sexta-feira, janeiro 11, 2008

A Argumentúcia anti-referendária - II.

Argumentículo Terceiro: O referendo é, de certa forma, redundante. O povo avulso tem os seus representantes eleitos na Assembleia da República, a quem passou devida procuração por quatro anos. Estes podem igualmente, em seu nome, ratificar ou não os Tratados Internacionais.

- Ora bem, o povo avulso, através de eleições periódicas, escolhe entre determinados partidos que apregoam e garantem determinados programas. Os programas até estão escritos, são repetidamente jurados diante de milhões de testemunhas e funcionam como "contratos de promesa". Todavia, uma vez triunfante, cada cacique reinante no partido vencedor (e quanto maior a maioria, pior), constitui governo e marimba-se positivamente para o pré-acordo nupcial. Tendo sido eleito sob o compromisso solene de baixar impostos, levanta-os; de reduzi-los, multiplica-os; de criar empregos, extingue-os; de combater a corrupção e o nepotismo, açambarca-os; de proceder a específicos referendos, contorna-os. Quer dizer, contratado para fornecer determinado produto, não só não o entrega, como, a maior parte das vezes, realiza o seu oposto. Que fariam as pessoas, se em vez da moradia pré-acordada e paga, lhes apresentassem uma casota de cão, ou em vez do Mercedes-Benz sinalizado produzissem um triciclo de criança? Indignavam-se, certamente. Enfureciam-se, faziam queixa à polícia e aos tribunais. Infelizmente, as pessoas parecem dar mais importância à casota e ao automóvel do que ao futuro dos filhos e dos netos. Além de que a polícia e os tribunais andam sob trela invisível, mas deveras efectiva.
Somos forçados a concluir que uma democracia assim é uma fraude descarada e sistemática. Uma ciganice pegada.
O facto é que os representantes que são oferecidos periodicamente ao sufrágio popular resultam duma escolha prévia dum cacique reinante - o capataz partidário do momento. Ora, essa selecção constitui, por si, também um contrato de promessa: os respresentantes são seleccionados com base no compromisso de, uma vez impingidos ao povo, pagarem o investimento através da obediência canina ao cacique que os deferiu. Ou seja, são representantes do cacique antes de serem representantes do povo. E agem em conformidade. A primeira promessa é que conta; a segunda é meramente folclórica. Os putativos representantes do Povo na Assembleia da República representam, antes de tudo, o seu cacique partidário; tal qual o cacique partidário investido e sustentado por eles em turbo-soba da nacinha representa, antes de tudo, os seus accionistas parlamentares e familiares (partidários, meta-partidários, nacionais e internacionais). A este circuito fechado da mais vergonhosa trafulhice tribal e oligárquica chamam eles "disciplina partidária" ou "fidelidade parlamentar".
Pois bem, sendo que todos estes bandoleiros de bancada e ministério se representam e legitimam exclusivamente uns aos outros, servindo-se apenas do voto popular como gazua ou trampolim para os seus assaltos à Coisa Pública, não sobra qualquer espaço de genuína representação pública. O povo avulso, não é tido nem achado nisto tudo. O cacique pergunta aos seus representantes na Assembleia se concordam e ratificam; os parlamentares respondem ao seu régulo e representante no Governo, naturalmente, que sim. Na verdade, o cacique nem pergunta, ordena; e os perguntados nem respondam, prostram-se e veneram.
Uma operação desta qualidade e envergadura, poderá ser uma sublime macacada, uma olímpica intrujice, uma solene farsa, poderá ser tudo menos uma acto de legitimação nacional. O país real só fornece as costas: para corcel da sela destes jóqueis, para faqueiro destas cozinheiras, para gabinete destes conluios; e o fundo das ditas : para glorificação destes tratados. E regalo destes tratantes.

Quanto ao povo, não é soberano: é analfabeto e patego. Por isso é que assina de cruz... Procurações em branco.
Um regime destes não é corrigível através de eleições, reformas, nem revoluções. Porque um regime destes não se muda: varre-se!

5 comentários:

Anónimo disse...

Em Portugal pelo menos o voto é facultativo, ao contrário do Brasil, em que somos OBRIGADOS a ir votar, ou melhor, anular o voto.

Anónimo disse...

O voto no Brasil é um DIREITO OBRIGATÓRIO.

Anónimo disse...

Aqui não voto (só refendos mesmo, e mesmo assim não votei em um) no Brasil bem que faria uma cruz de ponta a ponta!

Zé do Telhado disse...

Ora amigo Dragão, mais uma excelente análise desta trampa a que insistem em chamar de Democracia. Com sua licença e devida chamada, vou publicar um excerto deste pensamento lá na minha casa. Abençoados blogues.

Um abração do
Zé do Telhado

Anónimo disse...

Varre-se como?
Texto magnífico...
Morfeu