sábado, janeiro 01, 2005

O Turismo Catastrófico


Acho que as agências de viagens portuguesas ainda não se aperceberam do filão que se insinua no horizonte. Ou então já e preparam-se para entesourar lucros fabulosos. Eu, no lugar delas, chilrearia de contentamento.
Refiro-me a uma nova modalidade de turismo que promete revolucionar roteiros e aspergir o luso basbaque em todas as direcções: o "Turismo Catastrófico".
A somar aos já tradicionais furacões das Caraíbas, surgem agora os maremotos no Índico. Além das potencialidades flagrantes para o "surf" e o "bodyboard", são, sobretudo, a mortandade e a destruição que atingem níveis espectaculares. O maremoto, a levar em conta a catadupa de imagens que diariamente vêm sendo despejadas pelos tele-basbaques de serviço, reúne num mesmo pacote enxurrada, inundação, desmoronamentos, desastres rodoviários, soterramentos, alúvios, descarrilamentos, e sei lá que outros prodígios interessantes. Em suma, um tal escaqueiramento de equipamentos, populações e infraestruturas, pelo menos com tal realismo, nem as mais desabridas megaproduções hollywoodescas, atravancadas de efeitos especiais, alcançam. E se pensarmos que todo aquele primor artístico foi puramente gratuito, realizado a custo zero, sem subsídios estatais nem produtores judaicos, sem cortes nem ensaios, pensado e executado em poucas horas, é de deixar qualquer um boquiaberto e estupefacto!...
Ainda mais o português que, como é bem sabido, mais que da natureza, é um contemplador desaustinado dos desastres da natureza. Disso e de centros Comerciais, passe a redundância. Mas se puder ver desastres em centros comerciais, como por exemplo o oceano a varrer aquilo tudo, então óptimo, ainda melhor, junta o delírio à mania. Portanto, ao saber deste manancial fora de portas, é mais que certo que nunca mais o seguram por cá. Mal lhe cheire a férias, a fim-de semana prolongado, ou mesmo sem ser prolongado, hei-lo de malas feitas para paragens exóticas, para terras convulsivas, com mares à solta, onde o espectáculo promete e a hecatombe se anuncia a letras gordas. Com que prazer desatará em filmagens do alto dos terraços, com que volúpia irá borboletear à babugem dos destroços, de roda dos presuntos, a mirar que nem um danado viúvas, desalojados e órfãos!... Com que enlevo peregrinará morgues e aterros mortuários, fortificando-se em óbitos e desgraças – tirando, enfim, a barriga de miséria da miséria dos outros! E se pensarmos que, naquela balbúrdia toda, de urbes inteiras de pantanas, de estâncias e resorts feitos em fanicos, até poderá remexer em sinistrados, garimpar desaparecidos e esgravatar entulhos, arriscamo-nos mesmo a que por lá fique, emigrado e enfeitiçado, sem querer saber mais dos reles desastres de auto-estrada cá da terriola. Se tanto, volta cá, em férias das férias, durante o verão, só por causa da época de incêndios. Isto, se algum furacão nas Américas ou terramoto na Turquia não o desviar, entretanto.
Em boa verdade, é difícil de imaginar, o quanto estes países bafejados pelos favores a atenções escaqueirantes da natureza podem lucrar, o dinheiro que não podem fazer com os nossos compatriotas!... A Tailândia, por exemplo, o melhor mesmo é ir desde já traduzindo para o idioma de Camões (aliás, para o idioma de Quim Barreiros, Emanuel e Toy) os menus, catálogos e tabuletas, porque aquilo, não tarda nada, vai fervilhar de portugueses esquadrinhadores, romeiros. Agora que junta, no mesmo package-tour, a pedofilia avulsa ao cataclismo épico, para o turista português médio, a fazer fé nas crónicas hodiernas, é todo um recanto da Terra que, num ápice, passou de atraente a paradisíaco.
E até há vulcões activos, sorrateiros, à espreita, fumegantes, não muito longe dali!...
Não é brincadeira nenhuma: Mais que a um turismo compulsivo, arriscamo-nos mesmo a uma emigração em massa. Migraram do interior para o litoral. Agora, ou muito me engano, ou emigram do litoral para a Tailândia.
Só cá ficam uns quantos nostálgicos, sonhadores inveterados... De 1755.

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