quarta-feira, maio 25, 2005

Altermanias

Vivemos um tempo de ataque cerrado à auto-estima das pessoas. Se por um lado se lhes insufla o ego de vento, num simulacro de rã em ascensão a boi, por outro, é um gaz deletério e corrosivo que só as emprenha de angústias, dúvidas e hipocondrias existenciais. A máquina da extracção da auto-estima, opera, ao mesmo tempo, na injecção de dependência, de vassalagem cega e desmedida à hetero-estima. As pessoas -categoria cada vez mais obsoleta-, são manipuladas (ou melhor dizendo, pedopuladas) como uva em lagar de mixordeiros, de marteleiros desenfreados. O resultado é uma vasta cadeia de montagem de imbecis, de gentinha débil-emocional, que se arrasta e repta num constante: "por favor gostem de nós". Mimadas até ao vómito, são desossadas de toda e qualquer autonomia, depiladas de genuíno critério ou gosto, esterilizadas e lobotomizadas metodicamente até uma espécie de tetraplegia mental.
Mais que um qualquer modo de afirmação, o seu exibicionismo obsceno - outras vezes simulado, protocolar, mas sempre emulador dum alterpadrão público -, resume-se a uma sórdida súplica, um enerve requerimento de adesão a uma qualquer manada preponderante.
É toda uma imensidão de hiper-egos pardoxalmente junkies dos outros, do número, da manada. É uma espécie de massa levedante, que quanto mais exorbita mais se agrega e empastela. Pastam e, ao mesmo tempo, vigiam-se, controlam-se, perseguem-se. Levantam a cabeça apenas o suficiente para espreitar o grosso da manada, para avaliar do fluxo dominante, das áreas de maior aglomeração. Se é superlotado é bom; se está enxameado de peregrinos, então é por aí certamente o caminho. O lema estrutural resume-se a "sou o que os outros acham", "sou por sufrágio universal", "candidato-me, propagandeio-me, sufrago-me em cada instante", "aconchego-me". No fundo, vão na enxurrada humana, não tanto para onde escolhem, mas para onde a multidão irracional, a chicote de um qualquer inefável piloto, os empurra. E atrai.
Entretanto, esse irresistível vórtice magnético que são os outros tem doravante um nome, um nome que impera sobre todos: Opinião Pública. É a estrela guia e o astro radioso que ilumina.
É a suposta "opinião de todos", a "opinião universal", no mínimo, a "opinião dos outros".
E quem são esses que os teleguiam?
São os mesmos que estipulam aquilo que é gostável e desgostável, aquilo que é estimável ou execrável. Curiosamente, os mesmos que lhes amputam a alma e lhes implantam, em forma de prótese indispensável, género cadeira de rodas espiritual, uma sórdida maquinazinha defecante, palradora, onanogâmica e hetero-dependente.
Convertidas a um quase vegetal merdificante e palrador, incontinente e mirrado, absolutamente submisso ao cuidado e à vigilância alheia, ambulam, quais espantalhos grotescos, à mercê de estímulos e próteses que os transportam e que, providencialmente, sempre providencialmente, como soro através de tubo, ou realidade através de écran, lhes fornecem.

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