terça-feira, junho 08, 2004

Crimes Exemplares


É um livrinho pequeno. Mas os livros, como os homens, não se medem às páginas. Este, por isso mesmo, é gigante, no humor negro que poreja.
Escreveu-o um senhor chamado Max Aub e intitula-se :"Crimes exemplares". Conta o autor que se trata duma recolha de depoimentos pelas penitenciárias do México. Tenho as minhas dúvidas. Mas dentro do ramo, chega a ser sublime. Aproveitem a feira do Livro e pechinchem-no na Antígona. Entretanto, oiçam...

«O tipo era vesgo e pensei que olhava para mim de lado. E olhava-me de esguelha. Além disso, chamam cadáver a qualquer morto de merda.»

«Salpicara-me dos pés à cabeça. Isso ainda vá...Mas o pior era ter-me encharcado completamente as meias. Tal é que eu não consigo suportar. Não aguento. Agora que foi um peão a matar um automobilista, não se vai levantar um pé-de-vento.»

«Quando estava bêbado, partia tudo. Armava sarilhos por dá cá aquela palha. Essa terrina era a única coisa que me restava da mamã. Que o fizesse com tudo, ainda vá lá, mas a terrina, não! Não o fiz com a tenaz de gelo, senhor, não, fi-lo com o ferro de engomar.»

«Pedi-lhe o Excelsior e trouxe-me o Popular. pedi-lhe Delicados e trouxe-me Chesterfields. Pedi-lhe uma cerveja branca e trouxe-me uma preta.
A cerveja e o sangue, misturados pelo desprezo, não ligam bem.»

«O que interessa é fazer a paz entre os homens e mantê-la. Se para o conseguir for preciso chegar a tais extremos (e fez um gesto que abarcava a praça toda), fá-lo-emos!»

«A bola era minha. A faca não. Mas a bola é que estava em causa.»

«-Como é possível que me acusem de o ter morto se eu me tinha esquecido de que a pistola estava carregada?
Toda a gente sabe que não tenho memória nenhuma. E ainda dizem que a culpa é minha? É o cúmulo, palavra de honra!»

«Matei-o primeiro em sonhos; depois não me consegui impedir de o fazer na realidade. Era inevitável.»

«Bem vê, senhor, é melhor não contrariar as minhas ideias. Não o tolero. Aceito as suas, unicamente para lhe ser agradável. Guarde-as, rumine-as, digira-as e expulse-as se não lhe agradarem. De uma maneira geral, os homens julgam, desde há dois séculos e mesmo mais, que são os melhores do mundo. O non plus ultra. O.K. É lá com eles. Quanto a mim, estou convencido do contrário, pois somos todos filhos do animal pelo simples facto de sermos homens. Há muito tempo que o homem provou a sua domesticação da natureza à força de irritabilidade, de ingratidão, de instintos assassinos e de golpes, de golpes de cacete, de pedras, de fogo, de machetes e também de crimes impunes e da escravização dos outros. Qualquer homem, pelo simples facto de o ser, é filho da puta. Que os outros não pensem da mesma maneira, nem sequer o discuto. Para mim, o maior dos imbecis -por mais suiço que seja - é Jean Jacques Rousseau. Com as ideias que tenho qual é a admiração por eu ser um gajo porreiro? Que tenham morto o Senhor Jesus, em contrapartida, não é de admirar: não devia um tostão a ninguém.»

1 comentário:

zazie disse...

ó mas isto deve ser uma delícia! ":O)))