Esta coisa de retirar o nome dos santos das escolas, a ser verdade, inquieta-me. Não tanto pelos santos actuais, digo já, mas pelos potenciais. Lá que mandem o Santo António, Tiago ou Gervásio para as urtigas, a toque de decreto e esfregona, não me causa especial impressão. Se estamos no inverno, é natural que chova e reinem as enxurradas. Aliás, uma medida peregrina destas cumpre na perfeição a lógica do actual regime: todos sabemos que um dos grandes problemas da educação neste país é o nome que se dá a cada estabelecimento de ensino. detalhe mais importante duvido que exista; aquilo determina tudo o resto. Um aluno laico, balalaico ou trilailaico, é mais que evidente, não se consegue concentrar nos estudos, sabendo que um nome religioso macula e assombra o local. "4x9?", "Não sei, setôra, o Santo António está-me aqui a fazer cócegas e nem me deixa pensar!..." Por conseguinte, verificado estatisticamente que as escolas com piores resultados ostentam nomes de santos, vai-se lá, muda-se o nome à escola e pronto, assunto resolvido, é ver aquelas pautas medrarem e borbotarem de notas repolhudas. Aposto que deve ter sido este o raciocínio da ministra e respectiva récua assessora, e nós, caros compatriotas, verdade seja dita, só podemos congratular-nos com tão fulgurante e engenhosa panaceia. Até aqui, portanto, tudo muito bem, um deslumbramento daqueles. Mas resta o tal senão inaugural, aquele que me atenaza o espírito: é que ao banir-se os santos actuais, está também a vedar-se a ascensão aos futuros, já não falando nos beatos, acólitos e anjinhos do coro presentes. Um Santo Álvaro Cunhal, por exemplo...Já viram bem? Vai obstaculizar-se um santo portentoso destes?... Ou um São Marx, um Santo Mário Soares, um Santo Aristides, um Santo Agostinho Neto (nas escolas da Damaia, imprescindível, acreditem), uma Santa Catarina Eufémia, um Beato Saramago - enfim, vastas hordas canonizadas ou quase -, verão a sua consagração escolonomástica seriamente comprometida, senão mesmo decisivamente arruinada. A não ser que o decreto ressalve os futuros venerandos e se aplique apenas aos passados. Ah, bem, assim já não está cá quem falou. Tudo a bem da Nacinha, nada contra a Nacinha.
A não ser, talvez, acrescentar que não me ofende -nem espanta - nada do que quer que chamem às "escolas": santos, demónios, gatos fedorentos, carlas vanessas ou cristianos ronaldos. A essas actuais e perfeitas fábricas de enchidos, o único nome que considero escandalosamente insultuoso -sobretudo à nossa inteligência e a considerável parte dos profissionais sérios que lá penam - é Escola.
Escola é uma instituição onde se formam homens e mulheres, não um antro onde se deformam e adestram para formigas. Para carniça invertebrada, automática e telecomandada. E onde passam um diploma ao fim duma série vitoriosa -e retumbante! - de acefalogramas.
4 comentários:
Mas deixem ficar a Santa Ignorância.E ,já agora , a Santíssima Estupidez dos doutos quadrúpedes do "alegado" Ministério da Educação...
Os cabrões até têm noção disso: há umas décadas, quando aquilo começou a escorregar estrepitosamente, para não ofender o de Estagiros passaram a chamar a esses pombais escolas secundárias
Ora nem mais...
Jacinto, grande comentário, mesmo, ri-me a bom rir =;O)
A minha previsão é que isto é apenas o início. Os próprios países vão perder os nomes actuais para receber outros inócuos, tipo matrícula de automóvel, decretados pela administração do futuro governo mundial. As pessoas também não vão poder escolher os nomes actuais porque estes têm muitas vezes um significado histórico. A bem da harmonia dos povos vamos acabar com a História e com tudo o que a ela possa estar ligado.
Enviar um comentário