«O Estado é o mais frio dos monstros frios. É frio mesmo quando mente; e eis a mentira que escapa da sua boca: "Eu, o Estado, sou o Povo".
Mentira! Esses que formaram os povos e acima das suas cabeças abriram uma fé e um amor, eram criadores; fazendo-o, serviram a vida.
Mas vieram destruidores estendendo armadilhas à multidão, e a isso chamaram Estado; por cima das suas cabeças suspenderam eles um gládio e cem apetites. (...)
A confusão de todas as línguas do bem e do mal, eis o sinal que vos dou; essa é a marca do Estado. Em verdade, é um sintoma da vontade de morrer. Em verdade, é um convite aos pregadores da morte.
Nascem demasiados homens. O estado foi inventado para aqueles que são supérfluos.
Vede como ele os atrai, a esses supérfluos! Como ele os devora e os mastiga e os rumina!
O Estado é o lugar onde todos, bons e maus, estão intoxicados; onde todos, bons e maus, se perdem; onde o lento suicídio de todos se chama "a vida".
Vede esses supérfluos! Apoderaram-se das obras dos inventores e dos tesouros dos sábios; a tal rapina chamam eles "cultura", e neles tudo se muda em doença e desconforto.
Vede esses supérfluos! Sempre doentes, sempre vomitando bílis; a isso chamam eles jornais. Devoram-se entre si e não conseguem digerir-se.
Vede esses supérfluos! Adquirem riquezas e apenas conseguem ficar mais pobres. Querem o poder e, primeiro que tudo, a alavanca do poder, muito dinheiro - esses impotentes!
Vede como sobem eses ágeis macacos. Amarinham uns pelos outros e mutuamente se fazem tombar no lodo e no abismo.
Todos querem ascender ao trono; essa é a sua loucura; como se a felicidade estivesse sobre o trono. É muitas vezes a lama que está sobre o trono, e é muitas vezes o trono que está erigido na lama.
Digo-vos que são todos loucos, outros tantos macacos trepadores e febris. O seu ídolo cheira mal, esse monstro frio; e também eles cheiram mal, esses idólatras.
Quereis sufocar na exaltação das suas fauces e dos seus apetites, ó meus irmãos? Quebrai antes os vidros e saltai fora! Fugi a esse mofo odioso! evitai tombar na idolatria desses supérfluos!
Fugi a esse mofo odiosos! Afastai-vos do fumo desses sacrifícios humanos! »
- Nietzsche, "Assim falava Zaratustra"
Não se trata apenas de Nietzsche abominar a estatolatria, essa consequência fatal da sujeição do real a uma lógica e da História a uma razão absoluta (como decorria de Hegel); o mais interessante é a última frase com que o autor de Zaratustra termina este seu capítulo sobre o "Novo Ídolo", e cito: «Onde acaba o Estado -olhai bem, meus irmãos, lá ao longe - não avistais já o arco-íris e as pontes que levam ao supra-humano?»
Ou seja, é fora do estado -e da história, como a perverteram os hegelianos -, que se instauram as pontes para o supra-humano. O que seja o supra-humano (ubermensch) não vem agora ao caso, nem a economia do postal o permite. Posso apenas afiançar que não é seguramente o super-homem que se metamorfoseia em cabines das traduções e vulgatas readers-digest para psicopúberes, nem, tão pouco, os autómatos fardados de qualquer totalitarismo mais ou menos fantasmagúrgico.
1 comentário:
Este postal é um serviço público e extremamente oportuno!
A
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