domingo, agosto 30, 2015

Carambolas óbvias



E, paulatinamente, nos telejornais aos domicílio o enfoque nos resultados das democratizações à pressão em redor da Europa (e inerentes carnificinas em série de Exércitos Islâmicos, Al-Cagadas e outros franchisings amerosaudossioníssimos) é mínimo, e o enfoque nos desconfortos vários que os refugiados padecem na sua invasão da Europa, sobretudo por latitudes da Húngria (essa recaída abominável em anacronismos desdemocráticos e nacionalistas, passe o pleonasmo) é máximo. Uma catástrofe humanitária e genocídio inaceitável, não tarda nada. As desumanidades dos húngaros equiparam-se, agravam e culminam as do horrendo ditador da Síria, ignóbil causador de toda esta maçada. Subsidiado e instigado pelos russos, é preciso nunca esquecer.
Por este andar, os americanos em vez de bombardearam, a conta-gotas e sonolentos, as putativas posições do ISIL, acabam a bombardear, com todo o gosto e o amparo histérico da Nato, os fascistas da Húngria. Isto se uma revolução colorida ad-hoc não se lhes antecipar. As novas Bósnias, Kosovos e  islamo-albânias são onde um homem quiser. E já repararam na exotíssima língua que estas vagas de migrantes utilizam para as suas reinvindicações televisivas?... Espontaneidade é assim. 

sexta-feira, agosto 28, 2015

Imagens em nu integral do Apocapitalipsismo

Tenho que agradecer à sempre impagável (e, por conseguinte, insubornável) leitora Marina o conhecimento destas maravilhas. São imagens duma eloquência e actualidade  avassaladoras. O autor - um gentleman que responde pela graça de Steve Cutts - merece destaque e visita atenta. Aqui deixo duas ou três das minhas preferidas...





Filhos da Tábua Rasa

Eu depois explico melhor, - isto é, mais tecnicamente e à bordoada. Mas, para já, fica a apresentação por um inglês insuspeito de qualquer heresia anti-democrática. Um daqueles que tão bem decoram o hall de entrada da "sociedade aberta".

«O pai era puritano e lutou no Parlamento. No tempo de Cromwell, quando Locke estava em Oxford, a Universidade era ainda escolástica em filosofia. (...)
Foi o mais feliz dos filósofos. Completou a obra de filosofia teórica justamente quando o governo do seu país caía na mão de homens que partilhavam das suas opiniões políticas. Na prática e em teoria, as ideias que advogava foram por muitos anos defendidas pelos políticos e filósofos mais vigorosos e influentes. As suas doutrinas políticas, com os desenvolvimentos de Montesquieu, foram insertas na Constituição americana, e podem reconhecer-se sempre que há uma disputa entre o presidente e o Congresso. A Constituição britânica baseava-se nas suas doutrinas até há cerca de cinquenta anos, assim como a francesa de 1871.
Deveu-se a Voltaire a sua imensa influência em França no século XVIII. Voltaire, que em novo passara algum tempo na Inglaterra, interpretou as ideias inglesas aos seus compatriotas nas Lettres Philosophiques. (...)
Os herdeiros de Locke são: primeiro, Berkeley e Hume; segundo, os philosophes franceses que não pertencem à escola de Rousseau; terceiro, Bentham e os radicais filosóficos; quarto, com acrescentos importantes da filosofia continental, Marx e seus discípulos. (...)
«No tempo de Locke os seus maiores contraditores filosóficos eram os cartesianos e Leibnitz. Ilogicamente, a vitória da filosofia de Locke em França e Inglaterra deveu-se em grande parte ao prestígio de Newton. A autoridade de Descartes como filósofo foi acrescida mesmo no seu tempo pela sua obra matemática e de filosofia natural. Mas a sua teoria dos vórtices era claramente inferior à lei da gravitação de Newton como explicação do sistema solar. A vitória da cosmogonia newtoniana enfraqueceu o respeito por Descartes e aumentou o respeito pela Inglaterra. Ambas as causas favoreciam Locke. Na França setecentista, onde os intelectuais estavam revoltados contra o despotismo estéril, corrupto e antiquado, a Inglaterra era considerada pátria da liberdade, predispondo-os em favor da filosofia de Locke pela sua doutrina política. Nos últimos tempos antes da Revolução a influência de Locke foi reforçada pela de Hume, que viveu algum tempo em França e conheceu pessoalmente muitos dos savants orientadores.
Necessidade do Ateísmo, de Shelley, que o fez ser expulso de Oxford, está cheia da influência de Locke.»
- Bertrand Russell, in "História da Filosofia Ocidental"
Chamo a atenção que o Russell se encontra nos antípodas das minhas simpatias filosóficas. Mas para falar da seita, nada melhor que um membro efectivo. E neste caso o cavalheiro limita-se a descrever o óbvio ululante. Além disso,  estas coisas quando proferidas por um anglocoiso ganham logo um valor acrescentado, toda uma mais valia... Mas é verdade,  nasceram da mesma punheta: os comunas da treta e os democratas do cuspo. E o litígio é mera rixa entre irmãos... Por causa da herança.

quarta-feira, agosto 26, 2015

Os servos da Bolha

Aqui há uns anos, os deslumbradinhos e parafílíticos de plantão atiravam olhares embevecidos à Irlanda e apontavam aí toda a montanha de virtudes  económicas que nos faltavam. Em menos de nada, porém, a Irlanda que ia à frente passou para trás e ei-la na mendicidade financeira. Um pouco antes tinham sido os "tigres asiáticos". Dum momento para o outro, transformaram-se em gatos assustados esgaravatando em caixotes de beco sem saída. Desmesurou-se então no nano-horizonte destas abéculas, zénite nec plus ultra da globalização, altar vivo à glória do capitalismo milagreiro, a China. A China é que era. Crescia a olhos vistos e a ritmos vertiginosos. Produzia, exportava, alistava hordas de operários perfeitos, alastrava pelo mundo, da áfrica à semi-áfrica (Portugal e ilhas), pechinchando empresas e açambarcando negócios. Pois parece que, subitamente, a assombrosa China entrou em não menos assombroso colapso. Os estampidos de manadas na bolsa multiplicam-se; pelos quatro cantos do planeta, os conquistadores de ontem amanhecem saldosos e liquidatários.
Uma coisa que sabemos de ciência segura nos tais "mercados" é que são tudo menos livres e espontâneos. E coisa mais simples do que desencadear o pânico e a balbúrdia entre a parvoíce convulsiva e atávica dos investidores (em especial nos de arribação) não deve haver. Simples e rotineira, diga-se.
Há quem teime, por estupidez idólatra, em fazer do capitalismo uma ideologia, ou, por estupidez fóbica, um sistema. De seu real e concreto nada tem disso. Bem pelo contrário. E aí reside, em boa parte,  a sua força. E o que se tem verificado, tretas e propagandas à parte, é que anda pelo mundo não exactamente a criar paraísos, mas bolhas.
A fantasia dura até que a bolha rebenta.


PS: A economia de mercado, sem uma higiene básica de nacionalismo, não é remédio: é veneno. Vou só ali acender mais uma vela ao Oliveira Salazar.

segunda-feira, agosto 24, 2015

O Apocapitalipsismo


Há um paralelismo muito interessante de fazer. Entre os movimentos migratórios do colonialismo/imperialismo europeu (nos finais do século XIX) e o actual neocolonialismo/imperialismo esquisito (chamemos-lhe assim, por caridade).
No postal anterior, Cecil Rhodes definia a coisa, há pouco mais de cem anos, como um movimento de descompressão das tensões sociais inerentes ao capitalismo na Grã-Bretanha (e como o preceito foi rapidamente emulado por franceses, alemães, belgas, etc, podemos até dizer na Europa). Assim, europeus excedentários adquiriam espaço e oportunidade noutros continentes (sobretudo África e Ásia). 
Ora, pelo que vamos assistindo em catadupa diária nos telejornais, hoje, o processo é completamente ao contrário: numa Europa onde se vão acumulando tensões inerentes ao neocapitalismo (crise, desemprego, aculturação, anomia, amnésia, desagregação familiar, deslocalização produtiva, precarização, especulação financeira desenfreada, e o que mais queiram), não só os europeus crescentemente "excedentários" estão encafuados num curral cada vez mais burocratizado como suportam uma invasão de árabes e africanos em avalanche.
Entretanto, os governantes europeus ("governantes" é para rir, claro), em vez de tomarem medidas sérias e consequentes para acudir às tensões internas e aos exércitos de aflitos europeus, entretêm-se, na companhia, sempre benemérita e geo-altruísta, dos americanos, a instalar balbúrdias e carnificinas caóticas nos países em redor da Europa, promovendo exércitos de hiper-aflitos exógenos que depois afluem para reforçar a aflição europeia. Não é difícil de antever, a breve prazo, o resultado disto.
Decerto o óbvio não requer desenho a lápis: no meio das hordas afro-muçulmanas da hora presente,  por entre genuínos desgraçados e coitados avulsos, infiltram-se já terroristas aos molhos e a futura fonte de recrutamento, agitação e conflito social. Em sociedades onde se avolumam os exércitos de destituídos e ostracizados, a chegada de turbas alógenas em debandada serve para quê? Para os estados que não querem saber dos seus brincarem à caridadezinha com os outros? E depois toda esta gente, sem emprego nem perspectiva, vai sobreviver como? A expensas do otário europeu, vulgo contribuinte, ou a expensas próprias via criminalidade de recurso?
Em suma, os líderes europeus do antanho podiam ser acusados de terem em fraca consideração os povos afro-asiáticos (na altura ainda não tinha sido inventado o "terceiro mundo"). Os actuais, imbuídos de palpitante espírito democrático, desconsideram todos por igual. . A aflição que semeiam em redor é só para vir agravar ainda mais a aflição que fomentam dentro de portas. Diante de tão edificante, absurdo e suicidário quadro,  quem tenha ainda dificuldade em perceber que as actuais governâncias europeias não mandam coisa nenhuma e, ainda menos, mandam no interesse dos respectivos povos, das duas três: ou é burro convicto, ou cego fanático, ou suíno de engorda. Não temos governantes, temos governantas.

PS: É verdade que, enquanto projecto de desarmadilhamento duma hipotética guerra civil britânica, o colonialismo de Rhodes foi largamente ultrapassado pelo matadouro da 1ª Guerra: nada melhor que uma guerra  civil europeia para turbo-escoadouro  das tensões anglo-sociais. Mas de crise em crise, de guerra em guerra (alternado entre militar e económica), o capitalismo lá vai de vento em popa, ou melhor dizendo, de pseudo-apocalipse em pseudo-apocalipse. Prova mais acabada da regência do Anticristo não se conhece: até o Fim do Mundo é às prestações. E com juros.

terça-feira, agosto 18, 2015

O colosso Rhodes

«Estive ontem no East End [bairro operário de Londres] e assisti a uma reunião de desempregados. Ouvi aí discursos arrebatados. Era apenas um grito: "Pão,Pão!" Revivendo toda a cena ao regressar a casa, fiquei ainda mais convencido do que dantes, da importância do imperialismo... A ideia que me é mais cara, é a solução do problema social, isto é: para salvar os quarenta milhões de habitantes do Reino-Unido duma guerra civil  mortífera, nós, os colonizadores, devemos conquistar novas terras afim de aí instalar o excedente da nossa população, encontrar novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O Império, sempre o disse, é uma questão de barriga. Se quereis evitar a guerra civil, é preciso tornar-vos imperialistas.»
- Cecil Rhodes, 1895

O colonialismo britânico, que tem em Rhodes o seu sumo pontíficie, surge assim como uma primeira forma de desarmar uma tensão social que o ímpeto inaugural do capitalismo resfolgante instaurava a passos largos nas sobrelotadas urbes britânicas. Colonizar era, pois, segundo Rhodes, uma forma benigna de desinfestar as Ilhas e ampliar os negócios. A ideia tinha a sua lógica e não se pode dizer que fosse destituída de senso. Acudia, em simultâneo, às angústias prolefóbicas do reverendo Malthus e apresentava trampolins providenciais às efervescências social-darwinistas da época. E até Stuart Mill, em bênção antecipada, já proclamara: "Pode-se afirmar, no estado actual do mundo, que a fundação de colónias é o melhor negócio em que se possa aplicar os capitais dum velho e rico país.»
Desta peregrinação desembestada  resultaram muitas coisas que a história documenta. A guerra Bôer foi uma delas e merece referência especial por uma invenção que faria furor no século vinte: o Campo de Concentração (british made, registe-se). Conheço uma rapariga aul-africana (bastante jeitosa, por sinal) cuja avó penou num desses beneméritos estabelecimentos. Além do rapinanço das vastas minas de diamantes e ouro aos Boers, os Ingleses acharam também de bom tom expropriar aos Portugueses (seus velhos aliados, aspas, aspas) os territórios entre Angola e Moçambique (baptizadas logo de seguida como Rodésia do Norte e Rodésia do Sul, em homenagem ao chefe flibusteiro). Para o efeito, apresentaram o famigerado Ultimato à coroa portuguesa, sob ameaça de bombardeamento sumário por vaso de guerra entediado, caso o deferimento não fosse imediato. O rei encolheu-se (entalado entre a partidofagia interna e patifofagia externa, não seriam abundantes os seus recursos em campo de manobra) e acabaria removido pouco adiante, muito em consequência desta prenda dos prestimosos aliados. Agradeceram os auto-proclamados republicanos (qualquer bando de malfeitores e ladrões, uma vez na posse dum palácio, estima de arvorar-se em nobre e bestialmente digno). E trataram de materializar a sua gratidão aquando da carnificina industrial na esquina logo adiante, enviando milhares de portugueses para o matadouro da Flandres. Ao lado dos ingleses, pois claro. Para que estes (mai-los franciús)  não nos larapiassem o resto do ultramar, impunha-se que nos deixássemos massacrar pelos alemães. Não há colónias grátis. E a rapaziada lá foi; e lá cumpriu a rigor.

Podemos dizer que a república portuguesa é uma engendradela do colonialismo britânico?  O que é que acham?


PS: Não será mesmo a evolução lógica da esngendradela que já "constitucionalizara" a monarquia portuguesa?... Só perguntas difíceis...

segunda-feira, agosto 10, 2015

Prelúdio à Anatomia Geopulhítica

«A chamada “democracia” é um logro, o sufrágio universal uma máscara. Nos sistemas modernos burocratizados, cujo nascimento data de meados do século dezanove, a organização feudal foi, digamos assim, transposta para um nível seguinte. O objectivo principal daquilo que Tucídides referiu na sua época comosynomosiai (literalmente, “conjura”), isto é, as confrarias ocultas que agem por detrás dos clãs dirigentes, tem sido transformar o processo de cobrança de rendas à população (um “free income” na forma de alugueres, encargos financeiros e extorsões similares), tão imperscrutável e impenetrável quanto possível. A tremenda sofisticação, e a muralha propagandista de mistificações engenhosamente divulgadas, em redor do sistema bancário - instrumento principal através do qual os hierarcas expropriam e controlam a riqueza das suas comunidades hospedeiras -, constitui o testemunho límpido desta transformação essencial suportada pela organização oligárquica/feudal na era moderna. O Ocidente passou duma estrutura agrária de baixa tecnologia, assente nas costas de servos privados de direitos, para uma colmeia pós-industrial altamente mecanizada que se nutre da força de não menos desprivilegiados escravos de colarinho-branco ou azul, cujas vidas são hipotecadas para comprarem de acordo com as modas do consumo. Os mais recentes Lordes da Mansão já não são mais avistados a exigir o tributo, desde que passaram a confiar nos mecanismos da contabilidade bancária para esse fim, enquanto os sicofantas da classe média, tais como académicos e publicitários, permaneceram inteiramente leais ao synomosiai. A outra diferença concreta entre o antigamente e o agora reside no enorme aumento de rendimentos da produção industrial (cujo nível potencial, não obstante, tem sido sempre significativamente mais elevado que a produção real, de modo a manter os preços altos). No que respeita à “participação democrática” dos vulgares cidadãos, estes sabem lá bem no fundo dos seus corações que nunca decidem nada de importante, e que a política consiste na arte de influenciar as multidões nesta ou naquela direcção, consoante os desejos ou antecipações dos poucos que possuem as chaves da informação, do conhecimento efectivo (secreto) e da finança. Este pequeno número pode, em determinada altura, estar mais ou menos dividido em facções antagónicas; quanto mais profunda a divisão, mais sangrenta a disputa social. O registo eleitoral do Ocidente no século passado constitui um monumento cintilante à completa inconsequência da “democracia”: apesar de duas guerras de proporções cataclísmicas e um sistema último de representação que produziu uma pletora de partidos, a Europa Ocidental não conheceu alteração significativa na sua constituição socio-económica, enquanto a América, com o passar do tempo, foi-se tornando cada vez mais idêntica à sua própria oligarquia, reduzindo o aparato democrático a um concurso entre duas alas rivais duma estrutura monopartidária ideologicamente compacta, que é, de facto, “lobbyzada” por “grémios” mais ou menos ocultos: o grau de participação pública nesta flagrante falsificação é, conforme se sabe, compreensivelmente baixo: um terço dos cidadãos, no melhor dos casos.»
- G.G. Preparata, "Conjuring Hitler - How Britain and America made the Third Reich" (tradução minha)

Nos próximos tempos, e na medida do pouco tempo disponível que me assiste, tentarei investigar um pouco melhor certas mitologias impostas à força de propaganda ultra-pasteurizante. Primeira e Segunda Guerras Mundiais, em concreto.


sábado, agosto 08, 2015

O Mal e as suas apologias

O espectador neutro e imparcial da Segunda Guerra dá consigo entre o perplexo e o abismado. A coisa é
anunciada como uma guerra de épicas dimensões, mas mais parece um concurso de genocídios. Dir-se-ia que a atrocidade devém primado estratégico e expoente táctico. O combate é apenas um pretexto: o essencial é a chacina, a hecatombe industrial.

Houve atrocidades para todos os gostos e para todos os credos. Internos e externos. Ditatoriais e democráticos. Mas que as ditaduras, fruto da sua dinâmica de poder ultra-pessoalizado e concentrado possam ceder, de roldão, às maluquices de um único indivíduo (caso emblemático dos Hitler e Stalines que tanto jeito dão à sonsice americólatra) não deveria espantar-nos (não é a impiedade uma das características da tirania?). Já o mesmo não pode dizer-se desses sistemas neo-angélicos, a arfar cheques e balanços e a chocalhar direitos e garantias... Que tenham massacrado em moldes industriais (caso dos tapeteamentos aéreos sobre alvos civis) e, para cereja no topo do bolo, ainda tenham encerrado as festividades com o foguetório mais assassino e concentrado de que há memória (salvo eventualmente Dresden, mas aí, com uma chusma de bombardeiros), isso, sim, é que é genuinamente espantoso. Porque o Mal a realizar coisas malvadas é lógico e já estamos calejados; agora que o bem ultrapasse o mal nesses exercícios é que deveria transportar-nos, senão ao escândalo, ao menos à estupefacção. 
Que Hitler, ou os japoneses, tivesem atirado com a bomba atómica a um parque infantil, preferencialmente kosher ou chinês, obederia à sua perversidade lendária. Agora, os americanos, senhores, os santos americanos, baluartes da liberade, da democracia e do gentil mercado!... Justificável? Só do ponto de vista moral dum percevejo ou político dum verme!... Justificável é o nascimento de quem o lambuza como descuido extra-vaginal da mãezinha!

Mas a verdade é ainda mais inquietante. Verificamos ainda algum escrúpulo e resquício de pudor entre os chacinadores maléficos - dos nazis aos comunas. Dão-se ao trabalho de mascarar as carnificinas - abrem valas, improvisam crematórios, estudam soluções suavizantes para o sinistro empreendimento (enfim, retêm ainda alguma vaga noção da infâmia da coisa; não pretendem gabar-se nem fomentar um qualquer tele voyeurismo de basbaques frenéticos ). Os alemães, aliás, como não me canso de proclamar, são mesmo (e continuam a ser) um caso paradoxal de inteligência e burrice, em trepidante tandem. São capazes das mais brilhantes engenharias e, em simultãneo, das mais sumptuosas asneiras. O caso dos judeus foi um hino à segunda. Despendem toda uma azáfama de expedientes e meios para retirarem os judeus das cidades, enviando-os para fora do raio de acção dos bombardeiros aliados. Mas, afinal, queriam exterminá-los ou protegê-los? Ora, fazia mais sentido retirarem os alemães e deixarem lá os judeus para serem furiosamente pulverizados.  Das duas, uma: ou os aliados se inibiam com a clientela, ou cometiam eles o holocoiso. Está bem que no fim, acabariam sempre a culpar os alemães, como os israelitas culpam os palestinianos pelos massacres que lhes acontecem, mas, enfim, pelo menos poupavam, os germânicos, comboios e combustível (já não para falar numa horda de funcionários que bem mais utéis teriam sido na frente leste). Pronto, mas é como digo: nota-se ainda algum humanitarismo, embora perverso, nos maligníssimos.
Agora os neo-querubínicos e panta-serafiníssimos, Mãe Santíssima, tratam de transformar o genocídio, mais que num espectáculo, num acto global de exibicionismo macabro. É isso que Hirosshima significa: o Mal já não precisa de máscara nem camuflagem. Já não se esconde. A sua ordem já não é apenas a da vil e furtiva descendência de Caim: emerge doravante nu, completamente desembaraçado, a céu aberto... negro e impiedoso... No altar vazio de Deus.


PS:  Nunca louvaremos o suficiente Oliveira Salazar por nos ter mantido fora daquela orgia das trevas que foi a Segunda-Guerra Mundial. Vou já ali acender-lhe uma vela!

PSS: A mesma lógica do "mal menor" que justifica Hiroshima serviu a Hitler para justificar o programa nacional de eutanásia. Portanto, esfreguem-se e relambuzem-se!

quinta-feira, agosto 06, 2015

O MAL



Experimentar uma bomba atómica sobre alvos militares é um acto abjecto. Experimentá-la, sem aviso, sobre uma cidade civil, destituída de qualquer interesse militar ou estratégico, tem outro nome. Que, para cúmulo, tenha sido perpetrado por aqueles que já tinham a guerra completamente ganha, não podendo portanto alegar desespero ou necessidade maior, torna a coisa especialmente monstruosa. 
Não é o mal absoluto, mas é a absoluta desumanidade.

sábado, agosto 01, 2015

A Lotaria das Almas, segundo Platão


«E as almas, à medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegíria; as que se conheciam, cumprimentavam-se mutuamente, e as que vinham da terra faziam perguntas às outras, sobre o que se passava no além, e as que vinham do céu, sobre o que sucedia na terra. Umas, a gemer e a chorar, recordavam quantos e quais sofrimentos haviam suportado e visto na sua viagem por baixo da terra, viagem essa que durava mil anos, ao passo que outras, as que vinham do céu, contavam as suas deliciosas experiências e visões de uma beleza indescritível. referir todos os pormenores seria, ó Gláucon, tarefa para muito tempo. Mas o essencial dizia ele que era o que se segue. Fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, pagavam a pena de tudo isso sucessivamente, dez vezes por cada uma, quer dizer, uma vez em cada cem anos, sendo esta a duração da vida humana - a fim de pagarem, decuplicando-a, a pena do crime; por exemplo, quem fosse culpado da morte de muita gente, por ter traído Estados ou exércitos e os ter lançado na escravatura, ou por ser responsável por qualquer outro malefício, por cada um desses crimes suportava padecimentos a decuplicar; e, inversamente, se tivesse praticado boas acções e tivesse sido justo e piedoso, recebia recompensas na mesma proporção. Sobre os que morreram logo a seguir ao nascimento e os que viveram pouco tempo, dava outras informsações que não vale a pena lembrar. Em relação à impiedade ou piedade para com os deuses e para com os pais, e crimes de homicídio, dizia que os salários eram ainda maiores.
Contave ele, com efeito, que estivera junto de alguém a quem perguntaram onde estava Ardieu o Grande. Este Ardieu tinha sido tirano numa cidade de Panfília, havia já então mil anos; tinha assassinado o pai idoso e o irmão mais velho, e perpretado muitas outras impiedades, segundo se dizia. E o interpelado respondera:"Não vem, nem poderá vir para aqui. Na verdade, um dos espectáculos terríveis que vimos foi o seguinte: Depois de nos termos aproximado da abertura, preparados para subir, e quando já tinhamos expiado todos os sofrimentos, avistámos de repente Ardieu e outros, que eram tiranos, na sua quase totalidade; mas também havia alguns que eram particulares que tinham cometido grandes crimes - que, quando julgavam que iam subir, a abertura não os admitia, mas soltava um mugido cada vez que algum desses, assim incuráveis na sua maldade ou que não tinham expiado suficientemente a sua pena, tentava a ascensão. Estavam lá homens selvagens, que pareciam de fogo, e que, ao ouvirem o estrondo, agarravam alguns pelo meio e levavam-nos, mas, a Ardieu e outros, algemaram-lhes as mãos, pés e cabeça, derrubaram-nos e esfolaram-nos, arrastaram-nos pelo caminho fora, cardando-os em espinhos, e declaravam a todos, à medida que vinham, por que os tratavam assim, e que os levam para precipitar no Tártaro. (...)
[A Lotaria das Vidas futuras pelas Moiras]
«Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade. Almas efémeras, vai começar outro período portador da morte para a raça humana. Não é um génio (daimon) que vos escolherá, mas vós que escolherteis o génio. O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor; cada um a terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A rersponsabilidade é de quem escolhe, O deus é isento de culpa.»
Ditas estas palavras, atirou como os lotes para todos e cada um apanhou o que caiu perto de si, excepto Er, a quem isto não foi permitido. Ao apanhá-lo, tornara-se evidente para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vidas, em número muito mais elevado do que o dos presentes. Havia-as de todas as espécies: vidas de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas havia tiranias, umas duradouras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na fuga, na pobreza, na mendicidade. Havia também vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, força e vigor, outras pela raça e virtudes dos antepassados; depois havia também as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas não continham as disposições de carácter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si, e com a riqueza e a inteligência, a doença e a saúde, e bem assim o meio termo entre esses predicados.»
- Platão, "Políteia" (vulgarmente traduzido por "República")
Quatro séculos antes de Jesus Cristo. Qualquer semelhança entre isto e o céu/ inferno cristão não é mera coincidência. Santo Agostinho usou e abusou.
O equivalente cristão do daimon/génio que a alma escolhe é o "anjo da guarda". Eventualmente, o nosso investigador do espiritismo vai falar-me em "guia".
Espero, sinceramente, que Platão esteja atestado de razão no que respeita àquela parte negritada. Temos por aqui, à beira mar plantada, abundante freguesia.
Não por acaso, vários filósofos lúcidos referem-se ao cristianismo como um platonismo para uso popular. Portanto, se querem crucificá-lo por ter inspirado algumas perversões comunistas, lembrem-se que antes disso arcou com a Igreja em peso e forneceu estrutura e consistência ao pensamento cristão.