segunda-feira, maio 02, 2005

Poesia.

Execro poesia efeminada, delicodoce, eunuca! Porcarias do estilo Eugénio de Andrade e quejandos. O defeito é meu, falta-me "sensibilidade", "ternura" pelas palavras pequeninas, chocas. O defeito é meu e eu assumo.
Em contrapartida, estimo a lucidez, a violência, o abismo - a vida, enfim.
Vem tudo isto a propósito dum poema que garimpei numa caixa de comentários algures. Reza da seguinte forma:

O POETA EM LISBOA

«quatro horas da tarde.
o poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
tem febre, arde.
e a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.

segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
pára. continua.
e olha a multidão, suavemente, com horror.

entra no café.
abre um livro fantástico, impossível.
mas não lê.
trabalha - numa música secreta, inaudível.

pede um cigarro. fuma.
labaredas loucas saem-lhe da garganta.
da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.

fuma mais. outra vez.
e atira um braço decepado para a mesa.
não pensa no fim do mês.
a noite é a sua única certeza.

sai de novo para o mundo.
fechada à chave a humanidade janta.
livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. canta.

sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.

seis da madrugada.
a luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.

febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
fiel, atenta a aranha
leva-o para a cama arrastado pelos cabelos. »

António José Forte

Mais palavras para quê? Isto, meus amigos... isto é poesia.

Agradecimentos ao Blitzkrieg, pela feliz lembrança.

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