sábado, abril 30, 2011

O ovo do Basilisco


1962... Abril. No seu diário, Franco Nogueira, à altura ministro dos Negócios Estrangeiros, regista:
«À noite, estou com Azeredo Perdigão e Marcello Mathias: ambos acentuam a importância e mesmo a gravidade da crise universitária. (...) Luís Teixeira Pinto e André Gonçalves Pereira telefonam-me a acentuá-lo. Fervem boatos de greves universitárias.»

Comentário de Salazar (atribuindo a agitação aos comunistas) no Conselho de Ministros:
"Se nada fizermos, antes de dez anos eles estão sentados a esta mesa."

Na verdade, levariam doze.

Não devem, portanto, ter feito grande coisa.




sexta-feira, abril 29, 2011

Da anedota à realidade

Havia uma anedota dos meus tempos de liceu que rezava mais ou menos assim:
«- Sabes porque é que os americanos ficaram com os pretos e nós com os alentejanos?
- Não.
- É óbvio: porque os americanos escolheram primeiro.»

Esta anedota é tremendamente injusta para os ciganos e, na verdade, a genuína, a que corresponde fidedignamente à realidade, vou contá-la já de seguida. Mas antes disso, há uma sequela desta que acaba de me ocorrer. Ora registem:

« (...) -Ah, e sabes tu porque é que os americanos escolheram os pretos?
- Bem... não.
- É que quem escolhesse os pretos levava de bónus os judeus.»

Postas as anedotas fassistas, vamos ao que interessa. Mesmo agora andam para cima de trezentos tornados a escaqueirar o centro dos Estados Unidos. Todos os anos, furacões são às dezenas. Tempestade de gelo são mais que muitas. Enxurradas e inundações perde-se-lhes a conta. Pois bem, não obstante tudo isso, mais os pretos e o respectivo bónus, os States lá vão na crista da onda. Superpotentes e contentes da vida. Mega-rotos da banca, mas, não obstante, armados até aos dentes e dando-se ares de grandes proprietários globais. Donde se pode destilar, não a anedota, repito, mas a cristalina realidade:
- Sabem, vossências, porque é que os americanos ficaram com as catástrofes naturais e nós com os políticos democráticos da loja dos trezentos?
- Pois. O costume: eles, filhos duma grande senhora de vida fácil, escolheram primeiro.

Ai não lhe toquem!...

Diz a besta Santos Silva:
"Troika" não pode violar Constituição"

Pois. Pode violar o país, pode violar o povo, pode até violar a independência nacional. Mas na Constituição, nessa pequerrucha, é que nem tocar! Pode o país estar na penúria económica, na miséria moral, na mendicidade soberana, mas, que diabo, tem uma constituição!... Uma puta duma constituição que, como diria o Ildefonso Caguinchas, não fode nem sai de cima. Só empata. Só esteriliza. Só decora. Ninguém liga patavina à merda da Constituição, toda uma classe política não tem feito outra coisa, nos últimos trinta anos, senão marimbar-se e defecar de muito alto para os princípios angélicos, amorosos e delicados da dita. Folha de couve mais ratada e babada por toda a espécie de larva partidária não se conhece. Bandeira assim, pior que trapo, feita esfregão e escovilhão de retrete nunca se viu. Mas a Troika é que nem sonhe - nem com uma pluma ouse tocar-lhe!...
Violá-la? De tão devassada e esburacada, já não é possível. Além do mais, alguém se excita com um monte de lixo, ao ponto de com ele cismar de ter congresso? Quando muito, varrem-na, que é o que a simples higiene pública reclama e recomenda.
É tal a porcaria de governantes que temos tido, que até os estrangeiros nos parecem menos hostis, vorazes e malfazejos. Com os da estranja, ao menos, ainda nos anima uma vaga esperança: que embora não pertencendo à mesma nacionalidade, pertençam, ainda assim, à mesma espécie. É uma esperança cega e estúpida, como a generalidade das esperanças, eu sei, mas sem esperança é que não se consegue viver.


segunda-feira, abril 25, 2011

O Brinde (rep)

Faz hoje trinta e sete anos que nos saiu um país novinho em folha. Na lotaria? Não. No totobola? Não. Na rifa? Também não.
Na Farinha Amparo.

Revolução? Sim, sim...só se foi das tripas.


PS: Agora só espero que, por uma questão de coerência económica, o presidente do bananal discurse no facebook e entregue condecorações pelo twitter.

domingo, abril 24, 2011

Por um Sorteio Universal (repito e voltarei a repetir!)


Leitores, em Janeiro de 2006 (os mais antigos lembrar-se-ão decerto), escrevi aqui o que se segue (e que, para não variar, mantenho na íntegra):

Digo isto com toda a sinceridade: não entendo porque é que em Portugal, para efeito de eleição do presidente da República (e até de deputados ou autarcas) não se adopta, duma vez por todas, um sistema de lotaria. Andava à roda. Tiravam-se rifas. Em vez de urnas, centenas delas e respectivas guarnições, bastava uma única tômbola gigante. Então não era muito mais consentâneo com o nível recorrente dos candidatos e respectivos eleitores? Verdadeira democracia era assim: Todos os cidadãos que cumprissem determinados requisitos (maiores de 35 anos, sem problemas com a justiça, alfabetizados, de nacionalidade portuguesa, etc,) recebiam um número. Depois, a Santa Casa, que já está habituada a estas quermesses, sorteava o presidente, os deputados, ou os autarcas.
Aforrava-se um bom dinheiro, poupavam-se as peixeiradas do costume, evitavam-se palanfrórios e zaragatas, não se perdia tempo com gambosinices, falsas promessas e contos do vigário, e o resultado, com um bocado de sorte, até era melhor. Pior, pelo menos, seria quase impossível. Sejamos lúcidos: depois de um Gorge Sampaio ser presidente da república, não tenho qualquer dúvida que um qualquer taxista anódino, cabeleireira avulsa ou vendedor ambulante, no mínimo, não só estariam habilitados para a função, como, de certeza, alcançariam bem mais pitorescos desempenhos. E que dizer dum Santana Lopes primeiro-ministro? Ou até dum Durão Barroso, dum Guterres, dum Soares, etc? E os deputados? E os autarcas? Já repararam bem?Face à monotonia confrangedora das performances destes esplêndidos e sufragados “dirigentes”, cada português tira as suas ilações. A mais usual –e lógica- é reconhecer-se, o luso-aborígene, plenamente capacitado, vocacionado e predestinado, desde a barriga da mãe, para os mais elevados cargos do Estado e da Governação. Isto se, como entretanto -e cada vez com maior frequência - acontece, não descobrir a resfolegar dentro de si um ditador clarividente e pronto para, às três pancadas mas com carácter de urgência, assumir a mundícia e a redenção da pátria. Nem mais. E quase tudo nos indica, e taxativamente garante, que pior figura que os actuais –que, de resto, são também os recentes e anteriores, pois são os mesmos vai para mais de trinta anos -, não faria. Limpinho; e até mesmo se optasse por uma letargia absoluta, ou se se mantivesse oculto e ausente durante todo o mandato, ninguém notaria grande diferença.
Não raras vezes, dou comigo a viajar de táxi só para escutar os projectos mirabolantes do respectivo piloto. Mesmo os ultra-descabelados, inçados de medidas radicais e purgas enérgicas, conseguem ser mais interessantes que o chorrilho de idiotices e baboseiras dos presentes candidatos oficiais a qualquer coisa, mas sobretudo à poltrona de bibelot-mor da república. Ao menos, caso fosse sorteado, o furioso taxista conduziria o país como se fosse um táxi, desflorando vielas e peregrinando atalhos, o que, havemos de convir, sempre conferiria alguma emoção ao percurso. E sempre era preferível que vê-lo, diaria e convulsivamente, a ser conduzi-lo feito casa de alterne, que como sabemos não prima pela aerodinâmica, para além de lhe faltarem motorização e rodas adequadas.
Provavelmente, é excentricidade minha, mas desgosta-me que o país se confunda com uma casa de alterne, que os políticos não se distingam das alternadeiras, que os administradores da Coisa Pública se assemelhem a banais alcaiotes. A sério, deprime-me. Confesso que desde pequenino, talvez cativado por devaneios e romances absurdos, acalentava outras esperanças.
Todavia, se assim é, se assim está condenado a ser pela eternidade, se não se distinguem os eméritos candidatos dos mais básicos e vulgares eleitores, então, ao menos, que todos os eleitores usufruam do pleno direito a ser candidatos. Era assim na Grécia Antiga, quando inventaram a democracia. Todos os cidadãos de pleno direito eram efectivamente iguais, sem castas. Hoje critica-se e menoscaba-se muito esse regime primordial porque só permitia que uma minoria votasse (nem mulheres, nem escravos, nem estrangeiros participavam); e no entanto, nesta hora que passa, não se vislumbra grande evolução, a não ser talvez para pior: a percentagem dos eleitores aumentou, todos votam, mas apenas uma invariável e hermética minoria pode candidatar-se aos cargos superiores públicos. Uma elite? Não, uma mera chusma dissimulada, oligárquica e feudal. Tipos que à viva imagem de qualquer fulano avulso não fazem a menor destrinça entre o próprio interesse e o interesse geral; pior: que não reconhecem sequer a existência de qualquer interesse para lá das fronteiras do seu próprio interesse, diga-se, já agora, pela única e exclusiva razão de que o seu interesse próprio não tem limites e só conhece rival na sua ganância. Mas, repito, se é assim, se quem exerce o poder não se distingue de qualquer um, então que um qualquer possa ser qualquer coisa, sobretudo qualquer “Coisa Pública”. Vale mais confiar na Sorte que na Insídia, no Conluio, no Sofisma. Já fede esta fantochada retórica do “povo escolhe”, “o povo elege”, o “povo é soberano”. Balelas!, o povo não escolhe coisa nenhuma, muito menos “Coisas públicas”, e soberana só será certamente a sua impotência, bem como lendária a sua estupidez. A escolha é prévia, a confecção é sempre anterior e decorre na penumbra dos bastidores, até os mongolóides mais toscos já desconfiam disso. O povo apenas ratifica, homologa, assina de cruz. Prefere a embalagem da papa, a marca e o brinde; mas, na substância, não tem direito nem opção a outro prato que não aquela mistela liofilizada e rançosa que lhe deitam na manjedoura. De quatro em quatro anos, perguntam-lhe, quando muito, se quer mudar de marca ou de cozinheiro. Fodido com a papa, enjoado com o mingau, o cabrãozito muda, quer dizer, por instantes ilude-se que muda, que melhora, que rompe. Apenas para descobrir que o sabor é o mesmo e igualzinha a disenteria resultante.
Porém, garantem-lhe, se não é assim, é o caos, o Fim-do-Mundo.
Pois eu acho que, para ser assim, então vale mais a lotaria, o totoloto, o Luso-milhões! Puta que pariu o sufrágio universal, fraude ignóbil, e viva o Sorteio Universal! Ao menos, sempre ocasiona alguma expectativa acerca do resultado da extracção; por um inescrutável capricho da sorte até pode calhar alguém com nível, com inteligência – coisa que no sufrágio actual é impossível: já todos sabemos –já estamos mesmo calejados de saber - que, saia o que sair, não sai da cepa torta. Não altera nem contende com a substância.
Actualmente, o povo vai –aquele que vai, cada vez menos -, para o sufrágio com a resignação e o ricto próprios dum funeral: desconfia mesmo que não é por acaso que chamam urna ao vasadouro da sua murcha e irrisória soberania. Dir-se-ia que em vez de ir rezar missa pela ressurreição dos seus sonhos, vai antes depor na sepultura mais um quadriénio de esperanças. Suspeita que tão irrelevante e inócuo como o seu voto só há uma coisa: o resultado dele. Ora, adoptasse-se a modalidade de Sorteio e era ver a alegria, a animação e o entusiasmo que não precederiam a extracção!... Uma festa generalizada, meus amigos! Quais sondagens, contagens, lavagens, fraudes e todas esses mistifórios inerentes a processos eleitorais; em coisa de minutos resolvia-se o assunto e com uma isenção e limpeza imaculados. Já não falando nas probabilidades, à partida, rigorosamente iguais para todos os concorrentes, sem batotas nem falcatruas - no caso do Primeiro magistrado da nação, mesmo sem matilhas, bandos, récuas nem nenhumas dessas revoadas tão aviltantes do acto.
Agora, imaginando que na rifa saía um traste, um grandessíssimo traste. Obstar-me-ão: Não será isso, dada a elevada percentagem dos ditos cujos na população, um risco demasiado alto que, bem vistas as coisas, desaconselha o método?
É um facto que, em termos de densidade de filhos da puta por metro quadrado, o nosso país compete com as grandes potências do sector. Nessa contingência, a lei das probabilidades não perdoa e aponta, naturalmente, em caso de sorteio puro, para uma maior possibilidade de ocorrência dessas prendas.
Não obstante, um risco, por mais elevado que seja, nunca é tão mau e desolador quanto uma certeza absoluta, uma rotina que já bebe das leis inexoráveis da mecânica celeste. Através do sorteio, ainda haveriam algumas hipóteses, se bem que remotas, de nos sair na rifa alguém de jeito. Enquanto, por intermédio de sufrágio, como a experimentação exaustiva já nos ensinou, não restam nenhumas.
Sempre é preferível uma escolha aleatória, que uma escolha alienada. E, francamente, antes apostar na extracção da lotaria, que em políticos de baixa extracção.

Pois bem, viram? Pior: sentiram? Não seguiram o meu excelente conselho e o que é que aconteceu?
Levaram com o Cavaco a presidente e aquela coisa Sócrates a primeiro-ministro? Em simultâneo, para castigo, o vácuo e a calamidade.

sábado, abril 23, 2011

Auto de Feira



Há teses lindas. As teses, aliás, são como os contos de fadas. Quanto mais fantásticas e mirabolantes, mais encantadoras e maravilhosas. Um pouco como a indústria de efeitos especiais no cinema. Acontece que não existe isso da "democracia celestial", nem sequer uma democracia minimamente digna da própria teoria, por muito discutível que esta fosse. É escusado pois os anjinhos de coro virem aqui verberar o demónio dos infernos. O que existe, de facto, lamento muito mas não passa disso, são amontoados de esquemas (nem sequer sistemas dignos desse nome), onde o polifeudalismozinho oblíquo enxertado na estupidificação massificada impera, de cima a baixo, numa cascata que só não é cascata porque tudo se processa ao nível do borbulhar e fermentar do pântano. A putre-facção maior arvora-se nata e dita a seu bel-prazer.
O que existe, repito, não é o que se refina e alambica na república dos anjos de Santa Cona do Assobio. Não, cavalheiros e madamas, é aquilo que existe na realidade, processe-se e desfolhe-se esta nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na Escandinávia, ou até, pasme-se, por um qualquer milagre de osmose perversa, vulgo imitação saloia de barro das Caldas, em Portugal. E mais: não é ontem, nem anteontem, nem no dia de São Nunca à tarde - é hoje, agora... um agora que, à semelhança do Cronos mitológico, castrou o ontem e cisma de devorar o amanhã. É de Portugal que eu falo, aqui e agora, pois, desculpem lá os pensadores à boleia, é Portugal que me interessa sobremaneira (ainda não consegui alcandorar-me aos requintes sobrexcelsos do Logos Turisticus), é desta espécie retorcida de "democracia siciliana", pois é a que conheço bem. De fio a pavio. Por dentro e por fora. Até que, estupidamente, ajudei a defender no 25 de Novembro de 75, quando grande parte destes democratas encartados e vociferantes da hora presente, ou ainda mal girinavam nas bolsas paternas (ausentes, na época, para parte incerta), ou militavam, com similar algazarra, no lado oposto.
Mas este gentulho pugressista e cienciabundo, esta amálgama de minhocas de esquerda e direita com que se isca o papalvo, que já não acredita em contos de fadas nem mitologias, nem quaisquer outros contos do maravilhoso ou do mistério, acredita ainda, com um frenesim típico dos monomaníacos, em contos do vigário. Uma crendice, aliás, que só é superada pela ciganice grosseira, venal e furiosa com que os traficam e impingem. Não é regime: é negócio. E também não é apenas nódoa nem basta a benzina: é mentira, é crime. E requer prisão.

sexta-feira, abril 22, 2011

O Labirinto


Em Portugal, há excesso de função pública e um défice crescente, a desmesurar-se, de serviço público. O "funcionário", regra geral, não tem em mente servir o público, mas servir-se dele. E se isto se passa a jusante, a montante cumpre-se o exactíssimo reflexo no espelho: basta substituir a palavra "público" pela palavra "Estado".
Não julgo que seja um fenómeno exclusivo do nosso país. Toda uma Europa burocratizada vive este mal-estar intestino, este conflito nas vísceras entre "Função" e "Serviço", ou melhor dizendo, entre o verbo "funcionar" e o verbo "servir". Quer dizer, aumentam quotidianamente as realizações e reinvenções peregrinas que vão funcionando, mas diante das quais, o cidadão minimamente desperto se coloca uma interrogação inevitável: Para que é que isto serve?
É mesmo uma pergunta que assombra cada vez mais o nosso mundo. Destrambelhado mundo que, quanto mais se complica, se "moderniza" e reforma, mais absurdo parece. Como o labirinto, dentro do qual perdemos há muito toda a orientação e zanzamos dementes, irremediavelmente perdidos, sem memória da entrada nem, tão pouco, a mínima noção ou fé na saída. Escutando apenas, cada vez mais próximo, o resfolegar lúgubre da Besta que lá reina. Os gregos chamavam-lhe Minotauro. Nós havemos de chamar-lhe o quê?...
Porque quando o mundo deixa de ser construído para o homem, passa o homem a ser criado para o labirinto.

quinta-feira, abril 21, 2011

The Wachuku Way




Nova Iorque, 16 de Outubro de 1963...
«Procuro Jaja Wachuku, ministro dos Estrangeiros da Nigéria, no seu apartamento do Waldorf-Astoria. Está mais do que sumptuosamente instalado. (Eu, para poupar o dinheiro do Estado, e toda a delegação portuguesa, estamos em dignos mas modestos hotéis de terceira ordem; e tenho só um quarto, e sinto-me muito orgulhoso por isso, e não será por este facto que desempenho menos bem as funções; mas os ministros e delegados do terceiro mundo, esses vivem na magnificência.) Wachuku tem quarto, sala de jantar e salão privativos; e tudo do mais caro e luxuoso que o Waldorf possui.»

- Franco Nogueira, "Um Político Confessa-se"

Felizmente, a Revolução dos Cravos viria para libertar os Watchukus portugueses da opressão salazarista. A breve trecho, todos os Wachukus, africanos, asiáticos e europeus, poderiam reunir-se, para amenas cavaqueiras, em fraternas tertúlias, congressos ou banquetes, num plano de plena igualdade, digamos assim, estadeante. O sentido de estado, aliás, por todas as latitudes, daria lugar ao sentimento de estadão.
Claro que não há bela sem seninho. Não se podem fazer belas omoletes sem partir uns ovitos supérfluos. As dívidas soberanas astronómicas, as bancarrotas , a miséria dos povos avulsos e outras minudências que tais não passam disso mesmo. Acidentes de percurso. Porque o importante é que os Wachukus , "desmesuradamente obesos, se sentem nos sofás, nas poltronas, depois alastrem nos sofás, depois puxem com os pés uma cadeira, depois com um sapato tirem o outro e com o pé nu tirem o sapato que ficou, e depois coloquem os dois pés em cima da cadeira: até que fiquem quase deitados de mãos postas e dedos enclavinhados por cima das panças proeminentes. E assim falem..." falem de autodeterminação, de liberdade, de democracia, de progresso, de europa fraterna e incubadoura e nutriente de muitos Wachukuzinhos, por mil anos (no mínimo), felizes, repletos e ostefeitos até à eternidade.
Nos intervalos digestivos podem também ir escrevendo pequenos artículos dispépticos que comecem assim: "Europeísta convicto, desde os tempos ominosos do salazarismo"...

quarta-feira, abril 20, 2011

Soluções?

O resto decorrerá necessariamente disto:

1. Sair do Euro (nunca lá devíamos ter entrado)

2. Sair da união Europeia (idem).

terça-feira, abril 19, 2011

Doutor Estranho Alzheimer



- Diz, hoje, no DN, o Papá da Democracia.

Os Finlandeses, parece-me, não estão convencidos de coisa nenhuma. Estão apenas determinados a não pagar os vícios e os luxos dos outros, que é como quem diz, do dr. Mário Soares e amigos democratas, sejam eles do albergue do "socialismo democrático", sejam eles da hospedaria da "direita democrática". E não se percebe porque raio é que os finlandeses haveriam de entregar mais dinheiro a toda esta esponja. Equivaleria a dar heroína a um junkie. Se são nossos amigos, ou por nós nutrem qualquer resquício de respeito e caridade, por amor de Deus, não nos dêem (isto é, não lhes dêem em nosso nome), emprestem, ou por qualquer outro meio façam chegar às unhas, dinheiro nenhum!
Aliás, deixem que pergunte: foram os finlandeses que malbarataram as finanças públicas e deixaram Portugal na bancarrota? Foram eles que geriram, administraram, ministeriaram e governaram a nossa república nos últimos trinta anos? As fundações, os institutos, as parcerias, as obras públicas, as estradas, auto-estradas, rotundas, estádios, as expos, pontes, repontes e tripontes, etc, etc, etc, foram os Finlandeses? Os assessores, consultores, avençados, parecereiros e outros que tais, afinal, eram todos finlandeses?
E agora o FMI, mais o FMO e o FMU vão despejar dinheiro em cima de quem? Vão entregá-lo aos mesmos que já refundiram e esponjaram as bateladas anteriores?
Ah, e uma derradeira questão: "os mercados especulativos e as criminosas agências de rating" não podem destruir nações quase com nove séculos de história independente, porquê? Só o Doutor Mário Soares, amigos, compadres e vizinhos é que podem? Ilusão, a haver, é bestialmente sua. Afinal, verifica-se e consuma-se agora, andou a destruir a crédito. Foi tudo de empréstimo: as ideias e o resto. Foi de aluguer - renting, como está na moda dizer-se. Franchising, quiçá. Queixa-se então de quê, o paizinho da cegada? Deles virem receber a conta?
É o argumento final de Fausto: a Amnésia.

Entretanto, detrás da cortina escuta-se um riso escarninho: "a letra era a dele, mas o sangue é o vosso!...

sábado, abril 16, 2011

Fássismo nunca mais!




(...)
As viagens para locais turísticos no estrangeiro estão a vender bem, com um volume de vendas muito semelhante ao do ano passado. Os destinos de férias mais procurados para a Páscoa 2011 são Cancun e Punta Cana, no México, as Baleares e Cabo Verde.»

Pois, lá está, como não vivo a crédito, o que eu tenho é inveja.

PS: A procura superior do Algarve, por outro lado, não se deve à baixa de preços (como erroneamente induz o artigo), mas sim ao facto de os travel-junkies ainda não conseguirem viajar de automóvel até às Caraíbas.

Sem rei nem rota (rep)



Em tempo de naufrágio, cada qual agarra-se ao destroço flutuante que lhe bóia mais próximo e faz dele a sua jangada. Depois, a jangada torna-se a sua ilha. Dele e de quantos por lá se recolham, em desespero e refluxo. E, à medida que o seu número cresce, a ilha absorve o universo.

Ora, se o naufrágio dum navio constitui catástrofe de monta, o naufrágio duma nação e de todo o seu povo configura a tragédia completa. Em vários actos.

Porque o naufrágio dum país não se resume ao desmantelamento do navio pela tempestade e pelos recifes: prossegue depois na sucessiva destruição das jangadas, que vão devindo cada vez mais precárias e exíguas. Até que não reste mais que um mar de gente à deriva num mar de estilhas. O naufrágio duma nação torna-se assim, pior que a simples catástrofe, numa lenta agonia, num prolongado estertor, em suma, numa tragédia que nunca mais acaba.

A nau que Portugal foi, hoje já não é. Ao ritmo das marés e das luas, vão-se esfarelando as jangadas, vão-se irrisando as ilhas num coalho sórdido de arquipélagos chochos, vão-se engalfinhando e injuriando os náufragos, num rilhafoles pegado e sempreviçoso. Perdido o navio, qualquer armário velho serve, qualquer tabuado à deriva adquire contornos de embarcação. Juntem-se dois nadadores num destes batelões do acaso e logo um arvora ao capitão. E o outro ganha instantaneamente artes e cédulas de timoneiro.

Perdido o todo, perdida a noção de todo, de pertença e comunidade dum todo, as partes ficam entregues às suas contingências. E aos devaneios de pavilhão ou fantasias de boleia no primeira embarcação que passe. Sonham agora não já apenas com alguém que os salve, mas, sobretudo, e resumido, com alguém que os adopte.

O Que eu disse antes das Últimas Eleicinhas

I

"Não sei quem vai ganhar a velhacagem eleiçoeira que se avizinha. Não sei e, para ser franco, não me interessa. Mas sei, de certeza, quem vai perder. É o do costume: o país. Portugal, chamaram-lhe em tempos. Mais um prego no caixão e mais um certame de vermes.
Entre o Pinóquio e a Bruxa, o diabo não escolhe: patrocina."

II

"Sempre me fascinaram energúmenos que conseguem distinguir objectos, coisas, entidades ou instituições onde eu, por mais que aguce a lupa, não consigo detectar qualquer diferença. Rigorosamente nenhuma, sublinho. Por exemplo, há tipos que são capazes de comparecer perante mim, com a maior das seriedades, e proclamar-me um ror de destrinças monumentais entre o excremento e a bosta. Ou entre a porcaria e a trampa. Conseguem até ser prolixos, luxuriantes, não raras vezes feéricos, nos flagrantes delírios. Confesso que é gentinha que, ao mesmo tempo que me fascina, também me repugna, quando não me dá visceral asco. É quase instintivo. Mas tenho igualmente que conceder que talvez o defeito possa ser meu. Como só consigo ver bem ao longe, à distância, e tenho imensa dificuldade em ver ao perto, e ainda mais em rebolar-me e retouçar naquilo que, em perfeita sincronia, observo com grande minúcia científica, pode resultar daí a minha incapacidade para certas visões meticulosíssimas.
Embora, lá bem no fundo, eu saiba que o órgão dos sentidos a que eles recorrem para achar tão suculentas diferenças entre o PS e o PSD, digo entre a bosta e o esterco, até nem seja, calculo, o da visão, mas, com toda a certeza, o do paladar. Se repararmos bem, é uma distinção que eles trazem sempre na ponta de língua. Na ponta e na puta.
Impossível acompanhá-los nesse simpósio."

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Agora, apenas mais uma singela proposta: se teimam em não responsabilizar os eleitos, se estes imenso sacaram e nada pagam, então que responsabilizem e taxem severamente os eleitores. Vão aos cadernos, vejam quem votou e apliquem-lhes retroactivamente. E pela medida grande! Aos próximos, entretanto, já em Junho, nada de crédito antecipado: cobrem-lhes logo à boca da urna. Querem democracia? Paguem! Taxa de luxo.

(Segundo o Dicionário Shelltox Concise do Dragão):
Eleição s.f. - ratificação lorpa de ditadura a prazo; certame de vermes peregrinado por zombies, insectos e eunucos.

quarta-feira, abril 13, 2011

Entre o Umbigo e o Olho do Cu

Da nossa esquerda mascarada de esquerda já todos estamos fartos de conhecer e experimentar os efeitos, bem como o teor assaz fétido das acções. Operasse sozinha e há muito teria sido corrida a pontapés para a terra do Nunca Mais. O problema é que não opera. Tem a sua partenaire de plantão e serviço, simultaneamente seu garante, confidente e trampolim. Pois, a esquerda mascarada de direita. O palhacinho pobre do circo. Se pudéssemos contemplar isoladamente a esquerda mascarada de esquerda, dificilmente conteríamos o vómito, tal o asco que exala. Se pudéssemos fitá-la sem distracções, nem a mínima hesitação nos inibiria o escarro. Mas quando vamos para golfar, quando já armamos a lostra sonora e justiceira, eis que se nos depara a parelha fiel, a Sancha Pança da pseudo-quixota... E é o engasganço embaraçoso, a dúvida fatal: em qual vamos escarrar primeiro?
Dou um exemplo simples e integral. Escutem só este espécime eloquente e modelar. Atentem só nos primores do raciocínio, na finura da análise...



- Eu explico: a Coisa Lomba queixa-se amargamente da Coisa Sócrates. Ter-lhe-á confiscado a democracia. A ela e aos amigos dela (a não ser que se trate do "nós majestático"), porque tal luxo nunca chegou ao dente da generalidade da lusa plebe. Ficamos, logo à partida, sem perceber muito bem se está a denegrir ou a promover o outro. Mas, de enfiada, a coisa adensa e agrava:

2. (Premissa menor, idem) «E com que liberdade iremos votar em Junho senão para selar um destino já traçado? Sócrates estragou-nos o passado e o futuro.»

A Coisa Lomba, mais os amigos, estão sem democracia e sem liberdade para exercer o voto. A Coisa Sócrates, ao que parece, arruinou-lhes o passado e o futuro. Ambos, pelos vistos, eram a crédito. Como por alturas da catástrofe trágica, o destino abate-se em toda a sua potestade e engrenagem. A nós que assistimos, segundo Aristóteles, compete-nos o terror e a piedade. Desponta a catarse? Não, nada disso. Tiremos o cavalinho da chuva. Afinal, nem sequer é de teatro que se trata: é apenas circo. Funambulice básica. Qual catarse, qual carapuça: é a pirueta, acompanhada de auto-tarte na tromba. Ora, oiçam:


Como disse?????... Será que ouvimos bem? A democracia foi confiscada e sequestrada para parte incerta, a liberdade evaporou-se, o destino tenebroso está traçado, o voto resume-se doravante à ratificação de factores externos (olha a novidade) e o corolário lógico que a Coisa Lomba extrai disto tudo é que, afinal, "estas eleições são decisivas"? Então, se perderam (a Coisa Lomba e as coisas amigas dela) todo o poder de escolha e decisão, mais a soberania financeira e a virgindade anal, como é que vão decidir o que quer que seja? Isto é badalhoquice lógica das mais bacocas, ó lastimáveis coisinhas. Propaganda abaixo de táxi, ao nível de bancada de estádio da bola.
Para fazer dos outros parvos ou estúpidos convém o cuidado (ou higiene) mínimos de - nem direi ser, mas pelo menos parecer - menos estúpido que eles. Desmesurada tarefa que, claramente, esta Coisa Lomba não alcança. No afã de cobrir a Coisa Sócrates, descobre-se a si em todo o seu esplendor maltrapilho. Mas não é esse o papel do palhacinho pobre na farsa? Não é, pelo seu constante desastre e metódico disparate, promover o palhação rico?
Entendamo-nos. Tivesse a Coisa Sócrates arruinado apenas o futuro, confiscado a democracia e esterilizado para todo o sempre o voto, o arbítrio e o crédito à Coisa Lomba, mai-los respectivos amigos e coespécimes, e eu seria o primeiro o congratulá-lo e a enviar-lhe muitos parabéns. Mandar-lhe-ia até um postal de Boas-Festas acompanhado de diploma de Valor e Mérito. O caso, todavia, é que bem mais que o futuro de medíocres, bacocos e papagaios (que na verdade jamais periga e está sempre salvaguardado), o Nada Excelentíssimo Primeiro-Ministro demissionário arruinou e estampou definitivamente o futuro próximo das pessoas deste país. Das pessoas genuínas e reais deste desgraçado rincão. Afinal, há sempre aqueles que pagam caro todo o esbanjamento sumptuoso dos Fala-baratos! E isso é que não é branqueável. Nem pessoalizável numa única Coisa expiatória, à qual toda uma montanha de trampa infestante, toda ela a escorrer democracia da cloaca para fora, se pretende agora, à pressa e atabalhoadamente, limpar.
Ah, mas tranquilizemo-nos. Porque para resolver o caos e a bancarrota que uma diarreia parola e ininterrupta de não sei quantos actos eleitorais forjou e despejou no mundo, vamos fazer o quê? Vamos pagar, atamancar e penar mais eleições. Medido, alfaiatado e acamado no caixão, o país vai onde? Vai às urnas. Os envenenadores, travestidos de carpideiras e coveiros, vão a que sítio? À barra do tribunal, como lhes competia? Não, vão a votos. Depois de tratarem do funeral, candidatam-se a quê - à exumação do cadáver? Aos direitos exclusivos na venda do esqueleto para faculdades de medicina internacionais?
Valha-nos ao menos a utilidade das eleições para a Coisa Lomba e respectivas coisas suas amigas, pois, conforme garante e apregoa, mostrarão o que valem e até onde vai a sua aprendizagem e discernimento. Se bem que me parece o dispêndio de um balúrdio, ainda por cima de dinheiros públicos inexistentes, para descobrirem uma coisa tão óbvia e simples que até eu, mesmo sem os dotes divinatórios do professor Marcelo ou de mestre Bambo, lhes posso revelar de graça: não valem grande merda; e quanto à aprendizagem e ao discernimento, pior um pouco, já que vulgarmente oscilam e ricocheteiam entre o deslumbramento e a vertigem. Estilo "entre Cila e Caribdis"? Não, em bom rigor é mais "entre o umbigo e o olho do cu". Ou não fosse esse campo deselísio a pastagem predilecta de todo o bom ruminante púbico, retirando o discernimento do orifício de cima e a aprendizagem do buraco de baixo. Ou o inverso. Ninguém distingue. Macacus mutantis, se preferirdes.
Mas torno ao essencial: o preço duma fortuna para coisa tão pouca, tão rasca... Digam lá que isto não se tornou um antro de patos bravos e dissipadores compulsivos!... Um antro? Um paraíso, melhor dizendo.

PS: O trecho citado. como puderam comprovar, foi retirado do blogue Portugal dos Pequeninos, onde tive oportunidade de me aperceber da pérola. O meu agradecimento ao autor (do referido blogue) pelo fornecimento da preciosidade.

segunda-feira, abril 11, 2011

Tapete e catapulta

Não vejo onde resida o escândalo com mais esta migração do fulano Nobre. O tipo já cirandara no BE, flanara recentemente pelas orlas do geronto-PS, agora poisou no PSD. Incoerência? Contradição? Salta-poçismo? Ah, mas nem por sombras! Em tempo ou modo algum!... Pelo contrário, o homem escorre clarividência, constância e pertinácia por todos os poros. Presta até um real e solene serviço à oftalmologia das massas (vão, é certo, mas todavia meritório, digno de louvor). Ou não se constituísse, em pessoa, prova acabada e vivida de como, na verdade, entre a esquerda mascarada de esquerda e a esquerda mascarada de direita não existe, fora o papel e as fitas do embrulho, efectiva diferença na matéria. Há mais de dois mil anos que se sabe e se estabeleceu, sem margem para dúvida, que a definição duma coisa decorre da sua essência. Ora, nesta, o Nobre candidato, que não é chouriço nenhum, muito menos salsicha ou morcela, em nada transgride ou contende. Para ele é igual: trotinetar no BE, no PS, no PSD, ou até no PC ou no PP, vai dar ao mesmo. porque, na realidade, assim é. Quer dizer, é irrelevante. Tanto faz. Maior honestidade, será difícil.
Desonestos, vis, vigaristas e troca-tintas, real e refinadamente, são aqueles que armam tenda e escarcéu permanente, pretendendo fazer crer ao papalvo, ao touguinho e ao incauto que existe uma diferença do caraças entre a esquerda mascarada de esquerda e a esquerda mascarada de direita, que as eleições permitem um leque de escolhas ou alternativa fundamentais para o futuro desta terra lançada aos bichos e às bichas, que a democracia vai mais uma vez experimentar um dos seu cruciais frémitos orgásticos (donde decorrerá mais uma gravidez fantástica), ou que basta trocar a besta do Sócrates por outra cavalgadura qualquer para a carroça, finalmente, agora sim, aleluia, sob a tutela não sei de que fantasia lorpa, exógena e atesticulada, entrar nos eixos. Sim, digo, repito, sublinho e negrito: desonestos, escarépios, safardanas e velhacos são esses! Tartufos dos quatro costados! Traficantes da banha da cobra! Ciganos da contrafacção industrial!
O doutor Nobre? Ah, grande homem! Revelador peregrino! Demonstrador público! Bem haja, ó benemérita criatura! Passou do BE ao PSD, mas, ao menos, ainda fez paragem, pausa e transbordo pelo meio. Ainda gastou o seu tempo, de meses e anos, com a viagem. Não fez como outros, baluartes mais ou menos atoucinhados da matilha gaiteira, gurus encartados do caravançará dos trampolineiros que, numa única e singela noite, saltaram da Extrema-esquerda para o PSD ( e deste sabe Deus para onde), ou seja, deitaram-se ao crepúsculo na esquerda disfarçada de esquerda e acordaram pela manhã na esquerda mascarada de direita. Assim mesmo, mais que de jacto, de jecto. Querem agora snobar e menoscabar o Nobre, só por ter chegado de comboio, todos esses viajantes (e transumantes voláteis) do tapete e catapulta?

PS: Não preciso de citar nomes, pois não?...

sábado, abril 09, 2011

A Heterocracia aos molhos

Como eu aqui venho expondo, plácida e baldadamente, ao longo dos anos, Portugal tem estado sem governo nos últimos decénios. Isto não significa nenhum atestado de excelência àquele conjunto de pessoas que governava o país antes do 25 de Abril. Significa apenas que aqueles que faziam oposição ao regime, a partir de 1974, transferiram-se para a Oposição ao país. Isto é, depois de derrubarem o regime, aproveitaram a embalagem, e trataram de derrubar o país. Era o que sabiam fazer: oposição. Foi o que continuaram a fazer, afincada e fervorosamente. Desbancado o governo que não permitia oposição, a oposição, ressacada e recalcada de mais de meio século de jejum, tratou de engendrar e instalar um regime de absoluta ausência de governo. De exclusiva e furiosa oposição. Onde as várias oposições respiram e acordam todas as manhãs para se oporem - umas às outras, por principio, e todas juntas ao país, por fim. Bem como a qualquer hipótese, ainda que remota e fantástica, de governo. No mínimo, depreende-se da dinâmica intrínseca desta gente, para compensar de cinquenta anos sem oposição, o país deverá penar cem anos sem governo.
Do mesmo modo, assim como a última forma de governo que o país experimentou se pautava por uma autocracia, esta substituta forma de desgoverno rege-se por uma heterocracia. Significa isto que assim como antes a responsabilidade pelo governo era dum só, agora essa mesma responsabilidade é de vários, terceiros, incertos, ou seja, dos outros, sempre os outros. Cada Oposição ao País (vulgo Desgoverno eleito) descarta-se e limpa-se, assim, na oposição precedente, o que esta, por seu turno, uma vez alcandorada ao poleiro, tratará de imitar na perfeição. Resulta disto que, distribuída a responsabilidade por terceiros, a responsabilidade acaba por nunca ser de ninguém. É claro que, como no momento actual, a Oposição-ao-País culpa a Oposição-ao-Governo e a Oposição-ao-Governo culpa a Oposição-ao-País, mas, daqui a dois meses lá vai tudo a eleicinhas e tudo decorrerá, então, na santa paz dos enterros, como se nada de (anor)mal tivesse acontecido. Até porque, como todos sabemos, não aconteceu. No fundo a Oposição fez o que sabia, lhe competia e em que está viciada: opôs-se. A tudo o que mexia ou tentava mexer-se ( a não ser, honra lhes seja feita, esses excepcionais que se puseram a mexer daqui para fora). No restante, cumpre-se a sina e o fado inerentes a um regime de alterne e alternadeiras, cuja única séria e genuína alternativa, enquanto não chega a vassoura da história, é, por alturas da pífia e manhosa urnoscopia, pura e simplesmente, nem meter lá os pés. Nenhum indivíduo está em condições de amar a pátria, se antes disso não começar por desenvolver amor pelas suas próprias vértebras.

quarta-feira, abril 06, 2011

O Fundo da Questão ou a Questão do Fundo

Ao fim de três ou quatro anos, estavam a ir ao Fundo Monetário Internacional. Depois, foram os Fundos de Coesão Europeia. Agora é outra vez o Fundo das Não sei Quantas Europeu + o Fundo Monetário Internacional novamente. Gostaram tanto, que já estão a pedir bis. Tudo isto para significar o quê? Olha, que afinal, o grande desígnio nacinhal dos amanhãs canoros não era os três Dês (Descolonização, Democracia e Desenvolvimento). Na verdade, era uma letrinha apenas: o F. De Fundo. De Portugal a ir ao Fundo. E também de Foda-se - dum grande e repenicado Foda-se! Mas esse é só o mero corolário do anterior.

Estou em crer que esta necessidade obsessiva de Fundo se deve à completa ausência deste, tanto na goela, como no bandulho, como na veracidade de toda esta gentalha que, ao longo destes quase quarenta anos, nos vem (des)governando. E atirando ao Fundo.

domingo, abril 03, 2011

Psicoclismo

De Twain, um escritor muito cá das minhas simpatias, deixo quatro pensamentos que me parecem ajustados ao nosso momento actual, mai-la sua corte de circunstâncias quase sempre a raiar o anedótico:

I. Nada precisa tanto de reforma como os hábitos dos outros.

II. Tudo o que é preciso na vida é ignorância e confiança; depois, o sucesso está garantido.

III. (Nunca esqueças) um banqueiro é um homem que te empresta o chapéu de chuva quando faz sol e que to tira quando começa a chover.

IV. A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau.


E mais um, de bónus:
- «Algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer.»

Crise, qual crise?




A demissão do actual governo não é, em bom rigor, um caso de política, como se pretende fazer crer: é um caso de polícia. Mas não apenas do actual - o precedente, mais o precedente do precedente, a somar ao seu antecessor e a culminar, em retroactivo, ao Kavaquistão (já para não falar nos anteriores) - todos eles foram casos de polícia. O estado actual das contas públicas atesta-o soberanamente. O estado actual do património nacional revela-o às escâncaras. O estado actual comatoso do ex-Estado português brada-o aos quatro ventos!
Aliás, nem caso, nem crise - política? Rigorosamente nenhuma. Apenas de polícia.
Aliás, os putativos políticos outra coisa não fazem, nem têm feito ao longo destes anos, que convocar a polícia. Esta, porém, assim como a política genuína, séria, consequente, não se avista nem comparece. A nossa desgraça, por isso germina e floresce dessa dupla ausência: de política e de polícia. Tanto quanto do excesso galopante, triunfante e imperador dos seus contrários. Se apenas nos faltasse a política, mas nos acudisse a polícia, ao menos ainda haveria esperança. Ou se nos desfalcasse a polícia, mas nos valesse a política, sempre se poderia emendar o desfalque. Mas assim não. Sem política nem polícia, penamos sem esperança nem emenda. Sem política nem polícia, ficamos à mercê da contrafacção mixordeira de ambas, reféns sob inapelável sequestro do capricho, do apetite, em suma, da venalidade aleivosa de falsos políticos e falsos polícias. Falsos políticos que não nos representam por inteiro, mas apenas nos nossos defeitos e desqualificações; que não nos estimulam para nada, a não ser naquilo que temos de mais baixo e desprezível; que não nos guiam a lado nenhum, a não ser no caminho para o estrangeiro, para a servidão e para a penúria. Falsos polícias que não nos defendem, nem protegem; que não guardam nem investigam. Mas apenas defendem, e protegem, e guardam pretorianamente a falsa política. Mas apenas acolitam à missa negra onde o erário e a fazenda pública são imolados, sem dó nem piedade, aos ídolos tenebrosos da situação. Mas apenas zelam pela tranquilidade do latrocínio instituído e pela segurança comilona do cancro transplantado. Da falsa democracia, da falsa política e da falsa administração, que não servem à polis nem aos seus cidadãos, mas apenas se servem - abusiva e ferozmente - deles. Donde resulta um estado hipertrofiado e autofágico que devora o país; administrações burgessas e africanizadas que se locupletam e refastelam nas empresas; militares castrados e obedientes com mais amor à promoção do que à Pátria; e uma miríade de palradores, mais ou menos escritos, publicados e embrulhados, desatados e untados numa vaselina multiusos de importação, para lubrificar o mega-supositório (mais ou menos instantâneo, mais ou menos recorrente) com que se auto-empalam e, simultaneamente, com o maior escarcéu e espavento possíveis, se expõem à curiosidade pública e à estupefacção do incauto. Afinal, nada como o enxame da falsa informação para nos atestar dos poderes estupefacientes da contrafacção.
Em resumo, não nos promove nem melhora a falsa política: esbulha-nos, desanima-nos e confisca-nos sòmente;. Como não nos defende a falsa polícia: vigia-nos e ameaça-nos apenas. Não sendo política, de todo, a crise, é, sobretudo e até mais que moral, existencial. A questão íntima que se coloca doravante a Portugal, depois da abdicação forçada de império, é saber se se resigna a esta Liliput rilhafolesca em que pretendem interná-lo.
Seremos, infelizmente, tudo isto que nos torpedeia, intoxica e auto-mutila; mas não somos apenas isto. Nem podemos consentir que nos reduzam a tal. Sob pena de mais valer um maremoto ou super-furacão que nos varra duma vez por todas da face do planeta. Sempre era mais digno e meritório ser varrido pelo Mãe Natureza do que por uma chusma coleoptérica e concertada de burocratas, moços de frete, macacos de imitação e parasitas profissionais. Disse.