sexta-feira, junho 29, 2012

A Europa do cuspo explicada aos gastrópodes

Pimenta no cu dos portugueses é refresco; mas no orifício anal dos espanhóis ou dos italianos (ou dos...) é uma comichão muito séria, uma irritação gravíssima e merecedora dos mais delicados cuidados e massagens..

Agora, imaginem dois simples fenómenos mirabolantes: 1. Que os portugueses, juntamente com um resquício de dignidade, dispunham de coluna vertebral; 2. Que os mesmos sujeitos  eram servidos por um governo digno desse nome.

quinta-feira, junho 28, 2012

De simplex exorciborus (Ou, por falar em Lisboa e Lisboetas)


O caso resume-se em duas palavras: a sopeira do Dino tomou o freio nos dentes. O Dragão, que é um cínico, comentou: "Bem, antes o freio que o prepúcio; se fosse o prepúcio é que era uma chatice". Não sei quem é o tal "Prepúço", mas não achei piada à falta de solidariedade do Cospe-lume, pelo que estrilhei: " Dasse ó Dragão, se fosse a tua sopeira que desatasse numa sorna daquelas, agarrada às telenovelas, às "Marias" e às "caras" que só visto e a não querer fazer nenhum, aposto que não te punhas com essas altamijices! Em vez de te preocupares com o Dino, que além de meu secretário-técnico é teu amigo, interessas-te é pelo tal papuço, ou acúrcio, ou lá como se intima o fulano!..."
Aqui o gajo ainda me rosnou que o dito Púcio andava envolvido com uma tal Glande, mas eu já não lhe liguei nenhuma (tristeza do camandro, agora a cuscar a vida dos outros) e fui, mais o Dino, à procura do Padre Inocêncio para ver se vinha dar um jeito na possessa. Ao princípio, foi um bocado difícil convencê-lo da urgência da coisa. Cercado por um bando de beatas vestidas de corvos agoirentos, desplanteava-se a torto e a direito: que varrer telenovelas não era grave, mais grave e digno de exorcismo eram certas pessoas que passavam a vida a varrer galdérias e mulheres do alheio; que vampirizar revistas da tanga também não era alarmante, mais digno de emergência médica eram certos gabirus que até vampirizavam ácido das baterias à falta de aguardente ou trotil amedronhado; e outros remoques que tais visivelmente endereçados aqui ao Engenheiro. Eu até estava quase a dizer ao Dino: "Anda-te embora, ó Dino, que o prior só descumbersa!" Mas aí o Dino teve a feliz lembrança de murmurar que a desvairada agora até gastava as tardes metida em comícios da IURD e os sábados a escutar pastores evangélios em Campolide, pelo que o das hóstias lá se tocou, despachou as beatas, pegou na bíblia, numa série de cachecóis do clube dele e veio ver o que se podia fazer pela rês em perigo. "Má rês, avisei-o eu. Olhe que aquilo, da maneira que está, só lá vai com uma boas bordoadas". Donde recomendei que, na qualidade de pastor justiceiro, não esquecesse o cajado. Mas o gajo olhou-me de través e nem me respondeu. Nitidamente, não vai à bola comigo. Nem nitidamente nem aos domingos.
Chegados a casa do Dino, lá deparámos com a mal-parida, a ouvir o canal da IURD no rádio, de "maria" nas unhas e escarrapachada nos seguintes propósitos (até tirámos a fotografia que se segue para prova futura):

* (Imagem prudentemente censurada por passível de causar danos irreparáveis na mente delicada dos leitores mais sensíveis)



Estremecemos todos de horror. O prior benzeu-se. Pela casa inteira, o pó e a sujidade amontoavam-se (amontoavam-se é pouco, que aquilo já formava cordilheiras); a desarrumação era geral; na cozinha, um monte de loiça suja levedava monstros e já invadia a sala; da casa de banho tresandavam cheiros que nos davam saudades duma boa sargeta de beco; um monte de roupa por passar apinhava-se a um canto; cascas de amendoins e tremoços, caixas vazias de bombons e rebuçados cobriam a carpete e as alcatifas; uma ratazana flanava, embevecida e em visível estado de graça.
Desmoralizado, o Dino choramingava no ombro do religioso, depositando nele as suas últimas esperanças.
O Delegado Divino reconheceu finalmente que havia ali obra do Diabo e decidiu meter mãos à obra. Eu bem lhe dizia "Olhe que isto só com as mãos não chega, tem que chegar-lhe também com um belo cacete!", mas o homem de Deus teimava com os seus ritmos tradicionais. Começou por ler-lhe uns versos numa língua estranha - gambosinês ou chatim, se me perguntassem - atirando-lhe ao mesmo tempo uns borrifos de água benta - tudo isto aperaltado nos cachecóis do clube dele (suspeito que é da Sanjoanense). Sussurrei ao Dino: "Está a borrifá-la, queres ver que a vai passar a ferro... Por mim, dava-lhe era c'o ferro na cabeça!...)
A megerona, claro está, borrifou-se para os borrifos. Bocejou que nem um hipopótamo, desligou o rádio e, de controlo remoto à ilharga, ligou a TVI. Melhor fora que tivesse vomitado verduras. Desatou a mamar telenovela à força toda. Ela e nós também, desgraçados e fodidos da vida, que o volume ia alto e já nem a declamação do padre se ouvia. O pastor desesperava e tentava obstar com o cordofone vocal aos transistores endemoinhados do telesgoto. Fraca contrapartida. Já quase a ficar afónico e roucafenho de tanto bravejar, ainda experimentou certas paisagens e perlicoques da Bíblia. O livralhão era grande e pesado. Maciço. Impunha respeito e via-se que fatigava os braços. "Faria melhor se lhe afiambrasse com o calhamaço na cornadura! Um calhamaço só la vai à calhamaçada!...", ainda pensei. E provavelmente estava cheio de razão. Porque daí a nada, o padre ficava mesmo sem pio nem pilhas, com o cordofone todo esbodegado. Vermelho que nem tomate ou quase da cor das camisolas do Glorioso por via do gritanço e da berraria (o que, reparei, destoava do cachecol), agora já só grasnava e grulhava em tom cada vez mais arfangélico. Foi nesse tom barítunante e a suar em bica, que comunicou ao Dino ser o caso mais grave do que ele pensava, pelo que tinha que ir comprar pastilhas prá garganta e falamentar com o bispo a fim de pedir reforços. Meu dito, meu feito: desandou porta fora, rua abaixo, todo derreado dos fagotes e da fézada. E deixou-nos entregues à bichareza - o paquiderme, os ratos, as aranhas, o varejeirame e as baratas. Já não falando no monstro alimalgémio que estava a fermentar, todo pimpão, no monturo rastejante da loiça suja que espreitava da cozinha..
O Dino, coitado e resignado, já se dispunha à retirada estragética, quando me lembrei dumas quantas astúcias e artiminhas. Não é por acaso que me chamam o Einstó da Graça, embora na Moraria me conheçam mais pelo Arquimetes de Alfama.
"Ouve lá, ó Dino... -disse-lhe eu. - Tens ai um monte de alfarrádios, ainda mais do que o Dragão, porque não experimentas ler-lhe outras partes erudóides? Não foi lá com a Bíblia, pode ser que vá, por exemplo, com aquele gajo muita esquisito, o Manuel do Canto - aquele, ó Dino, o da Crítica da Razão Puta!... Experimenta, meu velho, não perdes nada. Já que 'tamos co'a mão na massa..."
"Olha, boa ideia, Caguinchas, caro Engenheiro. Não foi com religião, a bruxa, pode ser que vá com filosofia!...", animou-se ainda ele.
Um ror de filosofia depois, a gajorra não tinha ido. Nem ido nem vindo, nem coisa nenhuma. Vaca do carulho, continuava no mesmo sítio, a pedir uma grua ou um monta-cargas dos valentes que a removessem dali para o abate. O Dino experimentou ainda o Vitoganso Toino, Camões, o Bocage, alguns manuais de alvenaria, o borda d'Àgua, o Tintin na Patagónia, enfim, livros e mais livros, de todos os talhos, feiçalhos, matérias e patérias, esótécnicos e tudo, mas o estafermo lá continuava todo rainhoso e mastodono.
O Dino lastimava-se e assumia a derrota. "Já experimentei tudo, - carpia - filosofia, poesia, teatro, ciências, astrologia, psicologia, agro-pecuária, ocultismo, e nada. Acho que desisto. Tem as banhas dum hipopótamo e a couraça dum pangolim!..."
Reparei então num letrotério que ele tinha em cima da secretária, com uma capa a lembrar crocodilos. "Ainda não experimentaste este, ó Dino!", alertei-o. "É o livro do Dragão", actualizou-me. "Ofereceu-mo no Páscoa e ainda nem o li." E de facto era o que lá dizia na embalagem "À Queima-Roupa", César Augusto Dragão.
"Oh pá, experimenta ler-lhe umas páginas" - sugeri. "Se bem o conheço, o Guarda-princesas, deve ter gatafunhado para aí umas receitas tais, que a gaja mal oiça duas ou três dá-lhe o fogo no rabo em três tempos e desopila em passo de corrida!... O sacana escreve coisas que não só não lembram ao diabo como o põem a fugir a sete pés!...Ao diabo e a qualquer ser vivo... e mesmo as pedras, os grandiosos calhaus, não sei não..."
Numa última tentativa, o Dino lá principiou -isto é, piou que nem um príncipe - na leitura das pilérias e grupos do Labaredas.
Para nosso grande espanto, ao fim de dois ou três capítulos, operara-se uma espantosa e assombrosa transformação. Como naquelas histórias em que o sapo dá lugar ao príncipe, aqui a sopeira elefantosa metamorflausinou-se em algo que, para que não me chamem mentiroso, registei - em flagrante deleito - na fotografia que se segue:


Em menos de nada, com um dinamismo digno duma fada, desatou a deixar a casa num brinco. Até dava gosto vê-la. A passar a ferro, então, era um mimo...



Por fim, lida a obra, a moçoila apetitosa, agora uma profissional de mão-cheia, verdadeira fada do lar, concluíra também as tarefas domésticas. E predispôs-se às espirituais, ou mais bravias, por assim dizer. Realmente, colocada ordem na casa, só faltava colocar ordem nas ideias que descarrilavam desordenadamente em duas cabeças. Ambas minhas, esclareço, a de cima e a de baixo. Já que o Dino, felizmente, fruto da idade, da leitura monocórnica e embalado no suave milagre que lhe salvara o lar, adormecera que nem um santo. Bendita hora!



Porque, graças a Deus, eu de santo não tenho nada. E ela de postiço também não tinha.


Emgenheiro Ildefonso Caguinchas


PS: Além disto, acho que o livro também é bom para desentupir canos. Lêem-se-lhes duas páginas e é vê-los correr em beleza.

quarta-feira, junho 27, 2012

Portugal-Itália


«Merkel e Rajoy já têm lugar marcado para a final»...


Se houver alguma justiça no mundo - e um resquício de sentido de humor entre os deuses . a final será entre Portugal e a Itália. Só para merecido desprazer da vacarrona e apropriada punição do javardolas.
Que a Itália, como de costume, tosquie os germanicoisos, parece-me líquido e pacífico. Que os nossos sovem os castelhudos como lhes compete e está predestinado depende do espírito com que entrarem em campo. Que D. Nuno os guie e S.Jorge os abençoe!...
Afinal, Aljubarrota é sempre que um português quiser!...

terça-feira, junho 26, 2012

Psicopatologia dos desertos




Existem duas espécies principais de árabes: os árabes com a mania que não são árabes porque odeiam árabes: e os árabes com a mania que não são judeus porque odeiam judeus. No fundo, os árabes, colectivamente falando, são por natureza e essência esquizofrénicos. 
Quando, diariamente, assistimos a casos de bombistas suicidas somos induzidos num erro muito frequente: o de achar que se trata duma perversão da cultura árabe. Não é perversão nenhuma: é refinamento. É destilação ao nível da célula daquilo que constitui a pulsão dominante do todo - o impulso suicidário. 
O contributo dos árabes para que o mundo não caia na pasmaceira é relevante. Mas o galope crescente e frenético com que se dirigem à auto-destruição recomenda alguma prudência da nossa parte. É que nas suas mitomanias típicas e atávicas o suicídio deles - melhor dizendo, da sua dupla personalidade - coincide geralmente com o apocalipse do mundo inteiro. Por força (de mania), os doidos são como os bêbados: nunca querem desgraçar-se sozinhos.

PS: O islamismo terrorista e o sionismo genocida são apenas duas faces do mesmo fundamentalismo. Do mesmo desejo colectivo de morte.

PSS: Não sendo eu um determinista biológico, tenho, não obstante, que aceitar alguma influência da geografia no carácter dos povos. Ora, assim como a monotonia da paisagem causa nos nossos alentejanos o indície superlativo de suicídios que se lhes reconhece, a ausênciia milenar de paisagem provoca nos pobres árabes todo este descalabro auto-destrutivo que, ao longo dos tempos, vamos, entre divertidos e perplexos, testemunhando.

domingo, junho 24, 2012

Espanha, essa nhanha

O que é que devemos atirar a um espanhol que se esteja a afogar?
-.O resto da família.

Estas piadas sobre espanhóis são tanto mais engraçadas quanto "espanhol" é coisa que nem sequer existe. Quando dizemos "espanhol" subentendemos "castelhano". Os galegos, os bascos, os catalães e os andaluzes gostam quase tanto deles  como nós. Como nós, fora as elites, bem entendido. Essas, de resto, outra ocupação não exercem que  perpetuar a ocupação filipina.

Por regra, futebol não é questão que me ocupe. Mas como pretexto é tão bom como outro qualquer. Para bater nesses filhos da puta. E só num país onde viceja e infesta uma prole imensa da mesma mãe é que  pode ter-se implantado o conceito catita de "país irmão".  Nustros hermanos, o caralho! Vossos, não sei; meus é que não!

PS: Aliás, esta coisa da dissolução das fronteiras jamais funcionaria (como funciona) sob justificação dum qualquer benefício futuro (todos sabemos onde conduzem essas cenouras do amanhã): Não, tinha que  forçosamente acontecer sob circunstância concreta de qualquer condição prévia e bem presente. Quer dizer, nunca é por qualquer coisa que há-de existir: é sempre por algo que já existe e prolifera a bom galope. A filha-da-putice, nem mais. Foi com essa cola que quiseram engendrar esta "Europa" da tanga. Que, etimologicamente, a bem do rigor, antes devia chamar-se "cacoropa".


sábado, junho 23, 2012

quinta-feira, junho 21, 2012

Da aleivosia ao ridículo

As pessoas são todas muito evoluídas, muito modernas, muito sofisticadas, muito científicas e coiso e tal, mas depois, na hora de abordarem e operarem conceitos concretos, lá resvalam elas, cafrealmente, para o mais atroz dos fetichismos. Muitas vezes, numa verdadeira mescla  ruidosa de coro de papagaios com metafísicos de bidé. A cegarrega da Democracia é disso claro exemplo. Não há cão nem gato que não proclame o palavrão democracia como se duma deusa inefável cósmica se tratasse, um pouco à laia da "santíssima raizon" dos tomba-bastilhas de 79. Ninguém se meta com a nossa deusa, que representa não só o fim da história, como o fim da política, da ética e a moldura final da filosofia.
Quando na verdade não existe democracia nenhuma. O que existe são democracias. A democracia em Inglaterra, a democracia na Escandinábia, a democracia made in USA, a democracia na Venezuela, em Angola e agora até na Líbia. E todas estas democracias funcionam não segundo princípios ou regras (que é coisa que aquilo não tem nem nunca teve) mas conforme - e estritamente - a latitude e longitude do arraial. Quer dizer, nem sequer é a ideologia que superintende ao fenómeno: é a geografia, pura e simples. É a mera posição no mapa da horda paciente. Instalar a democracia significa, assim, isso mesmo: dissolver qualquer tipo ou qualidade de ordem (por muito má que seja) a troco duma mera posição geográfica.
Mas vamos àquela que que nos flagela.
Ora, o que descreve a democracia portuguesa é o regime de alternância malfazeja entre duas associações de malfeitores, sem qualquer respeito, pudor ou empatia com o povo que é suposto representarem. No estado presente assiste-se mesmo a zénites de estupidez do estilo os que simulam oposição acusarem os que simulam governo de não estarem a fazer nada para combater o desemprego. Ora, isto é duma imbecilidade confrangedora. Se eles estão ocupadíssimos a criar e fomentar desemprego com quanto força e fé têm, como se lhes pode exigir o contrário? Quer dizer, se há-de , a tal putativa oposição, acusar liminarmente o desgoverno da república de estar a criar desemprego de empreitada, não, acusam-nos de não fazerem nada para combater o desemprego. Porra,  é como chegar junto dum centro de extermínio e acusar a administração de não estar a fazer nada para salvar as pessoas. Noção de vergonha já sabíamos que não tinham. Nenhuma. Mas afinal nem de ridículo.

domingo, junho 17, 2012

Multidões e massas


«Assim, não é com argumentos racionais que se sublevam as multidões. Por meio de crenças, elas serão sempre dominadas. Bastante poderosa para lutar contra a natureza e escravisá-la algumas vezes, a razão não possui a força suficiente para edificar crenças ou triunfar delas.
Destruidoras algumas vezes, frequentemente criadoras, irresistíveis sempre, as crenças constituem as mais formidáveis forças da história, os verdadeiros sustentáculos das civilizações. Os povos jamais sobreviveram muito tempo à morte dos seus deuses.»

. Gustave Le Bon, in "As opiniões e as Crenças"


É justo considerar a crença como um dos mais importantes geradores da força motriz das multidões. Mas convém nunca menosprezar a aleivosia. Vou mesmo mais longe: quando a multidão, a partir do século XX, se converte em massa, a primeira cede quase todo o empreendimento à segunda.

quinta-feira, junho 14, 2012

Todos os ruídos são iguais, mas...

«O espírito propõe; o dinheiro dispõe.»
- Oswald Spengler

Spengler, sustentava, com imensa lucidez, que, bem mais que exigir liberdade de imprensa, as pessoas deviam passar a reclamar a liberdade contra a imprensa. Isto porque, não sendo a democracia liberal mais que uma maquilhagem da plutocracia, é invariavelmente ao poder do dinheiro que a imprensa obedece. E, hoje em dia, todos estamos mais que estafados e exaustos de saber que é assim. Por conseguinte, mesmo que os ruídos sejam todos iguais, há sempre uns mais iguais que outros. Dito por outras palavras: embora todos os ruídos sejam semelhantes quanto à ausência de princípios e à inescrupulosidade de fins, distinguem-se num pormenor determinante: na disponiblidade de meios. 
O próprio Platão, se vivesse nos nossos dias, teria que repensar a sua famosa alegoria. Na caverna, agora convertida em discoteca, em vez da contra-luz e dos sombrios simulacros , os prisioneiros debater-se-iam com estrondos, algazarras, boatos, rumores , opinorreias - em suma,  ruídos - que não os deixariam escutar música alguma digna desse nome. E pior que tudo, não os deixariam ter um minuto de silêncio, para poderem sequer perceber o cafarnaum em que estavam metidos. Aquele silêncio, que, por exemplo, Nietzsche referia ao escrever "não é à volta dos inventores de novos barulhos que o mundo gira: é ao redor dos inventores de novos valores; gira em silêncio.»

O mundo parou. Estagna. Jaz entre nenhures e lugar-nenhum. Nisso, aliás, Nietzsche confundiu Deus com o mundo.

quarta-feira, junho 13, 2012

Ruído




«O ruído é tudo...na verdade, o ruído faz muito. Um ruído constante é em si mesmo um facto digno de ser notado. Toda a história do mundo não é senão ruído.»

-  Theodor Herzl,  in "The Diaries of Theodor Herzl", Londres, 1959, pp.22

A receita foi esta e dura até hoje. Há um ruído permanente, à escala global. Uma cacofonia frenética e monocórdica que urge manter a todo o custo. Opera-se ao nível daquilo que um outro judeu, que encarava Herzl com justificada desconfiança, chamou de psicopatologia das massas. A lógica é absolutamente irrelevante; a verdade, ou até a verosimilhança são, em bom rigor, completamente plásticas e descartáveis. O que importa, sobretudo, é o ruído. A criação e manutenção de um ruído. O sionismo é isto. Com algumas mistificações mass-hipnóticas pelo meio. Enfim, nada que outras ideologias particularmente virulentas não tenham já ensaiado. 

segunda-feira, junho 11, 2012

O exótico entre nós, ou Do Arrontamento cigano



«O ritual da prova da virgindade, vulgarmente designado pelos indivíduos do grupo étnico cigano como "arrontamento", consiste no desfloramento da noiva praticado por uma mulher de idade, uma anciã, uma "mulher de respeito", mulher "sem falta", que não poderá ser solteira nem separada ou divorciada e a  que chamam de "juntaora".

(...)
O arrontamento é sempre feito de noite, normalmente depois da meia-noite, e realizado à luz de velas (pequenas velas ornamentadas), encontrando-se presentes, além da noiva e da juntaora, as mães da noiva e do noivo, o noivo e "mulheres de respeito", "mulheres sem falta" que pretendam igualmente assistir (segundo foi possível apurar, podem chegar às duas dezenas  ou até mais as pessoas presentes ao arrontamento.


Antigamente,  e segundo testemunhos recolhidos pelo autor deste trabalho, só poderiam assistir ao arrontamento os padrinhos (que era só um casal, ao contrário do que acontece nos dias de hoje em que podem chegar às dezenas), as mães do noivo e da noiva, a juntaora e, eventualmente, alguma anciã de mais respeito. »

Transcrito deste estudo de Jorge da Silva Mourão ( aquem se agradece e se pede desculpa pela pirataria).


Por este andar, mais uns anitos, além de assistir a tribo inteira, o ritual ainda é transmitido pela eurovisão. Enfim, a idade do espectáculo a chegar também aos ciganos. Como é que a TVI ainda não se lembrou dum Big-brother (ou Quinta das celebridades) integralmente cigano é que muito me espanta!... Convenhamos, é todo um jeco-set por explorar.


domingo, junho 10, 2012

Exorcismo às Trevas





O Problema de Portugal
não é falta de inteligência:
é, sim, a parvoíce ufana
diplomada, trolha, sacana
albardada de ciência.

O Problema de Portugal
não é a falta de herança:
é, sim, o vácuo promovido
a espírito santo de ouvido
a asno de Sancho Pança!

O problema de Portugal
não é falta de inspiração:
é, sim, a indistinta massa
que imita, bajula, grassa
esgoto d'ova em ovação.

O Problema de Portugal
não é a falta de Talento:
é, sim, a bosta que leveda
fermenta, incha, cega
e quase eclipsa o firmamento.


Repetir três vezes, antes de adormecer, para exorcizar espectros, avantesmas e aleijões mentais que possuem e assombram este país. Esses mesmo que aviltam, que degeneram uma pátria de sonhadores numa Quinta das Celebridades de pesadelo - um chiqueiro orwelliano, onde os comensais refocilantes se geminam e lambuzam: todos diferentes e todos iguais.

Calçado ortopédico





A propósito deste infeliz depoimento:



Entre os Quiocos, povo particularmente feio da Lunda-Norte (nordeste de Angola), a menina, quando atinge a idade provecta de 9 anos é considerada apta  para a sexualidade plena. Dessa forma, a extremosa mãe entrega-a ao irmão (e tio materno da criancinha) para que este a desflore.  Cumpre-se assim a tradição lá do sítio.Por seu lado, os rapazes, entre os 12/13 anos, vêem-se submetidos a riruais de iniciação (a mukanda), durante os quais são, entre outros afagos rituais, circuncisados. Povo evoluído, o dos Quiocos.
Embora não tão evoluídos, mas quase tão pressurosos quanto eles, os Judeus também se lançam à maioridade com apenas 12 aninhos elas e 13 tenras primaveras eles. Já nós, portugueses, e europeus em geral, gente mais demorada, só pelos 18 anos atingimos esse trampolim jurídico. Embora, cada vez mais,  a tendência moderna seja de baixar para os 16 (especialmente por imperativo eleitoral).
Ora bem, a verdade é que a minha cultura me cria alguns embaraços no que concerne ao acompanhamento da sofisticação das culturas alheias. Por exemplo, quando as  tribos canibais da Nova-guiné ou os redutores de cabeças do Bornéu se esmeram em certas culinárias rituais, eu não consigo deixar de experimentar uma repugnância profunda. Vão desculpar-me, os meus tolerantes leitores, mas  acho aquilo asqueroso e merecedor de séria reprovação. Quer dizer, no mínimo, não me partece adequado, só para demonstrar a minha modernidade e espírito ecuménico, desatar a macaqueá-los alegremente, ou a tecer-lhe apologias e panegíricos. Da mesma forma, quando os Quiocos, ou os Judeus, se entregam à legitimação do abuso, assédio ou matrimónio de criancinhas, para mim, aquilo é pedofilia pura - cultivada, forçada e empedernida. Não me passa, nem nunca me passou pela cabeça, desatar a escarafunchar meninas de 12 anos, quiocas ou judias que sejam, só porque uma qualquer cultura exótica o abençoa, propicia e descriminaliza. O aborto, por exemplo, na minha própria cultura já está descriminalizado e eu continuo a achar que não é empreendimento aceitável ou digno de elogio.  Claro está, eu sei que o erro é meu. E é sobretudo a minha perspectiva cultural, o meu atavismo cívico, que me faz cair nele. Para mim eles serão pedófilos; para eles,  pelo contrário, são apenas precoces. Precoces, despachados, avançageiros!... Até porque num mundo onde impera cada vez mais a prostituição sagrada (física, mental e moral), nada como começar a treinar o mais cedo possível! Começo até a suspeitar do real segredo para a crescente supremacia judaica desde a Idade Moderna, sobretudo nos meandros cada vez mais decadentes e corruptos da economia-política ocidental: eventualmente, não foi uma questão de génio - foi de calo.


Há ainda outra história que se conta em África. Tem a ver com a caça ao hipopótamo. Se queremos apanhar um, temos que, à noitinha, de preferência bem escura,  atrai-lo  fora de água. Para o efeito, acende-se uma fogueira na margem. O hipopótamo, que, pelos vistos, se considera uma espécie de bombeiro de serviço às selvas e savanas, não resiste às chamas: corre imediatamente a extingui-las com grandes bochechos líquidos.
O Ricciardi faz-me lembrar os hipopótamos: diz-se judeus (ou coisa que o valha - Stein, que seja) e ele corre a largar bochechos sobre o lume. Mesmo que não exista lume nenhum. Porque é um hipopótamo sofisticado (deve ser da tal hemo-percentagem, ínfima que seja funciona como catalisador): em não havendo fogo, ele imagina-o. O pequeno senão é que, geralmente, ao risco de ridículo acrescenta o de afogamento.


PS: esta ideia muito democrática de que os povos são todos a mesma coisa, muito iguais, especialmente no que toca a distribuição dos males (porque já quanto à distribuição dos bens e riquezas é uma aristocracite pegada), tem imensas pernas para andar, porque, na verdade, move-se como as centopeias e os miriápodes em geral.

PSS: E respondendo agora directamente à alegação: Pois, ó caro RB, a pedofilia não é exclusivo particular de nenhum povo, mas, em contrapartida, é costume arreigado de alguns.

Maníacos! Clamam os tarados.

«Bankers and politicians 'showed same group mania and symptoms as mental health patients' in lead up to credit crunch»


«In the years before the crisis, scientists claim bankers, economists and politicians shared the characteristics of denial, omnipotence and triumphalism. »




Todavia, que sejam cientistas - ainda por cima com Stein de apelido -a denunciar isto, não é lá muito tranquilizante. Nem especialmente moralizador. É um tanto ou quanto como ter pedófilos a julgar prostitutos e sado-masoquistas.

sábado, junho 09, 2012

Repórter Flash - Entrevista com A Comunidade Internacional



Alô ciber-especatadores! Cá estamos hoje, empoleirados num satélite em órbitra, donde a Comunidade  Internacional se entrega ao seu passatempo predilecto: espreitar massacres. Neste momento está excitadíssima com a Síria. Vamos tentar que intervale por breves instantes

Repórter Flash (RF) - Comunidade Internacional, quamndo é que um massacre pode ser considerado crime contra a humanidade?

Comunidade Internacional (CI) - Dito grosso modo, quando não é cometido a favor da humanidade.

RF - Quer então dizer que há massacres ou chacinas benevolentes, carinhosas, por conseguinte legais, e massacres, chacinas ou até genocídios malfazejos, celerados e completamente ilícitos?

CI - Sim, absolutamente. Existem massacres virtuosos e massacre criminosos. Uns são, de facto, acções civilizadoras, mundificantes; os outros não passam de horríveis e abomináveis atrocidades.

RF - E como é que conseguem distinguir uns dos outros?

CI - É muito simples: uns são os nossos; os outros são os dos outros.

RF - Portanto, se bem tosco  a lógica, um massacre é um crime contra a humanidade quando não é um massacre dos vossos. É isso?

CI - Pois. Evidentemente. Quando não são massacres humanitários, são necessariamente desumanitários. Hediondos. Hienofânticos!... É contra a humanidade tudo o que não é a favor dela.

RF - Em suma, é um crime contra a humanidade, sempre que não é realizado ou patrocinado, promovida e supervisionado por vocês...

CI - Sim, quando é perpretado com intenção de prejudicar os nossos planos, desígnios ou expectativas para o bem da humanidade.

RF - Percebo. A tremenda ilegalidade resulta de contrariar a humanidade, isto é, a Comunidade Internacional. Pode depreender-se daí que a humanidade e a Comunidade Internacional são uma e a mesma coisa?

CI - Há, digamos assim, uma identificação mesmerizante entre nós. Sou a sua legítima representante, sobretudo  em matéria de carnificinas. Donde deriva, igualmente, ser eu a sua porta-voz, baby-siter e tutora legal.

RF - Significa isso  que a "humanidade" não é uma entidade adulta?

CI - Completamente. É uma eterna criança, um bebé grande.  Uma perpétua adolescente, nos melhores dias.  Aliás, oscila sistematicamente entre esses dois estados. Ora infantiliza, ora adolesce.Tem fases.... Ciclos!... Geralmente económicos. Em fases expansivas, de euforia consumista, acha que sabe tudo, que pode tudo e nenhum obstáculo  a deterá; em fases de crise e contracção, enche-se de terrores, de dúvidas, de atávicas culpas: não sabe nada, não há futuro e o abismo, presidido pelo papão, aguarda ao virar da esquina para devorá-la.ou submetê-la à prostituição infantil. Ou à escravatura sexual de monstros, passe a redundância.

RF - Então, a Humanidade, para a Comunidade Internacional, é assim como um povo para o respectivo governo democraticamente eleito?...

CI - Exactamente, bem visto! Nós tomamos conta dos governos como os governos tomam conta dos respectivos povos nos diversos países.

RF - E eis o mundo todo explicado. Só falta saber uma coisa, ó Comunidade Internacional...

CI - Sim? Qual é?

RF - Quem é que toma conta de ti.

CI - The billion dollar question. A resposta não é difícil. Mas, automaticamente, é anulada com um carimbo: "teoria da conspiração". Aliás, a nossa metodologia, nesse aspecto, é um stalinismo invertido.

RF - Como assim?

CI - Então, o stalinismo tinha como estratagema operativo: "Dizer uma mentira mil e uma vezes até que ela se transforme em verdade". Nós é precisamente o inverso: "fomentamos, financiamos e facilitamos de todas as maneiras que se diga e repita a verdade, tantas e tantas vezes, até que ela pareça mentira." Os stalinistas era a verdade por saturação de mentiras; nós é a Mentira por saturação de verdade.

RF - Pois,  com a verdade nos enganas. 

E assim termina a nossa entrevista. A Comunidade Internacional tem que voltar ao buraco da fechadura das  vis desdemocracias (afinal, isto tem tanto de perversão quanto de transposição à escala global do mirone da violência doméstica que, não contente de espreitar, cisma ainda de participar); e nós temos que ir beber umas imperiais e rilhar uns tremoços. Uma boa puericultura a todos!...

quinta-feira, junho 07, 2012

Politicolepsia e Demorróidas


Passámos daquilo que, segundo os especialistas e tudólogos, era um país politicamente atrofiado para uma província politicamente hipertrofiada. O tremendo défice deveio enxurrada. A fome deu em diarreia. Quer dizer, se no tempo de Oliveira Salazar a política era tarefa exclusiva de um homem, hoje a política é ocupação geral e compulsiva da malta toda. E quem não a pratica, frenética e obsessivamente, lixa-se.
Nas escolas ensina-se? Não, faz-se política. Os hospitais tratam da saúde? Não, tratam da política. Os tribunais administram a justiça? Não, ajudam à política. A polícia investiga? Não, faz política. Os jornais informam? Não, fazem política. A própria tropa que, por estatuto e princípio, não devia meter-se na política, não faz outra coisa: política; ainda por cima internacional. O país inteiro anda a fazer que anda mas não anda, anda a fazer que faz mas não faz, em suma: de norte a sul ninguém faz corno de jeito porque anda tudo muito ocupado a fazer política. A Igreja faz política, a ciência faz política, os jornalistas fazem política, as universidades fazem política, o sector privado faz ainda mais política que o público, porque senão, queixam-se todos, ninguém se safa. Dos berçários aos lares da terceira idade, é política que nunca mais acaba!
Da política confinada, resvalámos assim para a política desenfreada. Antigamente tínhamos a polícia política e é o trauma, a compunção recorrente, a choraminguice militante que se celebra, semana sim, semana não. Hoje, em regime de corrimento gorjal, temos escolas políticas, hospitais políticos, tribunais políticos, forças armadas políticas, padres políticos, jornais políticos, televisões políticas, serviços de informação políticos, universidades políticas, empresas políticas, até os clubes de futebol já são meio políticos – e ninguém se queixa. Enquanto a banca der corda e a publicidade tocar a campainha, hão-de porfiar no rilhafoles.
O próprio Governo, que mais desgoverno parece, é uma redundância pegada, uma desmultiplicação clonística de um único ministério: o da política; e de um único ministro: o Primeiro. Sim, porque bem pouco se está lixando o Ministério da Educação para a educação, ou o da Justiça para a justiça, ou o da Saúde para a saúde, ou o do Ambiente para o ambiente: todos eles zelam e cuidam é da política. Não fazem outra coisa senão converter e dissolver tudo na política. Política caiada a finança. Aos baldes.
O que, de resto, cumpre uma lógica inexorável. Manhosamente, os eleitores entronizam um tipo que a única coisa que sabe fazer, após maturação intestina num país que não faz outra coisa, é política. Ninguém pode esperar que administre o país, que oriente a nação, que aprenda com o passado ou que prepare o futuro. Faz aquilo que sabe fazer, em que foi amestrado: política. Ou seja, flutua de modo a que o seu umbigo fique à tona, ao leme, ao sol. O maior número de dias possível.
Isto há-de chegar a um ponto que um tipo, um dia destes, chama um canalizador e em vez da reparação requerida, da torneira arranjada, recebe um comício. Há-de chegar, minto: já é assim. Entra-se num táxi e descobre-se um Demóstenes ao volante; vai-se ao barbeiro, e leva-se com um Catão de tesoura e pente em riste; passa-se na padaria e depara-se com uma Rosa Luxemburgo em erupção; convoca-se um limpa-chaminés e temos um Lenine de escovilhão pela certa; fugi da mulher-a-dias se não quereis aturar um Marcelo Rebelo de Sousa ao ralenti.
Os Atenienses clássicos tinham a mania dos tribunais; os romanos a tara do circo. Nós, lalonautas destravados, mascadores sonoros de crises elásticas, transformámos o país num frenético parlamento! Num palratório geral e compulsivo! Num grulhódromo desenfreado!´
É um país inteiro em demorragia oral, a entornar-se pelos cantos, a desbordar-se pelas esquinas, ruas, escadas, janelas, televisões e autocarros? Sim. Sem dúvida. E com uma grande camada de chatos, para cúmulo da comichice. E outra ainda maior de Demorróidas. Que, curiosamente, até passam por amigdalite.


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Quando naquele já célebre postal da Disfunção Pública (passe a imodéstia), se assssinalava o grande problema do Estado (que consistia na hubris Disfuncionária, ou excesso de disfuncionários), uma questão ficava implícita e por responder: como distinguir o Disfuncionário do Funcionário? Pois bem, em definição sintética, poderíamos dizer que o Funcionário é aquela criatura obsoleta que teima em prestar um serviço; Disfuncionário é aquele que faz política. Também, e inerentemente, os funcionários conseguem distinguir-se uns dos outros, pelo menos segundo espécies (educação, justiça, segurança, saúde, etc); os Disfuncionários não: constituem um género único - uma amálgama, um magma, um despejo (e aqui, despejo no tripo sentido:  de ausência completa de pejo ou vergonha;  de fluxo de matéria indistinta;  de expulsão de residentes e inquilinos). Por conseguinte, enquanto o funcionário fica sujeito ao labirinto curricular, o disfuncionário não. Quer dizer, se o funcionário da educação só pode funcionar nesta (um professor  não pode candidatar-se a um hospital), o disfuncionário tanto pode disfuncionar nas finanças, como na saúde, como na educação, na segurança ou, onde quer que a real cunha, comissão ou gana partidária da última eleicinha o permita e promova.  Assim, o disfuncionário congrega não apenas o dom da omnisciência, como o da omnipotência e da ubiquidade malfazeja. Afinal, em se tratando de fazer mal (ou seja, de fazer política em vez de qualquer coisa de útil à comunidade), é indiferente o lugar. Ao contrário da função, que é difícil, penosa e requer uma grande dose de espírito de sacrifício, a disfunção é fácil, ultra-gratificada e não requer qualquer esforço de sabedoria, organização ou moral. 

PS: É claro que quando se diz agora "política", este conceito nada tem que ver com o significado original. Hoje em diz, "política" traduz-se num mero cumprir, não de qualquer finalidade do interesse público ou comunitário, mas da mera finança. Na perspectiva do Disfuncionário, a Disfunção Pública constitui apenas um sórdido expediente de auto-financiamento. A destruição dum país para que os seus Disfuncionários enriqueçam poderá parecer uma exorbotância aos contribuintes, mas aos felizes Disfuncionários sabe a verdadeira pechincha, autêntico negócio de ocasião. A todos eles, sem excepção, ao acederem ao providencial úbere, um lema maníaco telecomanda: "É agora ou nunca!"

terça-feira, junho 05, 2012

A riqueza vai nua, ou Never mind ...



«Como não têm estofo para discutir a ideia de que se o emprego é elevado os salários têm que baixar, atacam pessoalmente quem defende essa ideia.», diz ele.


Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Precisamente, do que tenho lido, e até no exemplo em causa, todos concordam que, dada a elevação do emprego (do tal Borges), ele devia baixar o salário. Não vislumbro é onde raio o Jota Abrantes Miranda vai desencantar o ataque pessoal a quem defende essa ideia. Só se, de repente, por uma qualquer paralexia assombrosoa, os tipos sem estofo largassem numa de se auto-infligirem ataques, o que, de todo, não se afigura ser o caso, nem há sinal de qualquer comprovação empírica nos arredores .
Bem, quererá, talvez, o  Miranda Abrantes significar  "emprego" no sentido lato e estatístico da palavra (admitamo-lo, bondosamente). Pior um pouco. Se o emprego abunda, pulula e viceja, porque diabo haveria necessidade de baixar os salários. Mesmo numa transposição mais ou menos bacoca e infantil das leis da oferta/procura de mercadorias para as relações sociais do trabalho,  a coisa não funciona. Emprego elevado traduziria, nessa economia da carochinha, maior oferta que procura (de emprego), ou maior procura que oferta (de mão-de-obra) - escolha a que lhe agradar mais. Mas deixe-me avisá-lo de antemão que ambas vão dar ao mesmo..
Ora, é irrelevante estar escrito "emprego"? Na verdade, tanto pode ser emprego como desemprego, como até batatas, grelos ou hortaliças. Enfim, o costume. Melhor, em bom rigor, o que conta não é o que se escreve, mas a intenção com que se escreve. Queria dizer desemprego, mas garatujou emprego. Maravilhado com o raciocínio, equivocou-se na redacção; deslumbrado com a ideia, despistou-se no conceito; entumescido com a erecção luminosa, tropeçou nos penduricalhos da grafia. Seja. Mas depois não se espante. Que consigo, sobremaneira,  a malta experimente natural dificuldade em discutir a ideia. Mas não é por falta de estofo. Não; é mesmo falta de sentido. Na emissão.


Agora, great minds, average minds, small minds?... Never mind.


PS: O Diógenes, nos dias de hoje, não andaria de lanterna: andaria de lupa!...


segunda-feira, junho 04, 2012

O Mapa Lilás, ou o Sangue dos Outros

O nosso já velho conhecido Ralph Peters tem mais um desarrincanço bestial. A pérola formidável intitula-se "Blood Borders -How a better Middle East would look" e desenovela-se a partir do seguinte axioma:
«The most arbitrary and distorted borders in the world are in Africa and the Middle East. Drawn by self-interested Europeans».

Felizmente, não existem apenas estes europeus maus, gananciosos e péssimos map-designers. Existe também o Ralph Peters e existem, sobretudo, americanos altruístas, sempre prontos a acudir às injustiças do mundo. Gente, ainda por cima, duma dinâmica e generosidade ímpar, que raramente perde tempo com pensamentos embaraçosos, preferindo, por regra e sem mais preâmbulos, a acção imediata e desembaraçada. Em conformidade, aprestam-se desde já para corrigir os desastrosos e grotescos sarrabiscos dos europeus. Peters dá o exemplo. Com destemor vigoroso, liderando todo um pelotão de arquitectos iluminados que se adivinha, atira-se ao Médio-Oriente. Efervescente de sabedoria, pletórico de energia característica da tribo, gastou dois minutos no estirador e, em duas penadas, com traço demiúrgico e inspirado, resolveu a balbúrdia. Arrumou cinderelicamente os países. Um Leonardo não faria melhor. A Carochinha, tão pouco.
África, entretanto, que não desespere. É quase garantido que não perde pela demora. Daqui a meia dúzia de "shock&Awes", há-de chegar a vez da Nigéria, de Angola, do Sudão, do Chade, da Líbia, enfim, de todos e quaisquer países cujas reservas petrolíferas o justifiquem. E compensem. Porque os americanos são beneméritos e altruístas -o projecto é gratuito, a assessoria posterior e a tutoria benigna também -, mas não podemos contornar nem esquecer, aquando da instalação, toda uma despesa com terceiros, nomeadamente onerosos encargos com sub-empreiteiros e maquinaria pesada...

A generosidade de Peters, não obstante, sempre na brecha, alcança píncaros de benevolência. Com caridade inexcedível, faculta-nos até um relance antecipado e certamente deleitante da sua prodigiosa maquete. Maquete - que digo eu?- milagre portentoso, isso sim (se Cristo curou paralíticos, Peters acaba de curar todo um semi-continente!). Pasmemos, então, caros leitores:

1. O Médio-Oriente desastrosamente gatafunhado por europeus pérfidos:


2. O Médio-Oriente redesenhado por americanos beneméritos e altruístas:



Uma vez recobrados do pasmo, caso não nos tolha para todo o sempre um trauma profundo ou torpor cataléptico equivalente, talvez nos ocorram um ou dois considerandos...
Um, que assim de relance me ocorre, relativamente insignificante, inócuo, senão de todo despiciendo, é que, por exemplo, em África, as fronteiras que os europeus tão ignobilmente traçaram só começaram a sangrar coisa que se visse desde que as potências beneméritas e altruístas –como os Estados Unidos, a União Soviética e a República Popular da China – desataram a armar, a instruir e a manipular toda uma constelação de grupelhos heteróclitos e satélites –entre proletarizados à pressão, evangelizados a martelo ou catequizados-sobre-o-joelho – mas todos eles inflamados de um ardor revolucionário-libertador e, sobretudo, duma vocação terrorista, gulosa e depredadora que, mais ainda que sobre os europeus que em tese a motivava e consagrava, se abateu, impiedosa e praticante, sobre os africanos (geralmente mais desprotegidos e cativos da gleba) que, por alguma dúvida ou reticência, não aderiam com a passadeira vermelha devida e a urgência VIP vitalícia, aos seus ímpetos e frenesins emancipantes. Prova disso, entre mil outros episódios que podia aqui descrever, aconteceu no norte de Angola, em 1961, quando uma horda de frenéticos liambados, sob o filantrópico patrocínio dos Estados Unidos da América, incendiou, pilhou, violou e assassinou –de catana, preferencialmente -, 3.000 brancos e 30.000 bailundos, todos eles portugueses. Os bailundos, com certeza, não podiam estar a expiar o crime de serem colonos.
Os ventos da história, naquela época, não dormiam. Concertados com a acção benemérita internacional, não descansaram enquanto não sopraram os pérfidos europeus dali para fora. Após peripécias várias, cada qual mais sórdida que a anterior, mas todas elas irrelevantes para a consciência dos nossos historiadores manteúdos de regime (seja ele qual for), lá acabaram por debandar todos, os tais glaucos, de volta ao ninho de víboras originário, deixando África entregue às suas fronteiras e aos delegados plenipotênciários de serviço - fiéis depositários e procuradores, todos eles, dos valores superlativos das potências beneméritas e altruístas. A democracia, merceeira ou popular, sempre à cabeça.
Curiosamente, desde então até hoje, as fronteiras têm sangrado com uma abundância sempre crescente, quando não recordista de carnificinas. Os massacres, as razias, as epidemias, a fome, a miséria, a corrupção, o racismo, o apartheid baseado no espólio, a desvalorização da vida humana, alcançaram contornos dignos dum Mordor tolkienesco. Extraviados das suas formas de vida tradicional, despejados anarquicamente do Comboio-para-a-civilização, os africanos viram-se largados na terra de ninguém, num limbo de não-gente - decoração macabra de estatísticas, pura e completamente à mercê dos apetites insaciáveis de empórios, traficantes e tiranetes de aluguer. Ainda mal acabavam de suportar o pior do colonialismo, cem anos de discriminações e desumanidades avulsas, quando finalmente começavam a usufruir da qualidade de pessoas, com direitos, benefícios e dignidades arduamente adquiridos, eis que os devolviam, de roldão, ao tribalismo mais asselvajado. Depois dos europeus brincarem com eles às civilizações, era a vez dos soviéticos (e toda uma esquerda acólita, de lavadinhos mentais e desinfectados urbanos) brincarem às revoluções e aos marxismos-leninismos em digressão tropical; dos americanos brincarem, primeiro, às guerras frias e, logo após, aos mercados, aos FMIs e aos Terrorismos de Conveniência; e de todos, beneméritos e egoístas, americanos, europeus penitentes, russos, chineses e até indianos e brasileiros, brincarem aos neo-colonialismos. Redundante será acrescentar que, comparado ao melhor do neo-colonialismo, o pior do colonialismo não passava duma brincadeira de crianças.
A culpa, naturalmente, hoje e sempre, é das fronteiras e de quem as traçou. São fronteiras que sangram excessivamente, numa incontinência desatada. A culpa, grandessíssima culpa, sabemos mais, sabemos todos, por decreto e tele-pulverização ao domicílio, é da velha Civilização Ocidental, pré-holocáustica, europeia, essa messalina! E do europeu malvado, Atlas em figura de gente, mais o seu imenso e esmagador fardo de remorsos e assombrações persecutórias!
Graças a Deus, a Darwin e ao macaco ateísta com polegar oponível à boleia da última moda, uma das potências beneméritas e altruístas ascendeu a superpotência única, criadora duma Nova-Civilização Acidental, pós-holocáustica, pelo que se pode dar ao luxo, ao requinte e ao desfrute catita de ser super-benemérita e super-altruísta. É, pois, nessa condição inefável e por via de tão sublime confluência astral, que vai doravante redesenhar as fronteiras hemofílicas legadas por europeus malvados, substituindo, o quanto antes, aquelas que sangram por umas que nunca mais sangrem e apenas suem e segreguem sucos energéticos com a maior das generosidades. Sendo que o mais certo, pelo andar da carruagem, é acabar tudo numa substituição de fronteiras com hemorragias por fronteiras com hemorróides. E confiar que, dissolvido em tanta e tão ininterrupta merda, o sangue acabe por passar despercebido.
São infinitas as propriedades diluentes do sangue dos outros.


PS: A realidade deste nosso mal parido tempo, lembra cada vez mais a profecia nietzschina dos “últimos homens” - criaturas pequeninas, rasteiras, superficiais, sem valores, peixinhos coloridos confinados a um aquário nihilista. O filósofo alemão não se cansou de anunciar - fenómeno que, aliás, já grassava na sua época -, a efeminação e a infantilização –ou seja, a imbecilização paulatina e convulsiva - da humanidade.
Olhando a política, a geopolítica, a geoestratégia e toda a corte de minhoquices subsidiárias - da propaganda à publicidade, da história às artes, da filosofia à literatura - que nos cercam e sitiam, a ideia que fica, que se instala, que persiste obsidiante por mais que a esconjuremos, é a dos governos das nações, do recreio das elites e do laboratório das ciências estarem transformados numa amálgama tumultuosa fruto do cruzamento consanguíneo entre o parque infantil e o asilo de alienados perigosos. Como se por toda a parte imperasse não a prudência, o realismo, a humildade básica inerente a um ser mortal, a comum sensatez, o sentido de povo, sociedade ou estado, uma moral ou ética por mais rudimentar que seja, ou qualquer outra virtude ou faculdade imprescindíveis à gestão sóbria dum destino, mas a birra, o capricho, a mania, a pirraça, a maldade gratuita, a manha, a mariquice assexuada, a irresponsabilidade ufana, a espertalhonice, a fanfarra, a imitação macacóide, a cagufa histérica, a frivolidade, a egomania, o autismo, a toleima, a chantagem emocional, a mitomania, a fantasia parola, o bandoleirismo coquete, o carnaval ubíquo, o onanismo furtivo e toda uma parafernália de puerilidades traquinas do idêntico quilate.
Quando fedelhos cristalizados destes se põem a brincar com fronteiras, com países e, sobretudo, com o sangue, a dor e a desgraça das pessoas, o mínimo que devia haver era uma espécie de autoridade justiceira metafísica, ao estilo da Nemésis ou da Até mitológicas, que os confinasse a um qualquer Hades correccional, onde, na vizinhança de Sísifos e Tântalos, brincariam pela eternidade... Com a pilinha - perpetuamente mirrada e flácida - deles. (Ou o grelinho - infinitamente estéril e frígido -delas.) Sendo que a pilinha e o grelo seriam -como em muitos casos já são - perfeitamente intercambiáveis.

domingo, junho 03, 2012

Húmus sapiens (r)




Quando oiço dizer que grassa a impunidade, sorrio amargamente. Toda a moeda tem um reverso. Ora, se há impunidade para algo decerto não abunda para o seu contrário. Se os corruptos vicejam, abre a caça aos honestos; se a mentira é premiada, vituperada será a verdade; se a subserviência e a sabujice conquistam a corte, resta a valeta aos vertebrados.
Num mundo às avessas, a contaminação também é uma forma de higiene; a sujidade também é uma forma de limpeza.
Não há impunidade, meus amigos. Se julgais isso, estais redondamente enganados. Sei bem do que falo. Tenho não apenas grande, mas recente e bem viva experiência. Pelo contrário, cada vez há menos. Mais assanhados e torcionários que os medíocres não existe. Mais vigilantes, esbirros e persecutórios não encontrareis em lugar nenhum de nenhum tempo. Se não garantirem a terraplenagem, a rasteiragem absoluta, a forragem mental, como poderão sobressair, destacar-se, reluzir que nem torres sobre um mar de vermes anilídeos obrigatórios?
Como qualquer bom cancro, representam a parte que, não contente de se marimbar para o Todo, desata a carcomê-lo, a destruí-lo, em suma, a convertê-lo à sua imagem e semelhança. Na proporção ínfima, escaninha e perversa, que o caracteriza, o micróbio quer imitar e usurpar Deus. Lateja em ímpetos de absorver galáxias.
E não é apenas o triunfo dos porcos: é, sobretudo, a Idade da Vermicompostagem e do Húmus sapiens. Vós sois a minhoca. Com que eles pescam? Não, com quem fazem o hamburguer.

Tutela, coleira e trela


Tenho um grande pecado a confessar e quero fazê-lo aqui, publicamente, para que o remorso seja sincero: experimento a maior dificuldade, além duma montanha de embaraço, em acreditar piamente que o mundo, a civilização e a humanidade racional e esclarecida principiaram no radioso dia 14 de Julho de 1789. Como atenuante, se é que umá aberração destas tem atenuante possível, asseguro que estou em tratamento e tudo faço para ultrapassar esta tremendo e obstinado desarranjo. Os peritos não concordam com os especialistas - o médico diz que é uma alergia incurável, o padre assegura que é uma heresia crónica adquirida, o vidente desconfia que é encosto e o psicanalista jura a pés juntos e por alma da mãezinha dele tratar-se de um Complexo boomerang cíclico (isto é, um complexo que vai e volta e quanto mais se manda embora, mais ele se apresenta à nossa porta) -, mas eu não desistirei. Também sou gente e filho de Deus, pelo que também tenho direito a experimentar certo tipo de êxtases, transportes e deslumbramentos. Falta-me, é certo, a capacidade, entrava-me esta não sei quê nas meninges, tarda em germinar-me a penugem nas costas, mas hei-de lá chegar. Nem que me esfarrape todo. À cambalhota ou ao pé coxinho, senão nesta encarnação numa das próximas vinte, hei-de conseguir. Custe o que custar! A delícia suplementar, penada e acrescida que não experimentarei então!... A delícia, o deleite, o regalo...e a regueifa!
Uma vez lá, alcançado esse estádio clarividente e luminoso, poderei então arvorar-me desses trajes solenes, carnavalescos, desses arreios dourados, com franjas, berloques e guizos, vulgarmente denominados "esquerda" e "direita", e, devidamente paramentado num deles (meu Deus, até estremeço só de pensar nessa volúpia!...), lançar-me, que nem gato ao bofe, nesses debates periódicos em redor da doutrina ou da cartilha, da sebenta ou do manual, do shampô preguiçoso ou do pentelho renitente e sequestrador de horizontes.
Agora, peço desculpa, mas tenho que ir escrever, de correctivo, mais cem vezes no quadro: "14 de Julho de 1789". A ver se me entra na cachimónia. Depois, em reforço terapêutico, tratarei de imaginar, pela enésima vez, o caos, a caverna, a balbúrdia e a selvajaria que não era, em todas aquelas dezenas de séculos anteriores - através dos quais a pobre humanidade penou e padeceu horrores -, sem a bênção da tutela política, a redoma da coleira económica e a vacina da trela mental da puta da burguesia. Eu disse puta?! Ora porra, outra recaída!...

sábado, junho 02, 2012

A Odisseia anual Caguincheana (r)




De vez em quando –em rigor, uma vez em cada ano – o Caguinchas vai de visita a casa. A mulher espera-o, de emboscada, com contas sempre antigas e facturas acumuladas por receber. Vitupera-o, discutem, andam à porrada, partem coisas, dão gritos, e depois, seja porque aquilo os excita, seja porque ela cai exausta, com a combinação em desalinho e as pernas à mostra, ele –indecentemente- aproveita, e, com ganas de seiscentos diabos, faz-lhe mais um filho. Ela, nesse entretanto, por via de electrocussão súbita ou de compressão dalgum botão mais sensível, de exausta transfere-se a possessa: arranha-o, morde-o, estrangula-o, enrosca-se feita cobra constrictora, e fá-lo, desconfiamo-lo bem, passar um bom bocado. Finalmente, por alturas do clímax com que a natureza brinda as suas favoritas, ela grita de novo, uiva aos quatro ventos e respectivas brisas, num estertor ribombante de plantar benzedura em todas as beatas das redondezas e atrair à cusca todos os putos do bairro, enquanto ele, ou por mania inveterada de sincronismos, ou por simpatia fornicabunda, em nada se coíbe de acompanhá-la aos urros, aos brados de incitamento dignos duma tauromaquia descabelada e pornofazeja. Diz, quem o escutou, e sou testemunha que se propaga a grandes distâncias, que é um espectáculo digno de se ouvir. A coisa chega a ter contornos de rapsódia animal. Até que -contam os mitos da vizinhança- por imutável desenlace, um suspiro profundo, um arquejo cavernoso, derradeiro, encerra as hostilidades amorosas e ela, num fulminante êxtase, cai para o lado, desfalecida e saciada para mais 365 dias e outras tantas noites. Facto providencial, esse, pausa deveras oportuna, que ele, manquejante, mordido, escoriado, em perfeito desalinho, ainda meio a pingar e a sacudir-se, aproveita para se pôr ao fresco, dar de frosques, tal qual, aliás, faz e recomenda, entre outros, o pequeno macho da tarântula, por hora de idênticos apertos e desapertos. Eu, no lugar de ambos, o Caguinchas e o "tarântulo", se calhar fazia o mesmo.
Resta acrescentar que no fim da retirada –convenhamos, estratégica –, fica invariavelmente a tasca, aliás ciber-tasca. Ano após ano, é aí, nessa praia de abrigo, que um Caguinchas invariavelmente esfarrapado, náufrago urbano e maltratado da ilha dos amores, vem desembarcar ulissianamente. Feito num Cristo - mas um Cristo ufano e refastelado, triunfador dum Calvário de delícias -, ofusca-nos, então, a todos com o brilho de sóis ignotos que traz no olhar. Um explorador amazónico acabado de regressar do Eldorado, após excursão alucinante por selvas e pantanais, evadido à tangente de feras bravias e tribos antropófagas, não se apresentaria mais condecorado.
Nessas alturas peregrinas, de raro esplendor homérico, uma vez sem exemplo, confesso: temos inveja... Todos! Mordemos a beiça e cobiçamos-lhe as botas. Ao filho da puta do Caguinchas, imagine-se! Que, nesse dia, não há como negá-lo, é o maior. Logo que entre, arrastando-se glorioso, lacerado, a tasca cala-se, estatui-se, em respeitosa veneração. Um silêncio sepulcral, reverente, em jeito de grinalda, é lançado aos pés do arqui-herói que regressa, que desfila, que ostenta, com empáfia, com pompa e circunstância –como manda a ordem, as marcas da sua bravura.
E o sacana sabe disso, o grandessíssimo cabrão, salvo seja!... Oportunista miserável, desfrutador do momento, aproveita a ocasião e responde às trombas em continência, desembainhando ao alto alardes do estilo:
"Estão a ver, ó pichas moles? Macho é assim!..."
A malta engole e cala. O homem, macho de facto incontestável, vem coberto de golpes, mordido e ensanguentado, lá das bandas do Eldorado, e a coroar cada ferida –sendo elas, ainda por cima, mil e muitas – traz reverberações de ouro, fulgores de rubi, irradiações de diamante. Até nos poderia escarrar em cima, que a pandilha acharia justo. Guardaríamos a lostra num frasco, a que prestaríamos culto pagão, devoções de relíquia, tal qual aqueles objectos preciosos, camisolas ou pedaços de muro, que certos maduros coleccionam a título do "eu estive lá". A custo, devo dizê-lo, contemo-nos de não cair de joelhos, prostrados, em adoração.
Entretanto, exagerando nos combalimentos, o Caguinchas senta-se. Como um leão ferido –ou melhor, como um domador de leões após um motim raivoso destes –, põe-se a lamber as feridas, dá-se ares de heróico estoicismo. Munido de aguardente velha –que toda a malta faz questão de lhe oferecer -, entrega-se aos curativos. Ora entorna pela goela (para anestesiar as terríveis dores, conforme explica), ora entorna pelas chagas rubras, a banhar os sulcos épicos que lhe dignificam, a cumes olímpicos, a carne. Rasgou a camisa e ensaia garrotes, pensos ad-hoc. Uma dentada mais sincera, que lhe devasta o ombro direito, deslumbra grande parte de plateia. Os restantes embasbacam, num pasmo idólatra, com os rasgões unguliformes que lhe exaltam as costas.
A certa altura, tomado dos humores caprichosos próprios dos seres predestinados, berra:
-"Tragam-me álcool puro, foda-se! Isto com a aguardente não se aguenta -ainda me gangrenam os tomates! Esse cabrão do Armindo deve tê-la baptizado, diluído, o filho da puta!..."
O citado Armindo, dono da taberna, baixa os olhos e esconde-se atrás da máquina de café, aterrado, temendo o linchamento pelos fiéis; enquanto a mulher, de emergência, larga os tachos e corre a satisfazer o decreto do super-herói. O Caguinchas, sem mais delongas, reforça a anestesia, entornando o álcool puro pela goela e a aguardente velha sobre as feridas.
-"Ah, assim está melhor! – exclama.- As piores hemorragias são as internas!...Já me estava a esvair!..."
É nesta altura que, aos olhos extasiados da maralha, ascende de superhomem a deus.
Ao mesmo tempo, como se tamanhos prodígios não bastassem, dá-se ainda, o finório, ao requinte de ir polvilhando de desabafos sublimes o pudim já de si excelso da situação. Fá-lo como quem conciliabula com os próprios botões, mas até porque estes primam em larga medida pela ausência, fruto da refrega épica, murmura alto o suficiente para que todo o auditório oiça:
-"Irra, esta mulher lembra-me os tempos de África. Quando se vem, um raio me parta se não é a minha velha G3 em figura de gente: nada de tiro-a-tiro, sempre em posição de rajada!..."
Mas a pérola-mor eclode quando porventura alguém, eu por exemplo, cai na asneira de lhe perguntar pela saúde da ferocíssima consorte...
-"Então, Caguinchas, lá vens da visita anual...E que tal está a Anabela?..."
-"Anabela?!! –ruge ele. – Baptizaram-na Anabela, as bestas dos padrinhos. Mas mais valia terem-na baptizado Anaconda!..."

Pois é, meus caros: Há heróis assim. A nós, vulgares mortais, cumpre-nos velá-los, admirá-los enquanto vivem. Até porque, sabemo-lo bem, um dia não regressarão.