sábado, janeiro 31, 2015

Package tours ou Do Turismo-fascismo



Estava ali a observar uma notícia que dava 5 jovens portugueses como suspeitos de terem andado em turnée  assassina com aquele circo psicopata do denominado Exército Islamico.
Quem venha escutando o amplo ruído mediático à volta do macabro fenómeno vê-se estimulado a acreditar que se trata, no essencial, duma operação de sedução ideo-religiosa. Agentes e agências de propaganda terrorista atraem, com a sua retórica fundamentalista, jovens em idade ou situação particularmente vulnerável à mensagem.
Cada vez tenho menos dúvidas de que se trata, isso sim, duma operação essencialmente financeira. A conversão ao Islão não passa de mera fachada, formalidade folclórica. A malta é engodada com remuneração apelativa, viagens pagas a locais exóticos, licença para matar (isto é, promoção da play-station à realidade sem custos nem limites de tráfico online; ou dito com maior propriedade, passagem do simulador de psicopatia ao parque aberto) e vandalismo à descrição.(upgrade 4G no espírito da claque de futebol). Mais armamento topo de gama e roupa ultra cool, das melhores marcas e proveniências, dispensa de escanhoamento e sexo à vontade.
Experimentem colocar um anúncio nos classificados dum jornal com o seguinte teor: "Emprego no estrangeiro; remuneração mensal de 2500 euros + prémios e subsídio de alimento." Depois expliquem à multidão de candidatos que a função é de risco, até de vida, em local longínquo e sem horário fixo.»
Sabem quantos desistem? Posso garantir-vos: quase nenhum. Andam à procura das fontes de recrutamento terrorista nos tugúrios religiosos... Deviam procurá-las  antes nas agências de viagens e de informações.

PS: Se há lá portugueses, então não há que duvidar: a mola principal é o dinheiro. Islamo-fascismo? Não me gozem!; turismo-fascismo, aposto eu.

sexta-feira, janeiro 30, 2015

Da Coacção soberana


«Geopoliticamente, a América é uma ilha ao largo da grande massa continental da Eurásia, cujos recursos e população excedem de longe os dos Estados Unidos. A dominação por uma única potência, por qualquer das duas principais esferas - Europa ou Ásia-, é uma boa definição de perigo estratégico para a América, com guerra fria ou não. Tal agrupamento teria a capacidade de ultrapassar economicamente a América e, no final, militarmente. Seria necessário resistir então a esse perigo, mesmo que o poder dominante fosse aparentemente benevolente, pois, se as intenções alguma vez mudassem, a América achar-se-ia com a capacidade de resistência efectiva bastante diminuída e uma crescente incapacidade para moldar os acontecimentos.» 

Henry Kissinger, in "Diplomacy", pp.709, trad. port. Gradiva 




Lendo isto, percebe-se muito bem o que os americanos andam a fazer na Ucrânia. O que não se entende é o que a Alemanha, com a Europa a reboque, lá faz. Quando o interesse da Alemanha e da França, especialmente,  seria precisamente o oposto, só se pode entender  a actual circunstância da seguinte forma: os governos da Europa não representam nem defendem os interesses dos seus próprios povos, mas são, isso sim, de alguma forma ou por acção de um qualquer dispositivo coercivo  obscuro, títeres de outros cordelinhos. Os mesmos, aliás, que manipula a "mão invsível" por detrás do aparato bélico americano. 

Só que convém perceber o real e completo significado de "bélico"...


«A coacção é hoje sinónimo de guerra, quer se caracterize pelo emprego da força militar, quer por uma qualquer aplicação de outros elementos do potencial nacional sem recurso ao emprego da força militar. (...)
As formas de coacção relacionam-se com os elementos do potencial nacional. Assim, a coacção pode ser exercida através de cinco formas principais: a coacção psicológica, a coacção diplomática (ou política externa), a coacção política interna, a coacção económica e a coacção militar. Esta classificação diz respeito aos meios empregados e não aos efeitos obtidos.
Estas formas de coacção podem ser empregadas isolada ou concorrentemente e, em qualquer dos casos, com diferentes gradações. A guerra diz-se total quando emprega todas as formas de coacção, embora tal não signifique que a acção militar seja nela a mais importante.»

- in Regulamento de Campanha - Operações, Vol I (do Estado Maior do Exército)




Os geostrategas de sofá acham que guerra pressupõe obrigatoriamente tiros, bombas e violência bélica. Como nos filmes onde cursaram e tiraram o brevet de think-tanquistas de alguidar. Na verdade, a coacção militar (aquela coisa com tiros e explosões) constitui geralmente um último recurso. Antes de irem lá dar tiros, onde quer que lhes contenda com a veneta, os americanos, por exemplo, exercem coacção psicológica (mass-media aos gritos), coacção diplomática (sanções na ONU, etc), coacção política interna (promoção de distúrbios, indução de protestos - revoluções primaveris ou coloridas) e coacção económica (sanções financeiras, bloqueios, proibição de exportações ou importações, expulsão de organizações internacionais, manipulações de mercado, etc, etc). Só depois disto tudo bem exploradinho é que avança o porta-aviões ou os F16. Neste momento os Estados Unidos estão em guerra com a Rússia em todos os departamentos de coacção, excepto na componente militar aberta. Pois, falta apenas esse detalhezinho para entrarmos na III Guerra Mundial. E só ainda não entraram nesse detalhezinho por causa de outro nada despiciendo: a capacidade russa em armamento nuclear estratégico. Os americanos estão também em guerra (actual ou potencial) com o resto do planeta, que se divide entre aqueles que são suavemente coagidos (como A União Europeia), e os que se encontram ou no estágio intermédio ou brutal de coação, conforme a respectiva atitude ou unilateral necessidade do superior e soberano interesse da potência hegemónica. Àqueles que se submetem mansamente à suave coacção, os americanos chamam aliados. Àqueles que exigem uma coacção brutal, chamam inimigos. Há apenas um com estatuto excepcional.

quinta-feira, janeiro 29, 2015

Ausch-Ritz?

«Parlamento aprova nacionalidade portuguesa para judeus sefarditas de origem portuguesa».


Afinal temos um governo que tem, ao menos, uma qualidade: parece um sketch de Monty Python. Este desarrincanço é, todo ele, um programa. Deixem que proceda a um conjunto de pequenas interrogativas óbvias..

1. Para que diabo quereriam os judeus sefarditas ser portugueses? Quando uma grande quantidade de portugueses, a grande maioria, gostaria de ser outra coisa qualquer, e uma pequena minoria ruidosa de israelótras untuosos e gananciosos adoraria ser judeu sefardita, está-se mesmo a ver o interessse que esta parvónia degradada e falida tem para os judeus sefarditas de Sabe-se-lá-Onde!... (Mais ridículo ainda: se elespodem ser israelitas, porque lhes interessaria serem portugueses?...)

2. Como é que vão detectar, com rigor, o "descendente do judeus sefardita de há 500 anos"? Vão vender rifas? Uma tômbula especial, semi-kosher? (Sim, porque sefardita não é askenazi, não é bem a casta superior, dizem) Não, esperem, é por hemoanálise subtil, num alambique inefável adaptado a máquina do tempo? Nasometria? Probosciência cabalística?

3. Com os problemas que estão com os vistos-gold, em desespero, estas bestas desgovernantes decidiram sobrevoar burocracias e ir logo directo à "atribuição sumária de nacionalidade"?... Basta que os putativos sefarditas demonstrem, presumo, que são ricos e dispostos a trazer o carcanhol para Portugal (como se consegue fazer parecer obsceno o próprio nome desta infeliz terra...) Fazem, exactamente, os hebraicos, como no tempo de El Rei D.João II, quando vieram fugidos de Espanha: pagam a bom peso o direito de entrada e residência. Ah, afinal deve ser esse o teste infalível: sefardita pobre não descende dos nossos queridos sefarditas de Quinhentos. É o neo-simplex em todo o seu esplendor.

4. Com a carga de taxas, impostos, corveias e execuções sumárias com que os desvalidos indígenas desta terra são oprimidos e triturados, está-se mesmo a ver alguém ansioso de ingressar num tal parque de suplícios, flagelos e torturas. Os judeus podem até ser sefarditas, mas não são parvos, nem malucos e, muito menos, masoquistas compulsivos. 

5. Vão garantir-lhes privilégios e isenções especiais, prioridades nos serviços públicos, passagens e sobrevoos administrativos, subsídios múltiplos e variados? Ah, vão portanto fazer companhia à restante ciganagem, podemos depreender... Numa espécie de recriação, agora benigna, turística e compensatória, dos Auschwitzs do século passado?... Por conseguinte, um autêntico Ausch-Ritz, se bem entendo. Óptimo. Catita. Assim como assim, já estamos habituados... E agora que somos colónia alemã, nada como arcar também, por delegação, anexo e tarefa, com a grande e sempiterna dívida deles. E com juros mais altos que é por causa dos retroactivos, deslocálias e moras. Até porque se por crimes com 50 anos são as indemnizações que se sabe, imaginem-se agora prejuízos com 500!... E o Rei não representava o estado naquela altura? Isto vai custar, não direi os olhos da cara ao contribuinte (porque esses já estão mais que penhorados e arrestados), mas seguramente o olho que resta.

PS: Todavia, reparem, confrades e conterrâneos, como temos o melhor dos governos e a mais sublime das oposições! - Não havendo já reais problemas nem carências  dignas de nota ou registo entre a maioria esmagada da população, a oposição entretem-se com os gays e o governo combate o tédio correndo em socorro, afago e amnistia dos sefarditas do século XVI!... Puta de sina, a nossa, irmãos!...


quarta-feira, janeiro 28, 2015

Da suicidofilia germânica





Leopold Trepper , judeu comunista, nascido em Novy-Targ, na Galitzia ( região actualmente partilhada pela Eslováquia e pela Ucrânia) teve um papel distinto na 2ª Guerra Mundial: foi o chefe da Orquestra vermelha - nome dado à  rede de espionagem soviética que operava na Alemanha. O seu livro de memórias, de que se encontra facilmente ainda hoje a tradução portuguesa da Portugália Editores, é bastante instrutivo e revelador de importantes bastidores não só do terrível conflito, mas também da revolução comunista soviética, do stalinismo e do próprio sionismo.
Trepper foi um comunista convicto e, não obstante, a páginas tantas, testemunha o seguinte:

«Que o caminho do paraíso não estaria juncado de rosas já o sabíamos, comunistas criados na barbárie imperialista.
Mas, se o caminho estava juncado de cadáveres de operários, ele não podia levar ao socialismo. Os nossos camaradas desapareciam, os melhores de nós agonizavam nos porões do NKVD, o regime stalinista desfigurava o socialismo a ponto de o tornar irreconhecível. Stalin, o grande coveiro, liquidou dez, cem vezes mais comunistas que Hitler.
Entre o martelo hitlerista e a bigorna stalinista, a via era estreita para quem acreditava na Revolução.»
     - Leopold Trepper, "Le Grand Jeu" (trad port. Portugália eds)

Trotsky acarinhava aquela tese peregrina da "revolução perpétua.". Mas quem prevaleceu foi Stalin, que amava uma alternativa diferente. Uma romaria bastante menos ambiciosa, é certo; todavia, bastante mais pragmática porque execuível: em vez da revolução, a purga. Perpétua, também, por via das dúvidas. Ou talvez dito de outra forma mais rigorosa, a "revolução perpétua", mas estritamente interna. No lugar da disenteria global, o clister doméstico. Com toda a sua operatividade implícita: primeiro exterminara-se os "brancos" do antigo regime; depois os moderados da revolução, à boa maneira parisiense. Doravante, para Joseph, fazia todo o sentido prosseguir, mais ou menos a eito. E lá se debulharam os comunistas da primeira hora, os bolcheviques de outubro;  a seguir, na bela e ubesca senda, trucidaram-se os quadros do exército vermelho. Faltava ainda quem? Muitos dos torcionários e esbirros que tão bem vinham servindo Stalin nestas selecções e eliminatórias eram judeus. Muito curioso, achou Stalin. E suspeito. Chegou assim, com toda a lógica, a vez dos judeus. E como havia tantos, a coisa bem podia ser promovida a holocausto. Quem sabe, pode ser que agora, com Puitin super-hediondo  (e as revisões de Auschwitz  libertada pelos ucranianos, a somar à diminuição do número de internamentos, pelos polacos) - ainda seja. Tipo sequela, como no cinema - «Holocausto II, Micro-ondas nas estepes».
O certo é que, ultimados estavam a ser os judeus e já Stalin ceifava a rigor pela própria família, quando Adolph Hitler ordena a invasão da União Soviética. Admito que possa ter sido com intuitos territoriais ou, sobremaneira, para se apoderar de fontes energética cruciais para a sustentação da sua maluqueira delirante. Não discuto esse ponto. Agora que tenha ido combater o comunismo e mais não sei que diarreia ideológica em forma de cruzada ocidental, façam-me um favor: é como os americanos a combaterem o terrorismo - quanto mais o combatem, mais ele viceja e se multiplica. A combater o comunismo, com todas as suas forças e perícias de expert, estava o bom Stalin. Se haviam de deixá-lo sossegado e entretido nessa meritória tarefa, o que é que a besta do Adolfo faz? Irrompe estupidamente, com um grupo excursionista armado de panzeres desdentados, fatos de verão e bombardeiros em miniatura. Ou seja, a um regime em auto-destruição, as cavalgaduras alemãs, ainda por cima supervisionadas por uma seita de psicopatas puramente genocidas, vão levar a reconciliação nacional, o alento e  brio pela mãe Rússia.  Dito simplesmente, foram levar o nacionalismo ao vespeiro comunista (como antes  tinham levado o vírus Lenine ao reduto da nação russa, e daí, se calhar, agora a lei cósmica da compensação). O resultado foi o inerente à redescoberta da pulsão antiga, tradicional: os russos fizeram pela pátria, aquilo que jamais fariam por Stalin.  Perante a força maior duma agressão externa, acabam, natural e automaticamente, as cisões internas. O instinto de defesa da própria sobrevivência suspende religiões, quanto mais superstições ideológicas. Não foram os soviéticos que derrotaram os alemães: foram os russos, com toda a justiça e a benção de Nemesis, aliados à estupidez congénita da horda alemã. Alemanha, diga-se a terminar, que, se tem produzido indivíduos de grande excelência em todas as áreas, é, todavia, enquanto colectivo, e como já referia Nietzsche, uma manada cuja irracionalidade chega  a raiar a loucura. Um bovinismo perigosamente armadilhado de fortes tendências auto-destrutivas. "Oh, vejam só que bela máquina que eu construi! Óptimo, vou já despistar-me por uma ribanceira!..."

PS: era bom que os toxicodependentes ideológicos, de esquerda e direita, largassem a droguinha. Os tempos que aí vêm não serão seguramente bons para devaneios oníricos.


terça-feira, janeiro 27, 2015

Top Ten dos Morticínios Atrozes




Caso não saibam, existe um Top Ten dos mais horrendos genocídios (como sabemos, há genocídios humanitários, por contraposição aos horrendos - Hiroshima, por exemplo; a recente guerra do Iraque ou a Irlanda pelos Ingleses, etc). Passo então a trancrever o tal Top, por ordem crescente e em estilo Pop Music, para amenizar o horror da coisa:

10. " Amalekites and medianites", pelos Ihavé Boys (número de discos indeterminado; várias reedições com imenso sucesso na actual Palestina, Uma colectânea comemorativa, pelo menos, a cada ano que passa. Imensos clubes de fãs por todo o mundo)
9. «Don't cry for me North-Korea", por The great-Leader (número incerto de discos, muitas cópias piratas, ao que parece)
8. »Goodbye Ethnic-germans", por Vengeance and The winners (500.000 a 2.000.000 discos - alguns eventualmente roubados)
7. « India break-dance", por Marabunta (1.000.000 discos)
6. « Tootsi twist", pelos The Hutus  (1.000.000 discos)
5.  « Armenian rhapsody», pelos The turks (1.800.000)
4. «Cambodja", por Khmer Wild  (2.000.000 discos)
3. «Gas, gas, gas", por  Litle Adolph & The Death Trains   (11.000.000 discos vendidos - mas apenas 6.000.000 creditados como genuínos)
2. « Nobody loves me", por Oncle Joseph & The Gullags  (20.000.000 discos vendidos)
1.. « China Grill», por Maomoto  & The band of Four (entre 45 e 70.000.000 discos, eu sei que é um pouco vago, mas a culpa é do mercado negro)

Menções honrosas ainda para  o incidente de Cartago, o genocídio dos norte-americanos pelos emigrantes europeus (a primeira punição em larga escala pelo delito de xenofobia), as peregrinações de Gengis Khan, uns despovoamentos avulsos na Namíbia e, claro, o desentendimento entre Sadham e os kurdos.

Agora, perguntarão vossências: então mas como é que o disco de Litle Adolph, tendo vendido bastante menos que o de Oncle Joseph ou de Maomoto, tem tão elevado conceito e merece tão especial celebração por todo o mundo civilizado (havendo mesmo quem o classifique como Sgt Peppers do Genocide Rock)?
Acho, e parece-me óbvio, que será porque tem mais tempo de antena na rádio e integra, por um qualquer critério ubícuo deveras misterioso, as play-lists de todas as estações emissoras com maior audiência. Não é o que vendeu mais, mas é, seguramente, aquele que toda a gente, de tanto ouvir, já sabe trautear de cor. Já nem parece uma música:  mais lembra um jingle publicitário... ou um verdadeiro massacre cerebral..

segunda-feira, janeiro 26, 2015

Gregos maus, ou Do Ansiovoodu Terapêutico


Não deixa de ser irónico. A esquerda, que originariamente  foi arquitectada e emergiu como agência de subversão e desagregação nacionais, surge agora como baluarte na resistência a essa mesma dissolução externamente induzida.  Mas quando a bandeira e a honra duma nação jazem na lama, aquele que pegar na bandeira é, quase sempre, seguido pelo povo. Que tenha sido a extrema-esquerda a fazê-lo,  só atesta da putrefacção - mental, moral e política - a que, lá como cá, chegou o centrão travestido de pseudo-esquerda e de pseudo-direita. E revela igualmente do mundo às avessas onde, pelos vistos, cada vez mais nos atolamos.

Entretanto, este episódio grego  lembra-me um outro passado nos calabouços de Nuremberga, aquando do julgamento político dos ex-respondáveis do III Reich pelas forças vencedoras. A certa altura, Karl Doenitz terá confidenciado que, em sua convicção,  quem cometera a maior parte das atrocidades nazis ou era austríaco, ou era bávaro. E explicou, acerca dos bávaros que parecia detestar especialmente: «São coléricos, excessivamente emocionais. Por exemplo, se um grupo de alemães do norte fosse andar de trenó e, ao subir a montanha, a vara entre o trenó e o cavalo se partisse, eles sairiam do trenó e reparariam a vara. Já um bávaro saltaria do trenó e desataria aos berros, a bater violentamente com a vara partida contra alguma pedra e a dizer: "sua vara má, sua vara terrível!" e outras coisas que tal.»

Se pensarmos que o actual ministro das finanças alemão nasceu lá nas imediações (apostei mentalmente e pude depois confirmar no mapa), não custa nada experimentar um certo gozo só de imaginá-lo furibundo , crinisparso, de rodas pró ar, em vitupérios godos ao trenó helénico: "gregos maus, gregos terríveis!..."
Enquanto o ajudante-de-campo, já precavido e municiado, corre a acalmá-lo, dando-lhe a cheirar e afagar o seu Inaction-man fetiche - uma miniatura - em peluche ronronante e aromático - do nosso fiel Passos Coelho.


domingo, janeiro 25, 2015

Disfonia das Quatro Estações



Antes que me esqueça, há um rectificaçãozinho que, em termos históricos, compete fazer: Não há um Portugal antes do 25 de Abril e um Portugal depois do 25 de Abril. Em bom rigor, há dois, antes e depois. Ou seja, quatro. Situando: Um Portugal antes de 27 de Setembro de 1968; um Portugal entre esta data e o 25 de Abril de 1974; um Portugal após o 25 de Abril; e um Portugal pós 25 de Novembro de 1975. chamemos-lhes, respectivamente, Fase 1, fase 2, fase 3 e fase 4, para facilitar a exposição.
Na fase 2, tentou enterrar-se a fase 1 e plantar-se sobre ela uma quimera.
Na fase 3, tratou de  liquidar-se o império e escavacar a quimera.
Na fase 4, absorveu-se a fase 3, e recauchutou-se a quimera a expensas externas, o que, como era mais que óbvio, só podia redundar na dissollução do país.
Tudo isto traduzido em termos mais poéticos, ou meramnete pictóricos: À primavera Marcelista, seguiu-se o verão Comunista, donde amadureceu o outono capitalista e agora, com a fatalidade das estações, aguarda-nos o inverno...  ainda não se sabe bem de quê, mas, seguramente, será rigoroso. 
Bem avisaram os antigos que o tempo é circular. Estamos de volta a Salazar? Não, estamos de volta a 1580. Somos pequenotes, mas gostamos de viver à grande. Viver e, mais ainda, morrer, pois então. Um alcácer-quibir de larvas mercantis e consumistas, eu sei, não é bem a mesma coisa que um Alcácer-Quibir de guerreiros. Mas, dentro do microcosmos fétido, foi o que se pode arranjar... E ao menos o Ricardo Salgado não desapareceu nas areias do deserto, para nos vir assombrar durante os séculos vindouros. 


PS: Temos o monstrengo, é certo, mas esse também já não nos assusta: habituámo-nos a ele de tal modo, que até o elegemos para a presidência desta cegada. É, assim, uma espécie de monumento vivo ao nosso naufrágio colectivo. Simbolicamente, instalado no mesmo e preciso local donde, há quinhentos anos, partiram as caravelas - Belém. 

PS 2:: Quanto a nós, não, francamente não sei, quanto demora ainda até ficarmos exaustos... de ser a antítese de nós próprios.

Crónica do purgatório

A Finança tem andado entretida a  a brutalizar a economia. Os governos, pela trela da Finança, vigiam e acolitam para que a economia não estrebuche nem refile. De modo a revigorar a economia, proclamam, o Banco Central Europeu vai imprimir uma batelada de euros. Para despejá-los onde?
Recapitulemos o processo: O BCE vai dar dinheiro aos bancos; os Bancos vão vender dinheiro aos governos/estados. Para combater a deflacção? Acham mesmo que sim?...
Então, grande parte da batelada é para revitalizar o Casino Financeiro: é lá que a banca corre, com certeza absoluta, a derretê-lo - a dar na bolha e,se possível, a criar novas bolhas. Pura maldade? Não, puro vício. A parte restante, quase toda, vai vendê-lo aos governos, muito provavelmente, para combaterem os gambosinos, digo, terroristas. A guerra aos gambosinos é essencial para o futuro da civilizacinha. Ora, cada gambo... terrorista, e eles são imensos, inesgotáveis, entre actuais, potenciais e metafísicos, custa um balúrdio de massa a combater (e com a agravante de, quanto mais se combate, mais se multiplica e alastra, conforme temos visto). Ao contrário, por exemplo dum desempregado, que após um investimento mínimo, por ele próprio previamente depositado, evapora-se e autotransfere-se para um limbo inefável longe de qualquer simpatia ou preocupação públicas. Então em tendo já transposto a vetusta idade de 35 anos é praticamente como se nem existisse. Some-se das estatísticas e desaparece dos gráficos a uma esplêndida e fantástica velocidade.
O terrorista, porém, é uma figura de suma-importância para os negócios e progressos materiais da humanidade. Requer todos os desvelos e cuidados. Até porque, ao contrário do desempregado, anda armado e raivoso. Justifica, pois,  uma vasta série de investimentos avultados, com equipamentos onerosos e tecnologias caríssimas. Há, depois, toda um nova mentalidade a presidir ao empreendimento: não temos tempo nem dinheiro para acudir aos nossos filhos, porque estamos muito ocupados a exterminar os filhos dos outros. A arma sempre foi o supremo motor económico, ou nunca repararam?
A antiga ideologia comunista explicava-nos que o  sacrifício do nosso presente era para garantia e em nome dum amanhã paradisíaco. Esta nova ideologia  assegura-nos que o nosso sacrifício presente é para prevenir e proteger dum amanhã infernal. Uma espécie de plano Poupança Reforma. O paraíso dos outros, já vimos, nunca chegou. O inferno com que estes nos nos assustam e encurralam, a este ritmo, se algum dia chegar, temo bem que já nem nos apercebamos disso.


PS: Mas nem tudo é mau. Muito deste desemprego jovem, o único verdadeiramente problemático para a elitose que nos pastoreia, vai também ser combatido: empregando estes mancebos desocupados na guerra aos gambosinos, pois claro. Quer dizer, "antes que te tornes gambosino, toma lá um fuzil e um saco e vai caçá-los". E depenam duas galinhas duma assentada: excesso de desemprego e excesso de população.

sexta-feira, janeiro 23, 2015

Fábulas - Amigos da Onça

Está um gajo a ser estrangulado, muito bem estranguladinho, após uma sélvática carga de porrada. Um grupo de nobres cidadãos contempla a cena, em amena cavaqueira e plácida  indiferença. Até que, repentinamente, um deles grita: "Olha,olha! vai ali o gajo que lhe roubou a carteira, a conta bancária e até o carro!... Malandro! bandido! gatuno!..."
Um gajo, a esvair-se em sangue e prestes a desligar a máquina, ainda pensa: "Filho da puta! Por causa dele, tive que vir a pé e cair nas garras destes assassinos!..." E se conseguisse gritar, decerto também acompanharia os amigos na rusga: "Larápio! Pilha-erários! Agarra, que é ladrão!..."
Porém, o estrafego já não lho permite. E, enquanto os nobres cidadãos desandam em perseguição assanhada do reles cleptomaníaco,  apenas consegue murmurar: "Vejam se me recuperam, ao menos, a carteira com os documentos!...":

Moral da história: De facto, já se entranhou na plebe o preceito calvinista: o crime contra a propriedade é muito mais grave que o crime contra a vida. Roubar o povo  é infinitamente mais grave que assaltá-lo à mão armada e  matá-lo das mais variadas e cínicas maneiras.

Pois, compadres, é como vos digo: se vamos estar com requintes, como diz um amigo meu, de estabelecer hierarquias no excremento, então, entre a bosta Pinócrates e o dejecto Coelho, sempre é preferível a bosta: esta, ao menos, roubava-nos às escondidas, furtava à surrelfa, pela calada; aquele assalta-nos à descarada, à bruta, ufano, com todo o aparelho de Estado em riste.  E o outro  roubava para ele, coitado, tinha imensas despesas (condeno mas compreendo, é humano, é de administrador moderno, é de gestor liberal, que querem, a mão invisível cede à tentação); este, em contrapartida, exturque e rapina os portugueses para encher o cu à Plutaria, à Merkla, às Hortaliças carnívoras de Bruxelas (além de sabujo e traidor, é sociopata).
Sim, porque isto dos políticos é como as putas: que nos endrominem, esfolem, adormeçam e desapareçam de noite com a carteira, o relógio e o telemóvel, sim, é vergonhoso, é infame, mas é típico; agora que armem em virgens virtuosas, exóticas e, depois de nos pregarem um escarépio miserável, ainda nos apontem pela falsa gravidez e exijam matrimónio com vestido e altar, isso, pelo menos para mim, é inaceitável. Não há sequer negociação possível.




PS: se alguém pensa que uma tal cegada vai ficar impune, desengane-se. As duas alternativas são ambas repugnantes e sórdidas: ou estão a tentar limpar o actual desgoverno de merda ao Pinócrates; ou acabam a a fazer do Pinócrates um mártir, uma vítima. Em qualquer dos casos, bem podem ir limpando as mãos à parede.

PS2:  E nunca se esqueça que o Pinócrates é consabidamente benfiquista... Pelo que, bem no fundo, no íntimo das vísceras, seis milhões irmanar-se-ão sempre, solidários, com ele. Até porque se a acusação é apenas de roubar frenéticamente, isso para qualquer benfiquista não é crime: é método. E mérito.

  (Pronto; agora é que eu me meti mesmo com a seita religiosa nacinhal. Vou já ali preparar o lança-chamas para acudir aos fundamentalistas do Estado Islampiónico, a começar pelo Caguinchas!...)

quinta-feira, janeiro 22, 2015

Liberdade de expressinha

Depois da perspectiva genérica, no postal anterior, passemos agora a uma visão específica, do nosso caso peculiar - presente e português.
Antes do 25 de Abril havia um repressão de critério essencialmente político. Censura nos mass-media, vigilância policial especialmente direccionada para a detecção, controlo e inibição de actividades contrárias ao interesse do estado e à integridade da nação. Pelo menos, era esta a justificação dada pelo próprio regime. Admitamos que tudo isto era mau, porque contrário à liberdade de expressão, de reunião, de eleição, mutilador de direitos, potenciador de arbitrariedades policiais, etc, etc. Todo o aparelho repressor tinha como objecto principal o Partido Comunista, encarado pelas autoridades de então como uma quinta coluna soviética, agente activo de desordem e desagregação social, bem como de traição nacional. Hoje em dia o Partido comunista é muito patriótico, benemérico e parlamentar, mas na época punha de facto bombas e agitava venenosamente a vários níveis. Quer dizer, cumpria efectivamente uma agenda externa. Como hoje outros, eleitos para o próprio governo, e ao leme do próprio estado, cumprem. Em resumo, a repressão política do anterior regime afectava seriamente um minoria da população ( a  grande maioria tratava da sua vida sem que os fornicoques políticos coartados a incomodassem muito. Em havendo futebol, comida, praia, música, farmácia  e amigos a quem pedir uns favores, ontem como hoje, a malta não se ofende muito. Barafusta e resmunga sempre, mas isso não é defeito, é feitio. Quanto ao queixume, à queixinha e à queixice, aí, já se trata duma segunda natureza. Há muito de judeu imperfeito no português: todos lhe devem e ninguém lhe paga. Se todos lhe pagassem, seria o judeu perfeito. Alguns lá vão conseguindo, mas enfim, ficam longe de constituir regra).
Passemos aos nossos dias.  Hoje, essa repressão política do antanho, nos seus aspectos mais sombrios e ostensivos, não existe. Em parte porque  se dantes tinhamos autocratas vitalícios, agora temo-los apenas quadrianuais (nem tudo é mau, como vêm: imaginem estes de agora vitalícios...). Os piores conseguem, na melhor das hipótese, o dobro, mas nada mais que isso. Durante os consulados devoristas, estes novos autocratas temporários (até a autocracia se tornou precária entre nós) aceitam que os critiquem. Vivem razoavelmente confortáveis com isso. Basicamente, porque se estão nas tintas; o essencial é outro e remete para o mero enriquecimento pessoal e partidário. Assim, as forças que são apeadas e os seus apaniguados - profissionais, voluntários ou meramente úteis -, podem criticar o governo, o estado e o próprio rumo da nacinha. E geralmente fazem-no com invariável furor, indignação e probidade aos molhos (na oposição ficam subitamente curados de toda e qualquer amnésia moral). Dispõem para o efeito de jornais, televisões e ciber-veículos a preceito. Respondem os que estão aboletados no erário com idêntico arraial. De tal modo, que a liberdade de expressão se divide, religiosamente, entre os que fazem a denúncia fustigante e os que fazem a apologia épica do governo. Ou dito com maior rigor, os que ladram, e os que ronronam. Quando o governo muda, os da denúncia passam à apologia, e os da apologia passam para a denúncia (excepto, bem entendido, aquela minoria à esquerda em perene denúncia, mas que é mais um sedimento, uma borra do próprio sistema político do que propriamente uma força genuinamente opositora) .  Pois bem, pergunta retórica: é livre a expressão de toda esta malta? Se é enfeudada, avassalada, ferozmente parcial e prostituta, como pode ser livre? A não ser que servidão sabuja, sectarismo manhoso e clientelismo frenético constituam a fórmula hodierna de liberdade, não vejo como. Ou então, presumo que me expliquem de imediato todos estes realistas encartados, liberdade de expressão é poder propalar livremente, com carteira profissional e púlpito gratificado, todas as minhas taras, ausências, vícios e faltas de carácter. Sobretudo, é poder mentir, aldrabar, retorcer, perverter e cavilar sem qualquer freio ou  penalidade. Ah, pronto, sendo assim, não discuto: temos imensa liberdade de expressão. E nem é preciso ir aos órgãos de informação generalistas, basta ir aos desportivos. 
Quanto à liberdade de imprensa, que já ficou em boa medida descrita no parágrafo anterior, acresce ainda que agora não se sofre mais a censura prévia, mas também não é preciso. A coisa vai a reboque e a toque de caixa de critérios patrimoniais e, à bica destes, de critérios ou filtros editoriais. Cumprem-se agendas pré-determinadas, obedece-se a roteiros de campanha, promovem-se encomendas e ladra-se a quem desagrada ao dono. Quanto ao resto, publica-se ou difunde-se um conjunto de notícias fornecidas pela mesma agência. Todos os jornais apresentam as mesmas notícias, todos as televisões emitem telejornais idênticos.  Não sei o que é a liberdade, mas uniformidade não é, decerto, um seu sinónimo.
Em resumo, antigamente a liberdade de expressão não existia ou mal existia porque havia repressão política; hoje não existe ou mal existe porque é falsificada, traficada e contrafeita por pressão, expressão e, em último caso, repressão económica. Do ponto de vista iluminado destas cavalgaduras que nos montam, há liberdade de expressão porque está consagrada na Constituição. Tão consagrada como habitação condigna para todos, justiça igual para todos e outras maravilhas que tais e é o que se vê. A realidade não funciona por decreto.
E quanto à liberdade de expressão, ficamos entendidos. No postal seguinte analisaremos o novo tipo de repressão que se abateu sobre todos nós:  A repressão económica em larga escala...

quarta-feira, janeiro 21, 2015

Liberdadela, ou Da Liliputice ao Toys'r'us


«O que você nos opõe, Thérese, é que são sofismas - disse Coração-de-Ferro -, e não o que nos disse a Dubois. Não é a virtude o que sustenta as nossas sociedades criminosas, mas sim o interesse e o egoísmo;»
                                                         
                                                          - Marquês de Sade, in "Justine, ou os Infortúnios da Virtude"



Que qualidade e quantidade de liberdade é a nossa?
Livrámo-nos de Deus e, por arrasto, de embaraços morais, éticos e, ao nível director, até humanos. Perante o Além já não somos "menores", na terminologia kantiana. Bem pelo contrário, somos uns adultos do caraças. Ele que  guarde e embrulhe o paraíso e o inferno no céu, que nós agora estamos muito satisfeitos, emancipados e expeditos a construir o inferno e o patraíso na Terra. O paraíso para uns (segundo os últimos cálculos, cerca de 1º da humanidade; e o inferno (ou vá lá, por especial e temporária concessão daqueles, o purgatório) para os restantes 99%.  Porque haveria isso de nos causar escândalo? É o melhor dos mundos possíveis: afinal, 1% é muito melhor que 0. Em boa verdade, não são os super-felizes que são diminutos, os infelizes e super-infelizes é que são demais e estragam isto tudo. Fazem-se infelizes e fazem infelizes os outros. Se os deixassem, e as polícias, exércitos, jornais e televisões não velassem noite e dia, ainda eram capazes de causar algum tipo de infelicidade aos felizardos do condómino paradisíaco. Em todo o caso, sempre é formidável saber desta superioridade do capitalismo que  nos alumia sobre o socialismo que outrora nos ameaçou: entre sermos todos infelizes ou conseguirmos, apesar de nos esfarraparmos todos, que pelo menos 1% não seja, vai uma enorme distância.  Um admirável progresso! e sempre confere algum sentido ao nosso sacrifício colectivo. Além disso, pensar que isto é o fim da história e que encontrámos o regime definitivo, hermético e obrigatório chega a ser galvanizante, digo mais, redentor! Pelo menos para aqueles que ainda vão tendo algum tipo de trabalhinho e possibilidade de contribuir activamente para o progresso e o bem-estar dos nossos queridos Uns-por-cento!  Nem que seja até serem deitados ao lixo, sempre podem sentir-se úteis, relevantes e contributivos.
Já não somos, portanto, as crianças de Deus. Nem crianças nem  criados, ora essa. A nossa ciencia maravilhosa explica-nos que somos estilhaços duma explosão (daí a  tendência congénita para o entulho) e, concomitantemente, partículas à deriva no espaço, a cavalo em calhaus que boiam no cosmos, rodeados de atmosferas aprazíveis. Depois, desenvolve-se um vocabulário apofântico, junta-se água e já está.
Uma tal epifania, como é óbvio, não podia ser gratuita. Há sempre uma factura, meia dúzia de efeitos colaterias e outro tanto de sequelas menos asseadas. Escapa sempre qualquer coisa, algum micróbio recalcitrante e manhoso, à ultra-pasteurização das fonofacturas. Um luxo destes, antigamente reservado aos deuses, teria que custar, necessariamente, os olhos da cara... literalmente. Traduzindo: para que 1, da casta super-feliz, vislumbre a glória edénica, 99 dos outros têm que abdicar da própria visão. Isto, não obstante, vai muito além e supera as melhores expectativas do próprio filósofo teorizador desta estupenda engrenagem... Com efeito, o Marquês de Sade, ao magicar o seu aquaparque  sado-masoquista considerava que o suplício culminado na fatal hecatombe das vítimas (no léxico actual, colaboradores - forçados ou masoquistas) não resultaria na mais completa satisfação dos libertinos (no léxico actual, investidores ou players). Após um gozo parcial, estes experimentariam uma insatisfação recorrente que redundaria numa exasperação existencial bastante profunda. Ora, o Marquês, na época, estava circunscrito aos libertinos do seu tempo. Que, entre outras desvantagens, dispunham dum número bastante mais limitado de vítimas. Precisamente, o oposto dos nossos dias, em que os super-felizes auferem dum regalo incorruptível, já que podem dispor a seu bel-prazer dum número quase ilimitado de vítimas, digo colaboradores, alguns deles extremamente masoquistas e ultra-ansiosos de, por algum modo, o mais espalhafatoso possível, lhes agradarem. 
Falemos agora do mecanismo que processa todo este complexo, embora simples, jogo de interacções. Chama-se Mercado.
É uma espécie de Deus Artificial, bastante mais sofisticado que o Deus natural. Não admira, porque enquanto o Outro nos foi, de algum modo assaz brutal, suscitado pela natureza, este é produto perfeito não apenas da inteligência humana, mas do ser humano por completo, sobretudo vísceras, cloaca e goela. Daí que enquanto a Anterior nos amedrontava e nanificava, este, pelo contrário, locupleta-nos de generosidade, gáudio e voluntarismo. Generosos, no nosso sacrifíco  (que não é doravante absurdo) em prol da super-felicidade; gáudio, com a ampla ração de liberdade que nos cabe em sorte; e voluntários, na  forma como, por um lado, abastecemos o paraíso, e, por outro, como infernizamos a vida uns aos outros, de modo a produzirmos um espectáculo que obste, de algum modo, ao tédio e à monotonia que certamente se instalariam entre os super-felizes se à sua volta triunfasse uma qualquer pasmaceira global.
E assim, agora que temos um Deus criado por nós, a nossa criança amorosa, já faz todo o sentido que nos tornemos criados dele, de modo a que ele cresça e se torne cada vez maior. Só que ao contrário das nossas crianças naturais, que crescem até um limite e depois envelhecem e morrem, esta Super-criança nunca pára de crescer, nem envelhece, nem morre. Pelo contrário, é uma eterna criança, que cresce infinitamente, tal qual o conjunto dos números racionais e irracionais. O paraíso, já podemos agora entender, está reservado àqueles que brincam com a Super-Criança. E levam a Super-criança ao recreio onde a super-criança brinca com os outros todos - nós. Se fossemos todos a brincar com a super-criança, estragavamos a super-criança toda. Donde se compreende a necessidade de serem muito poucos a brincarem e muitos a servirem de brinquedo. Porque a super-criança cresce vertiginosamente e estraga, avaria ou enfada-se muito rapidamente com os liitle toys. Tal qual qualquer criança, de resto; só que em doses muito mais massivas e avantajadas.
Neste mundo há, pois, toda a liberdade. É inaudita, dum volume nunca visto, a liberdade do Mercado. Maior que ela, sòmente a liberdade dos que brincam com ele. Quanto à liberdade dos brinquedos é, ainda assim, significativa. Movem-se, na medida, em que participam no jogo e, requinte sublime, podem dizer o que lhes der na real gana, desde que não seja nos jornais, revistas ou televisões. Quanto ao pensamento, nem carecem de esterilização: eles tratam disso sozinhos. Vivem divididos entre a expectativa e o horror daquele dia glorioso em que a Super-criança acorda com o capricho cíclico de brincar... às revoluções.

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Viagem ao princípio da Noite

A exploração do filão religioso pelo leviatã global não se resume apenas a lançar cristãos contra muçulmanos. Interessa também fomentar todo o tipo de conflitos religiosos: católicos contra ortodoxos (Croacia, Sérvia, Ucrânia); sunitas contra xiitas (Iraque, Síria, Líbano), muçulmanos contra hindus (Paquistão, Índia),  muçulmanos contra budistas (Tailãndia),  etc
Quando digo "leviatã global" significo o aparelho de choque da plutocracia global. O seu modus operandi, derivado da revolução perpétua (num neo-trotskismo agora ultra-pasteurizado) é  a "guerra perpétua". Como,. de resto, estipulava Huntington: "As guerras civilizacionais são intermitentes; os conflitos civilizacionais são intermináveis.».

Por falar em guerra perpétua, veio-ma à memória Kant na sua "Paz Perpétua", de 1795. Para a qual , o filósofo de Konigsberg, considerava 6 artigos preliminares, a saber
1. «Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura»
2. «Nenhum Estado independente (grande ou pequeno, aqui tanto faz) poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doacção.»
3. «Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem, com o tempo, desaparecer totalmente.»
4.«Não se devem emitir dívidas públicas em relação com os assuntos de política exterior.»
5. «Nenhum Estado deve imiscuir-se pela força na constituição e no governo de outro Estado.»
6. « Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que tornem impossível a confiança mútua na paz futura, como, por exemplo, o emprego no outro estado de assassinos, envenenadores, a rotura da capitulação, a instigação à traição, etc.

Não vou, naturalmente, dilucidar da bondade ou perversidade deste projecto "filosófico" de Kant. Ele chama-lhe isso mesmo - "um projecto filosófico", e não um "projecto político", o que não deixa de ser, por um lado, curioso, e por outro, significativo. Também me parecem pacíficas as influências iluministas no cosmopolitanismo kantiano, mas o ponto agora é outro, embora tendo esse bem presente. Gostaria apenas de destacar o seguinte: O projecto político que impera hoje no mundo, e que, com grande pompa e circunstância, se auto-arvora herdeiro dilecto do iluminismo, guardião dos seus valores e paladino do "estado de direito", está rigorosamente nos antípodas do projecto kantiano. Para a "guerra perpétua" poderiam até servir os 6 artigos de Kant, desde que reescritos pela liminar negativa, isto é, bastava pô-los ao contrário. Não vos parece, no mínimo, estranho? Kant era um optimista (confessa-se até admirador de Rousseuau enquanto estilista literário), pelo que tendia para a utopice e faltava-lhe, em larga medida, o sentido da realidade? Longe de mim estar pr'aqui a defender Kant. Mas querem ver como ele não era parvo de todo? Ora oiçam:

«Para não se confundir a constituição republicana com a democrática (como costuma acontecer) é preciso observar-se o seguinte. As formas de um Estado (civitas) podem classificar-se segundo a diferença das pessoas que possuem o supremo poder do Estado, ou segundo o modo de governar o povo, seja quem for o seu governante; a primeira chama-se efectivamente a forma da soberania (forma imperii) e só há três formas possíveis, a saber, a soberania é possuída por um só, ou por alguns que entre si se religam, ou por todos conjuntamente formando a sociedade civil (respectivamente autocracia, aristocracia e democracia; poder do príncipe, da nobreza e do povo). A segunda é a forma de governo (forma regiminis) e refere-se ao modo, baseado na constituição (no acto de vontade geral pela qual a massa se torna um povo), como o Estado faz uso da plenitude do seu poder; neste sentido, a constituição é ou republicana ou despótica. O republicanismo é o princípio político da separação do poder executivo (governo) do legislativo; o despotismo é o princípio da execução/ arbitrária pelo Estado de leis que ele a si mesmo deu, por conseguinte, a vontade pública é manejada pelo governante como sua vontade privada. - Das três formas de Estado, a democracia é, no sentido próprio da palavra, necessariamente um despotismo, porque funda um poder executivo em que todos decidem sobre e, em todo o caso, também contra um (que, por conseguinte, não dá o seu consentimento), portanto, todos, sem no entanto serem todos, decidem - o que é uma contradição da vontade geral consigo mesmo e com a liberdade.»

Questãozinha capital: O que é que nós temos tido, aqui em Portugal (mas no resto do mundo ocidental não será muito diferente), senão um despotismo a prazo, no decurso do qual tiranetes quadrianuais produzem e executam as leis e as políticas que muito bem lhes dá na real gana, sem que a vontade geral (que é suposto estar, segundo os principios iluministas, corporizada numa constituição) seja tida nem achada? Que raio de "estado de Direito" é este onde a separação entre o poder executivo e o legislativo (do judicial nem falo), pura e simplesmente, não existe? Ao primeiro-ministro, obedece o governo e obedece o Parlamento - o tipo escolhe ministros, escolhe deputados e ainda escolhe não sei quantos funcionários de nomeação, entre os quais juízes e procuradores-gerais. Na verdade, uma minoria da população elege-o a ele; depois ele elege quem muito bem entende e lhe apetece. Se tivermos em conta a qualidade dos primeiros-ministros nestes últimos quarenta anos, especialmente da última meia-dúzia, caramba, há algum espanto que o resultado seja a ruína, o descrédito, a desonra, a desagregação moral, social e nacional? E nem é preciso recorrer aos meus princípios (assaz diversos, diga-se), basta convocar os mais elementares princípios iluministas, os tais imaculados e altamente bondoso e progressistas de que toda esta corja se arvora procuradora, curadora e delegada de propaganda médica assistida!... Em bom verdade, servem-lhes de ornamento à retórica e de papel higiénico à prática.

Mais, o velho Kant é ainda mais incriminador quando, num texto de 1783, define o Iluminismo como « a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. (...) A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio , continuem, no entanto, de boa vontade, menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor.»

E pronto, não é esta a relação: um primeiro-ministro tutor plenipotenciário quadrianal dum colégio de eleitores/contribuintes/cidadãos menores? Pior que menores: pequeninos, insignificantes, invisíveis, irrelevantes. É este o "iluminismo"? O que os psicopatas islâmicos ameaçam?  

«Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.» 
Adivinhem quem disse.  O mesmo que dá um quadro arrepiantemente fidedigno desta nossa relação de menores com os nossos tutores (lembrem-se das razões porque não se podem fazer referendos, das "cedências à demagogia", ao populismo, etc):
«Depois de, primeiro, terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas.»

Não, não é Nietzsche. No estado a que chegámos, basta Kant. E não é exactamente isso que sois para os vossos tutores:: animais domésticos?...


PS: E o que serão os vossos tutores para os tutores deles?...


domingo, janeiro 18, 2015

Roteiros de Leviatã

1.  «O Iraque tinha uma capacidade significativa para fazer uma guerra química e estava a desenvolver grandes esforços para adquirir armas biológicas e nucleares. O Irão tem um vasto programa para desenvolver armas nucleares e tem aumentado a sua capacidade para as lançar. (...)
O islão poderá vir a jogar a roleta-russa nuclear com duas outras civilizações - o hinduísmo, na Ásia meridional, e o sionismo e o Estado judaico, no Médio Oriente.»

2 .«Estas transições e o colapso da União Soviética geraram no Ocidente, particularmente nos Estados Unidos, a crença de que estava em curso a revolução democrática global eque, a curto prazo, os conceitos ocidentais dos direitos humanos e os modelos ocidentais de democracia política prevaleceriam no mundo inteiro. Assim, a promoção desta vaga de democracia tornou-se para os Ocidentais um objectivo com alta prioridade.»

 - Samuel P. Huntington, O Choque das Civilizações  (Trad port. da Gradiva)

Aspectos mais correntes do Leviatã: Mascara-se pomposamente de "Ocidente"; age, vil e frequentemente, como  um Golem.
Já o modo como digressiona pelo mundo cumpre uma mescla de capricho, transe e obsessão, mais típicos do noctambulia bélica do que de qualquer geostratégia minimamente racional e consequente. Quanto à ética é melhor nem falar, já que o turismo genocida pertence ao domínio da pura obscenidade descontrolada. A espada de Dâmocles virou míssil e a alternativa do Leviatã-tã é sumária e definitiva :  ou Eu ou o caos! Descobriu que, afinal, em vez da democracia como indução ao Caos, é mais simples e lucrativo ir logo directo ao segundo. Haverá alguma coisa mais democrática que o Caos? Quereis maior fraternidade material e igualdade existencial que um monte de entulho?!...



Civilizacídio. De choque.



Em 1996 surgiu um ensaio de "ciência política" que teve um grande  impacto entre  think-tanquistas da corda e respectivas metástases:
«O Choque das Civilizações", de Samuel P. Huntington.
Dei-me ao trabalho de ler aquilo e dispenso-me de abundantes comentários.  O certo é que estavam ali preconizados os novos moldes em que iria decorrer o jogo da próxima era. Dois dados importa sublinhar: Huntington recusava o "fim da história" (enlevo de grandes manadas de imbecis na época -cá, chegaria, como sempre, retardado e já fora de praso, mas mesmo assim foi uma feira de mongloidinhos dos diabos); e considerava a língua e a religião como "os elementos centrais de qualquer cultura ou civilização".
Esgotado o filão da ideologia, delimitava-se o palco da nova mina : a religião. Melhor dizendo, depois de ter triunfado como ideologia, o Mercado ia agora impôr-se como religião. A incubação já decorria... O 11 de Setembro eclodiu cinco anos depois. Desde então foi o que se viu. E vai continuar a ver-se.

«Uma das mais importantes obras surgidas após o fim da guerra fria.», enalteceu Henry Kissinger.
 Pudera...



sexta-feira, janeiro 16, 2015

Tourada à Francesa


A síntese com mais piada sobre toda esta coisa do Charlie-hebdo, li-a numa caixa de comentários. Passo a transcrever :
«...não simpatizo com terroristas , acho até que pena de morte é bem aplicada , a começar nos da ETA , mas também não simpatizo com comportamentos temerários. Se o toureiro leva uma cornada ? Problema dele, meu não .» 
                  - Marina.

Inspirado nesta musa (que em possuindo uma beleza equivalente à inteligência constituirá decerto uma ameaça séria ao trânsito das nossas cidades, vilas e aldeias), e em tributo à mesma, é o que se segue:

                                                      .......//........


Algures numa praça de toiros, por alturas da festa brava. Dois aficcioonados conversam e, escutando a sua conversa, vamos sabendo das peripécias no recinto.

- Então hoje não veio o Pedrito de Portugal?
- Não. Houve uma alteração de última hora.. Hoje é um  toureiro exótico, mas muito temerário: o Carlitos de França.
- Hum...Franceses a cortar orelhas a a touros, nem sei bem porquê,  mas não me soa bem... Ouvi dizer que eles são bons é a cortar cabeças a pessoas. E à máquina...
- Não, mas este é kosher. Vais ver que é jeitoso. 
-  Olha, atenção, já vão anunciar o touro.

(Voz, nos altifalantes:
- Com quatrocentos quilos de dinamite, da ganadaria Obibama Saudi & Filhos, o Islamofaxo!)

- Ouviste, pá? O Islamofaxo! Uma autêntica besta do apocalipse, segundo os relatos!  Parece que causou uma verdadeira chacina entre vacas e colegas de ganadaria, lá no pasto!.. Até campinos marcharam de enfiada! E jornalistas, quantos apanhou! Aí entornou-se o caldo..
- Pois foi. Li a notícia nos jornais. Tiveram que isolá-lo, porque estava a dar um prejuízo do caraças aos criadores!
- Lá vem ele! Olha só como  desembesta!... Aquele peão por um triz não entrava em órbita!...
- Irra, e é zurdo.Aposto que corneia baixo e investe de esguelha!...
- Um rematado velhacote, digo-te eu!
- Mas o Carlitos não tem medo. Repara como ele vai sarrabiscando a areia. Como se nada fosse. Sangue frio tem ele, lá isso!...
- Ah, mas ei-lo que cita!...

(Ouve-se a voz de Carlitos na arena, provocando  a besta : "eh toro beau, vite, vien ici!..." O touro, porém, não lhe liga. Resfolega com ruído, e fita, cheio de ódio, para lá das barreiras...)

 - Humm... Acho que o quadrúpede não sabe francês. Repara está mais interessado em escavacar as tábuas. Isto com toureiros franceses não resulta, é o que eu temia: sem tradutor não vamos lá! Nem nas nossas redes sociais o francês tem qualquer uso, quanto mais nas taurinas!... Se ainda fosse inglês, mesmo técnico, vá que não fosse...
 - Lá está tu com o teu pessimismo. Isto ainda se compõe. Basta ele picar o bicho. Uma ou duas bandarilhas e o bovino entende logo.
 - Sim, sim, dizes tu... Agora até saltou as tábuas e foi marrar  nos cabrestos para os curros! Contas antigas por resolver, certamente!...

(Novamente, a voz de Carlitos: Eh, mas qu'est que tu fais, pedaço d'âne?! Revien!  n 'est pas gentil ça, quoi!... Sacre bleau!...Quel brut!...)

 - Se bem percebo o franciú, está a chamar burro ao toiro. Não, com franceses nada feito. Se ele convoca um asno, como quer que lhe responda um touro?! E ainda por cima está de avental, em vez do traje de luces. E aquele barrete!... não lembra ao diabo. Ou então foi mesmo ao diabo que lembrou, porque o conjunto é um bocado patibular: Mais parece um açougueiro que um matador. É mais que natural que a alimária o despreze. Olha!...E afinal a muleta é um compasso!...
- Eh pá, se calhar começo a dar-te razão... Um perfeito talhante! Disse-me um  tipo da organização, que os franceses preferem o traje de Lumiéres ao de Luces. Embora aquilo mais lembre as trevas, de facto.  Mas enfim... O Tony Carreira também de lá veio e olha o êxito que ele agora tem
- Com mil diabos, que faz ele agora, o Avec?
- Ora, já percebeu que a alimária não entende a língua de Rabelais e, pelos visto, agora, está a tentar citá-lo com linguagem gestual. Mas com carinhas de cu, boquinhas e pilinhas isto não vai. O touro só entende de manguito para cima!...
- Eh pá, já começa a ser penoso. Que cretino! Nem o pai morre nem a gente almoça.

(Subitamente, Carlitos pára de gesticular e fazer caretas, e grita: Maomé, ó Maomé!..." Instala-se um grande silêncio nos até aí tumultuados curros. Carlitos insiste: Maomé, vien, gros-merdoso!... Ouve-se um galope atroador e o quebrar das portadas por onde irrompe um Islamofaxo escumante, visivelmente disposto à mais urgente das carnificinas...)

- Está furioso, o cornúpeto. Isto anima-se. Eu é que não me metia à frente daquilo!...
- Nem eu. Mas o Carlitos não arreda. Ah, valente!... parece que afinal temos homem!
- Olha-me esta, até nem toureia mal de todo, o galicoiso. Reparaste naquela chicuelina?... Olha, e agora o molinete!.... OLé!
- Estou a ficar pasmado...

(Começa a tocar musica na praça, mas, de repente, grande bruá nas bancadas!...)

- Meu Deus!, foi colhido, o Carlitos! Foi colhido, que horror!... Coitado do Carlitos!...
 - Não são de fiar, estes zurdos. Bem que avisei. O Islamofaxo acertou-lhe com uma cornada a rodar!
- Foi na ilharga, chiça, e leva-o ao espeto!
- Não, não foi nada na ilharga: foi na liberdade de expressão.
- Tens a certeza? Pareceu-me na ilharga.
- Estou-te a dizer e acabo de  confirmar com os binóculos: em cheio na liberdade de expressão.
- Bem, ao menos não foi no abono de família.
- Sim, graças a Deus! Até porque na liberdade de expressão já estava o buraco feito.
- Pois, não costuma ser grave. No máximo uma semana e já consegue fazer progresso à vontade. Até lá, remedeia-se com um tubo.




quinta-feira, janeiro 15, 2015

A Obscenidade que nos alumia




A obscenitas remonta a Roma antiga onde já significava "indecência", "impudícia".  Por seu turno, "obscenus", adjectivo, era mais vasto: além de indecente, traduzia hediondo, horrendo, repelente e, noutra acepção mais reveladora, sinistro, funesto, de mau agouro.
Considerava-se naquela época que o mau presságio vinha do lado esquerdo. "Scaevus"  (esquerdo) significava também "sinistro", "desfavorável". "Scaevitas" era, por isso, a "desventura", a "infelicidade". E "Scaeva" designava "presságio", "agouro".
Obscenus conduz-nos a "ob-scaeva", ou seja, defronte do mau agouro, do mau presságio.
O nosso tempo é um tempo em que, mais que um combate feroz ao sagrado, assistimos a uma ocupação do território deste não tanto pelo simples profano (que só existe, na medida em que contrapõe, coabita e convive com o sagrado), mas, sobremaneira, pelo obsceno. Que, na verdade, não se contrapõe, sobrepõe-se. Não é a convivência que expressa ou exibe, mas a expropriação, a descrença e a devassa. A guerra ao sagrado traduz-se, entre outras maquinarias, na impugnação da regra - todo o tipo de regra. Por isso, o obsceno entrincheira-se no seu domínio e fortaleza fetiche: a Lei. Não espanta que o despudor, a desvergonha, o descaro, o cinismo, a desfaçatez se ostentem e arroguem sem qualquer temor, já que a própra lei - que vai sendo alfaiatada e entretecida à medida da desordem instalada - os protege e calafeta. Estando o sagrado usurpado pela lei, quem detém o mecanismo de legifacção, detém um poder absoluto sobre os corpos e as consciências. E exerce-o a rigor, sem qualquer rebuço nem escrúpulo. 
Entretanto, à medida que vai corroendo e soterrando o sagrado, o obsceno alastra como uma névoa negra e pestilenta que tudo cobre, penetra e uniformiza. Campeia assim a obscenidade não apenas nas artes, como também na justiça, na economia, nos governos, nas administrações, nos exércitos, nas polícias, nas famílias e, súmula permanente e ininterrupta de tudo isto, nos mass-media - seus centro fulcral de propagação e disseminação tóxica. As próprias éticas e as morais  empoleiram-se em valores puramente obscenos. É sinistro, hediondo e repelente, pois é. E não augura, acreditem, nada de bom.
Mais claro que isto, meus filhos, não consigo ser.



PS: talvez não percam nada em reler isto:
«Palavras com raíz -1. Regra»

Auto-execução ou desespero



Entretanto, o comissário da polícia que estava a investigar os atentados de Paris suicidou-se. A meio do relatório, segundo se rumoreja por aí. Pode dar-se o caso de os terroristas islamicos terem desenvolvido uma nova arma bacteriológica... um vírus que dispensa a acção armada sobre as forças de defesa ocidental: Uma vez infectadas, estas começam a auto-executar-se. Assim, a célula humana (os dois irmãos e o amigo) apenas terão servido de portadores e transmissores do micróbio. O abate apenas serviu de chamariz aos desprevenidos e vulneráveis agentes de segurança. Se desatarem agora a auto-executar-se em série, não nos surpreendamos.
Ou então, como diagnostica o dr. Joaquim Sá Couto, o pobre homem, perante tamanha barbárie, perdeu a esperança no progresso da humanidade e,de escantilhão com ela, a vontade de viver.  
Arma bacteriológica ou psicológica? O leitor decida. Mas não deixe de registar este curioso paradoxo: o filósofo a apostar na biologia e o médico na metafísica.

quarta-feira, janeiro 14, 2015

Terrorismo avant-garde, ou à Zé do Pipo


Outubro de 1970. Portugal.



(...)

O português, mesmo no estado de lobotomia ideológica ou de auto-castração química por sobredosagem de xenoxinas, isto é, mesmo reduzido ao estado de vegetal ambulante, nunca perde duas coisas: 1. a sua trapalhice desembaraçada; 2. o seu pioneirismo congénito. Muitas vezes, a conjugação simultânea de ambas resulta num pacote explosivo...literalmente.
Chamo apenas a atenção especial para os dois trechos a negritado da notícia em epígrafe: no primeiro momento, a descoberta, muito à frente dos islamicos, do bombismo suicidário em ambiente doméstico. Involuntário apenas devido, lá está, ao concurso sempre fogoso entre a vanguarda e o desastre. No segundo caso, uma antecipação primorosa e cilindradora aos américas. Muito antes deles implantarem democracia à bomba, já os nossos convocavam ao pacifismo com explosivos.

Servir a Máquina




Curiosamente, se formos consultar o Dicionário Lello Ilustrado da Língua Portuguesa, por alturas da última década do século XIX, pode ler-se na definição de "Terrorismo": "Sistema, regime de Terror, em França (1793-1794). Por extens. Sistema de governo por meio do terror ou de medidas violentas.". Até 1974, a definição mantém-se a mesma".
E, dado que corresponde a uma realidade histórica muito concreta e bem documentada, não deixa de ser, no mínimo, irónico. Quer dizer, o resultado das ideias iniciadas por Descartes, Locke e Hobbes, prosseguidas e transpostas seguidamente pelos noctiluzes, vulgarmente conhecidos por iluministas, e aplicadas na prática pelos revolucionários de Paris, resultaram no triunfo duma  máquina, isto é, no regime duma máquina - a guilhotina. Cuja invenção, recordo, e estudei a fundo a sua génese, obedeceu a crítérios e preceitos humanitários. Não brinco: impunha-se executar o condenado com o menor sofrimento possível. Requeria-se o mais limpo e asséptico dos despachos. Doravante, ser executado já não doeria quase nada. Daí à banalização da degola benemérita, foi um pequeno passo. Afinal, a máquina inclina fatalmente à indústria, à produção em larga escala, no caso, ao abate em série. E em ambiente de festa. Como não festejar tamanho avanço do progresso, da tecnologia e, porque não dizê-lo, da própria ciência anestésica?!... Agora o crente, embora forçado, já não recorria ao confessionário para ablução dos pecados: era levado à guilhotina. Esta, com proficiência e rapidez, separava e removia a parte inconveniente.
Como refere Jaques Delarue, na sua "Profissão de Carrasco", acerca da filantrópica decapitadeira:
«Instrumento familiar, deram-lhe nomes ridículos e atrozes: postigo, navalha de barba nacional, chapa de fazer notas, gateira, encurtadora nacional, navalha de barba à Carlitos, porque o carrasco, Charles Sanson, fora, havia muito tempo, baptizado Carlitos pela populaça. Nas bacias de barbeiro liam-se frases como esta: "A minha navalha é mais macia do que a do Carlitos!"
(...)
Subir ao cadafalso era jogar ao frio ou quente, fazer o pino, marcar hora no postigo, meter a cabeça na janelinha, espirrar no saco(...) e, depois de 1793, experimentar a gravata à Capeto.
(...)
Criou-se uma verdadeira imprensa especializada para celebrar as façanhas da máquina nacional. O cidadão Tisset publicava regularmente uma folha que trazia no frontispício cadáveres de gente da corte, bispos e generais empilhados junto ao cesto da guilhotina cheio de cabeças cortadas. Por baixo deste desenho liam-se dois versos:
         Estes monstros empilhados por omnipotência divina
         Proclamam a obra da Santa Guilhotina
(...)
Por último, o mais célebre destes jornalistas muito especiais, Hébert, excitava diariamente com o seu Père Duchène os mais baixos instintos da populaça e injuriava as vítimas imoladas.»

Há, pois, um certo tipo de humor jornalista, bestialmente democrático, com tradições em França. Um riso típico das hienas nas imediações do açougue. Uma mistura de escárnio e injúria soez perante a desgraça (ou desclassificação) alheia. Um lançamento rapazola de carniça ao magote, um atiçar à matilha....à bulha. 
A turba-multa da época alcunhara Carlos Samson, o carrasco, de Carlitos. Em francês, Charlie. Era o personagem mais pitoresco de Paris. Foi o único funcionário que transitou do Anciènt-regime para a revolução e seguintes. Decapitara, esquartejara e enforcara na monarquia, guilhotinou na república e no Império. E é a esse Charlie que, muito provavelmente, remonta o Charlie antes do Hebdo. Ao funcionarismo do abate. Só que agora, a bem da democracia, nem os mortos, nem os deuses escapam. Tortura-se, infama-se, expõe-se e pelourinha-se em vida e em éfigie. Ao gosto da moda ou do pagante. A nova revolução perpetua-se muito por regurgitação. Já nada promete: apenas rumina. Nutre-se no seu próprio vómito. O carlitos tem uma máquina cada vez maior, uma engrenagem cada vez mais voraz para servir. E uma plateia cada vez mais rasteira para entreter.

Em Paris, do parto iluminista, nasceu um novo e sempreviçoso totalitarismo: o Totalitarismo da Morte. Exactamente o mesmo que estas bestas do Estado Islamico servem. Embora sem quaisquer preceitos filantrópicos nem dispositivos tecnológicos suavizantes. Degolam à mão. 





terça-feira, janeiro 13, 2015

A civilização oxidental




Há pessoas muito espantadas com o facto de selvagens psicopatas realizarem actos bárbaros. Eventualmente, estariam na expectativa de acções caridosas, ternuras exóticas e rasgos beneméritos. Sim, o que deveríamos esperar de psicopatas ferozes eram, calculo, catedrais, painéis e sinfonias. Compreendo, pois, que se persignem, desesperem e arrepelem, estas pulcras alminhas. Afinal, actos  genuínamente bárbaros, atrocidades condignas, crudelismos elevadíssimos - como morticínio industrial, massacre em larga escala, despovoamento sistematizado, disseminação de caos ao domicílio e guerra civil por controlo remoto - estavam reservadas às nossas queridas e ultra-civilizadas democracias. Estas pessoas sensíveis, de estômago delicado e pele cremosa, não se arrepiam quando vêm a barbárie praticada por civilizados profissionais. Não, qual quê!, enchem-se todos de urticária e gases é quando assistem à barbárie praticada por bárbaros amadores. Há aqui qualquer coisa que me escapa... uma dissonância qualquer, ela sim, verdadeiramente arrepiante, não há?
E ainda por cima, permitam que acrescente, os brutos são uns completos mal-agradecidos. Andaram as nossas amoráveis democracias, os nossos estados de direito tão fofinhos, a ampará-los, a chocá-los e municiá-los na sua emancipação... a ajudá-los, tão abnegadamente, na remoção daqueles déspotas retrógrados que os oprimiam e impediam de exprimir, em todo o seu esplendor, a imensa  vocação iluminista que os habita (e que, como sabemos, já ardia no fundo do mais arcaico cro-magnon), que os estorvavam sanguinariamente na adesão feliz à modernidade canora, às delícias e maravilhas do Mercado, e a paga que eles nos dão é esta!... Ora bolas! Ora gaita!...

segunda-feira, janeiro 12, 2015

Sofisticacinha




Agoro fico para aqui a imaginar os tipos, de capuz, fato preto a rigor e kalashnicokov em punho, a inquirirem um estarrecido qualquer: "é aqui o Charlie-hebdo?"

Numa primeira observação, principiei por catalogar o acto como rudimentar (está aí escrito num postal anterior). Mas agora começo a achar que se tratou mais de um excesso de confiança... No google-maps.



Entre a monotonia e o pitoresco

No decurso desta descarga noticiosa que vem escorrendo dos atentados de Paris, sucedem-se os momentos e os depoimentos avassaladores. Vou enumerar apenas uma amostra - alguns recorrentes nestas ocasiões, outros deveras pitorescos e singulares.

1. Algures, o velho queixume: "Eles desprezam - ou atentaram contra - os valores da nossa civilização" .
Apetece logo perguntar: " como, mas eles atacaram algum banco?... Os tipos chacinados tinham dívidas à banca, pelo que, horror dos horrores, ocasionou-se um personal-default múltiplo que, por efeito dominó, ainda atenta contra uma qualquer bolha do crédito?..."
É que o estado actual da "civilização" das pessoas que geralmente gemem este tipo de lamúria consiste precisamente na liquidação geral dos valores milenares da civilização. Mesmo a tríade "iluminista" anda pelas ruas da amargura: liberdade, só vigiada e devidamente corrigida; igualdade, só perante o fisco e os sistemas organizados de extorsão pública; e fraternidade, Deus nos acuda! O preceito essencial agora é competitividade. Temos tiranias nacionais do Estado, a saque de quadrilhas, tirania transnacional sabe-se lá de quem (sob o pseudónimo de Mercado) e um ego descomunal ao volante de cada alminha, de modo a esterilizá-la de todos e quaisquer pensamentos altruístas, ou de qualquer outra ordem... Sobretudo, nada de pensamento! O pouco tempo "livre" que o indígena aufere, derrama-o nas "redes sociais", conformando-se à manada global. Sobre isto tudo, e de modo a cimentar e calafetar tudo isto, paira um qualquer papão de conveniência: ontem o comunismo, hoje o islamismo terrorista, amanhã chineses ou russos canibais. Portanto, temos uma coisa que ninguém sabe muito bem o que é ao ataque de coisas que não existem. No fundo, um conjunto de novas superstições (do fundamentalismo democrático ao islamismo psicopata, passe a redundância) em luta violenta e furiosa contra as velhas religiões. :

2. A sempre peregrina ideia "temos de integrar as comunidades muçulmanas, se não elas viram-se para o terrorismo". Isto, manando das mesmas mentes e tribos que outra coisa não têm feito senão desintegrar e fragilizar as comunidades europeias. Vão integrar portanto os muçulmanos onde? Na nossa própria desintegração? É natural que eles prefiram não ser "integrados". Eu, no lugar deles, e não sendo propriamente simpatizante do grupo, também preferiria. Mas note-se a beleza do raciocínio: temos que integrá-los porque senão eles atacam-nos. Fraca perspectiva do outro, não? Serão assim  uma espécie de ciganos que convém mimar e afagar nos seus caprichos atávicos de modo a anestesiá-los de toda e qualquer turbulência congénita. Determinismo de vão de escada enxertado em iogurte rousseau fora de prazo, nem mais. Por outro lado, a mesma sociedade que não quer saber dos pobres - dos velhos, dos desempregados e de todo e qualquer incompetitivo em geral - para nada, vai agora cuidar maternalmente dos muçulmanos. Pois. A velha esquerda, pelo menos em tese, batia-se pela melhoria das condições de vida da maioria (já que a maioria constituía o grosso dos desfavorecidos); esta "nova-esquerda" decidiu borrifar-se para a maioria, é uma súcia que desdenha do seu próprio povo, que despreza a sua própria história,  é, enfim, o progressismo-turista-e-snob: primeiro a minoria, a seguir o estrangeiro de arribação, quanto mais exótico melhor; o resto logo se vê. 

3.  Finalmente,o momento Monty Python: a restauração da pena de morte, segundo a FN. Em primeiro lugar, não é preciso restaurá-la: ela já acontece quotidianamente em catadupa, mesmo em França. Ainda recentemente, foi subministrada pelos terroristas aos tipos do Charlie, aos coitados do supermercado e, logo a seguir, pela polícia aos terroristas. Traduzindo: houve primeiro uma subministração privada, na boa tradição do esquematismo liberal, e depois uma subministração pública, pelos representantes do estado. A segunda, portanto, com custos para os contribuintes. Falta apurar em quanto. Eventualmente, se o serviço de polícia estivesse outsourcizado a uma empresa de segurança privada, teria saído muito mais barato. Aliás, a pena de morte é o negócio mais explorado por este manicómi...., digo mundo, e arredores. Bem, mas o que a FN pretende, presumo, é a reintrodução da guilhotina e respectivo servente, da família Samson de preferência, para que se recupere, com a panache tipicamente gaulesa, o velho cerimonial da Praça de Grève. Ora, a pena de morte, segundo os apologistas, tem como intuito fulcral a dissuasão de crimes graves, pelo medo à pena capital. Como surge a propósito de um acto terrorista islamico, deduz-se que a ideia será meter medo aos terroristas, de modo a dissuadi-los firmemente de quaisquer ilícitos legais em França. Tipos que regra geral se fazem explodir com grandes cargas devem estar neste momento crivados de dúvidas e hesitações. A mim o que me intriga é como é que as autoridades de medicina legal vão conseguir, após a explosão, reconstituir o arcaboiço completo do facínora de modo a poderem, com ele, abastecer condignamente o carrasco.

Em resumo, uns a comenterem atentados contra algo que não existe; outros a restaurarem o que  mais abunda.

Os meus antepassados descobriram o caminho marítimo para a Índia. Visto daqui, já não constitui grande proveito ou reconforto. O que me encheria agora de enorme satisfação era descobrir o caminho para um qualquer outro planeta habitável... E emigrar para lá urgentemente. 

domingo, janeiro 11, 2015

Não sois Charlie, não senhor!

Mas isto, lá está, como apenas a via utilitária prevalece e infesta, pouco importa a essência da palavra. Apenas interessa como utensílio, neste caso, como arma de arremesso.. Os "terroristas" atiram com tiros ou bombas, os nossos geo-estrategas de sofá atiram-lhes com palavras. O Ruído contra o barulho; o cuspo como resposta à pólvora. Basicamente, injuria-se, desclassifica-se e criva-se de execrações o terrorista e o seu abominável acto. Todo este escarcéu, todavia, não diminui nem atenua os efeitos do atentado: apenas o amplifica. E é isso que o terrorismo pretende. O terrorismo e todo aquele que dele pretende tirar algum lucro, rescaldo ou vantagem. Admitindo, sem mais complexificações nem metástases, que a execução dos crimes de Paris foi obra do denominado "Estado islâmico", a coisa terá sido rudimentar (porque mais não era preciso, convenhamos)... Qualquer coisa do estilo "vão para lá, arranjam umas AKs na loja albanesa, estudam o alvo, aguardam pelo dia oportuno e abatem meia dúzia de infiéis. Depois pôem-se ao fresco, aguentam o mais possível até que Alá vos recompense no céu e pronto, é tudo!"
«Só isso?!...",terão pasmado decerto os operativos. "Só. - terá respondido o tipo da agência de viagens. -"O resto do circo, eles montam automaticamente, por sua - e para nossa - alta-recreação.
Enquanto modalidade de acção da guerra subversiva  (e, caramba, não é preciso ir à tropa, basta ir ao dicionário), ao terrorismo interessa-lhe uma reverberação o maior possível dos seus atentados. Por isso procura que estes se processem em locais e condições que a favoreçam. A quem faz o combate a essa subversão (as autoridades de um país, presumo eu, se calhar optimisticamente)  compete evitar por todos os meios que 1. essas acções terroristas se concretizem; 2. que, em se concretizando, produzam o menor efeito possível; e 3. e decorrente da anterior, uma vez concretizadas, que logrem a menor reverberação e propaganda possível. Propaganda significa essencialmente isso mesmo: propagação pública. E a principal finalidade dos actos terroristas é, precisamente, o alastramento posterior junto da população. E quanto maior essa propagação e mais retumbante o alarme causado, maior o sucesso do acto.
Ora, o que assistimos, com toda esta algazarra e ruído manifestante é que, da parte dos mass-e- miss-media e das autoridades atacadas, em vez do sério combate à subversão, o que se verifica, a raiar o escândalo, é a mais pressurosa colaboração e conivência, na medida em que ao contrário de um esforço concertado e organizado de atenuação dos efeitros, esfalfam-se num trabalho porfiado de amplificação e enriquecimento.
O assassínio frio e metódico (na verdade, uma execução) de um grupo de pessoas foi transformado num ataque à liberdade de expressão, ao âmago da França e aos alicerces da civilização! Em suma, um perfeito circo de rilhafoles. Toda esta gritaria é dirigida, em boa verdade a quem? Decerto não acharão que psicopatas organizados e ultra-armados, que têm vido a chacinar alegremente pessoas às dezenas de milhar, ficam muito comovidos ou sensibilizados com os vossas pequeninas indignações e lacrimejorros por encomenda, coro e descargo de consciência!... Bem espremido, em que é que toda esta chinfrineira distingue esta boa gente dum bando de babuínos sob a imaginação acagaçante de um leopardo?... Pretendem exactamente o quê - assustá-los com o barulho?
Mas o que vem a ser o terror, afinal? Assassinar não é terror: é homicídio voluntário, psicopatia, ou guerrilha. Atenta contra a vida das vítimas, que não é coisa de somenos, bem pelo contrário, é a essência da questão. A vida das pessoas devia valer alguma coisa enquanto pessoas, per si. O terror, contudo, não é isso. O terror é o medo que desse tipo de actos, de desvalorização e nadificação da vida das pessoas violentamente mortas, se destila e asperge para as restantes pessoas, potencialmente candidatas ao mesmo tipo de tratamento. A propagação desse horror ao maior número de receptores é que constitui a essência do terror, a sua realização e a motivação intrínseca do terrorismo. Só depois de publicitado é que o assassínio simples devém terrorismo completo. Tecnicamente, há dois tipos de terroristas, uma vez alcançada  esta realidade última: os que iniciaram o processo  (neste caso, a célula islamita); e os que corporizaram e materializaram o processo, ou sejam, as próprias autoridades francesas, os mass-media (e miss-media, por mimesis e contaminação poluidora) desenfreados e todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para a publicidade e alastramento social do acto. Em resumo, vós não sois todos Charlie. Compenetrem-se: Sois, sim, todos, terroristas.