sexta-feira, março 03, 2023

Para que serve a Filosofia...

...Conforme inquirição dum leitor, a pretexto já nem me lembra bem de quê...

Para que serve, então?

Anotem, sff:

Para enriquecer. Para conhecer mulheres deslumbrantes (mesmo no sentido bíblico do verbo). Para viajar a mundos e locais fascinantes, na companhia de seres inteligentes e imortais. Para desprezar o trabalho e toda a forma de escravatura, encapsule-se ela em que supositório for. Para experimentar a verdadeira independência. Para esmerar a arte de transformar falsos amigos em fiéis inimigos.  Para andar na guerra sem medo e na paz sem arrogância. Para saber que o mais importante é também o mais simples: que o fim e o princípio coincidem. Para compreender, com clareza, para que serve a honestidade - a intelectual sobretodas. Para não perder tempo com ninharias e ninhacastas. Para, enfim, entre mil e muitas outras coisas maravilhosas (que ficaria aqui um ano a enumerar), ser um homem digno da sua ociosidade essencial, no que apenas honra o padroeiro-mor de todos os ociosos genuínos deste mundo: Deus.

Chega?


PS: É  claro que Filosofia e  curso de Filosofia são duas coisas substancialmente diferentes (até porque a Filosofia não é uma coisa). O curso de filosofia, em qualquer universidade, é, de facto, um curso de história da filosofia (bem, mal ou pessimamente dado). Tive essa experiência já lá vão muitos anos. Lembro-me que logo no primeiro ano, um belo dia, escrevi no quadro antes da aula: "a filosofia começa onde o professor acaba". Estava a ser provocador, claro,  com o sangue na guelra próprio da idade. Mas não estava a faltar à verdade. Exorbitava claramente a minha autoridade na matéria, naqueles dias deambulares, mas hoje, passados muitos anos, devo reconhecer que o aforismo não falseia a realidade. Até porque nem fui eu que o escrevi: no fundo era o Nietzsche a escrevê-lo através de mim. E nos primórdios eu era, sem rodeios, um nietzscheano feroz. Fui-o, de resto, até ao dia em que me tornei um aristotélico sereno. Não há contradição: apenas o sabor mais cristalino da água quando bebida nas nascentes da própria serra.

Neste contexto, e voltando à questão, dum ponto de vista académico, a dita questão, convém registá-lo, não honra quem a coloca, ainda menos nos termos um bocado boçais (o riso das sérvias Trácias, como escreveu Platão)   em que geralmente é feita. Por uma razão muito simples: a Filosofia não serve. É a senhora da casa. Para servir tem umas criaditas, entre a carochinha e a cripto-cinderela, que tratam dos serviços domésticos. Chamam-se "ciências" (exactas, sociais, em suma, ocultas e semi-ocultas, todas elas). Essas é que servem, que operam no domínio da utilidade doméstica e decorativa. A Filosofia apenas vela para que não partam nem estraguem demasiado. O que, convenhamos, em cada diz que passa, se torna cada vez mais difícil. É que Deus já nem se aproxima disto (tal o fedor), e a Filosofia, por natureza, segue-lhe sensatamente os passos.

9 comentários:

Anónimo disse...

Já anotei!
Já anotei porque, concordando com a formulação, confesso a minha de talento para uma resposta assim. Por isso anotei e agradeço.
Se chega? Lá chegar, chega, mas se houvesse mais, mais se agradecia.

Vale a pena passar por aqui!

João Brandão

Anónimo disse...


Caro Dragão:

Não respondeu cabalmente ao perguntador desse tipo de perguntas, que deve estar a perguntar-se sobre quem serão essas "mulheres deslumbrantes"...

V. é uma avis rara. Ainda nos há-de aqui contar como é que passou dos comandos à Filosofia. Ou foi o inverso?

"É que Deus já nem se aproxima disto (tal o fedor), e a Filosofia, por natureza, segue-lhe sensatamente os passos."

Isto cheira mais a fogosidades duma alma platónica do que à "serenidade" aristotélica. O naturalista macedónio consideraria toda esta có(s)mica teratologia em que vamos um interessante case study.

Mas confesso que o veria melhor si em linha com o velho Diógenes de Sinope. Como o meu caro sabe, também os desta casta não deixavam de prezar a apatheia.

marina disse...

Chega! a Filosofia liberta , tal como Deus.

marina disse...

liberta-nos , sobretudo , de espíritos mesquinhos e soberbos.

e não há qualquer conflito entre "serenidade aristotélica " e a luta fogosa do Dragão. luta por nós , não por ele.

Fernanda Viegas disse...

Já anotei! É sempre único e prazeroso ler o que o caro Dragão escreve, independentemente do assunto. Obrigada por partilhar! Ficamos todos mais ricos e espertos.

marina disse...

e Aristóteles consideraria os escritos do Dragão sobre as teratologias do tempo presente , um tempo que baniu a alma, um mimo , anónimo.
nunca o acharia uma ave rara , que o é , mas noutro sentido. rara de extraordinária.

Vivendi disse...

O grande problema do Ocidente, a falta de uma filosofia cultural.

Ou seja, nenhuma filosofia entranha mais nas elites rascas e na populaça decadente do Ocidente.

passante disse...

Tipo Kardashians da filosofia: https://existentialcomics.com/

Suponho que com mais piada.

Anónimo disse...

oh dragão, fiquei esclarecido, caramba. E interessa-me muito aquela parte das "deslumbrantes", sem dúvida. Onde é que me alisto?