quinta-feira, outubro 05, 2006

Clicks e contra-clicks

Temei. Como se já não bastasse o encorajamento à eutanásia, irrompe agora também o incitamento à autanásia (forma erudita e vaidosa de dizer "suicídio").
Li-o, um dia destes, no DN: neste momento, "milhares de sites da Net incitam ao suicídio". Com o rigor típico dos jornalistas, é-nos mesmo fornecida a quantidade praticamente exacta: entre 900 a 20.000. Arredondando, portanto, entre 1 milhar e vinte milhares. Ficamos assim com um intervalo de dezanove milhares para nos entretermos a adivinhar. Podia até organizar-se um sorteio de rifas, com fins beneméritos. Decididamente, estamos nos antípodas dos astrofísicos hodiernos, papa-nóbeis glutões que, em compensação, nos informam da hora de parto do Universo ao minuto luz. Agora é a teoria Big-Bang que está na moda, mas não me surpreenderá nada se um dia destes um geniozinho desses saltar de lá com a teoria Ping-Pong. Até já supeito qual ela seja, é só a China substituir os Estados Unidos na presidência da Civilização e ides ver, mas isso agora não vem ao caso, porque é dos sites suicidofóricos, quer dizer, autanásicos (ou será autanáticos?), que eu vos vinha falar. Aliás, venho.
Desculpar-me-ão o devaneio, mas isto até me lembra aquelas minas anti-pessoal de descompressão que o mamífero fardado, com um azar dos diabos, pisava. O tipo ia todo sossegado e sorrateiro pelo mato, quando, subitamente, ao poisar a patinha, click!, retumbava aquele click a modos que sinistro. A modos não, sinistro mesmo. Estacava e estarrecia, o infeliz. Desatava a suar frio, gelado, sorvete, iceberg, a antártida inteira. Baixinho, em surdina, começava a gritar, a gemer pateticamente, sem sequer poder estrebuchar como os bichos nas armadilhas, outras vezes a chorar: "Ai minha mãezinha" ai minha rica mãezinha! Tire-me daqui, meu alferes! por amor de Deus, tire-me daqui!..." O click, aquele click sinistro, um click inesquecível, significava que a espoleta fora acionada. Que mal o tipo retirasse o peso da sua malfadada perna de cima dela, a puta gaja viria de lá, com o inferno todo atrás e CABOOOONGH!...No mínimo, lá desaparecia uma parte anatómica das membraduras inferiores do compatrício. Dependia do modelo. Dependia do cabrão que tinha montado o engenho. Às vezes reforçava com um bónus suplementar, com uma surpresa ribombante. Turismo fodido, o daqueles tempos!...
Pois agora dir-se-ia que flanar por estes campos virtuais começa a ser idêntico. Começa a ser perigoso. Mais uma vez, tudo se desencadeia com um click -um click de rato, neste caso - e eis-nos encalacrados e encurralados num grande sarilho. Tanatose da grossa. Aos saltos. Lindo serviço!...E agora o que é que eu faço? E agora como é que saio desta? Quanto tempo é que vou aguentar com os olhos fechados? E se não há mais ninguém em casa para acudir e correr a dar com uma cadeirada no monitor ou a desligar o quadro eléctrico? E se, tendo que acorrer também de olhos fechados preventivamente, o pronto-socorro, desorientado e às cegas, em vez de acertar com a cadeirada no monitor, me acerta com a cadeirada na cabeça, a mim, seu familiar? E se, levado da breca, não acerta nem no monitor nem na cabeça, mas, completamente taranta, acerta no vidro da janela, desiquilibra-se com o ímpeto voltivagante, e mergulha estupidamente, em voo picado e natação aérea, do quinto andar? Enfim, é todo um mundo de questões prementes e perspectivas sombrias, cada qual mais arrepiante que a precedente, e todos elas, estou seguro, por esta altura do campeonato, também já às voltas na cabeça latejante do estimado leitor e ainda mais prezado colega nestas andanças por estes campos de minas virtuais. Vão por mim: isto não está para brincadeiras. O perigo espreita-nos a cada click. Cada click pode ser o derradeiro. O peido mestre, esse facínora, embosca-nos esconsado e refundido numa floresta de links. Todo o cuidado é pouco. Impõem-se contra-medidas e precauções. Com a maior das urgências.
Começo por uma recomendação elementar. Sempre que vos sentardes no cockpit, ao volante trepidante do vosso rato e teclado, muni-vos, de antemão, com uma valente Lista das Páginas Amarelas. Fazei como vos digo; o tempo não está para cepticismos. Sensivelmente, na página IV, sob o título "Serviços de Aconselhamento e Apoio", logo a seguir à Linha do Cidadão Idoso" e antes da "Ilga Portugal", podeis constatar o "SOS Voz Amiga". É essa mesmo que nos interessa. A Voz Amiga é de facto uma amigalhaça, sempre pronta a acudir à -como anuncia em subtítulo - "Angústia, Solidão e Prevenção do Suicídio". Os números, aproveito para adiantar, são: 800 20 26 69 , linha grátis; e o 213 544 545, para quem estiver mesmo à rasquinha.
Por alma da vossa avó, gajeiros, nada de vos fazerdes ao mar sem esse colete de salvação básico!
Devidamente equipados, então sim, não há pavores que resistam. Surpreendeu-vos o click fatídico? A angústia trucida-vos? A solidão cavalga-vos, o abismo escancarado chama por vós? Um monte de sereias irresistíveis, em strip-tease e show-erótico, convida-vos para a orgia? Nada de pânico! O crucial é ter o telefonezinho sempre ao alcance, com os números previamente memorizados... premir a tecla, acionar - desta vez - o click salvador, em forma de contra-click ou click antídoto - e aguardar, em êxtase, o rol de lenitivas instruções, de conselhos calmantes e exortações anestésicas com que a Voz Amiga certamente vos imunizará. Voz mais amiga não deve haver. O Caguinchas, que, volta e meia, para coçar o tédio, costuma ligar para lá com as tangas mais fantásticas deste mundo, é o primeiro a garanti-lo: toda ela transpira amizade. Só mesmo quando ele, não aguentando mais, se desmancha e desata a gargalhofar no telecoiso amabilidades do estilo "totós!...Palhaços!..." é que, do outro lado, a Voz, ao que parece, perde a sua melifluência característica e adquire uma tonalidade um pouco hostil. Um bocadinho de nada, digamos.
Em todo o caso, experimentem e depois contem-me como foi. Amanhã prosseguirei nestas importantes investigações. Agora, com plena legitimidade, vou ligar ali para a "Linha do Cidadão Idoso - Informação e Encaminhamento"... a perguntar por uma casa de putas asseada e económica, que faculte prestações ou descontos a utentes de passe da Terceira Idade e que fique o mais próximo aqui do pardieiro. Não convém que eu andarilhe muito por essas ruas a fora. Senão distraio-me a dar com a bengala nos indígenas e esqueço-me das putas.
E, de caminho, já que a chamada é à borla, aproveito para barafustar contra estas reformas de miséria!... Vou-lhes dizer das boas!...

1 comentário:

Anónimo disse...

eu sugiro que não se esqueça das putas e que continue a distrair-se dando com a bengala nos indígenas.

danos colaterais.