terça-feira, setembro 12, 2006

Medo de quê?

Ontem, eu ia para dizer qualquer coisa muito inteligente e sublime a propósito da efeméride, mas, quando finalmente alcancei o guiché (onde fornecem os impressos), deparou-se-me o letreiro “esgotado”. Pois é, a blogosfera tinha esgotado, como de costume, todo o stock de inteligências e sublimarezas. Começa a ser vagamente irritante. Há tipos gordos que, dir-se-iam, moram lá. Na bicha. Acampam e açambarcam.
Por pirraça, deveria lá voltar hoje. Mas, para falar com franqueza, o evento também não merece tanta maçada, nem, tão pouco, tanta carpideira de ocasião, à desgarrada. Nos Estados Unidos, sim, compreende-se, aquilo diz-lhes respeito. Há lágrimas verdadeiras, sentidas. Agora neste Cu da Europa, nas bordas dum Penico tamanho, que é que estes borrabotas têm que ver com uma super-potência daquelas – uns, ainda por cima, super-impotentes destes?! A tais piças-frouxas, por alminha de quem se lhes encomendou o bedelho num tal filme? O argumento deste, aliás, não é grande coisa e exaure-se em três penadas: 1) houve uns filhos da puta que estoiraram com três aviões recheados contra dois mamarrachos que existiam numa cidade chamada Nova Iorque e contra um antro de malfeitores na Virgínia; 2) houve uns filhos da puta que planearam a marosca, houve outros filhos da puta que, muito provavelmente, negligenciaram os deveres e, finalmente, 3) houve uns terceiros filhos da puta que tiraram grandessíssimo proveito da espectacular desgraça.
No meio disto tudo, lixaram-se os infelizes que iam nos aviões e grande parte dos que formiguejavam nos mamarrachos, mais uns quantos que não negligenciaram os deveres. A civilização –ou melhor, a falta dela - continua a mesma. Acreditem, ninguém a desflorou barbaramente: sustentá-lo é confundir calo com hímen. Esqueçam o estupro! Do estrito ponto de vista estético, arquitectonicamente, há quem diga, até melhorou um bocadinho. O mundo, esse outro que tal, também não está pior nem melhor, está a merda do costume. O nosso modo de vida não está especialmente ameaçado: há muito que uns rapazes beneméritos em quem periodicamente votamos - devidamente supervisionados e teleguiados, nós, é claro - se entretêm a converter o nosso modo de vida num prolongado modo de morte. Morre-se ao ralenti. Quando muito, por via deste improviso, surgiu mais uma modalidade expresso, senão mesmo, Aero-TGV. Acresce que o nosso modo de morte dificilmente é ameaçável porque, a maior parte do tempo e ao mais alto nível, consiste em andar a ameaçar os outros. E a nós próprios. Em suma: não foi o fim do mundo, nem o princípio de nada que mereça grande reparo ou memória. Morreu gente, como morre gente todos os dias: gente absolutamente descartável, irrelevante. A não ser como pretexto, claro está. Quanto mais não seja, para as estatísticas.
Os filhos da puta que planearam, fizeram e negligenciaram, não sei exactamente quem foram. Nem ninguém se dá ao trabalho de me informar. Mas sei, com rigor, a identidade de algumas das hienas, chacais e demais necrófagos de duas patas que tiraram sórdido proveito e continuam a lucrar, em cada dia que passa, com a hecatombe emblemática. Até podia aqui expor a lista, mas, sinceramente, tenho mais que fazer. E de certeza que isso não vos tiraria o sono.
Tenho medo de levar com um avião na tola? Deveria ter? Deveria instaurar-se-me nas meninges feito imperativo categórico: andar pelos dias, pelas esquinas e pelos blogues a borrar-me de pavor? Porque há fundamentalistas desvairados (e sócios ocultos) que me querem acertar com aviões, avionetes, comboios, cacilheiros, ou o que quer que seja?!...
Defeco neles com toda a elevação. Olimpicamente. Juro sobre a Odisseia. Não são mais fortes que Deus. Deus anda a tentar matar-nos, há milhares de anos, à pedrada, com meteoritos e, pelo menos em mim, ainda não acertou. Todos os dias o tenta - basta atentar no céu, nas horas nocturnas-, mas debalde. Nem em mim, nem - diga-se em abono da verdade - nuns quantos biliões de badamecos como eu – pastilha elástica da Inexorável Ceifeira. Acertou nos dinossauros porque eles, sendo imensamente maiores, eram bem mais fáceis de acertar.
Os filhos da puta metem-me nojo, não me metem medo.
Mal nasci, condenaram-me à morte. Ter medo de quê?!...


7 comentários:

josé disse...

Meu caro:

Tens razão, neste como no outro postal.

Ainda há poucos dias me interrogava sobre o interesse da humanidade ocidentalmente mediatizada, acerca daquela mocinha que raptada aos dez anos, passou oito numa cave e agora veio contar como foi.
Lembro-me de ver um filme de Herzog sobre o Enigma de Kaspar Hauser, no qual um campónio tratado como um bicho e a viver como eles, depois de alguns anos, descobre a sensibilidade fina de um apreciador de estéticas musicais.
Aqui, no caso da menida Kampusch, nem isso. Apenas voyeurismo puro e simples.

Quanto às torres e à efeméride, a ordem mediática impõe que se ritualize uma cerimónia temporizada de há uns anos para cá em múltiplos de cinco.
Dantes eram os centenários nas escolas. Cem lições de seguida dava direito a centenário certo e festejo a pretexto que se ficava pelo ambiente descontraído e eventualmente de aula encurtada.

Dez anos já um outro cantava que era muito tempo a cantar.
Aliás, dez anos era o período fatal para a comemoração ou lembrança de algo.

Agora passou para os cinco.
Qualquer dia, o esforço quântico acaba por ultrapassar os próprios acontecimentos, e ainda reflectiremos sobre os eventos em cima da sua própria sombra, se não for ainda mais depressa e a travar-lhe o perfil.
Basta que inventemos a realidade virtual de modo mais credível do que a actual, exibida todos os dias num "écran perto de si", ou na própria pantalha.

dragão disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
dragão disse...

Admira-me ainda se contentarem com celebrar os aniversários. Qualquer dia começam a glorificar os mensaversários, depois os diaversários e, finalmente, os minuversários. É toda uma efeméride pegada!
Mas sempre te digo, a cassete destes neo-comunas neoconas lembra a dos outros donde germinaram, só que ainda é mais obsessiva: está equipada com auto-reverse. Quando julgamos que está a chegar ao fim, rebobina e toca de novo. Ad nausea.

Anónimo disse...

«...a cassete destes neo-comunas neoconas lembra a dos outros donde germinaram, só que ainda é mais obsessiva: está equipada com auto-reverse. Quando julgamos que está a chegar ao fim, rebobina e toca de novo...»

Muito bem observado!

zazie disse...

Podes crer. Uma boa treta. O que eles gostam de marcos e saltos em frente ou o raio que os parta. Mas perdi a outra maluquinha neo-maiosta a dizer que os chinocas chegaram à alta tecnologia mas ainda não se vêem em explosões nos arranha-céus.

Foi assim? ehehehheh

dragão disse...

Quem é a macaquinha neo-maoista?...

zazie disse...

ehehe é a da síndrome heleno-matoso. Perdi essa parte das "comemorações"

";O)