sexta-feira, outubro 27, 2006

Outros tempos, outras modas

Na minha última rusga pelos alfarrabistas, deparou-se-me o seguinte cartapácio: "Dois anos junto de Hitler", de Nevile Henderson. Este cavalheiro foi o embaixador de Sua Majestade Britânica em Berlin, desde 1937 até à declaração da 2ª Guerra Mundial. O livro lê-se bem, conto acabar hoje com ele e, a certa altura, na página 31, o digníssimo embaixador escreve o curiosíssimo trecho que passo a transcrever:
«Os ditadores só se transformam num mal para os seus povos e num perigo para os seus vizinhos quando o poder lhes sobe à cabeça e quando a ambição e o desejo de durar os levam à opressão e à aventura.
Mas mesmo quando são duradouras, nem todas as ditaduras podem ser censuradas. Ataturk (Mustafá Kemal) construiu uma nova Turquia sobre as ruínas da antiga, e toda a gente esqueceu ou perdoou as suas medidas de expulsão dos gregos as quais, provavelmente, sugeriram a Hitler a ideia de que podia fazer o mesmo com os judeus. É impossível, apenas porque se trata dum ditador, contestar os altos serviços que Mussolini tem prestado à Itália. da mesma forma o mundo reconheceria em Hitler um grande alemão se ele tivesse sabido moderar-se a tempo. A moderação deveria ter-se iniciado em seguida a Munich e às leis de Nuremberg contra os judeus.
O doutor Salazar, ditador de Portugal, soube traçar ele próprio os limites da sua acção e manter-se dentro deles. É por isso, decerto, um dos homens de estado europeus mais equilibrados no período que se seguiu à última guerra.»


Chamo a atenção que o livro é de 1940.

As conjecturas deixo-as a cada qual. Por mim, ouso apenas uma breve nota:
A ideologia não difere muito da alta costura. A reger o império dos homens, na antiguidade clássica, havia a Moira; agora, na comtemporaneidade, há a Moda. No momento actual os ditadores estão démodés. Mas um dia destes - caos e excesso oblige - voltam a estar na berra. É cíclico. Não constitui especial novidade ou, sequer, sordidez acrescentada. Repugnante, repugnante mesmo, será verificar que aqueles que hoje em dia se enfarpelam beatorramente em traparia democrática serão os primeiros a correr às fardas despóticas, mal os estilistas mundiais o decretem e os mass-media, em apoteose salvífica, entre foguetes e aleluias, o anunciem.
A mentalidade parasita acompanha a besta hospedeira para onde quer que ela se tresmalhe.

2 comentários:

Anónimo disse...

A nova ditadura já existe, e continua-se a desenvolver como um cancro.
Só o ditador é que ainda não está definitivamente escolhido. É que os candidatos têm demonstrado pouco "pulso" (e são um bocado apaneleirados) para tão "importante" lugar, e bem não, lá temos de ir a votos para escolher um que o povo ainda não tenha entendido que também é picolho. Ou antes, que o povo ache que é menos picolho que o seu predecessor.

dragão disse...

Olha o Clark!
Quem é vivo sempre aparece. :O)