quinta-feira, abril 20, 2023

Viagem ao Princípio da Noite (rep)




 Só conheço uma pessoa -e neste caso, ainda por cima, uma senhora - que leu, de fio a pavio, a "Crítica da Razão Pura", e decifrou a charada. Não hesitei: Casei com ela. Há 31 anos atrás. Bonita por fora e inteligentíssima por dentro. De bónus, um feitio quase tão difícil como o meu. Ocasionalmente, supera-me... a Srª Dragão.

Vem isto a propósito do filósofo mais difícil, enquanto texto, da história da Filosofia: Kant. Provavelmente, equiparável a um outro germânico posterior: Heidegger. Há muito de Platão e de Aristóteles em Kant (afinal ele é uma nota de rodapé, embora não assim tão irrisória como tantos outros), mas também há o tempo dele, os problemas desse tempo e, sombriamente, o decurso do Iluminismo. Entenda-se, o peso e a densidade da treva. Nesse sentido, começo por repor um postal muito interessante, modéstia à parte, que aqui verti já lá vai um bom par de anos:

A exploração do filão religioso pelo leviatã global não se resume apenas a lançar cristãos contra muçulmanos. Interessa também fomentar todo o tipo de conflitos (e cismas) religiosos: católicos contra ortodoxos (Croacia, Sérvia, Ucrânia); sunitas contra xiitas (Iraque, Síria, Líbano), muçulmanos contra hindus (Paquistão, Índia),  muçulmanos contra budistas (Tailândia),  etc  

Quando digo "leviatã global" significo o aparelho de choque da plutocracia global. O seu modus operandi, derivado da revolução perpétua (num neo-trotskismo agora ultra-pasteurizado) é  a "guerra perpétua". Como, de resto, estipulava Huntington: "As guerras civilizacionais são intermitentes; os conflitos civilizacionais são intermináveis.».

Por falar em guerra perpétua, veio-me à memória Kant na sua "Paz Perpétua", de 1795. Para a qual , o filósofo de Konigsberg, considerava 6 artigos preliminares, a saber
1. «Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura»
2. «Nenhum Estado independente (grande ou pequeno, aqui tanto faz) poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doacção.»
3. «Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem, com o tempo, desaparecer totalmente.»
4.«Não se devem emitir dívidas públicas em relação com os assuntos de política exterior.»
5. «Nenhum Estado deve imiscuir-se pela força na constituição e no governo de outro Estado.»
6. « Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que tornem impossível a confiança mútua na paz futura, como, por exemplo, o emprego no outro estado de assassinos, envenenadores, a rotura da capitulação, a instigação à traição, etc.

Não vou, naturalmente, dilucidar da bondade ou perversidade deste projecto "filosófico" de Kant. Ele chama-lhe isso mesmo - "um projecto filosófico", e não um "projecto político", o que não deixa de ser, por um lado, curioso, e por outro, significativo. Também me parecem pacíficas as influências iluministas no cosmopolitanismo kantiano, mas o ponto agora é outro, embora tendo esse bem presente. Gostaria apenas de destacar o seguinte: O projecto político que impera hoje no mundo, e que, com grande pompa e circunstância, se auto-arvora herdeiro dilecto do iluminismo, guardião dos seus valores e paladino do "estado de direito", está rigorosamente nos antípodas do projecto kantiano. Para a "guerra perpétua" poderiam até servir os 6 artigos de Kant, desde que reescritos pela liminar negativa, isto é, bastava pô-los ao contrário. Não vos parece, no mínimo, estranho? Kant era um optimista (confessa-se até admirador de Rousseau enquanto estilista literário), pelo que tendia para a utopice e faltava-lhe, em larga medida, o sentido da realidade? Longe de mim estar pr'aqui a defender Kant. Mas querem ver como ele não era parvo de todo? Ora oiçam:

«Para não se confundir a constituição republicana com a democrática (como costuma acontecer) é preciso observar-se o seguinte. As formas de um Estado (civitas) podem classificar-se segundo a diferença das pessoas que possuem o supremo poder do Estado, ou segundo o modo de governar o povo, seja quem for o seu governante; a primeira chama-se efectivamente a forma da soberania (forma imperii) e só há três formas possíveis, a saber, a soberania é possuída por um só, ou por alguns que entre si se religam, ou por todos conjuntamente formando a sociedade civil (respectivamente autocracia, aristocracia e democracia; poder do príncipe, da nobreza e do povo). A segunda é a forma de governo (forma regiminis) e refere-se ao modo, baseado na constituição (no acto de vontade geral pela qual a massa se torna um povo), como o Estado faz uso da plenitude do seu poder; neste sentido, a constituição é ou republicana ou despótica. O republicanismo é o princípio político da separação do poder executivo (governo) do legislativo; o despotismo é o princípio da execução/ arbitrária pelo Estado de leis que ele a si mesmo deu, por conseguinte, a vontade pública é manejada pelo governante como sua vontade privada. - Das três formas de Estado, a democracia é, no sentido próprio da palavra, necessariamente um despotismo, porque funda um poder executivo em que todos decidem sobre e, em todo o caso, também contra um (que, por conseguinte, não dá o seu consentimento), portanto, todos, sem no entanto serem todos, decidem - o que é uma contradição da vontade geral consigo mesmo e com a liberdade.»

Questãozinha capital: O que é que nós temos tido, aqui em Portugal (mas no resto do mundo ocidental não será muito diferente), senão um despotismo a prazo, no decurso do qual tiranetes quadrienais produzem e executam as leis e as políticas que muito bem lhes dá na real gana, sem que a vontade geral (que é suposto estar, segundo os princípios iluministas, corporizada numa constituição) seja tida nem achada? Que raio de "estado de Direito" é este onde a separação entre o poder executivo e o legislativo (do judicial nem falo), pura e simplesmente, não existe? Ao primeiro-ministro, obedece o governo e obedece o Parlamento - o tipo escolhe ministros, escolhe deputados e ainda escolhe não sei quantos funcionários de nomeação, entre os quais juízes e procuradores-gerais. Na verdade, uma minoria da população elege-o a ele; depois ele elege quem muito bem entende e lhe apetece. Se tivermos em conta a qualidade dos primeiros-ministros nestes últimos quarenta anos, especialmente da última meia-dúzia, caramba, há algum espanto que o resultado seja a ruína, o descrédito, a desonra, a desagregação moral, social e nacional? E nem é preciso recorrer aos meus princípios (assaz diversos, diga-se), basta convocar os mais elementares princípios iluministas, os tais imaculados e altamente bondosos e progressistas de que toda esta corja se arvora procuradora, curadora e delegada de propaganda médica assistida!... Em bom verdade, servem-lhes de ornamento à retórica e de papel higiénico à prática.

Mais, o velho Kant é ainda mais incriminador quando, num texto de 1783, define o Iluminismo como « a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. (...) A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio , continuem, no entanto, de boa vontade, menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor.»

E pronto, não é esta a relação: um primeiro-ministro tutor plenipotenciário quadrienal dum colégio de eleitores/contribuintes/cidadãos menores? Pior que menores: pequeninos, insignificantes, invisíveis, irrelevantes. É este o "iluminismo"? O que os psicopatas islâmicos ameaçam?  

«Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.» 
Adivinhem quem disse.  O mesmo que dá um quadro arrepiantemente fidedigno desta nossa relação de menores com os nossos tutores (lembrem-se das razões porque não se podem fazer referendos, das "cedências à demagogia", ao populismo, etc):
«Depois de, primeiro, terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas.»

Não, não é Nietzsche. No estado a que chegámos, basta Kant. E não é exactamente isso que sois para os vossos tutores: animais domésticos?...


PS: E o que serão os vossos tutores para os tutores deles?...

Num postal adiante falaremos com mais detalhe dos tais "princípios preliminares" da paz perpétua. Nestes tempos, agora sim, obscuros, da guerra perpétua.

6 comentários:

Vivendi disse...

Depois de...
- Hiper-regulação;
- Hipertributação;
- Taxa de carbono;
- Transferência da indústria para a China;
- Destruição dos gasodutos;
- Dez pacotes de sanções suicidas;
- Envio do dinheiro dos contribuintes para um ditador;
Vem agora o encerramento completo das centrais nucleares.
Talvez um dia o povo alemão consiga perceber que a Alemanha é uma colónia do imperialismo financeiro.
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After...
- Hyper-regulation;
- Hypertaxation;
- Carbon tax;
- Transfer industry to China;
- Destruction of gas pipelines;
- Ten suicide sanctions packages;
- Sending taxpayers' money to a dictator;
Now comes the complete shut down of nuclear power plants.
Maybe one day the German people will understand that Germany is a colony of the financial imperialism.

Ponte de Lima, 20 de Abril de 2023.
Rui da Fonseca e Castro

Vivendi disse...

A Alemanha pela 3ª vez destrói a Europa.
Ao caralho com a filosofia deles.


Os alemães mais inteligentes estão neste momento a emigrar em catadupa para a América Latina, reza a lenda que até Hitler fez o mesmo no passado (hehehee).

América Latina = Ibero-América = Legado Ibérico.





Anónimo disse...

Chiça Dragão,
Leu tanto que tresleu. Conforme o Ingenioso Hidalgo de la Mancha.
Ainda se enterrou à conta de filosofias. Boas quecas.
ao

dragão disse...

Tomo como elogio sincero, ó ao. Isso do Quixote. Sancho Pançudo é que não. Até porque esse não correria o risco. De tresler.

Quanto ao resto, vou fazer de conta que não li.

Anónimo disse...

«Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.» ( Lapidar )

Albuquerque Freitas disse...

Menoridade, nos dias que correm, já é optimismo. Regressão ao espermatozóide parece-me mais o caso.