segunda-feira, maio 09, 2005

O faranait de novo...

Estimada Lolita,

Eu jamais, em modo ou tempo algum, insultaria uma senhora. Não é debalde que me cognominaram (aquele cabrão do Caguinchas, se quer saber) "Dragão da Triste Figura". De resto, esse requinte -do insulto, do vitupério, do menoscabo -, reservo-o, como já deve ter reparado, aos cavalheiros. Se bem que, nestes cinzentos dias que correm, se torne cada vez mais difícil distingui-los umas dos outros e outros das umas -os cavalheiros e as damas, quero dizer. Acontecem-me mesmo desenlaces surpreendentes, assombrantes: julgo estar a injuriar um masculino, pelo menos é o que a cobertura indicava, e sai-me uma donzela, toda aos arrufos e birras. Doutras vezes, não menos aziagas, alvitro pelo aspecto que é uma dama que lá vem, afasto-me em vénia para ceder passagem e venerar o andor, mas eis que a mafalda vira bernarda e, sem qualquer pudor nem continência, rompe em chorrilhos e guturalidades dignas de carroceiro, ou guinchos ululantes mais próprias de varina ou mulher-a-dias, quando não remoques e piadinhas só ao alcance de bruxa encartada ou sogra de visita! Até as labaredas se me enovelam nas goelas e a bocarra - assaz descomunal e bem serrilhada de dentuças - se me escancara de espanto! O que vale, quando vale, é que Aristóteles atribuiu ao espanto a paternidade da filosofia ("Metafísica", livro Alfa, tenha a bondade de conferir). Nem imagina, vossa senhoria e minha senhora, as filosofias em catadupa, a prole irrequieta de ideias que este meu tremendo espanto tem gerado!...Vivo numa maternidade em sobrelotação permanente. Eu e o meu espanto já não temos tempo para mais nada senão andar de mãos atrás das costas na sala-de-espera. Isso e fumar charutos de empreitada. São uns atrás dos outros. Se não morrermos submersos por tão desarvorada progénie, aguarda-nos certamente, de emboscada, esse inimigo jurado de todas as chaminés humanas: o cancro de pulmão.
Ah, mas perdoe-me esta lastimável facúndia, esta destilaria de infortúnios! Descarrilei da coisa simples e rasa que tinha para lhe dizer: para esse peditório já dei. Encontra aqui a bela figura de parvo que então fiz.
Mas se lhe interessar um upp-grade, determine. Quem faz de parvo uma vez, faz duas ou três. Neste nosso país, também, já pouco mais há para fazer.
Um seu criado,
Dragão

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