domingo, março 10, 2024

A Declaração de voto como uma das belas-artes

Colhido hoje, à boca dos féretros...



1.  Votei em todos. Hoje estou um mãos largas!...

2. Votei secretamente. Reunimo-nos, eu e os meus confrades, num local incógnito. Todos nós encapuçados e sob rigoroso juramento de sigilo.  Cada qual exerceu então o seu direito.  Numa urna devidamente descaracterizada. O pior foi quando o conde Drácula saiu lá de dentro... 

3. Votei num dos pequeninos. Exactamente qual não me perguntem. Esqueci-me dos óculos em casa.

4. Votei com todos os preceitos. Excepto no fim. Em vez de meter o papel na urna, meti-o ao bolso. Hábitos de carteirista, desculpem.

5. Não votei. Estou em greve de voto. Tiveram que chamar a polícia para me retirarem da cabine. Uma brutalidade fascista, foi o que foi!

6. Votei várias vezes, e em diversos partidos. O meu psiquiatra diz que sofro de megalomania democrática. É uma espécie de incontinência eleitora. Mas a parte em que sequestro e brutalizo pessoas para extorquir a identificação ainda me acarreta  problemas um dia destes...

7. Não votei. O papel não era kosher. Reparei como todos me odiavam disfarçadamente. Nenhuma exposição comemorativa do holocausto à entrada. Retirei-me enojado. Ainda por cima não me deixaram entrar com o bode...

8. Votei, claro. Confessei e até assinei. Mas comi o papel. Aprendi num filme. Assim não conseguem incriminar-me.

9. Tentei votar mas não consegui: como era a primeira vez, excitei-me tanto que ejaculei antes de chegar à cabine. Foi um bocado embaraçoso.

10. Votei às prestações. Votei, não: voltei. Descobri um bordel novo onde facilitam a crédito. Uns juros um bocado altos, mas, enfim, o vício obriga.  

11. Fui o primeiro a entrar. Fui para lá ainda não eram 5 da manhã. Receberam-me ao balcão, muito simpáticos, identificaram-me e deram-me um papel. Mas não me deram a vacina. Barafustei em vão. Vim-me embora indignado. Todavia, agora, pensando bem, se calhar o papel era para alguma recolha de fezes para análise. Da próxima, já sei: vou à cabine e colaboro. E almoço feijoada na véspera.

12. Votei, sim. Mas já não me lembra em quem. Nem aonde. As eleições eram mesmo para quê?...

13. Não votei nem me abstive. Fui lá, mesmo diante da assembleia de voto e resisti à tentação. A abstenção não me satisfaz nem preenche: sou mais pela abstinência, o jejum, a castidade. Pelo sim, pelo não, até pedi que me envergassem previamente uma camisa-de-forças. A carne é fraca e o espírito ainda mais.

14. Votei em consciência.  Em papel já não se justifica. Lamentavelmente, continuamos atrasados cem anos. Já se pode mandar o voto por correspondência, pelo ciber-espaço, por tutoria democrática, por sondagem, mas quanto à telepatia continua o bloqueio obscurantista.

15.  Não só não votei como despejei um balde de tinta verde nos que estavam na mesa de voto. O planeta a morrer e estes negacionistas a brincarem à democracia! A seguir deitei-me no chão para impedir a passagem dos transeuntes.

16. Recusei-me a votar: não me identifico com o meu nome, nem, muito menos, com o vil género que lhe está associado. Além disso, não havia transcabine.

17. Votei livremente. Corri pelos campos, rebolei na erva, gritei aos passarinhos e, por fim, atirei-me a um riacho. Apanhei uma pneumonia, mas valeu a pena. Fascismo, nunca mais!

18. Juntei-me à fila. Quando chegou a minha vez, olhei para a lista no papel e confesso que fiquei um bocado confuso. Deviam ser genéricos novos ou sintéticos. Inocentemente, perguntei: "já não têm metadona?"

19. Às vezes, voto. Outras vezes, não. Leio primeiro a página de astrologia do jornal. Sou Touro, com ascendente em Balança. Há que ter cuidado com Marte em trânsito para Vénus. Um passo em falso e posso entrar numa confluência negativa que ainda desemboca no adultério da minha mulher ou na  coloração psicadélica do cabelo da minha filha. Além disso, tenho um pressentimento... Nã, não arrisco. Vou antes jogar no euromilhões!

20. Votei em branco. O tinto, dizem os enólogos, deste ano, deixa muito a desejar. Faltou temperatura adequada. 

21. Votei no vencedor. Pelo menos, é o que sempre declaro a posteriori.  Na realidade, a priori, nem lá pus os calcantes. O que importa não é o que se faz, é a narrativa. E sobretudo detesto perder. Nem que seja a feijões.

22. Não votei nulo porque votei fulo. Há que chamar os bois pelos nomes! 

23. Votei devidamente vendado. Se funciona com a justiça, também funciona com o circo.

24. Estava cheio de pressa. Votei no primeiro que me apareceu à frente. Por acaso até calhou, bem a propósito, que era careca. Carimbei-lhe a cruz bem no centro da testa. 

25. Eu queria ir votar, juro. Mas o telecomando não deixou...


6 comentários:

marina disse...

as melhores eleições de sempre. adoro ver o status quo à nora.
o que irão fazer com os cheganos ? fingir que não existem?

marina disse...

e também não votei. sou contra o sufrágio universal. mas gosto destas cenas depois, as lutas pelo poderzinho , ignorando que há uns gaijos que dão os primeiros passos para se apoderarem pelo sistema monetário global , o tal altman e associados. jamais votaria em pessoas que julgam que as coisas se decidem a nível nacional.

Vivendi disse...

hahhahahahha!!!

Celebre-se os 50 ânus de Abril com um grande melão!

dragão disse...

Cara Marina,

O Chega tem essa piada: fá-los, aos cacocratas instalados a armar ao pingarelho, trepar às paredes.

Agora já não é apenas o elefante no meio da sala: é uma manada. :O))

Anónimo disse...

Ahaha! Há neste post material para rir toda a semana.
Está garantida muita animação para dar audiências. Talvez já nem precisem de ressuscitar gripes e pandemias. Vão estalar zaragatas e escaramuças entre quadrilhas parlamentares até o próximo Outono, momento em que o Maquiavel de Belém pode marcar novas eleições.

passante disse...

Uma boa relação, mas como é possível deixar escapar aquela dos anarcas?

"Se 'o voto é a arma do povo'*, não votes que ficas desarmado."


(* fazia parte do matraquear mediático dos anos 1975-76)