quinta-feira, dezembro 24, 2009

Feliz Natal




Passei só para deixar votos de Feliz Natal a todos os leitores.

terça-feira, novembro 24, 2009

Diz o Morto ao Nu (rep)

Aqui há dias o Sir Bob Ganzas tinha feito uma mirabolante descoberta: que Angola era governada por malfeitores. Pensei para com os meus botões: "só agora, Sir Bob? E só Angola?..."

Pois bem, ontem, ou anteontem, é indiferente, um grupo de malfeitores reunidos consumou um não menos fulgurante achado: que «850 milhões de pessoas passam fome». Só 850 milhões, ó Sarcoiso? E fome não será um conceito excessivo? Não será antes "dieta rigorosíssima"? Ou "anorexia involuntária"? Ou "jejum obrigatório"? Ou "disfunção alimentar"? Ou "défice nutritivo crónico"? Enfim, há todo um léxico alternativo e suavizante que um certo pudor recomenda e o politicamente correcto baptiza. No melhor dos mundos, atestado de géni0s, cientistas, sacerdotes, pantólogos resfolegantes e pentelhógrafos desenfreados, decretos e petições em barda, eleições e palramentos a cada esquina, quando já temos sondas a esquadrinhar Marte e o Pacheco Pereira embasbacado nelas, não pode decerto haver fome. Há, quando tanto, gente com vontade a mais e comida a menos. Ou excesso de gente aglomerada em locais com pouca comida. E fome, bem vistas as coisas, todos nós temos. Fome de justiça, por exemplo, ainda somos uns quantos; fome da sobremesa alheia, aí, é para cima de bilião e só em Portugal quase todos; fome de fama, fome de poder, fome de bola, fome da desgraça alheia até - como poderá o anão sobressair se não derribar todos os gigantes? Com a agravante de que, para o nanico, qualquer tipo normal já é um gigante. Em resumo, fomes há muitas. E nada prova que a simples fome de pasto para o bandulho seja a mais excruciante de todas elas. Ao menos, o tipo com fome de batatas ou arroz só tem fome: não padece angústias, ganâncias, ansiedades, stresses, vertigens consumistas, invejas sitiantes, bulimias ideológicas, complexos de culpa, crises de identidade, dispepsias profissionais, ditaduras sexuais, etc, etc. O tipo que apenas tem fome já fica feliz com um prato de lentilhas e meio pão saloio. Se acompanhado dum copito, então, entra em êxtase. Nós, em contrapartida, já não ficamos felizes com nada. Porque temos fome de tudo. E quanto mais comemos, quanto mais tragamos e devastamos com o nosso apetite descomunal, insaciável, com a nossa infinita gula avassaladora, mais fome temos, mais vazios e famintos nos sentimos. Um vazio muito mais atroz e desesperante que o vazio do estômago porque é o completo, e cada vez mais desmesurado, vazio da alma. Eles, fome, têm-na; nós, somo-la.
Aliás, é essa a nossa tão ufana e propalada superioridade... Que ostentamos e jactamos por toda a parte e anunciamos já, em delírio, aos alienígenas das galáxias... que exibimos sordidamente, à maneira daqueles mendigos monstros, proxenetas da sua própria aberração. A superioridade da nossa fome, enfim. A nossa fome maior que todas as fomes - mãe, ama, filha e amante de todas elas. Andamos de megafone a apregoar a nossa megafome para quem nos quiser ouvir (para quem tiver esse infortúnio, para quem tiver o azar de participar de tamanho flagelo). Essa insatisfação permanente, que quanto mais se mima, lustra e amamenta, mais frustrada fica, mais insatisfeita se torna. Essa insatisfação parteira de todas as facções e facturas. Esse deserto mental que nem o dilúvio fertiliza.
Nessa medida, os 850 milhões que passam fome são apenas uma tragédia. Atrozes mesmo são aqueles não sei quantos biliões que, empanturrados em vacuidade e ninharia, sepultados sob a própria gordura, vegetam e chafurdam na mais indigente, arenosa e movediça das inanições: a mental. E moral.
Quais pobres supliciados perpétuos que, à semelhança das Danaides no Hades, em vão tentam encher o tonel imenso dos seus apetites com os crivos completos da sua ganância.
O que nos transporta, em forma de epílogo, à ironia dos mitos: é que, mais que relatar-nos o passado, profetizam-nos o futuro.

domingo, novembro 22, 2009

Deus o guarde



Como ando sempre noutro planeta, só agora me apercebo dum, para mim, inesperado desenlace. Um de nós partiu para onde todos nós partiremos quando chegar a nossa hora. Ao Jorge Ferreira, um até sempre! À família enlutada, os meus sentidos pêsames e a uma amiga comum, a minha caríssima Margarida, um abraço de solidariedade neste momento de profunda tristeza.

"O Homem é o sonho de uma sombra".
-Píndaro

Questões...Tantas questões, tão pouco tempo (rep)


«Uma em cada cinco mulheres é agredida pelo marido».

Estes estudos (já com quatro anos, mas devem permanecer actualizados), hão-de desculpar-me os leitores mais sensíveis, parecem-me um bocado tendenciosos. Deviam ser mais abrangentes. Deviam esclarecer-nos, por exemplo, acerca das seguintes questões, também elas deveras interessantes:

Primeira questão: Um em quantos maridos é agredido pela respectiva? A tortura, especialmente psicológica, também conta?
Nota de rodapé (NR): Com a cambada de coninhas e totós que por aí prolifera não me admirava nada que os números atinjam cifras astronómicas. Acrescento que tão extravagante fenómeno não me suscita qualquer sentimento de pena ou revolta; em boa verdade, só se perdem as que caem no chão. Que outra coisa pode mesmo merecer um cabrão desses, senão cornos e um varapau por eles abaixo?... Anima-me, tão somente, uma certa curiosidade científica.
Por outro lado, dado o comportamento cada vez mais doméstico e sopeiro de grande parte dos produtos depilados da confeitaria urbana, é natural que, cada vez mais, façam as vezes da esposa no lar e, além da pré-lavagem dos pratos e pilotagem dos fogões, enfardem também pela medida grande. Donde se me afigura que o estudo é realmente preconceituoso: fala em "mulheres agredidas pelos maridos" e esquece-se dos gajos agredidos pelos maridos. Já não falando nos mariconços abertamente gays, ou as lésbicas-esposas, que também, eventualmente, levam porrada dos ditos cujos. São, quer-me cá parecer, esquecimentos grosseiros, atentatórios dos costumes, vesgos à modernidade, que em nada abonam da seriedade do estudo e, ainda menos, da cientificidade da investigadora.

Segunda questão: Um em quantos casais é agredido pelos mimosos filhos?
NR: Também não me escandaliza. Acho justíssimo. Quem semeia merece colher. Dado o nível de educação e empenho na mesma praticado por estes papás modernaços urbanos, nenhuma bizarria nos deverá apanhar de surpresa. Quando um tipo cabeludo, vestido de carrasco medieval, a invocar Satã, irrompe aos urros cabalísticos, de machado inexorável em riste, pelo quarto dos pais e consuma um massacre rápido, podemos ficar seguros que teve uma esmerada educação, nutrida pelos melhores perceptores que o mercado disponibiliza: a televisão, o cinema americano e o heavy-metal. Se for um pouco mais demorado no acto, acompanhado de arabescos e precedido de drogas entorpecentes nas vítimas, podemos presumir e adicionar algumas leituras esoistéricas. O Harry Potter, provavelmente.

Terceira questão: Um em quantos professores é agredido pelos jovens alunos?
NR: Outro caso de retribuição lógica. Verdadeiro restauro do método de Talião, é olho por olho, dente por dente. Tu cegas-me a mim e eu chego-te a roupa ao pêlo a ti. Mesmo assim, a vantagem pende ainda, claramente, para o lado do professor. É deplorável, mas é o nosso atraso congénito. Ainda estamos longe das performances trepidantes de países super-desenlvolvidos, verdadeiros paraísos terreais, como os Estados Unidos, onde o aluno, de M16 ou Kalachnicov em patilha de rajada, rega indiscriminadamente colegas, professores e funcionários. É, claro está, a apoteose do indivíduo em todo o seu esplendor. No fundo mais não cumpre que os quesitos instilados e desejáveis da competitividade campeã: trata de demover, o quanto antes, a concorrência, quer desbastando a actual, quer atrasando e rarefazendo a futura.
(Quanto ao número de alunos que é agredido por um sistema de educação absolutamente lobotomizante dispensa-se a pergunta: é um em cada um. Todos os que para lá entram. Na máquina dos chouriços.)

Quarta questão: Um em quantos contribuintes é agredido pela chusma de burrocratas que se banqueteiam com o erário público?
NR: Aí, para variar, temos um método cristalizado há séculos: "Paga e não bufa". Quer dizer, só bufa para lixar algum espertalhão que pretenda eximir-se ao pagamento. Fora isso, eis-nos em terreno absolutamente minado: ninguém sabe exactamente quantos contribuintes existem, quanto dinheiro pagam e, muito menos, que destino é dado a esse dinheiro. Top secret. Superiores razões e interesses de Estado. Além de que decorre, nestes últimos decénios, um singular concurso: entre o Estado que rouba os contribuintes e os contribuintes que roubam o Estado - ou melhor dizendo: os contribuintes que roubam os outros contribuintes através do Estado.

Quinta questão: Um em quantos eleitores é agredido pelos políticos eleitos?
NR: Espero bem que todos. Também aqui, estou com os políticos. Se um masoquista, em donaires voluptuosos, lhes entrega um cavalo-marinho para as mãos, é lógico que o gratifiquem pela oferta. Quanto mais não seja, por cortesia . O eleitor, de resto, é em tudo idêntico ao mariconço lava-loiças: elege uma puta para depósito dos seus idílios tansos de fidelidade. O diagnóstico, fatalmente, é o mesmo: merece cornos e cacetada por eles abaixo. Excepto nos casos em que os desenvolva retrácteis, como certos moluscos gastrópodes providos de concha, vulgo caracóis. Também acontece. E dificulta a pontaria.

Haveria muitas mais questões, mas eu ando sem tempo, sem grande paciência, e as eventuais respostas não ofereceriam qualquer mistério.
Por exemplo, "quantas mulheres, maridos, avós e crianças são agredidos e violentados pela televisão, que não faz senão debitar merda esterilizante 24 horas ao dia, por múltiplos canais e cloacas?..."

Dir-me-ão os liberais que há quem goste de comer merda, que é o mercado a funcionar. Pois, pá, só que não é por gosto: é mesmo por vício. Toxicodependência da mais saloia. Larguem a droga, pá! Essa merda mata.

Obscurantismo

Antes de falar propriamente da religião grega e respectivas consequências, atentemos brevemente na filosofia e de como, para eles, era coisa de "elite", absolutamente arredada da generalidade da plebe, como alguns peregrinos do nosso tempo, que gostam de se espelhar nos outros, estimam de proclamar.

Sócrates, segundo Platão, em pleno tribunal:
«Mas uma coisa vos peço, Atenienses, e insisto neste ponto: se me ouvirdes defender-me com as mesmas palavras que costumo usar, quer na praça pública, junto aos balcões dos mercadores, onde muitos de vós me tendes escutado, quer noutros lugares, não vos admireis nem protesteis por causa disto.»

(Platão, Apologia de Sócrates)

É que na altura ainda não havia televisão, nem cinema, nem jornais, nem esta gloriosa internet, nem, tão pouco, plebe, e eles, coitados, pagãos obscurantistas, sempre tinham que se entreter com qualquer coisa. Ah, e visto não ter sido ainda inventada a electricidade, viam-se condenados a viver na obscuridade.

PS: Já não falando em tipos como Diógenes que, como é bem sabido, davam aulas e papagueavam de cátedra na faculdade.

sábado, novembro 21, 2009

E Pluribus Unum


O Labaredas não pesca nada disto. Pudera, a Zazie, nos últimos bafos, cavou-lhe as minhocas todas. Mas a Zazie, coitada da miúda, também não. É que aquele, o Lança-Chamas, tem ferramenta mas não tem isco; esta, a Zazie (beijoca, miúda!), tem isco mas não tem cana, nem linha, nem anzol. Dupla desgraça, portanto. Resto eu para iluminar as massas: Ildefonso Caguinhas -Engenheiro, arquitecto, webmonstro e, agora também, profeta. Não chorem. Não vos abandonarei aos trevos da ingnorância. Pois então, otários, como agora se diz, é assim:
Nem os gregos tinham religião, nem os romanos, nem os indianos, nem os babilónicos, nem os judaicos. Nem os cristãos, tão pouco. Muito menos os muçulmanos, ou sequer os chinocas, esses grandes filhos da puta que andam a invadir tudo com lojas e a prejudicar o negócio dum grande amigo meu e compincha nas maratonas de putas. E a prova disto é simples. Entra pelos olhos adentro, e só mesmo um árbitro da Liga é que não atinge:
O Glorioso SLB só foi fundado em 1908. Antes disso, como é mais que comprovado, não existia religião: apenas superstições várias. Magias e vigarices. Histórias da carochinha, enfim.

Deus é o Glorioso e Jesus o seu treinador. Esta é a verdade. Uma raio me parta já aqui, se não é. Viram? Não partiu. Logo, QED. A verdadinha toda. Cristo não pode dizê-la a Pilatos porque, na altura, ainda não sabia. Quer dizer, até sabia, mas queria guardar segredo. E, além disso, estava muito ocupado a ser alvo de cuspidelas e outras chicotadas fisiológicas.

Mas está escrito que Jesus haveria de voltar para dar cabo das bestas do Sporting (cuspo) e do reinado do Dragão (cuspo,cuspo!). E por isso Deus é Luz. Estádio da Luz, percebem?

Amanhã volto para explicar a entomologia de "E Pluribus Unum". Agora tenho putas para visitar.
SLB! SLB! GLORIOSO, SLB!!



quinta-feira, novembro 19, 2009

A grande purga

«...Zeus não se assemelha aos antigos deuses indo-europeus do céu, como, por exemplo, o védico Dyaus. Não apenas não é o criador do Universo, como nem sequer pertence ao grupo de divindades gregas primordiais.»

- Mircea Eliade, "Zeus e a Religião Grega", in História das Ideias e Crenças Religiosas

Comecei a grande purga. Este Eliade quer enganar quem? Religião quê?!...

Não queimo livros porque é contra a minha ética. Mas este, três volumes repletos de fábulas e patranhas como aquela em epígrafe, dou-o a quem tiver a caridade de o receber.

quarta-feira, novembro 18, 2009

A Mãe do atrevimento



Dum chorrilho de pérolas de sapiência erudita que a minha amiga Zazie teve a amabilidade de depositar no penúltimo postal, tomei conhecimento de algumas novidades suculentas. Cito apenas as que me parecem mais instrutivas e auspiciosas:
a) Os Gregos Clássicos (para desconfundir com os Bizantinos) não tinham religião;
b) para compensar (magra compensação, convenhamos), apenas tinham filosofia, mas só as elites, porque a ralé era como a nossa, após 900 anos de catolicismo: refocilava, única e exclusivamente, em novelas de fancaria, idas à bruxa, super-heróis, totolotos, lotarias, astrologias, adivinhos e consultas de vísceras avícolas. Hoje em dia, a coisa até está mais reforçada com cinemas, radiografias, ecografias ou toques rectais no próprio connsultante, vampiros, alienígenas, psicopatas geniais, macumbas chiques, ciber-vudus, hip-hopes, jet-setes e metais diversos, nunca esquecendo o cristianismo ronaldo, mas isso só atesta da excelente qualidade da nossa religião. Ao contrário da daqueles supersticiosos ;
c) Platão e Aristóteles, oásis sumptuosos naquele deserto árido, irromperam como certos fungos mais ou menos venenosos: por geração espontânea:
d) Com o Livro de Job é que ninguém consegue avacalhar, porque esse belo episódio altamente moral em que Iahvé envia o seu acólito Satã para moer a paciência a um desgraçado está cheio de mensagens subliminares crocantes e elevados conceitos transcendentais.
Não nos alonguemos.
Como devem calcular, veredictos caturros desta estirpe não são rebatíveis. Concedem-se com um sorriso. Apenas acompanhado dumas breves notas de rodapé.

a) Se os gregos não tinham religião, problema ou vantagem deles. Se era apenas por não serem monoteístas -a Zazie apenas passa alvará a monos - então vai quase tudo de escantilhão pelo ralo da Zazie: gregos, Hindus, persas, egípcios, assírios, germanos, peles-vermelhas, e mesmo os esquimós, lá nos confins gelados, ou os aborígenes dos antípodas duvido que se salvem. Se, outrossim, era por não serem altamente racionais e conceptuais, mas fundadas em mitologias, bem, aí nem comento. Caso para perguntar: De tanto pregar aos ateístas cientoinos, a Zazie foi mordida por um deles?

b) não me custa imaginar a turba daquela época agarrada às novelas e fancarias do tempo (ainda não tinham inventado a moda). A tragédia, um pouco como a nossa ópera, era apenas reservada ao escol altamente erudito (leia-se a Academia e o Lyceu). Mentecaptos e engraçadotes de baixa extracção como Aristófanes entretinham a populaça. As Obras Púplicas, como hoje, estavam entregues a uns trolhas corruptos que erigiam e deslumbravam a plebe com mamarrachos. Jogos Olímpicos, Mistérios não-sei-da-quantas e peregrinações ao Oráculo de Delfos (a Fátima deles) completavam a restante alienação das massas. Como não tinham religião, não era o ópio: era apenas um haxixe de má qualidade. Ou vinho a martelo.

c) Que Platão e Aristóteles brotassem feitos cogumelos, já eu próprio suspeitava. Até porque Platão na brasa ou Aristóteles au champignons soa que é uma delícia. E devem saber ainda melhor. Se forem alucinogéneos, os champignons, tanto melhor. O Homero? Faz-se de conta que não existiu. Que não influiu coisa nenhuma. É só fábulas de fancaria, atesta-nos a Zazie. Como aquela anedota da Rap. XVI da Odisseia, onde balbucia "os homens não devem, segundo o direito divino, premeditar maldades uns contra os outros"; ou aqueloutra na Rapsódia XVII "Os deuses também andam, sob diferentes aspectos, como estrangeiros de terras longínquas, pelas cidades, para observar a violência e a virtude dos homens" (que imbecil, a chamar deuses a anjos); ou o próprio Z... (não posso completar a palavra, porque transporta a Zazie à epilepsia) logo na primeira Rapsódia: "Oh, que exprobração não fazem os homens aos deuses! Dizem que de nós procedem os males, quando só eles, por loucura própria e contra a vontade do destino, são os seus autores..."
Então mas os gajos não eram escravos absolutos do destino e completamente destituídos de Livre Arbítrio?! Este Homero é um conspirador contra a sebenta universitária, além dum mentor de imoralidades. Fez bem Platão, e acolita-o melhor ainda a Zazie, quando, respectivamente, o baniram da polis ultra-pasteurizada e o ignoraram, com olímpico desdém, de toda a religião, ética ou filosofia. Direito divino? Francamente, mas que patranha vem a ser essa!?... E aquele Sófocles, na Antígona, a inventar dramas de conflito fabuloso entre regras eternas e leis mundanas? Outro que tal. Limbo com ele!

d) Quanto a não ser possível avacalhar com o Livro de Job, não deve ser assim tão difícil. Pelo menos para quem consegue avacalhar com a Ilíada e a Odisseia com uma perna às costas e duas palas nas fontes. Refiro-me a mim próprio, naturalmente.

Termino com uma passagem de outro dos autores, além de Homero e de tantos outros, da Ética de Aristóteles:

«Muitos são os assombros do mundo, mas o homem supera-os a todos. (...) Com a sua astúcia chega a domar as feras agrestes das montanhas e subjuga o cavalo de longas crinas e o touro indómito dos montes.
Ele conhece a palavra, o pensamento alado, os costumes urbanos e sabe defender-se dos frios inóspitos, sob o sereno céu, e das fustigantes chuvas. Sagaz e destemido, enfrenta o futuro. Só não pode encontrar salvação contra o Hades, embora saiba curar males sem remédio.
Embora invente sábios e úteis expedientes para além de toda a esperança, caminha necessariamente para o mal ou para o bem. Quando ele respeita as leis da pátria e dos númenes, engrandece a cidade; mas torna-se a sua ruína quando a soberba o empurra para o mal. Não esteja a meu lado, não fale mais comigo quem actua de tal forma.»

- Sófocles, Antígona




terça-feira, novembro 17, 2009

O Que eu aqui escrevi em Junho de 2004

Eu já fui um daqueles optimistas que pensavam que pior que o Guterres não era possível. Pois não só era como foi. E logo ao virar da esquina..
Agora não me apanham noutra. Sei que a seguir ao Durão, poderá perfeitamente irromper um desqualificado ainda pior, um troca-tintas ainda mais descarado.
Por isso, e é mais que suficiente, não me surpreenderá nada que o Santana seja o próximo PM.
Mas quero deixar bem claro o seguinte: Quando tipos do jaez dum Durão Barroso conseguem ascender ao segundo mais alto cargo da nação, estamos conversados: Qualquer um pode (desde que não possua princípios, escrúpulos, ideias, ou vértebras, bem entendido). Se se tratasse de escolher um cidadão competente, um tipo sério, honrado, bem mais interessado em servir o país do que servir-se dele, isso, acredito, seria difícil. Requereria, no mínimo, mérito, inteligência, responsabilidade, cultura. E, sobretudo, empatia entre governantes e governados. Mas como é o contrário disso, como a lógica vai de patas pró ar, nada mais simples: peguem no Santana, na Ferreira Leite, no Portas, no Pacheco, peguem na pandilha partidária toda, esquerdas e direitas (a merda só varia na cor e teor gasoso), peguem até nos Delgados, Vascos - rotos e ratos-, ou qualquer outra prostituta de jornal, enfiem essa tralha invertebrada e viscosa toda num balde, um grande balde, um penico bem espaçoso (não se esqueçam que a porcaria é muita), agitem com energia, misturem bem a mixórdia, e tirem à sorte. Convoquem uma peixeira ou um trolha para extrair o feliz contemplado, sempre dá colorido à coisa, confere - senão solenidade - pelo menos pitoresco ao acto, e pronto, aí tendes. Seja quem for, é irrelevante e ficareis bem servidos. Cagar-se-á para vós, tanto quanto vós vos estareis cagando para ele. Incomoda-vos o vocabulário? Mas a substância não. Devia ser o contrário.
Em Portugal chegou-se a um estado de putrefacção tal, que o burburinho dos vermes já se confunde com a agitação das massas. Ora, as massas, poderão ser alarves, mas não são parvas. Já perceberam que tem mais conteúdo o futebol que a política. E tem. Tanto que é esta que imita aquele, e não o inverso.
De não ser governado, o país viciou-se no desgoverno. Vai à deriva. Entregue ao salve-se quem puder. A clamar por rebocadores, por balsas e bálsamos salva-vidas. A enviar SOS desesperados e apitos lancinantes ao nevoeiro. A invocar Nossa Senhora dos Aflitos e a Providência Divina. E, o que é pior que o resto, a tomar por faróis meros fogaréus de afundadores.
Cada qual agarra-se ao destroço que a vaga destribui e, uma vez montado nele, trata de demover a concorrência. Cada qual chafurda nas ondas o mais que pode, escoicinha, esbraceja, e convence-se que nada, que lá vai resistindo, o melhor que pode, opondo o proverbial instinto de cortiça ao chamamento abissal do fundo.
Governantes e governados execram-se mutuamente. Odeiam-se, sem trégua nem quartel. Não havendo resquício de empatia que os una, tiram desforço empaturrando-se numa antipatia recíproca e inoxidável. As eleições equivalem a ajustes de contas; as urnas a esquifes de facto. O povo sempre estimou, mais que arenas, cadafalsos. Assim, anda quatro anos a reunir provas, a recolher denúncias, a compilar testemunhos, para no fim ter o prazer de vê-los rastejar, aos bandalhos arguidos, uns em penitência, outros em sanha justiceira ou delíquio dengoso, mas todos de roda do patíbulo, vassalos da sua saliva, do seu voto, do seu escárnio e veredicto triunfante. Os eleitos, por seu turno, traumatizados por este martírio cíclico, garantido, nos intervalos dos sufrágios, nos interlúdios dos calvários, vingam-se e fazem pagar com juros a prerrogativa dos carrascos. E, com isso, lá vão juntando lenha para o seu próprio auto. Mais que um projecto comum, é, pois, um jogo, uma joint-desventure. Tudo está bem quando acaba mal. E para que o gáudio se maximize convém que o mal seja cada vez maior. Que exorbite e transvase sem parar. O prazer, a volúpia capital, não está em eleger, mas em deitar abaixo, em arrear, em arrastar pela lama e pelos cabelos, até à guilhotina apoteótica. Desta lógica retorcida, resulta um paradoxo mirabolante: um governo é tão mais divertido, entertainer, quanto pior for. Um governo péssimo, como o actual, na hora do acerto, é garante dum gozo superlativo. Não é por acaso que a multidão escolhe governos cada vez piores. Já Esopo referia o requinte.
Portanto, meus amigos, se não houver eleições, vai ser o Santana. E se houver, vai ser outro qualquer, no mínimo, tão recreativo quanto ele. Isto, pelo menos, eu sei.
Fartai-vos nele e fartai-vos dele. É o costume. Bom apetite! E bom proveito!...


Peço desculpa por esta interrupção, Aristóteles segue dentro de momentos.

Prever o futuro é difícil. Ao contrário da ausência dele, como acabei de demonstrar.
Quem esquece o passado, mata o futuro.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Século IV aC

«Realmente, o homem mau apenas obra pensando em si mesmo, e quanto pior se torna, mais aumenta em si este vício; e assim se lhe aponta o nunca fazer nada fora do seu exclusivo interesse. O homem de bem, pelo contrário, apenas obra para fazer o bem, e quanto mais honrado se torna, tanto mais se consagra exclusivamente a fazer o bem, chegando ao ponto de esquecer o seu próprio interesse em se tratando dum amigo.»

- Aristóteles, "Ética a Nicómaco" (Liv IX, Cap.VII)

"Ama o teu semelhante como a ti mesmo", dirá quem?

sexta-feira, novembro 13, 2009

Palavras com raiz - 7. Lei



A palavra Lei radica no latino Lex. Os significados de Lex são vários: Moção proposta por magistrado perante o povo; projecto de lei; contrato; pacto; convenção; ordem; obrigação; cláusula; condição. Aparentado a lex, temos também lexis -palavra, expressão -, donde o nosso "léxico".

Por outro lado, lex também se relaciona, servindo-lhe de raiz (ou o inverso, não é pacífico) a lego - delegar ou transmitir a alguém o encargo de fazer alguma coisa; ou delegar. Ainda hoje, no português, nesse preciso sentido, temos o "legado", o "delegado" ou a "delegação". Também, ainda relativos a Lex, através do "lego", no latim havia o "legitimus" (fixado pela lei; legal), donde o nosso "legítimo"; o lector (leitor; aquele que lê), donde o nosso "leitor"; o lectio (escolher; eleição; texto; leitura), donde o nosso "leitura", mas também a nossa "eleição". Finalmente, citemos ainda "legio" - faculdade de escolher; legião - e, de legio, "legionarius" - legionário.

Não é difícil vislumbrar por detrás destas palavras a sociedade de Roma Antiga. Ora, nesta palavra, como em muitas coisas, os romanos aprenderam -e o aprender romano resultou em três fenómenos básicos: copiar, adulterar ou perverter -, com os gregos. Neste caso, no lego, foi quase cópia. Pois na língua de Homero, salvo seja, Legw também significa escolher, juntar, ler, orar, declarar, ordenar. O futuro de Legw é Lexw. E é de Legw que descende o célebre logos - logos, esse, que será de Heraclito, de Platão, que impregnará todo o pensamento grego e se fixará no Novo Testamento, um texto grego, no significado único de "Verbo de Deus". Segundo João: en arkhe hen logos kai ó logos; hen pros ton Theon - No principio estava o Logos; o Logos estava em Deus. Logos, no entanto, tanto pode significar palavra, como máxima, sentença, decisão, promessa, argumento, ordem, notícia, inteligência, razão de uma coisa, juízo, explicação, valor que se dá a uma coisa, entre outros. O cristianismo fixar-se-á no Verbo, calculo, porque pretendeu assim remontar ao "Dizer de Deus" no Génesis. Isto, no entanto, terá consequências. E nem sempre as desejadas. Às vezes, até as opostas ao espírito inicial.

Ora bem, como vimos num postal anterior, a regra pressupõe uma regência, um reino, uma ordem hierarquizada. Como vamos descobrindo aos poucos neste, a lei instaura um léxico. Ou seja, a regra pertence à ordem das coisas, dos costumes, do cosmos; a lei pertence à estrita ordem da palavra. É claro que num certo sentido também poderemos dizer que a lei é uma espécie de regra escrita. Sim, mas nesse caso, na melhor das hipóteses, será sempre uma interpretação estritamente humana das regras, uma leitura mais ou menos fiel do mapa régio.

Neste contexto, uma das diferenças fundamentais entre o universo grego e o universo cristão-romano, sendo ambos duas mundovisões regradas, é que os gregos colocam as próprias regras antes e acima da hierarquia divina, enquanto os cristãos, enquanto reféns do pensamento hebraico, pessoalizam a regra na lei declarada pelo próprio Deus Ditador único. Quer isto dizer que, para o pensamento grego as regras são absolutamente misteriosas, eternas e metacósmicas -mesmo o Deus-Rex (Zeus) tem que cumpri-las; ao passo que para o pensamento cristão Deus Absoluto dita as regras - as regras são as regras estabelecidas por Deus. Deus lega também, decretando (o livro sagrado é na essência um código jurídico), a forma de cumpri-las; a Igreja faz a mediação e advoga. Convém ainda acrescentar que os gregos viam o divino como uma monarquia e ser-lhes-ia, para não dizer repugnante, culturalmente inaceitável concebê-lo como uma tirania solipsa, lexomaníaca e pseudo-abstracta. Para um grego, Ihavé seria monstruoso - uma caótica quimera que amalgamaria numa única figura toda a casta de princípios contraditórios e antagónicos: a força, o poder, a justiça, a verdade, o amor, a morte, a técnica, a natureza criadora, a inteligência, o ódio, etc. Ora, se havia coisa de que os gregos desconfiavam era destes hibridismos, da mistura entre entidades que por princípio não coexistem pacificamente. Para Iahvé teriam, pois, um nome bem mais apropriado, tanto quanto detestado e temido: Caos. Nisso, Hesíodo chega a ser profético e concordante com o Genesis.

O desenlace lógico desta cultura da "lei" séculos adiante? Maquiavel. Se não há regra, a lei do mais forte refina-se no mais forte colocar-se acima e dispensado de quaisquer leis.
Ou dito de outro modo: sem regra, a lei reflecte apenas as fantasias e aleivosias do momento a ferver e de quem nele a dita. Desliga-se da própria justiça e nenhuma virtude consagra. Vale a pena, a este propósito, escutar Aristóteles, na sua Ética:
«Razão houve, pois, para dizer que se faz justo o homem quando executa acções justas, temperado quando executa acções de temperança, e que caso não se pratiquem actos deste género é impossível que alguém chegue alguma vez a ser virtuoso. Porém, o comum das gentes não pratica estas acções e, locupletando-se de vãs palavras, criam mais uma doutrina e imaginam, através deste método, que adquirem uma virtude. Isto é, por assim dizer, o mesmo que fazem os enfermos que escutam muito atentos os médicos, mas que não fazem nada do que estes lhes receitam; e, assim, como uns não podem ter o corpo são cuidando-se dessa maneira, também os outros não terão jamais sã a sua alma, filosofando desse modo.»
A virtude pressupõe um hábito, um costume, um ethos. Isto é, a virtude pressupõe uma regra. Bom é, por regra, agir bem e não apenas agir obrigado por uma lei. Porque em não sendo voluntário, não é livre; e não sendo livre, não é deliberado, não é intencional, logo não pode ser virtuoso. Se atentarmos na nossa sociedade actual, constatamos uma permanente enxurrada de leis, decretos, multas e burocracias de toda a espécie para coagir os cidadãos a determinados comportamentos, inibições ou desregramentos. É, nua e crua, uma sociedade de escravos - de escravos que acreditam estupidamente que a emancipação de toda a regra significa liberdade, quando apenas consolida a submissão inerme à tirania cada vez mais despótica, opressora e totalitária da lei (e de quem a pilota ou teledirige). Uma lei, sublinhe-se e recorde-se, evadida da regra.
Chamam progresso a um regresso: ao Caos.


PS: Sim, eu sei que a Igreja, através de Tomás de Aquino, tentou bravamente arrepiar caminho . Mas suspeito bem, e a história indicia-o, que tarde demais. Os platónicos do costume já avançavam de dentuça arreganhada, patas na matéria livre, cornos nas nuvens matemáticas e a ciência moderna em riste. Ora, para as cacofonias mundanas, o Maestro Cósmico está-se bem nas tintas.

quarta-feira, novembro 11, 2009

A Disfunção pública (rep)

Fala-se muito em desembaraçar o Estado do seu número excessivo de funcionários. Ainda há dias, na entrevista à RTP, o ministro das Finanças apregoava não sei quantas centenas de funcionários em rampa de lançamento para um qualquer limbo ou aterro sanitário.
É evidente que o Estado, na medida em que se tornou refém de seitas e receitas partidárias (e não só), descambou numa espécie de cancro maior da Nação. Brada aos céus de escândalo a quantidade de mamíferos que por lá se recreia e locupleta. Mas, a bem do rigor, convém que sejamos sérios na análise destes problemas. Por isso mesmo, compete que se diga, com toda a clareza, que se há algo excessivo no Estado Português, e há, esse excesso, essa demasia não reside certamente no número de funcionários. Pelo contrário, os funcionários, tal qual o país, são poucos para tamanho Estado. Relembro até que no tempo em que ainda existia um Império para administrar, o Estado era menos de um quinto do que é actualmente. O País diminuiu, mas o Estado aumentou. Significa que o Estado vive a parasitar a Nação. Essa, de resto, é uma lei antiga e fatal em toda a parte do mundo, só que entre nós ganhou foros de regabofe épico. Porém, repito, e por estranho que pareça, não são os funcionários do Estado os responsáveis por tão descomedida voragem. Acreditem, espantem-se, arrepiem-se, façam como entenderem, mas não são. Querem a demonstração? Aí vai.

Os funcionários do Estado, efectivamente, são poucos: os disfuncionários é que são muitos. Este detalhe é sistematicamente escamoteado. E não devia. Pelo contrário, devia constituir ponto de partida para toda e qualquer diagnóstico sério da epidemia. Como é bom de ver, existe a Função Pública e existe a Disfunção Pública. O país está todo ele disfuncional porque o peso da Disfunção Pública é esmagador em relação à sua congénere. Querem exemplos?
Na educação (que é igual à Saúde, à Justiça, etc): lá estão os funcionários - os professores e os contínuos; e lá estão os disfuncionários - os administradores, os burrocratas do ministérios, a pandilha das DREs, os sindicalistas, os inspectores da pevide, etc. Os professores - isto é, os funcionários - padecem concursos, suportam nomadizações, aturam os educandos das televisões e dos futebóis (e na hora de tocar píveas aos orçamento, vão de charola para o desemprego, ou nem de lá escapam); os disfuncionários ninguém sabe como ali vão parar, mas, uma vez lá catrafilados, uma coisa é sabida: nunca mais de lá saem. A missão dos disfuncionários é impedir que os funcionários funcionem. Quanto pior os funcionários funcionem, ou seja, quanto melhor disfuncionem, mais disfuncionários são precisos para analisar, perceber e engenhar soluções para a disfunção dos funcionários. Invariavelmente, os disfuncionários, após grandes marchas e serões forçados, autênticas maratonas de fazer corar um kafka, descobrem que há funcionários a mais. A coisa não está a disfuncionar como deveria e inicialmente era previsto (por eles, naturalmente). É preciso espiolhar, avaliar e descobrir quem teima em funcionar. E pô-lo no olho da rua. A disfunção Pública só tem e cumpre um dogma inexorável: o único problema, fonte de todos os problemas, é a escassez de disfuncionários e o excesso de funcionários. Essa lei única, soberana e absoluta deriva do facto de todo o disfuncionário ter sempre um familiar, amigo ou confrade cujo contributo é imprescindível para a Disfunção Pública. Toda a Disfunção Pública será sempre pouca. Tudo isto pode parecer absurdo, mas não é: é apenas perverso.
E a perversão imbrica na mentalidade assaz cavilosa mas típica do disfuncionário: está convencido que ele é que é o funcionário e que a Função Pública é uma disfunção. Traduzindo para o concreto: o Estado não existe para servir os contribuintes; os contribuintes é que existem para servir o Estado. A escola não serve para instruir, nem educar; os tribunais não existem para ministrar a justiça; os hospitais não estão lá para zelar pela saúde dos cidadãos. Não, tudo isto existe para os disfuncionários brincarem às reformas, às experiências, às cobaias com o dinheiro e o coiro alheios -isto é: para os disfuncionários perseguirem, torturarem e sanearem os funcionários. A seguir ao 25 de Abril, faziam-no em nome da higiene política, agora fazem-no em nome da higiene económica. Não tarda muito e será em nome da higiene sexual.
Por outro lado, logo que se apanha na Disfunção Pública, o disfuncionário adquire a firme convicção que não é condignamente tratado: o dever do Estado é promovê-lo e subsidiá-lo em todos os seus caprichos e mariscadas. E ele não está ali para outra coisa. Desata pois a disfuncionar com todas as suas forças. Sabe que quanto melhor disfuncionar, tanto maiores serão as suas chances. Quando não andam a perseguir, torturar e sanear funcionários, os disfuncionários conspiram, insidiam, manobram e intentam ultrapassar-se uns aos outros. O pior, invariavelmente, vence e adquire poderes, privilégios e prorrogativas acrescidos.
De tudo isto, com é facil de calcular, resulta um panorama deveras pitoresco:
Há todo um Estadão a cavalo na Nacinha. Compõem-no um número cada vez mais reduzido de funcionários e um número sempre crescente de disfuncionários. Os disfuncionários apregoam o "estado mínimo", ou seja, um número mínimo de funcionários que sustentem laboralmente um número máximo de disfuncionários. Bem como um número máximo de contribuintes que paguem ambos, claro está. A tarefa dos funcionários é canalisar as receitas dos contribuintes para os disfuncionários e carrear as directivas e receitas destes para o país. Não há qualquer exagero em dizer que os disfuncionários são parasitas compenetrados de todo o restante dispositivo: parasitam laboralmente os funcionários e parasitam monetariamente os contribuintes. Alcançamos assim a demonstração inicialmente requerida: na verdade, o Estado não tem funcionários a mais, até tem a menos: o que tem a mais, disparatadamente, é parasitas. Consequentemente, o que qualquer governo sério precisa de reduzir, com a máxima urgência, caso pretenda impedir o fatal colapso de tamanho rilhafoles e rilha-orçamentos, é, sem sombra de dúvida, o número de parasitas, não o de funcionários.
Cito um caso emblemático e verídico: fulano X trabalha no Instituto Y. Não tem mesmo feito outra coisa na vida nos últimos 25 anos. Desunha-se todos os dias executando as tarefas de três mais a chefe e a chefe da chefe. Atura, além do som ambiente do galinheiro, os ralhetes e os humores pré-menstruais (ou pós-menopáusicos) da hierarquia. Ciclicamente, ainda contempla, a cada fim-de-mês, a passagem do cometa Z, um assessor/avençado/ou lá o que é misterioso, que só ali passa para receber a renda choruda inerente à sua condição fantástica (uma entre várias, manantes de diversos institutos, direcções e empresas). Pois bem, o Instituto Y já se desembaraçou de diversos funcionários, mas os cometas, esses, prosseguem inexpugnáveis. Cometas, plural, digo bem, porque, entretanto, de um passaram a dois. Lá vão surgindo, todo o fim-de-mês. São aos milhares, às constelações por todo esse país desgraçado. Provenientes e ioiozantes das galáxias partidárias. Dos buracos negros clientelares. Vão acabar connosco se não acabarmos com eles.
Este postal é caótico e a raiar o alucinante, mas não me culpem nem refilem comigo. Limitei-me a transcrever o mais cruamente possível a realidade duma terra lançada aos bichos.

terça-feira, novembro 10, 2009

Civilização helénica

Os senhores tradutores dos evangelhos -que, recordo, foram originalmente escritos em grego e é assim que cultivo o hábito de os ler -, grafaram, regra geral, na terceira bem-aventurança qualquer coisa como:
«Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra».
Depois do Céu ficar prometido aos "pobres de espírito (ou em espírito)", estaria assim a Terra destinada aos "mansos".
Esta palavra "mansidão" atribuída a pessoas soa mal. Mansos são, quando o são, os bichos ou as alimárias, de colo, casa ou carga. Está bem que o homem agora já regrediu a macaco, mas, mesmo assim, "manso" sempre me soou, e soa, com injusteza. Além de áspero, é deselegante.
Dizer, então, "benévolo", "calmo", "sereno", "tranquilo" ou "brando" parece-me descrição muito mais apropriada a uma qualidade do carácter humano.
Até porque o texto no original diz isso mesmo: "makarioi oi praeis". É certo que "praos" também pode significar manso, mas porquê traduzir "manso" e não "sereno", "suave" ou "benévolo" em se referindo a humanos?
E depois "possuirão"... Ainda soa mais áspero que "mansos". Também não é isso que lá está. "Kleronoymhesoysin" - de kleronomia - não significa "possuir", mas "herdar", no sentido de "participar e partilhar herança". Este "possuirão" faz imenso sentido numa bíblia protestante, sobretudo calvinista, mas o escândalo é que acabo de consultar duas Bíblias católicas (e dos Franciscanos/Capuchos, imagine-se).

As palavras de Jesus Cristo, segundo Mateus, no meu modestíssimo entender, andarão mais próximas disto:
«Bem-aventurados (eternamente felizes) os benévolos porque herdarão a Terra».

O que é que isto tem a ver com judaísmo? Rigorosamente nada.

No entanto, há um autor que também recorre a este termo -"praos-, enquanto virtude do carácter humano, definindo-o nos seguintes moldes:
«O homem verdadeiramente sereno sabe não deixar turvar-se nem arrastar pelas paixões, mas indigna-se quando a razão assim o determina e pelo tempo que ela lhe ordene".
Viveu antes de Cristo, alguns séculos, e chamava-se Aristóteles. (Ética a Nicómaco, Livro IV, cap. V)
O Homem sereno também se indigna, ou irrita, mas por justas razões e com justa medida. Tal qual Jesus se indignou diante dos vendilhões do Templo.
Não deve é confundir-se nunca com os coléricos e os rancorosos. Dos quais Aristóteles, como foi sempre seu timbre, nos deixou uma descrição lapidar:
«Os de carácter colérico irritam-se prontamente contra pessoas - e em ocasiões - que o não merecem. É certo que também se apaziguam depressa e é o melhor que fazem. (...) Assim, os coléricos são dotados duma vivacidade excessiva: irritam-se por tudo e contra todos, donde lhes provém o nome que se lhes dá. Os homens rancorosos, todavia, são mais difíceis de governar: a sua irritação dura largo tempo porque sabem dominar os ímpetos do seu coração e não se apaziguam enquanto não tiverem devolvido o mal que lhes tenham feito. Só a vingança aplaca a sua cólera, porque apenas mediante ela o prazer substitui a pena que os devora. Mas enquanto o seu ressentimento não estiver satisfeito, carregam um peso que os oprime, e como não o manifestam às claras, ninguém pode curá-los através da persuasão. É necessário tempo para que a cólera se corroa a si mesma; tais espécimes são os mais insuportáveis dos homens para si próprios e para os seus amigos mais próximos.»

Judaico-cristão é um oximoro. Dos mais gritantes e dignos de indignação.

E agora que, decerto, já despertei a cólera duns e reavivei os rancores de outros, retiro-me. Tranquilamente.

domingo, novembro 08, 2009

À beira da sepultura



O método analógico ainda é o melhor. Imaginando a civilização como um automóvel, a ciência corresponderia ao acelerador, a religião ao travão e a filosofia ao volante. Numa civilização saudável, como num conjunto motorizado em perfeitas condições de funcionamento e operação, prevaleceria uma harmonia entre os diversos órgãos de condução. Sem acelerador, a máquina não avança; sem travão, despista-se seguramente; sem o volante, não viaja nem logra um destino. Da mesma forma, o excesso de acelerador, como o excesso de travão, ou o excesso de guinadas no volante não constituem forma fiável de condução. No momento em que a nossa civilização, segundo dizem, despontou, na Grécia Antiga, posso garantir, um conceito congregava as obsessões daquela boa gente: equilíbrio. Vinte e muitos séculos depois estamos nos antípodas do nosso próprio berço: a actual cultura equivale a um veículo sem volante, quase sem travões e com o acelerador a fundo. Mais que à beira do desastre, eu diria que nos encontramos à beira da sepultura.

sábado, novembro 07, 2009

Resfolegar




Mandei lavar o convés, remover as teias do tombadilho e desenferrujar os canhões. Com um bocado de sorte, ventania a preceito e vaga de feição, isto ainda navega!...

Entretanto, alguns leitores, por email, reincidiram numa questão que ciclicamente sobrevem: onde podem comprar o "Tratado da Besta"?
Bem, leitores, a resposta é simples: não podem. Não está à venda. Lê-se aqui de vez em quando, quando a telha mo consente ou as teias do acaso o permitem. Há privilégios (desprazeres, ou calafrios), risquem onde não interessar, absolutamente exclusivos aos leitores desta anacrónica página.

Quanto ao autor do referido tratado, anda a escrevê-lo há coisa de dez anos, mais dia menos dia, a pensá-lo há trinta e a vivê-lo há bastantes mais . Não sou exactamente eu, mas é quase como se fosse. Participa da minha inteligência mas vive arredado, a léguas, da minha liberdade. Eu chamo-lhe o "rapaz do andar de baixo". Entre nós existe um contrato vitalício: ele fornece-me o tempo, eu forneço-lhe a luz. Sem tempo não há luz; sem luz, a eternidade inteira não chegaria.

Sete fôlegos, dizem, tem o gato. E não voa.

PS: Fala-se muito em direitos de autor. É como tudo: devia falar-se, sobretudo, em deveres de autor. O de não se vender feito puta seria o principal de todos eles. Ocorreu-me esta bela ideia, anteontem, ao entrar no "Continente" e deparar logo de entrada com uma esquina onde competiam, em maquilhagens de lupanar, a última do Saramago e a última do Dan Brown. Se a alfabetização foi para isto, então, em verdade vos digo: abençoados os analfabetos!

Deixo-vos com esta verdadezinha final, para meditarem nas horas livres: quanto mais baixo desce o homem, mais inclinado e autorizado se sente a julgar e corrigir Deus.



sexta-feira, outubro 30, 2009

sábado, outubro 24, 2009

No Tribunal de Caim

Já que tanto falam em Caim...

«É uma parábola antiga: ‘um dia, Deus, bom pastor, decidiu recuperar a ovelha perdida. Ponderou que estava na hora do céu festejar o regresso do filho pródigo. Já era tempo do remorso e o arrependimento, a provação e o desterro, terem feito o seu trabalho. Chamou Abel e disse-lhe: “Vai procurar teu irmão que eu ostracizei para longe do meu rosto. Perdoa-lhe e diz-lhe que volte, pois é tempo da alegria voltar a céu!” Abel assim fez. Desceu ao Vale da Morte, nos confins da Ignomínia, onde o Rosto de Deus nunca se debruça, e encontrou o irmão, de semblante carregado e esgar meditabundo, sentado num degrau, junto às portas da cidade. Abel exultou e, de olhos radiantes, exclamou: “Ah, meu irmão, que saudades eu já tinha! Alegra-te! É tempo de deixares cair esse luto que te cobre o rosto. O Senhor nosso Pai enviou-me e eu venho para te dizer que te perdoo. Estás perdoado, meu irmão! Agora levanta-te e vem comigo para que o nosso Pai te reveja e o céu celebre o teu regresso!...”
Donde estava, Caim fitou Abel. Fitou-o de muito longe, dum confim gelado e sombrio. Depois falou:
-“Passaram-se muitos anos. Ajuda-me a levantar, que já estou velho e trôpego.”
Abel acudiu, solícito. E quando ele se baixou para amparar o irmão, Caim, com arte refinada, matou-o, agora a sangue frio, pela segunda vez.’’

(...)

E nem sequer é o “homem lobo do homem”, como dizia o hirsuto Marx: é que, ao menos, os lobos têm a ética suficiente para não se comerem uns aos outros. Ao contrário dos homens.
Portanto, tendo em conta tudo o que, desde a História ao quotidiano, parece firmar-se como lógica recorrente e obsessiva, é-nos francamente permitido inferir uma primeira evidência, no que concerne às finalidades cleptocratas: independentemente de quais elas sejam, constata-se, com clareza e antes de tudo, que nunca se alteraram, mantêm-se as mesmas desde épocas imemoráveis. As razões e os motivos da violência – sendo que reside na violência o cerne emblemático da operação cleptocrata –, resistem intactos, incorruptíveis ao tempo e ao uso, quer um quer outro, ininterruptos. Apenas a violência aumentou, desenvolveu-se, exorbitou, numa espiral frenética e orgástica, festim macabro, espécie de cataclismo inesgotável –Antropomoto – em que as sucessivas e cada vez mais destruidoras réplicas outra coisa não repercutem que as ondas, sempre amplificadas, do primeiro golpe. Como se no mundo humano, que a toda a hora se inflama e recrudesce, o fratricídio primordial constituísse, obscuramente, a versão perversa mas efectiva de todos esses princípios originais e activantes que a filosofia ( e a própria ciência) inventariam: do “motor imóvel” Aristotélico ao Big-Bang astrofísico, sem esquecer o “dominó divino” do Mundo-máquina de Descartes. Quer dizer, é como se nesta maquinaria infernal em que, paulatina e inexoravelmente, se vai consubstanciando o mundo, fosse o sangue o combustível energético; e o gesto do fratricídio inicial, congregasse no mesmo acto a infâmia e a demiurgia. Simultaneamente, insinua-se e adivinha-se nesse mesmo mundo a resposta de Caim à maldição divina*:
-“De futuro, serás amaldiçoado pela terra, que, por causa de ti, abriu a boca para beber o sangue do teu irmão. Quando a cultivares, não voltará a dar-te os seus frutos. Serás vagabundo e fugitivo sobre a terra”. – Sentencia-o Deus.
-“Eu, que não tenho lugar, desterrado e filho de despejado, vou construir o meu próprio lugar. Eu, a quem o sangue do meu irmão veda o cultivo da terra, vou cultivar o sangue do meu irmão.” – Parece ter sido, arrepiante, a resposta. Deveríamos entendê-la, pois vivemo-la na sua insofismável actualidade e presença. A raça de Caim é uma raça irascível e belicosa: “Matei um homem porque me feriu, e um rapaz porque me pisou –se Caim foi vingado sete vezes, Lamec sê-lo-á setenta vezes sete.”, garante e prescreve o seu quadrineto. Nem o tempo, nem a história atenuarão a violência, ou abrandarão a cólera e o rancor.
De resto, como já anteriormente explicámos, o mito é intemporal: não refere propriamente um passado, feito e acabado, mas profere, veladamente, um ciclo intempestivo, perene. Aquilo que uma cronovisão botiqueira como a actual chama de “presente” e “futuro” não está imune nem impermeável ao mito. Longe disso. Por muitas barreiras e vedações que se projectem e erijam entre os momentos, na forma de horas, dias, meses, anos, gerações, séculos, por muito que se tente manter os seres ostracizados e aprisionados nessas celas estanques, nem uns nem outros –os momentos e os seres –, são domesticáveis ou encurraláveis a esse ponto. Tais baluartes e estrebarias não passam de ficções grosseiras e aleijadas, convenções utilitárias e mercantis que em nada revelam de autêntico. Manipulam, manobram, manifestam, em suma, ajustam-se e adaptam-se à “mão”, mas não ao espírito. O que quer que está, e sempre esteve, para lá desses embustes, provavelmente flui, sem intervalos nem retalhos, indiferente ao “antes” e ao “depois”, ao “agora” ou “antigamente”. Quiçá, na profundeza, o trajecto de cada existência, mais que um sucesso separado e autónomo, antes traduz um re-viver eterno, uma restauração do ser enquanto apuramento, em suma: uma analépsia pela catarse. Essa seria a dimensão trágica da existência, que os antigos percebiam claramente. E não podia podia estar mais longínqua da actual, tecnoeficiente, cinemática, onde a amnésia e a hibridação imperam. Não obstante, quem olhar sem segundas intenções, lobrigará que detrás dum pseudo-progresso em permanente remodelação e reinvenção é, ainda e sempre, Caim que opera. Apenas a multiplicação se altera, pela mera aceleração: “setenta vezes sete”, ou “setecentos vezes setenta”, ou “sete mil vezes setecentos”, a operação nunca mais pára, numa exorbitância sem fim, numa conta sempre a levedar, com juros e moras. Porque tanto quanto irascível e belicosa, a raça de Caim é uma raça de cobradores. No acto de matar e roubar é também uma forma de indemnização que se consuma: a desforra duma ofensa, prejuízo, carência ou inferioridade. Da mesma forma que uma misofratria que se resolve. Daí ao Blobglob, quintessência daquele homem que não deve nada à vida e ao cosmos, mas a quem tudo e todos devem, com hipoteca e prémio, vai um caminho lógico e uma linhagem insigne.
Essa convicção sublime, também ela incorruptível à experiência e aos tempos, gera frutos providenciais. O primeiro deles é de índole psicológica: o cleptomaníaco (independentemente do grau hierárquico que ocupa na cleptocracia) convence-se que não rouba, apenas cobra. A sua parte, entretanto, deixa de ser a “parte confiada pelo destino” para passar a ser a quantidade que ele tem capacidade de cobrar. Quanto ao alcance e regras da cobrança, são definidos através de contratos, onde ficam consignados a força e a justificação de cada qual. Em suma: estabelece-se o quinhão respectivo. Aparentemente, o contrato estipula a força; mas, efectivamente, é na verdade o contrário que se passa. A evolução histórica comprova-o e concretiza-o.»

- in "O Tratado da Besta" (Helionecrose e Hegemonia - Iª Parte: Ocídio e Odisseia)


Caim construiu cidades para nelas cultivar Tribunais; e fez da sua própria alma uma cidade, que, ano após ano, com energia de formiga e astúcias de aranha, labirinta e fortifica. Nesses tribunais, - no açougue que funciona no rés-do-chão, mais precisamente-, toda a carnificina tem como fulcral intuito o mero ensaio para um único, exclusivo e imarcescível réu: Deus.

"Se, no primeiro dia, expulsaste o meu pai do Teu Paraíso, eu, no último, hei-de expulsar-te do meu Inferno!"
Caim não esquece. Nem perdoa.

terça-feira, outubro 20, 2009

Super-desnível

E ainda dizem que não prestamos, que somos uns pelintras!...

Pois vamos em 5º, a nível mundial, e apenas suplantados por Hong-Kong, Singapura e os dois Estados Unidos (o giga e o nano). Escandinabos, roei-vos de inveja!

Deve ser por isso que temos cada vez menos nível: estamos a apostar tudo no super-desnível. E diabos nos levem se não estamos a conseguir, com uma perna às costas! Já somos dos melhores, entre os piores.

Recapitulemos então os três famosos Dês da cegada abrileira: Descolonização, foi a debandada que se viu; Democracia, é o delapidanço que se vê; Desenvolvimento, há-de ainda desmesurar-se no desnível - o super-desnível - que se verá.

Eles vivem.

terça-feira, outubro 13, 2009

Pornocracia global

«Goldman Sachs set to announce record $23billion bonus pot».


O Império do obsceno. Quaisquer outras palavras serão puras redundâncias destas quatro.

Ética republicana

Um caso mais que típico: emblemático. E endémico.

É por isso, e tantas outras coisas, que sempre que oiço alguém falar em "ética republicana", tanto quanto ir a correr buscar a espingarda, reúno a certeza plena de estar na presença solene dum real filho da puta. Raramente falha, a dedução.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Pedagogias evolutivas

É claro que tem havido evolução. Serei sempre o último a negá-lo. Na educação, por exemplo, ela tem sido mais que evidente: a máquina até há uns anitos atrás produzia simples chouriços; agora, já produz toda em vasta diversidade de enchidos psicopatas.
Basta atentar nas chamadas "praxes".

Pelo ralo

Parece que esta choldra hodierna que responde pelo inverosímil nome de "portugueses" é composta por duas classes substanciais: os pobres envergonhados e os ricos desavergonhados. E o mais triste e rastejabundo de tudo isso é que a principal vergonha que aflige os primeiros, ao que consta, é não serem iguais aos segundos.

segunda-feira, outubro 05, 2009

Da República



«O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a república é que não estava. Grandes são as virtudes de coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos - porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com o seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos - de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regimen a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei da separação da Igreja e do Estado - todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da monarquia.
A monarquia, desagregando a Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A república veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da monarquia, estava ela, a monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a república, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a república instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em admninistração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na monarquia era possível insultar por escrito impresso o rei; na república não era possível, porque era perigoso, insultar até verbalmente o sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da república teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas cousas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma cousa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regimen está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se.
Este regimen é uma conspurcação espiritual. A monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada, nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a república veio a ser.»

- Fernando Pessoa, "Da República"

domingo, outubro 04, 2009

Viva o REI!

Diz o Rui Albuquerque (um dos poucos liberais vertebrados cá da paróquia) que "algumas almas caridosas penam por aí pedindo o fim da Terceira República e o advento de uma Quarta".
Devo informar que não pertenço a tal bando de almas mais depenadas que penadas (ou implumes, rememorando Diógenes). Na verdade, não sou pelo fim da Terceira República: sou pelo fim da República, toda ela, com os números todos que inventem e duma vez por todas.
É que se a coisa funciona a pedido, então, ao menos, não sejamos pobres no pedir. Já que no resto, sobretudo na coerência, na verticalidade e na autenticidade, somos, regra geral, duma indigência atroz.

A Bloga-fera


Legenda: Blogger partidário surpreendido em flagrante despejo.

PS (ou PSD): onde reza partidário, o republicano subentende-se.

sábado, setembro 26, 2009

Os Costas em castelo

«Apontou Vª Excª à execração pública o autor de semelhante trecho, desapiedado e mau. Peço encarecidamente a Vª Excª que me deixe vincar bem o quanto eu, longe de retirar essas frases, mais convictamente e mais ardentemente as apoio e as vinco. O chefe do partido democrático não merece a consideração devida a qualquer vulgar membro da humanidade. Ele colocou-se fora das condições em que se pode ter piedade ou compaixão pelos homens. A sua acção através da sociedade portuguesa tem sido a dum ciclone, devastando, estragando, perturbando tudo, com a diferença, a favor do ciclone, que o ciclone, ao contrário do Costa, não emporcalha e enlameia. Para o responsável máximo do estado de anarquia, de desolação, e de tristeza em que jazem as almas portuguesas, para o sinistro chefe de regimentos de assassinos e de ladrões, não pode haver a compaixão que os combatentes leais merecem, que aos homens vulgares é devida. Costa nem sequer tem o relevo intelectual que doure a sua torpeza. A sua figura é a dum sapo que misteriosamente se tornasse fera. Pode ter-se compaixão por aqueles por quem se tem ódio. É impossível a compaixão por aqueles por que se tem ódio e nojo, conjuntamente. Por isso eu quero frisar - e sei que ao frisá-lo estão comigo os votos de grande número dos portugueses, dos católicos oprimidos, das classes médias atacadas, dos cidadãos pacíficos assaltados nas ruas, de todos aqueles que o general Pimenta de Castro representava - que só não se regozija, no desastre acontecido a Costa, a circunstância, que infelizmente se parece confirmar, do seu restabelecimento.»

- Fernando Pessoa (in A Oligarquia das Bestas)

O que Pessoa, com toda a propriedade, justeza e razão, diz de Afonso Costa pode - e deve - ser dito, redito e proclamado acerca dos sucedâneos hodiernos deste. Eu, pelo menos, não encontraria palavras mais justas para embrulhar e condecorar, sem excepção, todos os primeiros-ministros deste regime pós-revolucinha dos Cravões. E estou seguro que amanhã, ganhe quem ganhar, será mais uma coisíssima destas a ver-se entronizada.

Aproveito para informar que, com a generosidade fogosa que me caracteriza, inauguro neste feliz postal as comemorações do centenário que se avizinha (e traz tanta besta ocupada).

sexta-feira, setembro 25, 2009

Declaração de não-voto




Eu já aqui o disse, preto no branco, mas aproveito para repetir (nunca é demais): Eu não voto. Nem hoje, nem ontem, nem amanhã, nem nunca. Mas não é por comodismo, preguiça ou indiferença: é nojo mesmo!

O problema fulcral de Portugal (do que resta dele, enfim) não se resolve com partidos políticos. Isso seria pedir ao problema que se auto-resolvesse.

Votar é coadjuvar, colaborar, ser conivente na legitimação deste regime de para-feudalismo recauchutado, importado e sulfatado que, pior que simplesmente oprimir, nos pulveriza, liliputeia e aniquila em câmara lenta. Agora dourem a pílula - na verdade, o supositório -, com as baboseiras canoras que a formatação consinta. Cubram-na com os cremes ou chantillis que mais vos convenha ao paladar. No final de contas, tudo isso tem um nome muito simples, concreto e técnico: é a vossa vaselina. Barrem-se nela. E que vos faça bom proveito.

Banzai!

«Japan Abandons America»

Ora bem. Nem tudo são más notícias!...
Mas temo bem que, subitamente, se comece a recordar toda uma série de atrocidades do tempos em que o Japão saltava ao eixo e, por conseguinte, era cúmplice naquelas coisas que Hollywood sabe.

quinta-feira, setembro 24, 2009

Lesa-democracia

Agora é que os tipos do Irão a arranjaram bonita. Menoscabar os tampinhas ainda é como o outro: cobra a título de folclore. Mas ir-lhes à algibeira desta forma atroz... Isto ainda vai dar calor no estreito e os preços do petróleo em ascensão súbita à estratostafera (se me é permitido o neologismo acintoso).

domingo, setembro 20, 2009

A Osmose

Meditando sobre o postal anterior, e em especial sobre os números, ocorreram-me algumas intuições premonitórias que não desmerecem partilha.
Para começar, aqueles 76 milhões de "gravidezes indesejadas"/ano...
A semântica é elucidativa: não tardará muito e haverá "numerus clausus" não só para a universidade, a academia e a carreira artística, como também para a própria vida. Além disso, 76 milhões (molhões, se preferirem) de gentinha não planeada ou autorizada (e, por conseguinte, clandestina) à flor do planeta autorizará, por certo, o abate de outros tantos para efeitos ( e enfeite) de balanço anual e contas (acerto, esse, que, de resto, já presumo mais ou menos em andamento).
Depois, aquele atestado de estupenda contabilidade marçana onde somos solenemente notificados da poupança que representa, em toneladas de dióxido da treta, cada 7 dólares de "planeamento familiar". Magnífico, irmãos! Nada como o investimento em preservativos para antipirético global. Já imagino até a euforia da Goldman Sachs a traficar produtos financeiros em conformidade. Cada barrete que o indígena, no seguimento da cabeça de cima, enfie na cabeça de baixo, vai ajudar a salvar os gelos polares e, por alma deles, os insectódromos à beira-mar plantados. Aceitam-se apostas.
Isto - toda esta obsessão planificadora da incubação alheia -, entretanto, transporta-me a algumas considerações abismais. A principal é que estes tipos neo-tudo e mais alguma coisa, que manifestam uma verdadeira e ululante fobia por tudo o que seja ou represente planeamento económico, regulação financeira ou travão industrial, depois, numa espécie de compensação perversa, desatam em ímpetos e fogosidades de planeamento familiar, como se, afinal, o verdadeiro culpado da poluição global não fosse a emissão de gases, mas a emissão de esperma. Quer dizer, a culpa não é do consumo desenfreado, nem da ganância massificada e exorbitante; não, a culpa é do caralho. E da sua cúmplice pérfida no sinistro empreendimento: a vagina fértil. Torna-se assim mais que evidente que tal qual os comunas cultivavam o frenesim de planear e controlar o colectivo, estes agora ardem em furores de planificar e formatar o indivíduo. A minha explicação para um fenómeno do entroncamento destes? Se repararmos com alguma atenção, constataremos que grande parte destes mercantileiros fanáticos do presente foram comunistas ferozes no passado. Não perderam as taras, nem minimamente delas abdicaram: apenas as transferiram. Não foi, pois, o sujeito que mudou: foi sòmente o objecto. O filho da puta, profissional, aliás, possui essa idiossincrasia bestial: é imutável, insensível e acima de tudo, imune. À realidade.
Nunca tive problemas com Jesus. "Estradas de Damasco" é que, nem com molho de cebolada, engulo. O verniz muito superficial dos marranos, sejam eles de que escória forem, estala-lhes com a facilidade inerente aos caprichos da moda ou aos solavancos da conjuntura. E muda de cor -e de cor apenas - conforme muda o vento.

A verdade é que nem o capitalismo triunfou duma vez por todas, nem o comunismo faliu de vez. Nem esse mal apenas, nem esse bem tão pouco - foi o pior de dois mundos: fundiram-se. À competição sucedeu a amálgama. Culminar inerente à trampa: a osmose.

quarta-feira, setembro 16, 2009

A Fabulogogia ou Educação pela Fábula

«Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e seleccionar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas, persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar as suas almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que o corpo com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve rejeitar-se.
- Quais?
- Pelas fábulas maiores avaliaremos das mais pequenas. Pois é forçoso que a matriz seja a mesma e que grandes e pequenas tenham o mesmo poder. Ou não achas?
- Acho. Mas não entendo quais são essas maiores que dizes.
- As que nos contaram Hesíodo e Homero - esses dois e os restantes poetas. Efectivamente, são esses que fizeram para os homens essas fábulas falsas que contaram e continuam a contar.»

- Platão, "Política" (vulgar, e grosseiramente, traduzido por "A República")



Uma república onde não caibam os poetas não lembra ao diabo e talvez só lhe sirva a ele. Todavia, lembrou a Platão. Entendeu que do seu mundinho perfeito deveriam ser expulsos Homero, Ésquilo, Píndaro e Sófocles, só para citar alguns dos gigantes sobre cujos ombros ele, o contador de Sócrates, assentava. É certamente digno de riso e mereceu bem todos os sarcasmos abençoados que Diógenes lhe dedicou.
Isto não retira grandeza a Platão, apenas lhe retira algum brilho. Ou, melhor dizendo, apenas lhe confere um lado sombrio, como é próprio dos astros que gravitam em redor das estrelas. As suas destilações políticas, de resto, são o mais pobre que a sua filosofia tem, não tanto ao nível do diagnóstico, mas de todo ao nível da terapia. E aí inaugura uma galeria de tecelões da utopia e tricotadeiras da felicidade pública que teve no hirsuto Marx o último - tanto quanto o mais rasteiro e lamentável - dos epígonos. Platão, aliás, como castigo (ou recompensa), merecia visitar, em peregrinação turística, a União Soviética das sistemáticas purgas e atestar, na realidade concreta, da excelência das suas receitas.

Entretanto, podemos constatar como esta "educação pela fábula" nunca foi tão efectiva e exuberante como nestes nossos dias. Dispenso-me de enunciar algumas das principais. Quem tiver olhos que veja; quem tiver coração que pense.

terça-feira, setembro 15, 2009

A Genealogia do Matadouro - V. Assírios e paradigmas

Julgo que vem muitíssimo a propósito esta reposição. Até porque não sei se repararam mas a imagem em epígrafe no postal anterior refere-se a Assur...

Então, aí vai. Para os mais dados à dispepsia, recomendo um bom alka-seltzer após.

«Nada é mais estranho à mentalidade do oriente Antigo do que o amor pela paz, afirmado ruidosamente, ao longo de toda a História, desde os romanos até á época actual. Porque, para os reis de Assur e alguns outros, como os da Babilónia, do Urartu, ou os soberanos hititas ou kassistas, a guerra não é uma calamidade, mas um culto prestado aos deuses. A dignidade da guerra está no seu carácter religioso; o inimigo não só é um criminoso, como é um sacrílego e nenhum castigo será demasiado cruel. É claro que um bom despojo, em homens, em animais, em ouro ou em objectos preciosos, constitui um ganho não negligenciável, mas a economia não explica tudo. Muitas guerras, na verdade, só servem para afirmar um poder, um apetite de domínio, a vontade de hegemonia que são os mobiles determinantes das expedições que resultaram na constituição desses imensos impérios heteróclitos fundados por assírios, hititas ou babilónios.
Esta ânsia de poder traduz-se muito cruamente na condução da guerra e no tratamento dado aos países e aos povos vencidos. Não se contentam em pilhar, devastam; incendeiam as aldeias; arrasam as cidades e destroem as colheitas. Amontoam pirâmides de cabeças à entrada das cidades; degolam vivos os chefes inimigos; empalam prisioneiros e só deixam ruínas atrás de si. Adad-Nirazi II reivindica o título de aniquilador e a glória de Sargão é a de espalhar lágrimas para todo o sempre.
Os inimigos são sub-homens para os quais não pode haver piedade.»
- Guy Richard, "A História Inumana"


«Depois de tomar uma cidade, Assurbaníbal gabava-se: “Corto-lhes a cabeça. Asso-os no fogo, uma pilha de homens vivos e de cabeças contra a porta da cidade hei-se pôr. Os homens empalarei com estacas. A cidade eu destruí, devastei. Fiz dela um montão de ruínas, os jovens e donzelas na fogueira queimei”.
Esta espécie de chacina ritual é particularmente endémica na guerra de cerco, embora ocorra a seguir a acções de campanha. Claramente distinta do confronto táctico propriamente dito, parece mais estreitamente aparentada com experiências relativas à caça. Bastante literalmente, o vencedor põe de parte quaisquer sentimentos de vulgar humanidade e entrega-se à matança pela matança. Se era por faltarem ao homem os mecanismos inibitórios de um predador natural ou simplesmente por ajustamento cultural, é impossível dizer de momento. Mas a espécie humana, e particularmente os Assírios, pôs uma terrível capacidade ao serviço da causa da guerra e da política, uma capacidade que um dia levaria aos campos da morte de Auschwitz e à colocação de armas nucleares com populações urbanas por alvo.
Mas, como sempre, por detrás da sangueira andava o dedo calculista e o interesse egoísta. Mal parava a matança, começava o roubo e a exploração económica.»
- Robert L. O’Connell, “História da Guerra”

«Terminado o massacre dos habitantes de Ai tanto no campo como no deserto, para onde haviam saído em perseguição dos israelitas, depois de todos terem sido passados ao fio de espada, todo o Israel voltou à cidade, matando toda a população. O número dos que morreram naquele dia, entre homens e mulheres, foi de doze mil, todos da cidade de Ai. (...) Os israelitas tomaram para si os rebanhos e o espólio da cidade, conforme o Senhor havia ordenado a Josué. Josué incendiou a cidade de Ai, reduzindo-a para sempre a um montão de ruínas, como ainda hoje está.»
- Antigo Testamento, Josué, 24-27


sábado, setembro 12, 2009

Extermínios (com)Prometidos


Agora, para loucuras mais sérias - ou a continuação das mesmas, mas com invólucros bem mais perigosos:
«The rise of Israel's military rabbis»

Este trecho, então, é delicioso:
«Rabbis handed out hundreds of religious pamphlets during the Gaza war.
When this came to light, it caused huge controversy in Israel. Some leaflets called Israeli soldiers the "sons of light" and Palestinians the "sons of darkness". »


Embora, ressalve-se, nada original.

Para uma demonstração eloquente, socorro-me dum historiador que, além de conceituado, é judeu. A páginas tantas, escreve ele numa das suas obras mais importantes:
«Nos manuscritos do Mar Morto surge uma versão muito semelhante. Quem quer que tenha sido a seita que os concebeu, subscrevia por certo - pelo menos em determinada época - grande parte da demonologia aceite pelos judeus que escreveram e leram os apócrifos. Por outro lado, em alguns desses escritos encontra-se uma ideia que haveria de ter um desenvolvimento espectacular nos séculos seguintes: a ideia de que o Diabo (Belial, Satanás, ou como quer que se lhe chame) conta com servidores entre os homens e as mulheres vivos, colaboradores humanos, por assim dizer, das hostes de espíritos do mal. No documento conhecido como "A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas, escrito provavelmente no tempo de Jesus Cristo, a seita prepara-se para uma guerra de cinquenta anos durante a qual os seus membros, na qualidade de "Filhos da Luz", exterminarão os gentios, denominados para o efeito "Filhos das Trevas" e também "Filhos de Belial".»
(- Norman Cohn, in "Europe's Inner Demons")

Podemos assim constatar que a seita não evoluiu muito, se é que evoluiu alguma coisa. ´Mas isso não constituíria novidade, nem problema, se não amanhecesse à pendura duma singular e revolucionária circunstância: é que agora já tem armas nucleares. Para não falar, por mero pudor, de todo num arsenal convencional até aos colmilhos.

Quanto ao título e modelo para estes rabis agit/prop, resume-se em duas palavrinhas: comissários políticos.

Além disso, não menos evidente - embora constante, grosseira e militantemente escondido - é o facto historicamente comprovado dos sectarismos peregrinos duma qualquer "Terra Prometida" (leia-se judaísmo e neo-judaísmo, vulgo protestantismo), demandarem com afã de possessos e paixão de alucinados tanto um território quanto um extermínio. O contrato de promessa, de resto, garante esses dois quesitos essenciais (e animadores da aventura): a Terra e o extermínio de quem lá habita. No fundo, as duas faces da mesma moeda, com que uma qualquer divindade de submundo e subúrbio cósmico gratificará, um dia, decerto fantástico, os seus inermes sabujos.



quinta-feira, setembro 10, 2009

Revisionismo Culinário - 2. Leitão à Bairro Anti-semita




«O leitão à Bairro anti-semita é uma iguaria de excelente qualidade, preparada com um bacorinho de 8 a 10 kilos, que, depois de assado, dê 4 a 6 kilos no máximo.
É condimentado com uma pasta de alhos moídos, sal, banha e pimenta preta, e assado em espeto de madeira, em forno de lenha.
Serve-se com laranja, alface e batata cozida com a pele.»

Depois, trincha-se em nacos sugestivos e espalha-se pelo cemitério judeu mais próximo.

Revisionismo culinário - 1. Cozido à Anti-semita

Ingredientes:

«1/2 galinha gorda - 350 gr de presunto - 350 gr de carne de vaca - 1 chouriço de carne - 1 chouriça de cebola - 1 morcela - 1 farinheira - 250 gr de orelheira de porco - 2 pés de porco - entrecosto - 3 cenouras - 1 couve tronchuda - 5 batatas - 350 gr de arroz - sal»

Confecção:

«Numa panela grande com água, introduzem-se as carnes, excepto o presunto e o chouriço,» que devem primeiro ser passados pelo Hanuchà. «Quando a galinha estiver meio cozida, introduzem-se então, o presunto e o chouriço. Meia hora depois, retira-se metade do caldo e reserva-se.»

« Com metade deste caldo cozem-se os legumes. Rectifica-se os temperos.

Com a outra metade, prepara-se o arroz. Põe-se o caldo a ferver, à parte, juntando mais um pouco de água, a quantidade necessária de modo a que fique um arroz solto.

Levantando fervura, junta-se o arroz e deixa-se cozer. Rectifica-se os temperos.

Para servir, coloca-se a galinha e a carne de vaca cortadas aos bocados, no centro de uma travessa e à volta, põe-se a orelheira e o presunto também cortados aos bocados, o chouriço às rodelas, as cenouras, as batatas e as couves. O arroz serve-se numa travessa à parte.»

Depois, leva-se tudo, com muito cuidado, e deposita-se na sinagoga mais próxima. Os pés de porco, naturalmente, em destaque.

terça-feira, setembro 08, 2009

Anti-semitismo às fatias


Alguém -criaturas certamente hediondas e perversas, em quantidade incerta mas seguramente fervilhante - depositou, por perfídia calculada e ódio antigo, fatias de bacon nas maçanetas e no buraco da fechadura da porta da sinagoga de Leeds. Pois é, leitores, leram bem: fatias de bacon! Toucinho, senhores! E então, que mal é que isso tem?... Mas será que sou eu, agora, que estou a ouvir bem?! Mangais? Nem me digno responder-vos. Cedo a palavra, para o efeito, à voz cabal e autorizada, bem como representativa, de "Dan Cohen, chairman of the Leeds Jewish Orthodox Community Group". Chocado, horrorizado, declarou aos repórteres:
This is massively offensive. This is no different to daubing a swastika on the door. This is of that magnitude and it's very worrying.»

-«É um crime de ódio!» - Brama, entretanto, Trude Silman, presidente da HSFA (Holocaust Survivors Friendship Association).

E a polícia, preocupada, nervosa, já enviou peritos, às brigadas, a fim de esquadrinharem os maculados portais em busca de impressões digitais.
Impressões digitais? Mas então o demónio não tem cascos? Não seria mais pertinente pesquisarem pegadas?...

PS: Vencido o pasmo, espero conseguir, num próximo postal, algumas elucubrações apropriadas a uma monstruosidade destas.