Tenho um amigo que, sempre que se lembra do 25 de Abril, explode: “Os comunas, Dragão! Os comunas deram cabo deste país! Os Comunas, o bochechas e esta caterva de pilha-pátrias!...” A seguir, conduz-me através duma galeria mental de tribunais divinos e expeditos, onde, sucessivamente, os fuzila, os enforca, os despenha, os esquarteja e os empala. Passado esse furor introdutório, lança-se ao Sport Lisboa e Benfica e às orelhas do respectivo presidente.
Sinceramente, gostava de ter esta esplêndida capacidade de me desculpar ou limpar em alguém. Dava-me um grande jeito esta religião portátil do bode expiatório. Descarregava no bode e pronto. Eis-me fresquinho que nem uma alface, limpo e ausoniado que nem uma menstruada à boca da publicidade.
Mas não consigo. Já tentei, muitas vezes, mas não sou capaz. Está-me no raio da natureza: não pode o homem descartar feitios que Deus implanta. Suponho que é também aquilo a que chamo o “meu lado cireneu”, ou seja, a minha forma ínfima, humana, de ajudar Cristo a carregar, pela montanha acima, a cruz com os pecados de todos. “Pelo menos, sempre Te poupo um pesozito considerável, ó Bom Jesus! – Segredo-lhe em espírito. – Tu carregas com os desta boa gente toda, que são pequenos e saem com tira-nódoas na lavandaria do Confessionário; e eu alombo com os meus, que são imensos, retorcidos e pesados.”
No desempenho dum tal espírito de desmancha-desprazeres, vejo-me pois compelido a responder ao meu amigo:
Imagina que eras um jardineiro e tinhas um jardim a teu cargo. Um belo dia, o jardim amanhecia coberto de ervas daninhas e gastrópodes comilões. Tudo a saque, aos bichos, em regime de devastação geral. Indignado, escandalizado, chegavas ao pé de mim e clamavas que não se admitia uma coisa daquelas, era uma catástrofe abominável e a culpa, a culpa inteira e completa, era das ervas e dos moluscos, malditos, que estavam a dar cabo de tudo. Como não sou de paliativos, simulacros e fantasias, só te poderia responder uma coisa: gritas contra as ervas e os bichos porquê? Não fizeram eles o que lhes competia? Não agiram eles de acordo com a sua natureza atávica? Sendo ervas daninhas, não têm elas como propósito anunciado infestar? Sendo lesmas vorazes, não era do domínio público que ardiam em ganas de se banquetearem com as tuas tenras plantas? Todos esses malefícos, não os proclamavam eles em cada dia - não os conhecias tu, jardineiro? Agora, horror dos horrores, tens o jardim tomado pela selva e pelos animalejos e queixas-te deles? E de ti, não te queixas? Mas devias. Porque não foi numa noite que as pragas caíram e se instalaram, foi em muitos dias e muitas noites, tantas quantas aquelas em que neglicenciaste a tua função e te ausentaste dos teus deveres. O verdadeiro culpado, se é que seriamente o procuras, és tu próprio. Mais que a acção deles, foi a tua inacção a responsável. E agora bramas contra os que tomaram aquilo que abandonaste e não defendeste?... O mal não peca, é comissário da corrosão; o Bem é que peca: por omissão. Devias balir menos –ontem diante das ervas e bicheza, como hoje diante de mim - e ler mais os teus santos. Pelos vistos, não te tem feito proveito à inteligência o piquenique na missa e a hóstia de guloseima.
E é assim que o meu amigo, com toda aquela capacidade de ablução magnífica que Deus lhe deu, num instante, tranfere-se da insurreição contra os comunistas para a insurreição contra mim. Padeço deste modo eu para salvação do Benfica. Fraca consolação, baldado martírio. Que, em desespero, me leva a perguntar a Cristo o que ele já terá perguntado ao Severo e Celestruante Pai Dele: “Porque me abandonaste?...”
Sinceramente, gostava de ter esta esplêndida capacidade de me desculpar ou limpar em alguém. Dava-me um grande jeito esta religião portátil do bode expiatório. Descarregava no bode e pronto. Eis-me fresquinho que nem uma alface, limpo e ausoniado que nem uma menstruada à boca da publicidade.
Mas não consigo. Já tentei, muitas vezes, mas não sou capaz. Está-me no raio da natureza: não pode o homem descartar feitios que Deus implanta. Suponho que é também aquilo a que chamo o “meu lado cireneu”, ou seja, a minha forma ínfima, humana, de ajudar Cristo a carregar, pela montanha acima, a cruz com os pecados de todos. “Pelo menos, sempre Te poupo um pesozito considerável, ó Bom Jesus! – Segredo-lhe em espírito. – Tu carregas com os desta boa gente toda, que são pequenos e saem com tira-nódoas na lavandaria do Confessionário; e eu alombo com os meus, que são imensos, retorcidos e pesados.”
No desempenho dum tal espírito de desmancha-desprazeres, vejo-me pois compelido a responder ao meu amigo:
Imagina que eras um jardineiro e tinhas um jardim a teu cargo. Um belo dia, o jardim amanhecia coberto de ervas daninhas e gastrópodes comilões. Tudo a saque, aos bichos, em regime de devastação geral. Indignado, escandalizado, chegavas ao pé de mim e clamavas que não se admitia uma coisa daquelas, era uma catástrofe abominável e a culpa, a culpa inteira e completa, era das ervas e dos moluscos, malditos, que estavam a dar cabo de tudo. Como não sou de paliativos, simulacros e fantasias, só te poderia responder uma coisa: gritas contra as ervas e os bichos porquê? Não fizeram eles o que lhes competia? Não agiram eles de acordo com a sua natureza atávica? Sendo ervas daninhas, não têm elas como propósito anunciado infestar? Sendo lesmas vorazes, não era do domínio público que ardiam em ganas de se banquetearem com as tuas tenras plantas? Todos esses malefícos, não os proclamavam eles em cada dia - não os conhecias tu, jardineiro? Agora, horror dos horrores, tens o jardim tomado pela selva e pelos animalejos e queixas-te deles? E de ti, não te queixas? Mas devias. Porque não foi numa noite que as pragas caíram e se instalaram, foi em muitos dias e muitas noites, tantas quantas aquelas em que neglicenciaste a tua função e te ausentaste dos teus deveres. O verdadeiro culpado, se é que seriamente o procuras, és tu próprio. Mais que a acção deles, foi a tua inacção a responsável. E agora bramas contra os que tomaram aquilo que abandonaste e não defendeste?... O mal não peca, é comissário da corrosão; o Bem é que peca: por omissão. Devias balir menos –ontem diante das ervas e bicheza, como hoje diante de mim - e ler mais os teus santos. Pelos vistos, não te tem feito proveito à inteligência o piquenique na missa e a hóstia de guloseima.
E é assim que o meu amigo, com toda aquela capacidade de ablução magnífica que Deus lhe deu, num instante, tranfere-se da insurreição contra os comunistas para a insurreição contra mim. Padeço deste modo eu para salvação do Benfica. Fraca consolação, baldado martírio. Que, em desespero, me leva a perguntar a Cristo o que ele já terá perguntado ao Severo e Celestruante Pai Dele: “Porque me abandonaste?...”
5 comentários:
tás fodido dragão
se não queres acabar na cruz tens que escrever aqui no blogue a fórmula mágica:
"a culpa de todo o mal que acontece no mundo é sempre dos outros, dos corruptos"
Fiquei surpreendida pela forma como comseguiu tornar tão pálpável, próxima e acessível a filosofia Cristã.
2Bs
Errata: conseguiu e palpável
Diagnosticar não é correr tudo a varapau. É de alguma forma um exercício de condescendência compassiva.
Não falta nos homicidas punitivos do Bode Mais À Mão o simples lado reles de detestadores de si mesmos.
PALAVROSSAVRVS REX
Acima cita Nietzsche, aqui é Estoico no propósito de ensinar...que Dragão esquisito?
Cumprimentos
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