quarta-feira, novembro 02, 2022

Genealogia da Russofobia




 Mas, afinal, donde emana esta nova religião do "ódio visceral e espumante aos Russos". Não estamos a falar dos Soviéticos, isso, a limite, nós e a grande maioria dos russos, fora da nomenklatura e do aparelho partidário, sempre detestámos. Todavia, os Soviéticos serviram, numa dada época, de subterfúgio, de pretexto pasteurizado. Mas para os anglos, sempre se tratou dos russos. Durante o pós-revolução apoiaram os vermelhos contra os brancos, os bolcheviques contra os imperiais, porque isso, no seu  pérfido entender, iria conduzir à destruição do grande potentado. Não conduziu, aquilo não se fragmentou. Para cúmulo, os  soviéticos e a indústria alemã tornaram-se grandes amigos: os alemães forneciam maquinaria e engenharia; os soviéticos devolviam os comboios com matérias primas. Ó da guarda, alerta, isto não pode ser! Toca de financiar o nacional-socialismo e promover a guerra entre os dois convivas. E toca de engodar os alemães até às fronteiras de Leste. No dia em que as divisões da Wermach desembestaram na "Barbarrossa", abriram-se garrafas de champagne em Londres e Washington. A coisa começou promissora, mas acabou mal. Não era bem aquilo o projectado. Agora os Soviéticos já assentavam arraiais em Berlim: não só não se haviam esfarelado, como montavam praça em metade do resto da Europa. Não faz mal, passemos ao plano B: cortina de ferro e guerra fria. Até porque temos a Bomba. Um Papão dá sempre imenso jeito. E o Medo é o melhor dos auxiliares de pastoreio. E aqui chegados, recapitulamos a essência da questão: os Soviéticos? Apenas na aparência, na maçada do momento. Mas, no fundo, os Russos.  O Imperialismo russo, o colonialismo russo, em suma, a imensidão da riqueza russa. 

Para este circo actual da Ucrânia, dispensemos até os dois principais palhaços heróis, um tal Banderas e um outro alucinado qualquer da mesma estatura. Massacres de judeus e polacos foram uma farturinha, assim na ordem das dezenas de milhar, mas isso são alcagoitas para quem vive de megalomanias gasosas como o Santo Holocausto. Passemos a coisas sérias.

Chamava-se Dobriansky e nasceu em Nova Iorque. Os pais tinham emigrado da ucrania. Estudou, na Universidade de Nova Iorque, trepou a professor universitário. E, num ápice, ei-lo entronizado perito-mor da União Soviética e anti-comunista épico. Depois, como nisto da monarquia de pacotilha também funciona a hereditariedade, ao rei-especialista Soviético, sucedeu a filha, Paula Dobriansky, a Segunda. É quem actualmente reina no potentado do cuspo anti-russo. Com a vantagem, que já nem precisa de andar mascarada de "anticomunista".  É Russofobia a vapor e a descoberto. Anything goes, como eles gostam de labiar naquela linguagem canina.

Mas voltando ao Dobrianski fundador... A criatura orna-se do título espaventoso de "anti-comunista?Significa  que não gosta nada de comunistas? Ou, mais especificamente, de soviéticos? Não: significa que não gosta de russos. Tem mesmo toda uma diarreia literária sobre o assunto. Sobremaneira num opúsculo intitulado "The vulnerable Russians". Para nosso grande espanto o feroz "anti-comunista" de plantão, afinal, até é marxista; e uma das contundentes acusações com que mima os odiados moscovitas é de terem traído e tripudiado o santo Marx. Escreve ele, a dado ponto:

«Increasing numbers o.f students dealing with the Soviet Union are recognizing the basic iпelevance of Marxism to both the policy and the practices of Moscow. However, in many cases the realities of Soviet Russian imperiocolonialism and the captive non-Russian nations in the USSR still elude them. For example, а work which has been advertised as а text on Communism, but is shot through with these defects, nevertheless makes the worthwhile point that the Russian totalitarian conspirator Lenin turned Marx's ideas upside down.»

 Portanto, a questão não é o comunismo pinoia nenhuma: o problema, a comichão, é o imperialismo russo. Sempre foi. E parece que continua a ser.  A tese de arremesso e conveniência resume-se a dois conceitos de carregar pela boca: os russos opressores; as nações cativas dos russos. Ou seja, dum lado, os malvados carcereiros de Moscovo, do outro, as nações encarceradas e amordaçadas nos seus legítimos anseios a tornarem-se... sim, claro, a limite, americanos.  Pois, em contraposição ao tal estado infernal, temos, natural e invariavelmente, o estado paradisíaco representado pelos Estados Unidos. Nada de equívocos, Dobriansky considera-se, e justamente, um "americano". E a pulsão americana, isto é, a vontade intrínseca que habita todos os povos em tornarem-se americanos é um facto soberano e avassalador que ninguém, no seu perfeito juízo, ousaria duvidar (quanto mais pôr em causa). A descrição idílica desta fantasia particularmente tonta aparece fetidamente exposta logo na abertura da famosa «Public Law 86-90 and the First Proclamation» (uma aberração jurídica, onde a típica humildade americana compete, em  correria louca,  com o respeito atávico pela soberania das outras nações): 

«Whereas the greatness of the United States is in large part attributable to its having been able, through the democratic process, to achieve а harmonious national unity of its people, even though they stem from the most diverse of racial, religious and ethnic background; and Whereas this harmonious unification of the diverse elements of our free society has led the people  of the United States to possess а warm understanding and sympathy for the aspirations of peop1es everywhere and to recognize the natura1 interdependency of the peop1es and пations of the wor1d;»

Quer dizer, "enquanto a  grandeza americana é bestial, porque resultante maravilhosa do "democratic process"... - (e, assim de repente, vem-nos à ideia toda a panóplia de processos harmoniosos e democráticos como os estados Confederados foram ocupados e terraplanados pela Seita Nortista; ou como o Novo México ou a Califórnia foram rapinados ao México; ou como o Alaska foi comprado; ou como o reino do Hawai foi americanizado na ponta das espingardas dos marines, etc. E isto já para não falar no processo justo e isento de sufrágio universal como os americanos genuínos, aka, pele-vermelhas, foram desapossados das suas terras pela chusma de colonos europeus altamente afáveis, liberais e law lovers. Em suma, o projecto colonial mais selvagem e genocida da história humana arroga-se, logo de seguida, o direito, mais: o dever semi-divino, de "descolonizar" por onde muito bem entenda e a cobiça atice.) -  já a grandeza alheia, especialmente a russa, constitui uma verdadeira afronta à harmonia e aos valores liberdadeiros, entenda-se, à "grandeza americana". Não é difícil perceber que tudo isto não ultrapassa o monte de bosta sem ponta por onde se pegue. Mas todavia constitui escola, receita, vademecum e tábua bíblica que não se cansam de esgrimir e verberar como se de um dogma transcendente e inoxidável se tratasse. É a imposição duma pseudo-sinfonia através da repetição ad nausea do mesmo ruído decapante.

Este estabelecimento do circo mais imoral de todos como a base emissora e o trampolim operativo de toda a Moral seria apenas cúmulo de anedota se não degenerasse invariavelmente em cúmulo de crime e carnificina. Como ainda hoje assistimos, em episódios consecutivos, por esse mundo fora. Chamam-lhe exclusivismo, que é uma ideia com barbas e odor a arbustros queimados.

Por outro lado,  deparamo-nos, não raramente, com o  espectáculo deprimente de ingénuos a argumentarem com zombis. Protestam, os primeiros, que os actuais russos nada têm que ver com os soviéticos. Sem  perceberem, logo à partida, dois quesitos basilares: 1. um zombi é, por natureza e vocação, imune ao argumento; 2. Soviético, não-soviético, comunista, não-comunista, tradicional, o que seja, é tudo igual; não é o acessório que o zombi, por débito de horda, odeia: é mesmo a essência. Compete odiá-los porque são russos. Têm algo que nos interessa. E se houve algo que esta cegada da Ucrânia veio escancarar é que o ódio aos russos já não precisa da máscara do anti-comunismo (embora ainda se maquilhe com as borradelas desbotadas do antifassismo ou da anti-autocracia)... Façam o que fizerem, os russos são odiosos e urdem contra nós; do mesmo modo que, façam o que fizerem, os americanos são amoráveis e só querem o nosso bem.  São inoculações e xaropadas sucessivas, metódicas e avassaladoras deste tratamento psico-esterilizante até ao estado actual de descerebração colectiva que faz as vezes de "Ocidente".  Aliás, tal qual Lev Dobriansky já tinha estipulado: o problema nem é serem comunistas (porque, bem esprimido, até nem são, de boa cepa): o problema é serem russos. A ofensa da Rússia não é ser isto ou aquilo, assim ou assado. A ofensa imperdoável, a afronta inadmissível é... existir. 

Entretanto, quem continua ainda a mascarar-se, com todos os panachos e ouropéis, é o colonialismo anglofórico. Desfila sempre vestido de descolonização último grito. O genocídio é a sua marca de água.

 

6 comentários:

Vivendi disse...

Em suma, temos o Globalismo (EUA) vs Nacionalismo (Rússia) mas já atrelada com a ascensão da China, também ela nacionalista, e um forte piscar olho aos demais BRICS e também de países considerados pelos globalistas como 3º mundistas.

Vivendi disse...

Enquanto o Wokeshit não invade os blogs aqui vai:

"Não têm televisão??"

A pergunta que nos fazem quando descobrem que temos 4 filhos em 6 anos de casamento.

Não temos por acaso. "Ter uma TV em casa é como ter um Judeu na sala."

Anónimo disse...

https://twitter.com/runews/status/1587845239716429827?s=46&t=f9LdXBEK9Yi2zScdEiaflA

Fernanda Viegas disse...

Excelente análise Sr Dragão! Vê-se que não engole a informação, rumina-a (como diria o seu amigo Nietzche).

Figueiredo disse...

Têm inveja dos Russos.

Vivendi disse...

Breaking News:

"A Rússia reuniu evidências técnicas e forenses mostrando que o Reino Unido sabotou os oleodutos Nord Stream com a aprovação dos EUA. Será divulgado nos próximos dias. É equivalente a um ato de guerra do Reino Unido e dos EUA contra a Alemanha. Isso tem a dinâmica de uma nova guerra mundial."