domingo, outubro 29, 2023

A Catástrofe que vela por nós

 A partir duma certa idade, e de alguns anos de indignação debalde, um tipo habitua-se às chacinas, aos genocídios, às limpezas. Tornou-se uma espécie de rotina planetária. Trabalho de casa ou lida doméstica, enfim. O pagode tele-embrutece com telejornais ininterruptos. Chega a ser anedótico: os putativos humanos, absolutamente inertes e bovinos perante as tropelias diárias e recorrentes da sua própria espécie, entendendo-as como naturais e absolutamente necessárias (isso e o permanente gang-bang económico em que é flagelado na agro-pecuária onde o mantêm recluso), mas, em contrapartida, altamente atentos, preocupados e em luta ruidosa, fanática, contra os fenómenos climatéricos. Agora deram em ladrar à chuva, ao sol, aos ventos e marés. Coisas que, como é consabido, dominamos e manipulamos desde os primórdios dos tempos e da História (aliás, desde o primeiro traque com que agredimos a atmosfera e inaugurámos o planeticídio em larga escala). Ou seja, e traduzindo: o artificial foi declarado natural (e normal, por inerência);  e o natural foi degradado a artificial (e retrógrado, obscuro, conspirativo, ameaçador do futuro da espécie e do planeta, por taxação). Assim, só para dar um irrisório exemplo: Um tipo ser eleito miss portugal é perfeitamente natural; em contrapartida, a família tradicional, a reprodução da espécie, já tresandam a aberrante... As hordas crescentes de desempregados, sem-abrigo, bombardeados, despejados em frentes picadoras de carne são também inteiramente naturais - afinal, emanação desse corolário mor e sacrossanto da natureza: o "mercado a funcionar"; já a meteorologia é completamente artificial, produto acabado da maldade e do egoísmo humanos.  Seria para rir se não representasse algo de muito sério, insidioso e pervasivo. E não existe outro termo para denominá-lo: Mal. Há qualquer coisa de extremamente maligno e anti-humano, porque sobretudo anti-vida, a funcionar no âmago deste aparente manicómio aplicado às massas. Chegámos a um extremo, à beira dum precipício, onde não se avista nada mais anti-americano do que o governo americano, nem ninguém mais anti-europeu do que os (des)governos europeus, ou anti-português do que o (des)governo português. A esta antítese de tudo o que, outrora, representava uma civilização, apelidam, os falsários e sociopatas instalados, de "Ocidente", ou "Comunidade Internacional", ou "Os Nossos Valores".  E todavia, nada menos geolocalizado, comunitário ou axiológico do que aquilo que eles brandem, fermentam e representam. Não apenas estão contra todos os outros povos, mas sobremaneira contra o seu próprio povo, numa dis-topia permanente o obsessiva; não apenas, minam todas as outras formas de comunidade e comunicação, como envenenam e dissolvem a sua própria  comunidade; não apenas destroem e criminalizam todos os valores autênticos que serviram de eixos à civilização europeia, como os substituem, pervertem e macaqueiam com toda a espécie de aberrações e desumanizações peregrinas. Quando iniciei este blogue, há mais de vinte anos, o sub-título rezava: "Agora é o caos, no princípio era apenas uma pequena confusão." Tratava-se duma glosa à célebre abertura da Teogonia de Hesíodo ("No princípio estava o Caos"). Ora, o que se verifica é que, em vez da frase razoavelmente humorística, descubro, algo estarrecido, que, na realidade, se tratava duma premonição sombria. Dir-se-ia que vivemos um regresso ao caos em modo turbo, e que outra febre não ocupa todo este bestiário ao leme do Oxidente senão o devolver-nos a esse estágio primordial e absolutamente informe, porque destituído de qualquer espécie de ordem, sentido ou beleza. Ou seja, há toda uma força maligna anti-cósmica em acção. Podemos chamar-lhe muitas coisas. Desde a mitologia à ciência, passando pela religião, a arte e a filosofia, o cardápio é vasto. Cada qual tenta encaixar o fenómeno na taxinomia que tem mais à mão. Mas, independentemente disso, da arrumação na linguagem, o essencial é que todos lhe experimentam os efeitos. Mesmo aqueles que se derriçam e enlevam, chafurdando e grunhindo no conforto dum qualquer chiqueiro climatizado ou pedestal de barro esterquilínio. Uma coisa é certa, porque verificada e comprovada por séculos de experimentação: uma catástrofe natural não escolhe entre justos e injustos, naturais e aberrantes: quando varre, varre a eito.  Mesmo o ápice da catástrofe artificial - o armagedão atómico - procede com igual preceito. Não faz destrinça.  Em ambos os caso, se atentarmos bem., é duma reinstalação sumária do caos que se trata. De resto,  o nosso mundo acontece sob essa condição:  a ordem e a vida paredes meias com o caos e a morte. Assombram-nos e visitam-nos todos os dias,  em todas as épocas, em todas as culturas. São absolutamente necessários e pedagógicos: sem eles, sem o seu extremoso cuidado, onde pararia a nossa soberba, onde dispararia a nossa arrogância, que torres babilónicas não urdiria a nossa ganância, escorada e fogueteada pela nossa estupidez?... Nem quero imaginar! A verdade é que a besta que  em nós palpita  só aprende à chapada - à chapada, à bordoada e à reguada cósmicas-, só assim observa a humildade essencial, a piedade cívica, a educação vital.  É toda uma escola que acontece por ciclos, como bem viram e estipularam os antigos. E nem tinham universidades, vejam lá bem!

A catástrofe que  nos aguarda é precisamente, não aquela imaginária que forjamos, mas aquela que com a nossa estupidez e reptação convocamos. O Oxidente não é um estado último da civilização: é um estertor, um clamor à vassoura cósmica, uma infecção planetária que o organismo cósmico tratará de extirpar. Que instrumentos ou recursos empregará para o efeito, só Deus sabe. Afinal, muito mais ( e muito pior) do que contra o ambiente, é contra Ele que a matéria purulenta opera, todos os dias. Deus, o de Aristóteles, entenda-se. Tenho Fé.

3 comentários:

Laoconte disse...

Há Oxidente e Ocidente, exs: Patrão-Oxidente; Japão-Oxidente (nunca percebi porque está no Oxidente, por mais que vejo no mapa-mundi); uma pérfida Albião-Oxidente, vexada por sonhos celtas, etc.; e irmandades ocidentais, sejam ibérica, germânica ou balcânica, e até um Absalão Ocidente, etc.

Ronan disse...

Já em tempos o escrevi num comentário deste blog. E volto agora a escrever...
A palavra que melhor define o actual estado do Ocidente é:

"SATANISMO" .

Vivendi disse...

Todo o Oxidente está agora metido a tempo inteiro no Halloween.

It`s a Freak Show!