domingo, janeiro 23, 2005

Os Abortos

Mais uma vez, o tema era o aborto, esse pomo imarcescível.
Dizem-me –que eu não vi, que o Anacleto Louçã, chefe de fila da Associação de Amizade Portugal-Lacoste, em debate televisivo com outra luminária da politicosfera lusa, o inefável e untuoso filho mais novo de Helena Sacadura Cabral, essa emérita cozinheira e guardadora de tachos, terá usado do seguinte argumento, digo “cacete”, na terminologa Shelltoxiana:
-“Vossa Excelência não pode discutir o aborto porque não é pai, jamais contribuiu para o progresso demográfico da Nação!”
Convenhamos, é uma traulitada valente. No fundo, Anacleto queria insinuar que ficava mal aos paladinos da contra-aborção serem capitaneados por um paneleiro, ou rapaz gay, se preferirem. E convenhamos: fica. Uma direita que se deixa caudilhar por um larilas é um “cóio de vendidos e indigentes, é uma canoa em seco e só pode parir abaixo de zero”, como dizia o poeta, futurista e tudo. Mais anedótico - grotesco até - que isso, só mesmo um pedófilo a bradar contra o cancelamento de criancinhas, ou um canibal a indignar-se contra a interrupção no fornecimento de bebés.
Mas a traulitada, ou argumento se preferirem, que Anacleto, deste modo desabrido, assestou nos costados - mais habituados a outras carícias e aconchegos - do outro, sendo aceitável em género, peca, todavia, por um tanto ou quanto precipitado em espécie.
Não sei o que o filho da senhora doutora cozinheira respondeu, nem me interessa. Mas era fácil desmontar a falácia. Bastava responder:
-“Então Vossa Excelência acha que eu não me posso debruçar sobre o assunto, do aborto quer-se dizer, só porque não sou pai de nenhum, ou nenhuma?...”
É fácil de imaginar a confusão que não se instalaria de pronto na complexa canalização mental de Louçã. Entre o rewind o fast-forward, a neocassete patinaria, numa chiadeira fumegante. Hiato providencial que o produto da cozinheira com o arquitecto, aproveitaria para culminar, com aquela vozinha apinocada que se lhe reconhece:
-“Pois fique, VªExcª sabendo, que não sendo eu pai de nenhum ou nenhuma, sou, todavia, filho dilecto de dois, irmão de outros dois e poupo-lhe a enunciação fastidiosa de primos e correligionários. Ou julgava, Vª Excª, que esse apanágio era exclusivo seu, hein?! “
De facto, isto do aborto tem muito que se lhe diga. E é deveras mutilador perspectivar a coisa apenas a jusante. É sim. Há que enxergar também o fenómeno a montante. E aí o senhor Ministro pode falar de cátedra.
O grande público, cuja falta de memória é maiúscula (como dizia o outro), esquece muitas vezes que para se fazer um aborto, como qualquer outro nado-coiso, são de antemão necessários outros dois. Salvaguardando, claro está, aqueles episódios excepcionais em que a mãezinha, coitada, não tem culpa. O que, convenhamos, não é decididamente o caso.

2 comentários:

Anónimo disse...

O país está abortado...
;)
A

zazie disse...

Ai o caraças, tu és genial, absolutamente genial “:O))))
Este foi o comentário mais louco que se podia fazer sobre o assunto ehehehe

Que diabo, esta não te peço só autorização para guardar. Posso mandar aos meus amigos? E afixar no muro do jardim do meu bairro? Loooooooooooollll