugal foi, hoje já não é. Ao ritmo das marés e das luas, vão-se esfarelando as jangadas, vão-se irrisando as ilhas num coalho sórdido de arquipélagos chochos, vão-se engalfinhando e injuriando os náufragos, num rilhafoles pegado e sempreviçoso. Perdido o navio, qualquer armário velho serve, qualquer tabuado à deriva adquire contornos de embarcação. Juntem-se dois nadadores num destes batelões do acaso e logo um arvora ao capitão. E o outro ganha instantanemente artes e cédulas de timoneiro.
Perdido o todo, perdida a noção de todo, de pertença e comunidade dum todo, as partes ficam entregues às suas contingências. E aos devaneios de pavilhão ou fantasias de boleia no primeira embarcação que passe. Sonham agora não já apenas com alguém que os salve, mas, sobretudo, e resumido, com alguém que os adopte.
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