No meio da santa paz e concórdia que estava a ser a democratização do Iraque, na versão Bush, eis que, subitamente e sem que nada o fizesse prever, irrompem relatos e imagens de atrocidades. A América e o mundo, o pentágono e o hexágono -e até o triângulo das Bermudas-, estão chocados. O caso não é para menos: Prisioneiros Iraquianos submetidos a práticas SM por parte da guarnição carcereira, durante o horário de serviço. E nós a julgarmos que as tropas dum país imaculado, mandatários duma democracia perfeita, só podiam ser sublimes. No melhor pano cai a nódoa, pois é. Excesso de hamburgueres e internet?, já perguntam alguns; síndrome do golfo?, interrogam-se outros; distúrbios na líbido?, conjecturam terceiros.
Temo, porém, que não se esteja a bordar o assunto convenientemente.
É preciso nunca perder de vista um detalhe essencial: era naquela mesma prisão, no recato daquelas paredes abomináveis, que os demoníacos torcionários do regime de Saddam torturavam e defenestravam as suas vítimas indefesas.
Se seres humanos modelares, irreprensíveis, colocados no mesmo lugar, desatam a fazer algo parecido, a culpa, há que reconhecê-lo, não é das pessoas: é do lugar. São aquelas paredes, aqueles tectos e corredores tenebrosos, aquelas grades e cubículos pavorosos que exalam um pestilência demoníaca qualquer, um perfume venenoso e obsidiante, uma atracção hipnótica e vertiginosa tal, que até o melhor dos seres humanos, o mais cumpridor dos funcionários, não demora a tornar-se possesso e zombie perverso, não mais mandatado pela santa democracia, mas telecomandado pela pulsão malfazeja e tiranizante. Só pode ser. Não vejo outra explicação....Aquela cadeia está assombrada. É a Amityville iraquiana.
Os americanos falam em mandar mais tropas e tanques pesados para o Iraque. Não discuto logística. Eles lá sabem.
Espero que mandem também um exorcista.
sexta-feira, abril 30, 2004
AS UTOPIAS ENFADONHAS
Quem o diz, é o sr. John Gray, "prestigioso pensador da Nova Direita inglesa" que terá exercido "grande influência nas políticas de Margaret Thatcher".
O livro chama-se "False Dawn" -"Falso Amanhecer", na trad. port. da Gradiva. (pp.164-164)
«Como a utopia imaginada por Lenine, o mercado livre global procura dar corpo a um sistema que nunca existiu até agora na sociedade humana e que transcende em muito o mercado livre inglês de meados da época vitoriana e a ordem económica liberal internacional que existiu até 1914. No quadro do mercado livre global, o movimento das mercadorias, dos serviços e do capital não é perturbado por controlos políticos impostos por estados soberanos e os mercados foram sendo deslocados das suas culturas originais. Esta é uma utopia divorciada da história, hostil às necessidades humanas vitais e, por fim, tão autodestrutiva como qualquer das outras que foram ensaiadas no nosso século.
O laissez-faire global não exige regimes totalitários. Não prolonga o estado de modo a incorporar nele todas as outras instituições, mas redu-lo às suas mais estreitas e repressivas funções. Muitas das funções de controlo social são devolvidas aos mercados, que influenciam a opinião pública e dão forma às preferências dos consumidores.
O mercado livre global é uma utopia pós-totalitária. Requer o exercício da força nas periferias do seu poder e nos estágios incipientes da sua construção.
Tanto o sistema soviètico como o mercado livre são ensaios de racionalismo económico. Os arautos do mercado livre dizem-nos que os níveis de produtividade sem precedentes de um sistema económico racional extinguirão as causas dos conflitos sociais e da guerra. O marxismo soviético costumava assegurar-nos que a planificação socialista faria da escassez um conceito do passado. Ambos nos dizem que o aumento da produtividade resolverá por si só a maior parte dos problemas sociais e exaltam o crescimento económico acima de quaisquer outros propósitos ou valores.
Como os bolcheviques, as tropas de choque do mercado livre são decisivamente hostis a qualquer tradição que considerem um obstáculo aos seus conceitos de progresso económico. Se os seus objectivos exigem o sacrifício de algumas culturas que se erguem no seu caminho, os adeptos do mercado livre não hesitam em pagar tal preço.
O laissez faire global e o projectop comunista que animava a antiga União Soviética partilham muitos dos mesmos inimigos. São hostis às diferenças nacionais e culturais expressas na vida económica e às heranças da tradição e da história. Melindram-se com o atraso da vida campestre e aldeã. Não toleram o individualismo insubmisso da burguesia nem a rebeldia da classe trabalhadora.
As vítimas principais do mercado livre global, como do comunismo belicoso e do sisterma soviético, são os camponeses e -em menor, mas ainda notável grau - os trabalhadores industriais urbanizados e a classe média profissional.»
Como eu costumo dizer, se é pra nos atrelarem à carroça de uma qualquer utopia, ao menos que seja divertida.
O livro chama-se "False Dawn" -"Falso Amanhecer", na trad. port. da Gradiva. (pp.164-164)
«Como a utopia imaginada por Lenine, o mercado livre global procura dar corpo a um sistema que nunca existiu até agora na sociedade humana e que transcende em muito o mercado livre inglês de meados da época vitoriana e a ordem económica liberal internacional que existiu até 1914. No quadro do mercado livre global, o movimento das mercadorias, dos serviços e do capital não é perturbado por controlos políticos impostos por estados soberanos e os mercados foram sendo deslocados das suas culturas originais. Esta é uma utopia divorciada da história, hostil às necessidades humanas vitais e, por fim, tão autodestrutiva como qualquer das outras que foram ensaiadas no nosso século.
O laissez-faire global não exige regimes totalitários. Não prolonga o estado de modo a incorporar nele todas as outras instituições, mas redu-lo às suas mais estreitas e repressivas funções. Muitas das funções de controlo social são devolvidas aos mercados, que influenciam a opinião pública e dão forma às preferências dos consumidores.
O mercado livre global é uma utopia pós-totalitária. Requer o exercício da força nas periferias do seu poder e nos estágios incipientes da sua construção.
Tanto o sistema soviètico como o mercado livre são ensaios de racionalismo económico. Os arautos do mercado livre dizem-nos que os níveis de produtividade sem precedentes de um sistema económico racional extinguirão as causas dos conflitos sociais e da guerra. O marxismo soviético costumava assegurar-nos que a planificação socialista faria da escassez um conceito do passado. Ambos nos dizem que o aumento da produtividade resolverá por si só a maior parte dos problemas sociais e exaltam o crescimento económico acima de quaisquer outros propósitos ou valores.
Como os bolcheviques, as tropas de choque do mercado livre são decisivamente hostis a qualquer tradição que considerem um obstáculo aos seus conceitos de progresso económico. Se os seus objectivos exigem o sacrifício de algumas culturas que se erguem no seu caminho, os adeptos do mercado livre não hesitam em pagar tal preço.
O laissez faire global e o projectop comunista que animava a antiga União Soviética partilham muitos dos mesmos inimigos. São hostis às diferenças nacionais e culturais expressas na vida económica e às heranças da tradição e da história. Melindram-se com o atraso da vida campestre e aldeã. Não toleram o individualismo insubmisso da burguesia nem a rebeldia da classe trabalhadora.
As vítimas principais do mercado livre global, como do comunismo belicoso e do sisterma soviético, são os camponeses e -em menor, mas ainda notável grau - os trabalhadores industriais urbanizados e a classe média profissional.»
Como eu costumo dizer, se é pra nos atrelarem à carroça de uma qualquer utopia, ao menos que seja divertida.
MAIS UM CASO PARA SUPER-BUSH?...
Talvez seja um sinal dos tempos: mas até o ouro da nossa época é negro.
Imagine o leitor uma daquelas tribos que vivem, em regiões remotas, perdidos na natureza e nos ritos ancestrais, no meio de árvores e passarinhos, sem telemóveis, nem automóveis, nem cinemas, nem restaurantes, enfim, um daqueles cus de Judas onde a democracia ainda não chegou e a tirania não quer saber. Que horror, não é?
Mas agora imagine um horror ainda maior. Eu sei que é difícil, mas tente. Por exemplo: imagine que descobriam petróleo lá no tal cu de Judas, em pleno quintal da tal tribo... Muito petróleo; quiçá, a maior jazida do mundo.
Pois...De repente, como que por artes mágicas, a tirania interessa-se muito, lembra-se que aquilo existe, e a democracia, não menos ávida, fica ansiosa por conhecê-los. É a corrida ao ouro. Negro, o ouro. E não menos negra a corrida.
Dum dia pró outro, a tribo vai ter o prazer de conhecer o Progresso e a Evolução. De chofre. Sem pré aviso nem opção de recusa. Como tantas outras tribos antes deles.
Foi exactamente isso que sucedeu ali prós lados da Sibéria, lá nos fundos da Rússia, onde viviam, sossegados, os Khant e agora, ainda vivem, cada vez em menor número, mas já nada sossegados - nem felizes, por sinal.
Os russos civilizados e civilizadores descobriram o petróleo e os Khant descobriram o vodka. O resultado:
"As outrora sauáveis tribos da região Siberiana, de pastores de renas, estão a socumbir ao alcoolismo e ao suicídio, enquanto o seu modo de vida está a ser obliterado pela busca e exploração do petróleo"
«Com cada vez menos renas para apascentarem, com cada vez menos terrenos de caça, com cada vez menos rios poluídos onde pescarem, desesperados, os Khant enforcam-se.»
São os danos colaterais do progresso e da civilização. Não é novidade nenhuma. Já estamos habituados. E como eles desaparecem mansamente, sem tiros nem bombas, não fazem notícia de telejornal e vão ser bem aventurados no céu.
Isto, já vem acontecendo há uns anos. (Desde 1960, quando os Soviéticos descobriram o petróleo naquela área).
Só que, ultimamente, parece que o Wall Street Journal, esse periódico que, como todos sabemos, é especialista em filantropia antropológica, desenterrou a questão e relançou o alerta, clamando ao mundo para atentar neste patriomónio valiosíssimo da humanidade (as tais tribos) que está a ser ignobilmente devastado pela ganância petrolífera russa.
Este alerta humanitário, de pronto, motivou uma resposta agreste do "Pravda", onde se duvida abertamente da boa fé e caridosa intenção desta homilia.
O que ressalta deste princípio de tese americana (quer dizer, puramente democrática), é que os russos estarão a colonizar os Siberianos. Ora, isso contamina qualquer democracia (ainda pra mais, recente) e abre espaços às piores conjecturas e assombrações.
Campeões da descolonização no século passado, os americanos transitaram para este como paladinos globais da democracia e, de há um ano a esta parte, como intransigentes redentores dos povos oprimidos com subsolo muito rico em petróleo.
Ora, os Siberianos cumprem todos os requisitos: estão a ser colonizados, espoliados e, pormenor determinante, têm debaixo dos pés uma das maiores reservas petrolíferas do mundo. Será que vão ser também redimidos e libertados? Será mais um caso para Super-Bush? Os russos, pelo seu porta-voz oficioso, desconfiam. Paranóia deles, está bem de ver. Ou consciência pesada. Ou, pelo sim pelo não, ir prevenindo.
É claro, espero que compreendam, que tudo isto não passa dum mero exercício de ficção surrealista com algum cinismo irónico à mistura. Até porque é pura coincidência o facto desta questão só ter sido levantada agora, quando os americanos se instalaram (não muito confortavelmente, é certo) no Afeganistão.
Entretanto, também apareceram os chamados "activistas da causa Khant". Cansados de beber vodka e estiolar mansamente, nada nos garante que não passem a atitudes mais enérgicas e drásticas. Se começarem a explodir coisas, lá nos fundos da Rússia, não se admirem. Ou admirem-se. Não me venham é com histórias que já perceberam o que é que a CIA andou a fazer a partir das bases afegãs... coisas do estilo treinar "movimentos de libertação ou independentistas siberianos", porque eu não acredito. Toda a gente sabe que a CIA não faz coisas dessas.
A Chechénia? A Albânia? O Afeganistão do tempo da ocupação soviética? Ora, não me lixem. Ainda ficam mais paranóicos que os russos, que já só falam em «abater os aviões da Nato que violarem fronteiras"; no novo míssil RS-18, que pode atingir qualquer lugar em qualquer continente a uma velocidade hipersónica; na prioridade do relacionamento Rússia-Irão, etc.
É, de facto, um mundo cada vez mais seguro.
Concordo com o povo: Quem semeia ventos não deve, concerteza, cultivar climas amenos. Pois não?!...
Imagine o leitor uma daquelas tribos que vivem, em regiões remotas, perdidos na natureza e nos ritos ancestrais, no meio de árvores e passarinhos, sem telemóveis, nem automóveis, nem cinemas, nem restaurantes, enfim, um daqueles cus de Judas onde a democracia ainda não chegou e a tirania não quer saber. Que horror, não é?
Mas agora imagine um horror ainda maior. Eu sei que é difícil, mas tente. Por exemplo: imagine que descobriam petróleo lá no tal cu de Judas, em pleno quintal da tal tribo... Muito petróleo; quiçá, a maior jazida do mundo.
Pois...De repente, como que por artes mágicas, a tirania interessa-se muito, lembra-se que aquilo existe, e a democracia, não menos ávida, fica ansiosa por conhecê-los. É a corrida ao ouro. Negro, o ouro. E não menos negra a corrida.
Dum dia pró outro, a tribo vai ter o prazer de conhecer o Progresso e a Evolução. De chofre. Sem pré aviso nem opção de recusa. Como tantas outras tribos antes deles.
Foi exactamente isso que sucedeu ali prós lados da Sibéria, lá nos fundos da Rússia, onde viviam, sossegados, os Khant e agora, ainda vivem, cada vez em menor número, mas já nada sossegados - nem felizes, por sinal.
Os russos civilizados e civilizadores descobriram o petróleo e os Khant descobriram o vodka. O resultado:
"As outrora sauáveis tribos da região Siberiana, de pastores de renas, estão a socumbir ao alcoolismo e ao suicídio, enquanto o seu modo de vida está a ser obliterado pela busca e exploração do petróleo"
«Com cada vez menos renas para apascentarem, com cada vez menos terrenos de caça, com cada vez menos rios poluídos onde pescarem, desesperados, os Khant enforcam-se.»
São os danos colaterais do progresso e da civilização. Não é novidade nenhuma. Já estamos habituados. E como eles desaparecem mansamente, sem tiros nem bombas, não fazem notícia de telejornal e vão ser bem aventurados no céu.
Isto, já vem acontecendo há uns anos. (Desde 1960, quando os Soviéticos descobriram o petróleo naquela área).
Só que, ultimamente, parece que o Wall Street Journal, esse periódico que, como todos sabemos, é especialista em filantropia antropológica, desenterrou a questão e relançou o alerta, clamando ao mundo para atentar neste patriomónio valiosíssimo da humanidade (as tais tribos) que está a ser ignobilmente devastado pela ganância petrolífera russa.
Este alerta humanitário, de pronto, motivou uma resposta agreste do "Pravda", onde se duvida abertamente da boa fé e caridosa intenção desta homilia.
O que ressalta deste princípio de tese americana (quer dizer, puramente democrática), é que os russos estarão a colonizar os Siberianos. Ora, isso contamina qualquer democracia (ainda pra mais, recente) e abre espaços às piores conjecturas e assombrações.
Campeões da descolonização no século passado, os americanos transitaram para este como paladinos globais da democracia e, de há um ano a esta parte, como intransigentes redentores dos povos oprimidos com subsolo muito rico em petróleo.
Ora, os Siberianos cumprem todos os requisitos: estão a ser colonizados, espoliados e, pormenor determinante, têm debaixo dos pés uma das maiores reservas petrolíferas do mundo. Será que vão ser também redimidos e libertados? Será mais um caso para Super-Bush? Os russos, pelo seu porta-voz oficioso, desconfiam. Paranóia deles, está bem de ver. Ou consciência pesada. Ou, pelo sim pelo não, ir prevenindo.
É claro, espero que compreendam, que tudo isto não passa dum mero exercício de ficção surrealista com algum cinismo irónico à mistura. Até porque é pura coincidência o facto desta questão só ter sido levantada agora, quando os americanos se instalaram (não muito confortavelmente, é certo) no Afeganistão.
Entretanto, também apareceram os chamados "activistas da causa Khant". Cansados de beber vodka e estiolar mansamente, nada nos garante que não passem a atitudes mais enérgicas e drásticas. Se começarem a explodir coisas, lá nos fundos da Rússia, não se admirem. Ou admirem-se. Não me venham é com histórias que já perceberam o que é que a CIA andou a fazer a partir das bases afegãs... coisas do estilo treinar "movimentos de libertação ou independentistas siberianos", porque eu não acredito. Toda a gente sabe que a CIA não faz coisas dessas.
A Chechénia? A Albânia? O Afeganistão do tempo da ocupação soviética? Ora, não me lixem. Ainda ficam mais paranóicos que os russos, que já só falam em «abater os aviões da Nato que violarem fronteiras"; no novo míssil RS-18, que pode atingir qualquer lugar em qualquer continente a uma velocidade hipersónica; na prioridade do relacionamento Rússia-Irão, etc.
É, de facto, um mundo cada vez mais seguro.
Concordo com o povo: Quem semeia ventos não deve, concerteza, cultivar climas amenos. Pois não?!...
quinta-feira, abril 29, 2004
POR UM LIBERALISMO A SÉRIO
Às vezes, quem me leia, pode dar a impressão que não estimo os liberais e seitas afins. Nada mais ilusório. Só não suporto os desonestos, os hipócritas - sobretudo: os sonsos. Um dos exemplares humanos por quem nutro mesmo indisfarsável simpatia e até alguma inveja, são os liberais profundos, assumidos. Mas honestos, frontais, corajosos...
A melhor descrição que deles conheço é de Giles Lapouge. Ora oiçam:
«O Pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves anos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo. Arruma a trouxa, desce das montanhas da Capadócia, da Escócia ou da Noruega e dirige-se para a costa. Captura um barco ou emprega-se ao serviço de um pirata e - ala que se faz tarde!...lança-se ao mar. (...)
Vê-se que o pirata não é especioso quanto aos motivos. Não gosta de pesar os prós e os contras. Outros chegam à ruptura ao fim de muitos debates e arrependimentos, numa revolta que é apenas uma réplica ao desafio que lhes lança a sociedade. O pirata é mais expedito. Dir-se-ia que a rebeldia se forma dentro dele ao mesmo tempo que o ar se infiltra nos pequenos brônquios de recém-nascido ou mesmo no ventre maléfico da mãe. Nasce assim, armado da cabeça aos pés. A revolta é a sua dimensão original, ela confunde-se com o seu ser. (...)
A silhueta dos flibusteiros é um pouco mais cuidada, mas não muito, e a sua alma exala odores mais negros. Praticam uma arte mais sábia. Pouco interessados na caça, entregam-se à pilhagem. Estão armados até aos dentes visto que cada um possui o seu fuzil, a sua pólvora, as suas balas, duas pistolas, um sabre ou uma faca. Como gozam, se não de impunidade, pelo menos de tolerância das autoridades francesas e inglesas, flagelam sem escrúpulos as caravelas espanholas. As mais das vezes, a perícia e a coragem de que dão provas decidem a luta a seu favor. Depois da vitória, regressam, a Tortuga, onde organizam patuscadas.»
Se isto não era vida, então não sei o que é vida.
Não deixem de ler. É um livro fascinante ("Os Piratas", de Gilles Lapouge), o melhor no género. E aproveitem para conhecer uns liberais em condições; gente audaz, intrépida, com eles no sítio.
Assim, até eu não me importava nada de ser liberal. Sempre gostei de fazer as coisas com orgulho e cara descoberta.
E confesso: não há vez que fale nisto, que não me invada uma profunda e inquietante nostalgia. Devem ser outras vidas a reverberar em mim. Só podem ser.
A melhor descrição que deles conheço é de Giles Lapouge. Ora oiçam:
«O Pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves anos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo. Arruma a trouxa, desce das montanhas da Capadócia, da Escócia ou da Noruega e dirige-se para a costa. Captura um barco ou emprega-se ao serviço de um pirata e - ala que se faz tarde!...lança-se ao mar. (...)
Vê-se que o pirata não é especioso quanto aos motivos. Não gosta de pesar os prós e os contras. Outros chegam à ruptura ao fim de muitos debates e arrependimentos, numa revolta que é apenas uma réplica ao desafio que lhes lança a sociedade. O pirata é mais expedito. Dir-se-ia que a rebeldia se forma dentro dele ao mesmo tempo que o ar se infiltra nos pequenos brônquios de recém-nascido ou mesmo no ventre maléfico da mãe. Nasce assim, armado da cabeça aos pés. A revolta é a sua dimensão original, ela confunde-se com o seu ser. (...)
A silhueta dos flibusteiros é um pouco mais cuidada, mas não muito, e a sua alma exala odores mais negros. Praticam uma arte mais sábia. Pouco interessados na caça, entregam-se à pilhagem. Estão armados até aos dentes visto que cada um possui o seu fuzil, a sua pólvora, as suas balas, duas pistolas, um sabre ou uma faca. Como gozam, se não de impunidade, pelo menos de tolerância das autoridades francesas e inglesas, flagelam sem escrúpulos as caravelas espanholas. As mais das vezes, a perícia e a coragem de que dão provas decidem a luta a seu favor. Depois da vitória, regressam, a Tortuga, onde organizam patuscadas.»
Se isto não era vida, então não sei o que é vida.
Não deixem de ler. É um livro fascinante ("Os Piratas", de Gilles Lapouge), o melhor no género. E aproveitem para conhecer uns liberais em condições; gente audaz, intrépida, com eles no sítio.
Assim, até eu não me importava nada de ser liberal. Sempre gostei de fazer as coisas com orgulho e cara descoberta.
E confesso: não há vez que fale nisto, que não me invada uma profunda e inquietante nostalgia. Devem ser outras vidas a reverberar em mim. Só podem ser.
O NASCIMENTO DA GUERRILHA
As palavras de Robert L. O'Connell, na sua "História da Guerra, Armas e Homens"", são eloquentes:
«Ao princípio, as coisas correram calmamente. Mas quando Bonaparte tentou instalar o seu irmão Luís como rei e procurou prender parte da família real espanhola, Madrid extravasou. Em três semanas, toda a nação ficou em estado de revolta.(...) Mas Napoleão etava decidido a ganhar. "se pensasse que me iria custar oitenta mil homens, não tentaria; mas não me custará mais de doze mil". Um quarto de milhão de franceses viria a morrer em Espanha, sem alcançar qualquer vitória.
Com efeito, como refere David Chandler, o próprio povo espanhol declarara guerra ao imperador. Um a um, napoleão foi derrotando os exércitos espanhóis, mas os populares, nas montanhas, combatiam com grande ferocidade, recorrendo ao terror e à emboscada sempre que possível. Os Franceses respondiam por sua vez com atrocidades, até que o conflito adquiriu todas as roupagens da agressão predatória: morticínio indiscriminado, envolvimento de mulheres em combates e mútua negação do estatuto de ser humano pelos adversários. Este triunfo da violência, visualmente capatado nos Desastres de Guerra por Francisco Goya, ergue-se como um monumento ao futuro militar. Assim como napoleão transcendeu o conceito de guerra do século XVIII, assim o povo espanhol abriu caminho rodeando o poder militar convencional. Travaram uma guerra de libertação nacional e cada um deles era um combatente potencial, ou guerrilheiro, como chamavam a si próprios.»
Desde então, a história tem-se repetido muitas vezes. E continua a repetir-se. As coisas, no Iraque, ao princípio, também pareciam calmas. O problema dos arrogantes, soberbos na sua imperial superioridade, é que não aprendem. Pelo menos, antes.
Aprendem depois, às próprias custas. O Cosmos e a Natureza têm todo o tempo do mundo para lhes ensinarem.
«Ao princípio, as coisas correram calmamente. Mas quando Bonaparte tentou instalar o seu irmão Luís como rei e procurou prender parte da família real espanhola, Madrid extravasou. Em três semanas, toda a nação ficou em estado de revolta.(...) Mas Napoleão etava decidido a ganhar. "se pensasse que me iria custar oitenta mil homens, não tentaria; mas não me custará mais de doze mil". Um quarto de milhão de franceses viria a morrer em Espanha, sem alcançar qualquer vitória.
Com efeito, como refere David Chandler, o próprio povo espanhol declarara guerra ao imperador. Um a um, napoleão foi derrotando os exércitos espanhóis, mas os populares, nas montanhas, combatiam com grande ferocidade, recorrendo ao terror e à emboscada sempre que possível. Os Franceses respondiam por sua vez com atrocidades, até que o conflito adquiriu todas as roupagens da agressão predatória: morticínio indiscriminado, envolvimento de mulheres em combates e mútua negação do estatuto de ser humano pelos adversários. Este triunfo da violência, visualmente capatado nos Desastres de Guerra por Francisco Goya, ergue-se como um monumento ao futuro militar. Assim como napoleão transcendeu o conceito de guerra do século XVIII, assim o povo espanhol abriu caminho rodeando o poder militar convencional. Travaram uma guerra de libertação nacional e cada um deles era um combatente potencial, ou guerrilheiro, como chamavam a si próprios.»
Desde então, a história tem-se repetido muitas vezes. E continua a repetir-se. As coisas, no Iraque, ao princípio, também pareciam calmas. O problema dos arrogantes, soberbos na sua imperial superioridade, é que não aprendem. Pelo menos, antes.
Aprendem depois, às próprias custas. O Cosmos e a Natureza têm todo o tempo do mundo para lhes ensinarem.
quarta-feira, abril 28, 2004
A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE
«-Antínoo, tu fizeste mal em ferir o mendigo infeliz. Maldito! E se, por acaso, ele fosse um deus celestial? Os deuses também andam, sob diferentes aspectos, como estrangeiros de terras longínquas, pelas cidades, para observar a violência e a virtude dos homens.»
Homero, in "Odisseia", XVII
«Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu.»
Bíblia Sagrada, Mateus 19;23
Sendo que a nossa civilização radica na cultura grega e cristã, e dadas as perspectivas cristalinas em epígrafe, donde surgiu, então, a execração feroz da pobreza, que nestes dias, tão universal, ufana e declaradamente impera?
Com um desplante e grosseria alarve que, cada vez mais, nos equiparam às bestas?...
Supremo e inexpiável estigma, raíz e tronco efectivo de todas as descriminações, fobias, culpas e complexos que nos assombram, lepra do nosso tempo, donde germinou?
E isso...Isso aí - donde se penduram os macacos guinchadores da riqueza triunfante e deus exclusivo, bezerro de merda e sangue a fazer de conta , e grasnam os corvos da infâmia-, isso, meus senhores, é a árvore da civilização ocidental, ou o arbusto corcunda e rasteiro da Neo-barbárie?...
Homero, in "Odisseia", XVII
«Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu.»
Bíblia Sagrada, Mateus 19;23
Sendo que a nossa civilização radica na cultura grega e cristã, e dadas as perspectivas cristalinas em epígrafe, donde surgiu, então, a execração feroz da pobreza, que nestes dias, tão universal, ufana e declaradamente impera?
Com um desplante e grosseria alarve que, cada vez mais, nos equiparam às bestas?...
Supremo e inexpiável estigma, raíz e tronco efectivo de todas as descriminações, fobias, culpas e complexos que nos assombram, lepra do nosso tempo, donde germinou?
E isso...Isso aí - donde se penduram os macacos guinchadores da riqueza triunfante e deus exclusivo, bezerro de merda e sangue a fazer de conta , e grasnam os corvos da infâmia-, isso, meus senhores, é a árvore da civilização ocidental, ou o arbusto corcunda e rasteiro da Neo-barbárie?...
SALA DE CONTRA-CHUTO III - A Geopolítica angélica
«Geopoliticamente, a América é uma ilha ao largo da grande massa continental da Eurásia, cujos recursos e população excedem de longe os dos Estados Unidos. A dominação por uma única potência, por qualquer das duas principais esferas - Europa ou Á sia-, é uma boa definição de perigo estratégico para a América, com guerra fria ou não. Tal agrupamento teria a capacidade de ultrapassar economicamente a América e, no final, militarmente. Seria necessário resistir então a esse perigo, mesmo que o poder dominante fosse aparentemente benevolente, pois, se as intenções alguma vez mudassem, a América achar-se-ia com a capacidade de resistência efectiva bastante diminuída e uma crescente incapacidade para moldar os acontecimentos.»
Henry Kissinger, in "Diplomacy", pp.709, trad. port. Gradiva
Para bom entendedor...
Temos depois as versões pornográficas, com destaque para Paul Wolfowitz e Richard Pearle (o "Príncipe das Trevas").
Wolfwitz é o pai da actual "doutrina Bush", da "preemption" - a famosa guerra de prevenção, que teve, ainda recentemente, experimentação laboratorial nas cobaias iraquianas.
Os resultados, até ao momento, contrariam as teses farmacológicas:
« Preemption is 'provocation'; it is not 'prevention'. The Iraq invasion of 2003 intended to prevent, but actually provoked and promoted, international terrorism and weapons proliferation, and a general disgust and distrust of the U.S. Those things actually prevented by the Iraqi invasion can be listed as peace, cooperation, trust, honor, and the like. »
Quanto a Pearle, é uma figura emblemática do lobby israelita (bem como Wolfowitz e a generalidade dos NeoCons) em Washington.
Só que, mais que lobbista, parece ser agente efectivo, pago pelos israelitas. Confirmem aqui.
Entretanto, quem se intrigue com o nível de incoerência básica, delírio bramans e fariseísmo descarado com que tantas vez se depara por certos blogues aqui das redondezas, é só conferir nos supracitados a fonte original da verbolência, o epicentro sísmico das ondas e réplicas assoladoras. Afinal, como a bravura é essencialmente pato-bravura, e a pato-bravura é essencialmente cultural, estes nossos importadores frívolos da moda externa, estas lusas barbies, - fãs do camuflado às bolinhas, dispostas a tudo e até a encornar o Ken charmoso com o Action Man em versão gutural pós-Rambo -, mais não fazem que debitar o anabolizante mental ou desfilar com a lingerie de campanha. Sendo papagaios - louros e não só, presumo -, não lhes compete pensar ou justificar aquilo que dizem, mas apenas repetir com virtuosismo, monotonia e ininterrupção. Coisa que executam com tara e fervor religioso, na melhor tradição das seitas apocalípticas. Serve também como hetero e auto-hipnose. Quantas mais vezes dizem, mais se convencem (e julgam convencer quem quer que seja). É a conversão pela exaustão, acreditam. Funciona como uma espécie de ordem unida do espírito, um vozear interno de sargento enraivecido, que mantém a manada em boa ordem e com geometria apresentável.
O resultado, esse, invariável, não deixa de ser, ao mesmo tempo, assombroso e confrangedor: uma catalepsia palrante.
Mas não acreditem em mim...Confiram.
Henry Kissinger, in "Diplomacy", pp.709, trad. port. Gradiva
Para bom entendedor...
Temos depois as versões pornográficas, com destaque para Paul Wolfowitz e Richard Pearle (o "Príncipe das Trevas").
Wolfwitz é o pai da actual "doutrina Bush", da "preemption" - a famosa guerra de prevenção, que teve, ainda recentemente, experimentação laboratorial nas cobaias iraquianas.
Os resultados, até ao momento, contrariam as teses farmacológicas:
« Preemption is 'provocation'; it is not 'prevention'. The Iraq invasion of 2003 intended to prevent, but actually provoked and promoted, international terrorism and weapons proliferation, and a general disgust and distrust of the U.S. Those things actually prevented by the Iraqi invasion can be listed as peace, cooperation, trust, honor, and the like. »
Quanto a Pearle, é uma figura emblemática do lobby israelita (bem como Wolfowitz e a generalidade dos NeoCons) em Washington.
Só que, mais que lobbista, parece ser agente efectivo, pago pelos israelitas. Confirmem aqui.
Entretanto, quem se intrigue com o nível de incoerência básica, delírio bramans e fariseísmo descarado com que tantas vez se depara por certos blogues aqui das redondezas, é só conferir nos supracitados a fonte original da verbolência, o epicentro sísmico das ondas e réplicas assoladoras. Afinal, como a bravura é essencialmente pato-bravura, e a pato-bravura é essencialmente cultural, estes nossos importadores frívolos da moda externa, estas lusas barbies, - fãs do camuflado às bolinhas, dispostas a tudo e até a encornar o Ken charmoso com o Action Man em versão gutural pós-Rambo -, mais não fazem que debitar o anabolizante mental ou desfilar com a lingerie de campanha. Sendo papagaios - louros e não só, presumo -, não lhes compete pensar ou justificar aquilo que dizem, mas apenas repetir com virtuosismo, monotonia e ininterrupção. Coisa que executam com tara e fervor religioso, na melhor tradição das seitas apocalípticas. Serve também como hetero e auto-hipnose. Quantas mais vezes dizem, mais se convencem (e julgam convencer quem quer que seja). É a conversão pela exaustão, acreditam. Funciona como uma espécie de ordem unida do espírito, um vozear interno de sargento enraivecido, que mantém a manada em boa ordem e com geometria apresentável.
O resultado, esse, invariável, não deixa de ser, ao mesmo tempo, assombroso e confrangedor: uma catalepsia palrante.
Mas não acreditem em mim...Confiram.
terça-feira, abril 27, 2004
PRIVILÉGIO DE PROFETA
Li por aí algures, que um pândego islamita qualquer, com um sentido de humor negro retinto, terá proclamado o seguinte: «Maomé disse: "Eu sou o profeta do massacre».
Bem, já a mim compete-me dizer, salvaguardado o devido respeito e sem querer melindrar a dignidade de qualquer religião, que isso não parece coisa digna de profeta. Profetizar o massacre é como vaticinar a aurora e o crepúsculo. Neste planeta, nos últimos 2000 anos, já faz parte da rotina. Nada tem de extraordinário. Nem, tão pouco, parece ser património exclusivo de qualquer credo, regime, política ou civilização. Em tempo de paz, em tempo de guerra, na cidade e no campo, com dolo ou pura negligência, nunca falta.
Mas Maomé, segundo o mesmo humorista, terá dito mais: « Eu sou o profeta que ri quando mata o seu inimigo».
Ora, isto já parece detalhe idiossincrático de relevo. Um homem vulgar, geralmente, no desempenho de tão radical tarefa, zanga-se, vocifera, urra, espuma-se de raiva e ensaia esgares ferozes e horripilantes. A ciência explica-o através de descargas brutais de adrenalina. Mas nada disto afecta o profecta. Ao rir, coloca-se num patamar acima da mera condição humana. Não está zangado, não o faz por ódio nem em transportes de sanha: procede em ambiente festivo, com grande alacridade e benefício.
Enfim, privilégios dos profetas...
II
Quanto ao efeito que estas declarações causaram na comunidade blogosférica portuguesa, pode dizer-se que caíram que nem uma bomba. Os terroristas sabem-na toda. Em Espanha, para lançarem o terror e algum pânico, tiveram que organizar um massacre de proporções horrendas. Entre nós, à esquerda e à direita, mas sobretudo entre os jovens turcos belicosos, bastou darem uma entrevista. E foi o alarme e a gritaria histérica generalizada.
Aqui, pelos vistos, sai-lhes barato; não são precisos grandes gastos nem operações: ao primeiro sinal, já se borram todos.
Faz-me lembrar uma história que alguém me contou, passada durante a guerra civil angolana. Havia uma brigada das gloriosas FAPLA (exército do MPLA), que era famosa pela ausência de todo e qualquer espírito combativo. Sabedores disso, os guerrilheiros da Unita, sempre que precisavam de reabastecer - ou seja, capturar armamento, comida e fardamento aos regulares (é assim que as guerrilhas fazem), escrevia um bilhetinho à tal Brigada, onde comunicava:
«Estamos a ir no vosso atrás!»
Pânico maior era difícil de imaginar. Num ápice, toda a brigada entrava em regime de pré-debandada geral. Um instinto galináceo apropriava-se das tripas de cada homem. Os tremores e os cacarejos nervosos imperavam. Aos da Unita, pouco tempo depois, bastava-lhes aparecer, dar dois tiros para o ar e era o pandemónio definitivo. Lá fugiam os da brigada em todas as direcções. Largavam armas, largavam equipamento, comida, bagagens, tudo, e davam aos calcantes que só visto. Como a coisa, geralmente, se processava de madrugada, desembestavam estremunhados e semi-nus, esbaforiam-se desgrenhados e choramingantes. Um circo! Uma anedota completa!...
Cá, pelo quadro que se me depara, a coisa não deve andar longe da tristemente célebre Brigada.
Cumpre-me apenas deixar um conselho:
«Tenham cuidado. Pelos vistos, eles estão a vir no vosso atrás!...»
Bem, já a mim compete-me dizer, salvaguardado o devido respeito e sem querer melindrar a dignidade de qualquer religião, que isso não parece coisa digna de profeta. Profetizar o massacre é como vaticinar a aurora e o crepúsculo. Neste planeta, nos últimos 2000 anos, já faz parte da rotina. Nada tem de extraordinário. Nem, tão pouco, parece ser património exclusivo de qualquer credo, regime, política ou civilização. Em tempo de paz, em tempo de guerra, na cidade e no campo, com dolo ou pura negligência, nunca falta.
Mas Maomé, segundo o mesmo humorista, terá dito mais: « Eu sou o profeta que ri quando mata o seu inimigo».
Ora, isto já parece detalhe idiossincrático de relevo. Um homem vulgar, geralmente, no desempenho de tão radical tarefa, zanga-se, vocifera, urra, espuma-se de raiva e ensaia esgares ferozes e horripilantes. A ciência explica-o através de descargas brutais de adrenalina. Mas nada disto afecta o profecta. Ao rir, coloca-se num patamar acima da mera condição humana. Não está zangado, não o faz por ódio nem em transportes de sanha: procede em ambiente festivo, com grande alacridade e benefício.
Enfim, privilégios dos profetas...
II
Quanto ao efeito que estas declarações causaram na comunidade blogosférica portuguesa, pode dizer-se que caíram que nem uma bomba. Os terroristas sabem-na toda. Em Espanha, para lançarem o terror e algum pânico, tiveram que organizar um massacre de proporções horrendas. Entre nós, à esquerda e à direita, mas sobretudo entre os jovens turcos belicosos, bastou darem uma entrevista. E foi o alarme e a gritaria histérica generalizada.
Aqui, pelos vistos, sai-lhes barato; não são precisos grandes gastos nem operações: ao primeiro sinal, já se borram todos.
Faz-me lembrar uma história que alguém me contou, passada durante a guerra civil angolana. Havia uma brigada das gloriosas FAPLA (exército do MPLA), que era famosa pela ausência de todo e qualquer espírito combativo. Sabedores disso, os guerrilheiros da Unita, sempre que precisavam de reabastecer - ou seja, capturar armamento, comida e fardamento aos regulares (é assim que as guerrilhas fazem), escrevia um bilhetinho à tal Brigada, onde comunicava:
«Estamos a ir no vosso atrás!»
Pânico maior era difícil de imaginar. Num ápice, toda a brigada entrava em regime de pré-debandada geral. Um instinto galináceo apropriava-se das tripas de cada homem. Os tremores e os cacarejos nervosos imperavam. Aos da Unita, pouco tempo depois, bastava-lhes aparecer, dar dois tiros para o ar e era o pandemónio definitivo. Lá fugiam os da brigada em todas as direcções. Largavam armas, largavam equipamento, comida, bagagens, tudo, e davam aos calcantes que só visto. Como a coisa, geralmente, se processava de madrugada, desembestavam estremunhados e semi-nus, esbaforiam-se desgrenhados e choramingantes. Um circo! Uma anedota completa!...
Cá, pelo quadro que se me depara, a coisa não deve andar longe da tristemente célebre Brigada.
Cumpre-me apenas deixar um conselho:
«Tenham cuidado. Pelos vistos, eles estão a vir no vosso atrás!...»
AS DESTILARIAS DO ÓDIO
A gangrena deste país chama-se superficialidade. Não é de agora, não é de trinta anos, nem de cem, é, pelo menos, de séculos. Perdida a face, corroi-nos agora os nervos, a alma, o esqueleto. Não admira pois que tudo -política, moral, gestão económica, pensamento, ideia -, se confunda com uma cosmética. Abandonada a vértebra, salvem-se as aparências. À falta de cara, retoque-se a máscara. Compense-se com a camuflagem, a tinta. Como os moluscos cefalópodes.
A superficialidade traduz-se num imediatismo seboso, hedonista, novo-rico. É toda uma gentinha encurralada no seu presente, amnésica e descrente; enfarpelada num pragmatismo coçado a tapar as cuecas sujas da impotência e as meias rotas do basismo; às voltas com a opinião e a notícia, sempre dispéptica e sempre faminta, num carrocel desarvorado, onde a vaidade floresce da cegueira e o roldão colectivo não deixa verticalidade incólume. Enquanto isso, em folia histriónica, vão assinando, de cruz, hipotecas do futuro, ou largando, de passagem, escarros sobre o passado incauto e os defuntos.
Redunda, tudo isto, num aparato bisonho: um país embalsamado, de esgar vítreo e póstumo, cheio por dentro de palha. Um povo frouxo, débil, a efeminar-se. Sem paixões, mas apenas vícios recorrentes. Que já não ama o seu próprio país, mas cada vez mais se entretém masturbando-se consigo mesmo. Sem qualquer auto-estima, porque entregue a excessos de auto-erotismo. Ou seja, fode-se e refode-se, e quanto mais se fode menos se aprecia.
Contudo, se é incapaz de amar, não o é menos de odiar. A superficialidade tem destas coisas. Resvala para ressentimentos sórdidos, pequeninos, mesquinhos. Exibe crueldadezinhas, birras, regateios e intrigas de cabeleireira. Escuma babas corrosivas e saliva menoscabante. Lembra um ancião sujo, velhaco e hipócrita, que trocou os olhos de criança por uns de basilisco. A decrepitude socorre-se do veneno; a mediocridade acumulada fermenta e liberta gases tóxicos. A infãmia fervilha e alastra.
No meio da estagnação e do deserto das ideias, vicejam, todavia, núcleos residuais de frenesim, minúsculos engenhos fabris, gerinçonças desengonçadas operando algures entre a confeitaria e o vespeiro...São as auto-proclamadas destilarias do ódio.
Segundo o príncipio sacrossanto da osmose, é suposto odiarem e verberarem quem não adere, quem inexplicavelmente escapa incólume à sua peganhentice.
Debalde se enfunam e segregam. A rã, por mais condecorado batráquio que seja, nunca chegará sequer a boi, quanto mais a anjo.
Convinha que entendessem, serenassem. Mais valia cuidarem de indústrias tradicionais, herdadas e cultivadas por gerações: o medronho e o zimbro, rico exemplo. Sempre dão excelentes aguardentes, néctares de aquecer a alma.
Porque no que concerne à destilação do ódio, em vão se esmifram e atiçam lumes e caldeiras: o mais que aquilo pinga é um rancor avinagrado, surrapa fétida e intragável, obra-prima de mixordeiros.
A superficialidade traduz-se num imediatismo seboso, hedonista, novo-rico. É toda uma gentinha encurralada no seu presente, amnésica e descrente; enfarpelada num pragmatismo coçado a tapar as cuecas sujas da impotência e as meias rotas do basismo; às voltas com a opinião e a notícia, sempre dispéptica e sempre faminta, num carrocel desarvorado, onde a vaidade floresce da cegueira e o roldão colectivo não deixa verticalidade incólume. Enquanto isso, em folia histriónica, vão assinando, de cruz, hipotecas do futuro, ou largando, de passagem, escarros sobre o passado incauto e os defuntos.
Redunda, tudo isto, num aparato bisonho: um país embalsamado, de esgar vítreo e póstumo, cheio por dentro de palha. Um povo frouxo, débil, a efeminar-se. Sem paixões, mas apenas vícios recorrentes. Que já não ama o seu próprio país, mas cada vez mais se entretém masturbando-se consigo mesmo. Sem qualquer auto-estima, porque entregue a excessos de auto-erotismo. Ou seja, fode-se e refode-se, e quanto mais se fode menos se aprecia.
Contudo, se é incapaz de amar, não o é menos de odiar. A superficialidade tem destas coisas. Resvala para ressentimentos sórdidos, pequeninos, mesquinhos. Exibe crueldadezinhas, birras, regateios e intrigas de cabeleireira. Escuma babas corrosivas e saliva menoscabante. Lembra um ancião sujo, velhaco e hipócrita, que trocou os olhos de criança por uns de basilisco. A decrepitude socorre-se do veneno; a mediocridade acumulada fermenta e liberta gases tóxicos. A infãmia fervilha e alastra.
No meio da estagnação e do deserto das ideias, vicejam, todavia, núcleos residuais de frenesim, minúsculos engenhos fabris, gerinçonças desengonçadas operando algures entre a confeitaria e o vespeiro...São as auto-proclamadas destilarias do ódio.
Segundo o príncipio sacrossanto da osmose, é suposto odiarem e verberarem quem não adere, quem inexplicavelmente escapa incólume à sua peganhentice.
Debalde se enfunam e segregam. A rã, por mais condecorado batráquio que seja, nunca chegará sequer a boi, quanto mais a anjo.
Convinha que entendessem, serenassem. Mais valia cuidarem de indústrias tradicionais, herdadas e cultivadas por gerações: o medronho e o zimbro, rico exemplo. Sempre dão excelentes aguardentes, néctares de aquecer a alma.
Porque no que concerne à destilação do ódio, em vão se esmifram e atiçam lumes e caldeiras: o mais que aquilo pinga é um rancor avinagrado, surrapa fétida e intragável, obra-prima de mixordeiros.
segunda-feira, abril 26, 2004
MACAQUEAR A HISTÓRIA
Sei como funcionam as traduções: já mas pagaram à página, à linha, à palavra e até aos caracteres.
Dos colunistas de jornais não posso falar -não sei se recebem à palavra, ao artigo ou ao mês -; excepto de um: o Vasco Pulido Valente. Esse, de certeza, recebe ao insulto. À aleivosia. À macaquice.
Dados tão profícuos incentivos, não espanta, pois, a estrénua correspondência. Porque ele corresponde: com a cadência da metrelhadora.
A propósito do seu último chorrilho no DN, intitulado "Imitar a revolução", até deixei, num desses blogues liberais que assombro, o seguinte comentário (a que aproveito para acrescentar um corolário adicional):
"O Vasco, pouco polido, decididamente, não gosta de Portugal. E vitupera o destino por tê-lo depositado em tão imunda cloaca. Por desfastio cospe e vocifera contra os indígenas. É irrelevante quem sejam ou o que tenham efectivamente feito: basta que lhe colidam com a veneta ou os azares do calendário. Vale-lhe uma benta conjuntura única: o facto do país pairar num limbo de medievalidade extravagante, onde se tomam os doidos por sagrados e qualquer tolinho que delire, esperneie ou espume pela boca como porta-voz inequívoco da transcendência. Valem-lhe as Zazies todas deste reino. E a impunidade imensa que reina na paróquia: se fosse no século passado, ninguém o livrava dumas boas bengaladas."
Eu, por mim, dava-lhas. E o Eça, lá do Além, estou seguro que m'as abençoaria!...
Dos colunistas de jornais não posso falar -não sei se recebem à palavra, ao artigo ou ao mês -; excepto de um: o Vasco Pulido Valente. Esse, de certeza, recebe ao insulto. À aleivosia. À macaquice.
Dados tão profícuos incentivos, não espanta, pois, a estrénua correspondência. Porque ele corresponde: com a cadência da metrelhadora.
A propósito do seu último chorrilho no DN, intitulado "Imitar a revolução", até deixei, num desses blogues liberais que assombro, o seguinte comentário (a que aproveito para acrescentar um corolário adicional):
"O Vasco, pouco polido, decididamente, não gosta de Portugal. E vitupera o destino por tê-lo depositado em tão imunda cloaca. Por desfastio cospe e vocifera contra os indígenas. É irrelevante quem sejam ou o que tenham efectivamente feito: basta que lhe colidam com a veneta ou os azares do calendário. Vale-lhe uma benta conjuntura única: o facto do país pairar num limbo de medievalidade extravagante, onde se tomam os doidos por sagrados e qualquer tolinho que delire, esperneie ou espume pela boca como porta-voz inequívoco da transcendência. Valem-lhe as Zazies todas deste reino. E a impunidade imensa que reina na paróquia: se fosse no século passado, ninguém o livrava dumas boas bengaladas."
Eu, por mim, dava-lhas. E o Eça, lá do Além, estou seguro que m'as abençoaria!...
O 26 DE ABRIL. HOJE.
Quem tenha vivido e assistido, durante os meses que se seguiram ao 25 de Abril, à tentativa de terraplenagem histórica acompanhada de lavagem ao cérebro ideológica que os revolucionários de pacotilha da época encetaram, não pode deixar de experimentar uma sensação de dejá-vu diante de idêntica mania, só que agora invertida, por parte dos reaccionários de trazer-por-casa do presente. Naqueles dias era a demonização (fascização) do anterior regime (o 24 de Abril) e o paraíso socialista; nestes dias, é a demonização (comunização) do 25 de Abril e o paraíso capitalista (de preferência em clima económico neo-liberal e a toque da caixa ideológica do neo-conservadorismo). A cada esquina, tropeçamos em redentores empedernidos, de cuspo pronto e manguito armado, à volta dos altares da pequena-história, atirando lostras e impropérios aos residentes. Mas vamos a reparar bem, nestes resmungões e biliosos profissionais, e no resto do tempo andam, à laia de ciganos, a vender banha da cobra e emplastros milagreiros, em frasquinhos mal-cheirosos com a efígie de oligofrénicos desarvorados e empórios da infâmia. É a marca Bush/USA, em versão de feira; a caca-cola retórica de braço dado com o hamburguer mental, em combinado do dia no restaurante fast-food do espírito. Come-se à mão, como os macacos; dispensa talheres e prato (quer dizer: dispensa a civilização). Subentende patas habilidosas.
Mas a piada maior não são estas anedotas onde a barba ainda mal desponta, ou mal se nota. O mais engraçados são os seus gurus e luminárias
Eu explico. Não custa nada.
No 26 de Abril só havia um partido organizado em Portugal: o PCP. (A União Nacional não era um partido: era mais uma agremiação de parasitas, como o PS ou o PSD dos nossos dias, por exemplo). Bem, o tal PC tinha ideias e projectos muito concretos pró país. Era outra ordem (uma Nova Cuba, ou coisa que o valesse), mas não era propriamente uma desordem. Até porque seria tão ou mais controladora e severa que a ordem que se propunha substituir. Enfim, tinham lá as manias deles e acreditavam nelas piamente. Acresce que, na altura, a União Soviética estava em boa forma e os cow-boys digeriam o Vietnam e Watergate.
A ideia dos comunistas para o exército colonial, provavelmente, era transformá-lo em exército internacionalista, libertador e grande camarada, bem como instrutor, dos exércitos e quadros revolucionárias dos futuros países e nossas ex-colónias. Isto deve ser inserido no quadro teórico de revolução global prescrita por Marx e na forma de religião daí resultante.
Mas estes cândidos propósitos chocavam com um problema: as tropas operacionais no terreno e, especialmente, os "Comandos". Eram tropas de fortes convicções, vínculo de lealdade ao regime deposto e a uma ideia tradicional de pátria.
A solução: desmobilizar os cães de guerra e substitui-los por jovens cabeludos, amigos das flores e do povo. Depurar os quadros e chefias; purgar as hierarquias. De seguida, proceder a uma revolução também nas ex-colónias, em tudo semelhante à metrópole, mas com as agravantes inerentes às pendências étnicas.
Recapitulando. Objectivos do PC:
a) Tomar o Poder na Metrópole;
b) Substituir a velha ordem por uma nova ordem;
c) Consolidar o novo estado e estruturas centrais;
d) Propagar a nova ordem ao resto do território sobre controlo português;
e) À semelhança de Cuba, colocar-se sobre a alçada soviética para se defender da contra-revolução e das ingerências americanas.
Para alcançar estes objectivos era fundamental ao PC "instrumentalizar" o MFA. Este, através dos seus quadros aderentes, funcionaria como uma espécie de "Vanguarda revolucionária dos trabalhadores".
Já no que não interessava ao PC, por colocar em risco óbvio estas metas, destacam-se, pelo menos, duas condições :
a) permitir que a instabilidade nas ruas se prolongasse pra lá da sua tomada do poder;
b) receber no país, em fase ainda de fraca sedimentação administrativa do "novo regime", cerca de um milhão de pessoas traumatizadas, desesperadas e profundamente anti-comunistas, derivado da hecatombe que acabavam de experimentar.
Ou seja, a descolonização*, tal qual acabou por acontecer, mistura de abandono militar e debandada civil, caos promovido, não foi nada favorável aos planos da "nova ordem", nem faz qualquer sentido que estivesse contida neles. Pelo contrário, só vem conspirar contra eles e contribuir, necessariamente, para a sua derrocada a breve trecho.
Porque acontece, então, a descolonização daquela forma?
Há uma frase chave, em muros e cartazes da capital e, sobremaneira, junto ao cais da Rocha, onde embarcavam as tropas: "Nem mais um soldado para as colónias". Montam-se plantões, hordas teoricamente espontâneas, efectivamente da extrema-esquerda. É o grão de areia na engrenagem.
Desmobilizam-se os cães de guerra, mas os alegres, hirsutos e festivos internacionalistas nunca mais vão chegar. O esboço da "nova ordem" é combatida, a partir do exterior, com a disseminação da desordem. A CIA aposta na desordem da Metrópole; a CIA e o KGB apostam no distúrbio das colónias; os franceses, aliados militares do ex-regime, deixam correr o marfim e contam com Soares e o PS para largar as colónias e inflectir o rumo de séculos atlânticos (sul) na direcção europeia. Hoje sabemos que ganharam todos. Só perdemos nós.
Ah, e onde estão hoje os grandes activistas da desordem e consequente descolonização à bruta, sem piedade, daquele tempo?
Um até é primeiro ministro. Outros são gurus e luminárias destes novos redentores da pátria e vociferadores encartados contra a "bandalheira" de Abril: O Pacheco, o Pulido Valente, o JMF, (o Delgado não, estava escondido debaixo da cama) etc, ou sejam: Os campeões da bandalheira real de então.
O saldo das revoluções, mesmo em versão softcore, é sempre favorável ao oportunismo rapace e ao calculismo interesseiro. E venal.
Quando procurarem traidores, investiguem quem recebeu a paga. É uma regra básica, mais que da história, do bom senso.
* A forma como decorreu a descolonização -reflexo duma desordem artificialmente promovida e implantada a partir do exterior -, é, quanto a mim, razão essencial para a desestruturação social, económica, ética e política que ainda hoje, e cada vez mais, padecemos. E não adianta dar transfusões a um doente que está em hemorragia permanente. Os subsídios, como se tem visto, não resolvem o problema: só aumentam a delapidação - a sangria. Esta deveio esquema, vício. Da cúpula até à base. Hoje, num 26 que nunca mais acaba, somos um país estilhaçado, esquizoide, a africanizar-se. Amanhã?...Amanhã, logo se vê.
domingo, abril 25, 2004
25 DE ABRIL
Foi a maior balbúrdia que eu já vi neste país. Chegou num dia de Primavera, estava eu na primavera da minha vida. Não me venham com políticas. Foi uma festa, uma bebedeira de dimensões épicas. Mandou-se com a canga do Império às urtigas? Pois mandou. Deu-se com a casa em pantanas? Pois deu. Deitou-se fogo a uns quantos jardins das delícias? Pois deitou. Fizeram-se pulhices, bandalheiras, canalhices? Pois fizeram. Hércules, que era Hércules, semideus, com os copos, até matou a mulher e os filhos. Não fomos piores nem melhores. A ralé trepou às estátuas e cagou-lhes em cima. Faz bem ao ego das pseudo-elites. Receberem de vez em quando a visita do caos. Afinal, é ele que, lá bem no fundo - do tempo, das almas e dos sonhos-, reina. Como dizia Hesíodo "No princípio era o caos; e depois a Terra". Às vezes, o pai vem visitar a filha. Na forma de terramotos, de cataclismos. Como naquele dia e nos dias que se lhe seguiram.
O impérios, os regimes, os países, são coisas de homens. Cumprem as efemeridades, os vícios, as virtudes e as torpezas destes. Nascem, vivem e morrem. Por muito que nos custe, e à nossa jactância positivista, não são eternos, nem, a maior parte do tempo, grande coisa.
Mas depois há a esperança e os sonhos, as paixões e os caprichos. Que a bebedeira amplifica e a ressaca deprime. E todas as grandezas e baixezas do mundo.
Com todas as suas ingenuidades, disparates e palermices: Tenho saudades da primavera da minha vida.
E tenho esperança que, agora, lúcidos, corajosos, determinados e com as cicatrizes todas destes trancos e barrancos dos últimos 30 anos, comecemos a pensar em fazer mesmo, um dia destes, o 25 de Abril. A sério. Na nossa própria consciência.
O impérios, os regimes, os países, são coisas de homens. Cumprem as efemeridades, os vícios, as virtudes e as torpezas destes. Nascem, vivem e morrem. Por muito que nos custe, e à nossa jactância positivista, não são eternos, nem, a maior parte do tempo, grande coisa.
Mas depois há a esperança e os sonhos, as paixões e os caprichos. Que a bebedeira amplifica e a ressaca deprime. E todas as grandezas e baixezas do mundo.
Com todas as suas ingenuidades, disparates e palermices: Tenho saudades da primavera da minha vida.
E tenho esperança que, agora, lúcidos, corajosos, determinados e com as cicatrizes todas destes trancos e barrancos dos últimos 30 anos, comecemos a pensar em fazer mesmo, um dia destes, o 25 de Abril. A sério. Na nossa própria consciência.
sábado, abril 24, 2004
ARTIGO 50º
É assim que reza na Constituição da República, preto no branco:
Artigo 50.º
(Direito de acesso a cargos públicos)
1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.
Vou apresentar queixa no Tribunal Constitucional, no Supremo, no Europeu se for preciso. Contra incertos. Não sei exactamente quantos são, quem são, mas sei que são muitos. Demasiados. Sabemos todos. Se isto não é um crime público, contumaz e doloso, então não sei o que será um crime público. Que lhe chamem, em vez de crime, "Função", só agrava com o requinte de "associação criminosa" e "tráfico de influências" o já vasto rol.
Aceito apoio jurídico, moral e finaceiro. Formemos uma associação. Estou disposto a ir até às últimas consequências. Investiguem. Nem são precisos testes de ADN. Bastam testes de consanguinidade entre os titulares, assessores, directores, secretárias e até motoristas por esse país fora. Dos ministérios às autarquias; dos institutos às empresas.
Ou há moralidade ou eu também quero comer. Eu e mais quinhentos mil desempregados. Pelo menos.
Artigo 50.º
(Direito de acesso a cargos públicos)
1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.
Vou apresentar queixa no Tribunal Constitucional, no Supremo, no Europeu se for preciso. Contra incertos. Não sei exactamente quantos são, quem são, mas sei que são muitos. Demasiados. Sabemos todos. Se isto não é um crime público, contumaz e doloso, então não sei o que será um crime público. Que lhe chamem, em vez de crime, "Função", só agrava com o requinte de "associação criminosa" e "tráfico de influências" o já vasto rol.
Aceito apoio jurídico, moral e finaceiro. Formemos uma associação. Estou disposto a ir até às últimas consequências. Investiguem. Nem são precisos testes de ADN. Bastam testes de consanguinidade entre os titulares, assessores, directores, secretárias e até motoristas por esse país fora. Dos ministérios às autarquias; dos institutos às empresas.
Ou há moralidade ou eu também quero comer. Eu e mais quinhentos mil desempregados. Pelo menos.
DO NEO-TOTALITARISMO
"Neo" quer dizer "novo". Mas se formos a ver bem, o novo não é algo que vem do nada e que, subitamente, automaticamente, irrompe pela existência. Longe disso; o novo é só algo pré-existente que se reformula, reapresenta, renova. Nenhuma metáfora cai do céu aos trambolhões.
Por falar em novo, falemos deste nosso (cada vez mais) "admirável mundo novo". Recordo aqui algo que merece ser, mais que recordado, afixado.
Do Prefácio ao "Admirável Mundo Novo", na tradução de Mário Henrique Leiria (melhor é difícil):
« Um estado totalitário verdadeiramente "eficiente" será aquele em que o todo-poderoso comité executivo dos chefes políticos e o seu exército de directores terá o controlo de uma população de escravos que será inútil constranger, porque todos eles terão amor à sua servidão. Fazer com que eles a amem -tal será a tarefa, atribuída nos estados totalitários de hoje aos ministérios de propaganda, aos chefes de redacção dos jornais e aos mestres-escola.(...)
E a promiscuidade sexual do Admirável Mundo Novo também não parece estar muito afastada. Existem já certas cidades americanas onde o número de divórcios é igual ao número de casamentos. Dentro de alguns anos, sem dúvida, vender-se-ão licenças de casamento como se vendem licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca do cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade económica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação. E o ditador (a não ser que tenha necessidade de carne de canhão e de famílias para colonizar os territórios desabitados ou conquistados) fará bem em encorajar esta liberdade. Conjuntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar os seus súbditos com a servidão que lhes estará destinada. (...)
Na verdade, a menos que nos decidamos a descentralizar a ciência aplicada, não com o fim de reduzir os seres humanos a simples instrumentos, mas como meio de produzir uma raça de indivíduos livres, apenas podemos escolher entre duas soluções: ou um certo número de totalitarismos nacionais, militarizados, tendo com base o terror da bomba atómica e como consequência a destruição da Civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetuação do militarismo); ou um único totalitarismo internacional, suscitado pelo caos social resultante do rápido progresso técnico em geral e da revolução atómica em particular, e desenvolvendo-se, sob a pressão da eficiência e da estabilidade, no sentido da tirania-providência da Utopia. É pagar e escolher. »
Aldous Huxley
Quem tiver olhos que veja; quem tiver ouvidos que oiça.
Por falar em novo, falemos deste nosso (cada vez mais) "admirável mundo novo". Recordo aqui algo que merece ser, mais que recordado, afixado.
Do Prefácio ao "Admirável Mundo Novo", na tradução de Mário Henrique Leiria (melhor é difícil):
« Um estado totalitário verdadeiramente "eficiente" será aquele em que o todo-poderoso comité executivo dos chefes políticos e o seu exército de directores terá o controlo de uma população de escravos que será inútil constranger, porque todos eles terão amor à sua servidão. Fazer com que eles a amem -tal será a tarefa, atribuída nos estados totalitários de hoje aos ministérios de propaganda, aos chefes de redacção dos jornais e aos mestres-escola.(...)
E a promiscuidade sexual do Admirável Mundo Novo também não parece estar muito afastada. Existem já certas cidades americanas onde o número de divórcios é igual ao número de casamentos. Dentro de alguns anos, sem dúvida, vender-se-ão licenças de casamento como se vendem licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca do cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade económica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação. E o ditador (a não ser que tenha necessidade de carne de canhão e de famílias para colonizar os territórios desabitados ou conquistados) fará bem em encorajar esta liberdade. Conjuntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar os seus súbditos com a servidão que lhes estará destinada. (...)
Na verdade, a menos que nos decidamos a descentralizar a ciência aplicada, não com o fim de reduzir os seres humanos a simples instrumentos, mas como meio de produzir uma raça de indivíduos livres, apenas podemos escolher entre duas soluções: ou um certo número de totalitarismos nacionais, militarizados, tendo com base o terror da bomba atómica e como consequência a destruição da Civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetuação do militarismo); ou um único totalitarismo internacional, suscitado pelo caos social resultante do rápido progresso técnico em geral e da revolução atómica em particular, e desenvolvendo-se, sob a pressão da eficiência e da estabilidade, no sentido da tirania-providência da Utopia. É pagar e escolher. »
Aldous Huxley
Quem tiver olhos que veja; quem tiver ouvidos que oiça.
sexta-feira, abril 23, 2004
PARA LAS VEGAS, E EM FORÇA!...
Não páro de me espantar de cada vez que oiço os nossos grandes economistas.
Agora foi o Sousa Franco... Diz ele:
«bla-bla-bla e (registem bem esta parte) menos aposta nos salários baixos (...)»
E conclui, logo mais adiante: «é preciso apostar na «inovação, qualificação e formação, investigação científica e tecnológica»
É impressão minha, ou a linguagem dos economistas neste país oscila invariavelmente entre o palpite e a aposta?
Direi mais: eles não são maus, têm sido é mal utilizados.
O melhor mesmo é pegar nos montantes do Orçamento de Estado, entregar-lhos em mão e mandá-los para Las Vegas.
As probabilidades serão sempre mais animadoras. No melhor dos casos, entre tanto palpite e aposta, ainda se vê algum de volta. No pior, se esbanjarem e delapidarem estupidamente tudo, também já estamos habituados.
É a vida. Tentamos de novo pró ano.
Agora foi o Sousa Franco... Diz ele:
«bla-bla-bla e (registem bem esta parte) menos aposta nos salários baixos (...)»
E conclui, logo mais adiante: «é preciso apostar na «inovação, qualificação e formação, investigação científica e tecnológica»
É impressão minha, ou a linguagem dos economistas neste país oscila invariavelmente entre o palpite e a aposta?
Direi mais: eles não são maus, têm sido é mal utilizados.
O melhor mesmo é pegar nos montantes do Orçamento de Estado, entregar-lhos em mão e mandá-los para Las Vegas.
As probabilidades serão sempre mais animadoras. No melhor dos casos, entre tanto palpite e aposta, ainda se vê algum de volta. No pior, se esbanjarem e delapidarem estupidamente tudo, também já estamos habituados.
É a vida. Tentamos de novo pró ano.
A BATALHA CONTRA O DÉFICE
«Economia com evolução menos negativa
A evolução da economia portuguesa, medida pelo indicador coincidente do Banco de Portugal, apresentou nos primeiros três meses deste ano uma variação «ligeiramente menos negativa que no último trimestre de 2003».
Imaginando que estávamos num campo de batalha...
O General (ao rádio)-Então, como vão as nossas tropas?
Voz do outro lado (ofegante) -Ainda retiramos, meu general. Debandamos em todas as direcções, numa aflição que só visto... Só que agora um pouco mais devagar, já não é o pânico quadropédico e atabalhoado do início!...
O General (animado) - Ah, quer dizer que, finalmente, estamos a recobrar ânimo e posições para o contra-ataque!?...
A Voz (ainda mais ofegante) - Não, meu general. Estamos é a ficar exaustos. Cansados de todo. Isto tem sido uma correria de cuspir os bofes!...
A evolução da economia portuguesa, medida pelo indicador coincidente do Banco de Portugal, apresentou nos primeiros três meses deste ano uma variação «ligeiramente menos negativa que no último trimestre de 2003».
Imaginando que estávamos num campo de batalha...
O General (ao rádio)-Então, como vão as nossas tropas?
Voz do outro lado (ofegante) -Ainda retiramos, meu general. Debandamos em todas as direcções, numa aflição que só visto... Só que agora um pouco mais devagar, já não é o pânico quadropédico e atabalhoado do início!...
O General (animado) - Ah, quer dizer que, finalmente, estamos a recobrar ânimo e posições para o contra-ataque!?...
A Voz (ainda mais ofegante) - Não, meu general. Estamos é a ficar exaustos. Cansados de todo. Isto tem sido uma correria de cuspir os bofes!...
UM PAÍS GAY
«A alteração de competências para as autonomias regionais, o direito à orientação sexual e a consagração do primado dos tratados da União Europeia na ordem interna portuguesa caracterizam a VI Revisão Constitucional »
A Constituição não é importante. A Revisão Constitucional não é importante. O país não é importante. O passado já não conta e o futuro logo se vê. O que é importante, então?
Importante é o apito e o Major que foi apanhado com a boca no apito. Importante é o Iraque e as judiarias que o Bush faz ao pagode; ou os manguitos que o pagode faz ao Bush; ou os mísseis que o Sharon atira; ou as pedradas que o Sharon recolhe.
Importante é o Benfica e as peripécias do Benfica.
Que importa a soberania? Afinal de contas, não enche barriga. Que importa a independência, num país que se tornou toxicodependente de subsídios?
Mas reparem na maravilhosa contrapartida, no prémio por tão bom comportamento: "o direito à orientação sexual". Sublime.
Que importa a desorientação nacional, se agora disfrutamos do pleno direito à orientação sexual? Ou então era toda uma desorientação nacional derivada duma desorientação sexual...ou dum recalcamento.
Os sintomas e indícios, já que se fala nisso, até nem eram de menosprezar: histerismo, delírio, fantasia, desejos aberrantes, desordem da personalidade, amnésia, pobreza de pensamento, comportamento errático, depressão, distúrbios de stress e ansiedade, etc.
Há algo de freudiano nisto tudo. É mesmo de presumir toda uma formidável lógica terapêutica em marcha: uma vez orientado o sexo, tudo o resto entra nos eixos, volta ao seu lugar - orienta-se a economia, a educação, a justiça, a saúde, a cultura, o emprego. É a estrela polar do sistema.
E se assim é, somos até forçados a admitir: O sexo é mais importante que o país. É, direi mesmo, determinante. Faz-nos imensa falta: é graças a ele que nos vamos fodendo todos uns aos outros, e ao país em especial.
Ou então, sou até capaz de intuir, revela um prodígio ainda maior: O direito do país, ele todo, inteiro, em absoluto, a ser um "país gay", ou seja: um país que leva no cu. E gosta.
A Constituição não é importante. A Revisão Constitucional não é importante. O país não é importante. O passado já não conta e o futuro logo se vê. O que é importante, então?
Importante é o apito e o Major que foi apanhado com a boca no apito. Importante é o Iraque e as judiarias que o Bush faz ao pagode; ou os manguitos que o pagode faz ao Bush; ou os mísseis que o Sharon atira; ou as pedradas que o Sharon recolhe.
Importante é o Benfica e as peripécias do Benfica.
Que importa a soberania? Afinal de contas, não enche barriga. Que importa a independência, num país que se tornou toxicodependente de subsídios?
Mas reparem na maravilhosa contrapartida, no prémio por tão bom comportamento: "o direito à orientação sexual". Sublime.
Que importa a desorientação nacional, se agora disfrutamos do pleno direito à orientação sexual? Ou então era toda uma desorientação nacional derivada duma desorientação sexual...ou dum recalcamento.
Os sintomas e indícios, já que se fala nisso, até nem eram de menosprezar: histerismo, delírio, fantasia, desejos aberrantes, desordem da personalidade, amnésia, pobreza de pensamento, comportamento errático, depressão, distúrbios de stress e ansiedade, etc.
Há algo de freudiano nisto tudo. É mesmo de presumir toda uma formidável lógica terapêutica em marcha: uma vez orientado o sexo, tudo o resto entra nos eixos, volta ao seu lugar - orienta-se a economia, a educação, a justiça, a saúde, a cultura, o emprego. É a estrela polar do sistema.
E se assim é, somos até forçados a admitir: O sexo é mais importante que o país. É, direi mesmo, determinante. Faz-nos imensa falta: é graças a ele que nos vamos fodendo todos uns aos outros, e ao país em especial.
Ou então, sou até capaz de intuir, revela um prodígio ainda maior: O direito do país, ele todo, inteiro, em absoluto, a ser um "país gay", ou seja: um país que leva no cu. E gosta.
quinta-feira, abril 22, 2004
A TRINCHEIRA
Ia a passar no "Ecletico", quando deparo com uma grande indignação. Admiro muito as indignações, quando vêm do fundo e reflectem alma.
Compreendo-a perfeitamente. Em sua honra aqui fica um singelo tributo:
ANTEMANHÃ
O mostrengo que está no fim do mar
Veio das trevas a procurar
A madrugada do novo dia
Do novo dia sem acabar;
E disse: "Quem é que dorme a lembrar
Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o terceiro quer desvendar?"
E o som na treva de ele rodar
Faz mau o sono, triste o sonhar,
Rodou e foi-se o mostrengo servo
Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar -
Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.
Fernando Pessoa, "Mensagem"
Hoje, e cada vez mais, como disse o poeta, a minha pátria é a Língua Portuguesa.
A minha pátria e a minha trincheira.
Boa noite.
Compreendo-a perfeitamente. Em sua honra aqui fica um singelo tributo:
ANTEMANHÃ
O mostrengo que está no fim do mar
Veio das trevas a procurar
A madrugada do novo dia
Do novo dia sem acabar;
E disse: "Quem é que dorme a lembrar
Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o terceiro quer desvendar?"
E o som na treva de ele rodar
Faz mau o sono, triste o sonhar,
Rodou e foi-se o mostrengo servo
Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar -
Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.
Fernando Pessoa, "Mensagem"
Hoje, e cada vez mais, como disse o poeta, a minha pátria é a Língua Portuguesa.
A minha pátria e a minha trincheira.
Boa noite.
CHARADA
Ao passear os olhos pela bogosfera e pela imprensa dos nossos dias, especialmente diante das plumas de certos gurus, ocorrem-me muitas vezes as palavras que um certo senhor escritor nos legou. Aqui as deixo:
«O princípio do diabo continua de pé. Ele tinha como sempre razão quando virou o Homem para a matéria. Foi um ver se te avias. Em dois séculos, tolo de orgulho, inchado pela mecânica, ele ficou impossível. Assim o vemos hoje em dia, desvairado, saturado, bêbado de álcool, de gasolina, desconfiado, pretensioso, o universo com um poder em segundos! Assarapantado, desmedido, irremediável, carneiro e touro à mistura, hiena também! Um encanto. Um pobre olho do cu tapado vê no espelho um Júpiter. Ei-lo o grande milagre moderno. Uma fatuidade gigantesca, cósmica. A cobiça povoa o planeta de raiva, de tétano, em sobrefusão. Acontece forçosamente o contrário do que se queria. Qualquer criador à primeira palavra fica hoje esmagado pelos ódios, triturado, pulverizado. O mundo inteiro torna-se crítico, logo terrivelmente medíocre. Crítica colectiva, iracunda, lacaia, tapada, escrava absoluta.»
Agora vem a charada: aposto que não adivinham quem escreveu isto.
Digo apenas que já morreu há um bom par de anos.
«O princípio do diabo continua de pé. Ele tinha como sempre razão quando virou o Homem para a matéria. Foi um ver se te avias. Em dois séculos, tolo de orgulho, inchado pela mecânica, ele ficou impossível. Assim o vemos hoje em dia, desvairado, saturado, bêbado de álcool, de gasolina, desconfiado, pretensioso, o universo com um poder em segundos! Assarapantado, desmedido, irremediável, carneiro e touro à mistura, hiena também! Um encanto. Um pobre olho do cu tapado vê no espelho um Júpiter. Ei-lo o grande milagre moderno. Uma fatuidade gigantesca, cósmica. A cobiça povoa o planeta de raiva, de tétano, em sobrefusão. Acontece forçosamente o contrário do que se queria. Qualquer criador à primeira palavra fica hoje esmagado pelos ódios, triturado, pulverizado. O mundo inteiro torna-se crítico, logo terrivelmente medíocre. Crítica colectiva, iracunda, lacaia, tapada, escrava absoluta.»
Agora vem a charada: aposto que não adivinham quem escreveu isto.
Digo apenas que já morreu há um bom par de anos.
A FILHA DA MÃE DELA
«América-Latina: Maioria apoiaria regresso ao autoritarismo
Os latino-americanos são extremamente cépticos em relação aos benefícios da democracia, revela um relatório publicado esta quinta-feira, em Lima – Peru – pela ONU. Segundo o documento, mais de metade dos habitantes do Continente prefeririam um governo autoritário, se isso pudesse resolver os problemas económicos dos seus países.»
Lá do fundo dos séculos, já Platão profetizava:
"A democracia é a mãe da tirania"
Espanta-me é que ainda não tenhamos aprendido porquê.
Os grandes filósofos gregos (e da humanidade, afinal) desconfiavam da democracia. Não viam nela o contrário da tirania, mas uma espécie de "tirania de patas pró ar". Aspiravam, quiçá utopicamente, a um regime governativo baseado na ética e na sabedoria. Mas sabiam já aquilo que ainda hoje se comprova: que a ditadura de muitos e a multiplicação exorbitante de egoísmos não é muito melhor que a ditadura de um e a exorbitância dum só ego. A limite, em se tratando de cleptocratas, de indivíduos que se servem da polis e não a polis, o bando consegue ser mais prejudicial que o predador isolado. Devastam mais as hienas que o leão sozinho. E isso refelecte-se não só a nível material: repercute-se sobretudo, com danos irreparáveis, na esperança e nas espectativas dos cidadãos.
É pena que os nossos aprendizes de políticos esgotem os recursos mentais com as frivolidades hipócritas de Maquiavel, e olhem como bois ruminantes para o edifício que é a "Política" de Aristóteles.
Quanto à metáfora aplicada ao nosso Portugal, destes últimos anos, ressaltam, desde logo, uma boa e uma má notícia:
A boa: As coisas não se passam ao nível de bando...
A má: Passam-se ao nível de enxame.
Os latino-americanos são extremamente cépticos em relação aos benefícios da democracia, revela um relatório publicado esta quinta-feira, em Lima – Peru – pela ONU. Segundo o documento, mais de metade dos habitantes do Continente prefeririam um governo autoritário, se isso pudesse resolver os problemas económicos dos seus países.»
Lá do fundo dos séculos, já Platão profetizava:
"A democracia é a mãe da tirania"
Espanta-me é que ainda não tenhamos aprendido porquê.
Os grandes filósofos gregos (e da humanidade, afinal) desconfiavam da democracia. Não viam nela o contrário da tirania, mas uma espécie de "tirania de patas pró ar". Aspiravam, quiçá utopicamente, a um regime governativo baseado na ética e na sabedoria. Mas sabiam já aquilo que ainda hoje se comprova: que a ditadura de muitos e a multiplicação exorbitante de egoísmos não é muito melhor que a ditadura de um e a exorbitância dum só ego. A limite, em se tratando de cleptocratas, de indivíduos que se servem da polis e não a polis, o bando consegue ser mais prejudicial que o predador isolado. Devastam mais as hienas que o leão sozinho. E isso refelecte-se não só a nível material: repercute-se sobretudo, com danos irreparáveis, na esperança e nas espectativas dos cidadãos.
É pena que os nossos aprendizes de políticos esgotem os recursos mentais com as frivolidades hipócritas de Maquiavel, e olhem como bois ruminantes para o edifício que é a "Política" de Aristóteles.
Quanto à metáfora aplicada ao nosso Portugal, destes últimos anos, ressaltam, desde logo, uma boa e uma má notícia:
A boa: As coisas não se passam ao nível de bando...
A má: Passam-se ao nível de enxame.
quarta-feira, abril 21, 2004
COMPENSAÇÃO
«Pina Moura vai gerir Iberdola em Portugal»
Quem foi que disse que o crime não compensa?!...
Quem foi que disse que o crime não compensa?!...
SALA DE CONTRA-CHUTO II - Os números do Negócio Iraquiano
Num país tão dado a touradas, custa a compreender o pejo que o indígena opinioso experimenta em chamar os bois pelos nomes.
Indiferente ao chinfrim da retórica, jaz o necrotério da realidade.
Leiam este artigo no "Economist" - "Mercenaries: The Bagdad Boom"
Adianto apenas algumas passagens sugestivas:
«As empresas Militares Privadas (PMCs) -mercenários, como antigamente se dizia-, são agora o terceiro maior contribuinte para o esforço de guerra, logo após os Estados Unidos e a Grâ-Bretanha (...)»
«O Iraque fez disparar as receitas das Empresas Militares Britânicas, de 200 milhões de libras antes da guerra, para mais de 1 bilião, fazendo da Segurança o esforço mais lucrativo do pós-guerra, no Iraque...»
«uma equipa de quatro ex-SAS, em Bagadad, pode custar 5.000USD, por dia...»
«O pessoal da segurança privada não-Iraquiano, contratado pela coligação ou pelos seus parceiros, não está sujeito à lei Iraquiana»
Alguns efectivos:
Global Risk Strategies - Mais de 1000
ERINYS - 14.000
Salários:
Iraquianos contratados - 150USD/Mês
Gurkas - 10 a 20 vezes mais que os Iraquianos
Ocidentais (Americanos, Ingleses, sul africanos, Australianos) - 100 vezes mais que os Iraquianos.
Guerra... Qual guerra? É só uma nova maneira de make busyness. Ou melhor, a nova fórmula "pacifista" neo-liberal: "make busyness, not war".
Indiferente ao chinfrim da retórica, jaz o necrotério da realidade.
Leiam este artigo no "Economist" - "Mercenaries: The Bagdad Boom"
Adianto apenas algumas passagens sugestivas:
«As empresas Militares Privadas (PMCs) -mercenários, como antigamente se dizia-, são agora o terceiro maior contribuinte para o esforço de guerra, logo após os Estados Unidos e a Grâ-Bretanha (...)»
«O Iraque fez disparar as receitas das Empresas Militares Britânicas, de 200 milhões de libras antes da guerra, para mais de 1 bilião, fazendo da Segurança o esforço mais lucrativo do pós-guerra, no Iraque...»
«uma equipa de quatro ex-SAS, em Bagadad, pode custar 5.000USD, por dia...»
«O pessoal da segurança privada não-Iraquiano, contratado pela coligação ou pelos seus parceiros, não está sujeito à lei Iraquiana»
Alguns efectivos:
Global Risk Strategies - Mais de 1000
ERINYS - 14.000
Salários:
Iraquianos contratados - 150USD/Mês
Gurkas - 10 a 20 vezes mais que os Iraquianos
Ocidentais (Americanos, Ingleses, sul africanos, Australianos) - 100 vezes mais que os Iraquianos.
Guerra... Qual guerra? É só uma nova maneira de make busyness. Ou melhor, a nova fórmula "pacifista" neo-liberal: "make busyness, not war".
OS GANGS
«Criminalidade de gangs aumentou 32% desde 1999»
Pois claro. Tem toda a lógica. Depois que os partidos políticos se transformaram em associações de malfeitores, era natural que, mais tarde ou mais cedo, a "sociedade civil" lhes seguisse o exemplo.
Pois claro. Tem toda a lógica. Depois que os partidos políticos se transformaram em associações de malfeitores, era natural que, mais tarde ou mais cedo, a "sociedade civil" lhes seguisse o exemplo.
terça-feira, abril 20, 2004
A FEIRA, O HIPÓDROMO E O ASNÓDROMO
Afinal, não é apenas a Feira Popular que Santana Lopes quer transferir para o Parque de Monsanto: é também o Hipódromo do Campo Grande. Eu, sempre distraído nestas coisas, julgava que era só a Feira. Enganei-me. É a Feira e o Hipódromo. Fora uma série de periféricos e infraestruturas anexas.
O que eu acho disto, o que eu acho mesmo, é melhor omiti-lo. Manda o decoro e a boa educação. Mas não me dispenso dalgumas considerações...
Recorro em primeiro lugar à História Universal. E passo a citar (confiram a qualquer esquina dos séculos): matar uma pessoa é um crime; chacinar um povo inteiro é um imperativo civilizacional. Colocar uma bomba é terrorismo, despejar bombas dum avião é democratização benigna. A diferença, tudo o indica, está na intenção. O terrorista é malévolo, cancerígeno, quer danificar e estraçalhar pessoas; o impoluto civilizador, romano-americano dos nossos dias, ao contrário, propõe-se curá-las –abstergê-las e pasteurizá-las contra todos os maus vícios as doenças. Mesmo quando as faz em fanicos é por uma boa causa. Esta lógica é multi-usos. Também se pode aplicar às árvores. Basta mesmo substituir as pessoas pelas árvores e aí temos de novo o mecanismo a funcionar na perfeição. E como as intenções do Santana são as melhores...
Avancem as máquinas. Desmate-se e terraplene-se a eito. Até porque o mais certo é o arvoredo arder todo um verão destes, perante a impotência heróica de bombeiros, maubeiros e basbaques avulsos. Assim, ao menos, acaba-se já com o risco de incêndio. É a profilaxia da catástrofe, pois. Extirpa-se o mal pela raíz. Mas sobretudo: Nada de meias tintas; faça-se uma intervenção a sério, uma invasão bárbara a rigor. Urbanize-se à bomba se fôr preciso. Escavem-se túneis e viadutos.
E que não seja apenas a Feira Popular e o Hipódromo do campo Grande: que se transfira também o tauródromo do Campo Pequeno, a feira da Ladra, o Jardim Zoológico, os bares do Cais do Sodré e do Intendente, o Castelo de S.Jorge, o Coliseu, o Elevador da Bica, a Avenida 24 de Julho e tudo a que Sua Excelência aprouver!
Mas, acima de tudo, mais que o hipódromo e o tauródromo, que não fique esquecida a infraestrutura mais urgente e necessária à classe política deste país: Um asnódromo. Uma pista de saltos e torneios, onde possam asnear à vontade, sem peias nem embaraços. Não é que já não o façam na via pública, nas instituições e onde quer que lhes dê na real gana. Mas ali, além de recreativo para os nacionais, sempre se tornava atracção turística para os estrangeiros. O país, ao menos, sempre lucrava alguma coisa.
E imaginem só a fama e o renome além fronteiras que não granjearia o digníssimo presidente da Câmara de Lisboa.
O que eu acho disto, o que eu acho mesmo, é melhor omiti-lo. Manda o decoro e a boa educação. Mas não me dispenso dalgumas considerações...
Recorro em primeiro lugar à História Universal. E passo a citar (confiram a qualquer esquina dos séculos): matar uma pessoa é um crime; chacinar um povo inteiro é um imperativo civilizacional. Colocar uma bomba é terrorismo, despejar bombas dum avião é democratização benigna. A diferença, tudo o indica, está na intenção. O terrorista é malévolo, cancerígeno, quer danificar e estraçalhar pessoas; o impoluto civilizador, romano-americano dos nossos dias, ao contrário, propõe-se curá-las –abstergê-las e pasteurizá-las contra todos os maus vícios as doenças. Mesmo quando as faz em fanicos é por uma boa causa. Esta lógica é multi-usos. Também se pode aplicar às árvores. Basta mesmo substituir as pessoas pelas árvores e aí temos de novo o mecanismo a funcionar na perfeição. E como as intenções do Santana são as melhores...
Avancem as máquinas. Desmate-se e terraplene-se a eito. Até porque o mais certo é o arvoredo arder todo um verão destes, perante a impotência heróica de bombeiros, maubeiros e basbaques avulsos. Assim, ao menos, acaba-se já com o risco de incêndio. É a profilaxia da catástrofe, pois. Extirpa-se o mal pela raíz. Mas sobretudo: Nada de meias tintas; faça-se uma intervenção a sério, uma invasão bárbara a rigor. Urbanize-se à bomba se fôr preciso. Escavem-se túneis e viadutos.
E que não seja apenas a Feira Popular e o Hipódromo do campo Grande: que se transfira também o tauródromo do Campo Pequeno, a feira da Ladra, o Jardim Zoológico, os bares do Cais do Sodré e do Intendente, o Castelo de S.Jorge, o Coliseu, o Elevador da Bica, a Avenida 24 de Julho e tudo a que Sua Excelência aprouver!
Mas, acima de tudo, mais que o hipódromo e o tauródromo, que não fique esquecida a infraestrutura mais urgente e necessária à classe política deste país: Um asnódromo. Uma pista de saltos e torneios, onde possam asnear à vontade, sem peias nem embaraços. Não é que já não o façam na via pública, nas instituições e onde quer que lhes dê na real gana. Mas ali, além de recreativo para os nacionais, sempre se tornava atracção turística para os estrangeiros. O país, ao menos, sempre lucrava alguma coisa.
E imaginem só a fama e o renome além fronteiras que não granjearia o digníssimo presidente da Câmara de Lisboa.
AS LEIS DO MERCADO
«Pedofilia/Açores: testemunhas pagas para desistir de queixa»
«as testemunhas receberam, em troca das desistências, pagamentos entre os 500 e os 2500 euros. »
Ora aqui está...As leis do mercado a funcionarem.
O Neo-liberalismo chegou à justiça.
«as testemunhas receberam, em troca das desistências, pagamentos entre os 500 e os 2500 euros. »
Ora aqui está...As leis do mercado a funcionarem.
O Neo-liberalismo chegou à justiça.
segunda-feira, abril 19, 2004
RECEITAS EXTRAORDINÁRIAS - Cherne no tacho
CHERNE NO TACHO
Ingredientes para 10 milhões de pessoas
Quatro postas de Cherne com cerca de 12 meses cada
um par de tomates
uma cabeça de cebola
meio quilo de lógica da batata
Dentes de alho (muitos, à volta do pescoço)
água benta
Vinho branco
limão
loureiro, sal
tempo necessário: cerca de Quatro anos (se nenhuma bomba, entretanto, explodir)
Grau de dificuldade: básico
Frita-se o cherne. Em recipiente à parte, deita-se um pouco do óleo da fritura e frita-se de novo. Junta-se a cebola e a lógica da batata. Acrescenta-se o loureiro, quanto mais melhor, o sal, o limão e a água benta. Deixa-se ferver lentamente. Bebe-se o vinho branco, em celebração. E coçam-se os tomates, com alegria. É bom saber que ainda os temos.
PS: Agradeço aos meus "amigos" do "Blasfémias" pela inspiração.
Experimentem na vossa cozinha. Vão ver o acepipe que é.
«É necessário recorrer a receitas extraordinárias (...)», sustentou Durão Barroso.
Ingredientes para 10 milhões de pessoas
Quatro postas de Cherne com cerca de 12 meses cada
um par de tomates
uma cabeça de cebola
meio quilo de lógica da batata
Dentes de alho (muitos, à volta do pescoço)
água benta
Vinho branco
limão
loureiro, sal
tempo necessário: cerca de Quatro anos (se nenhuma bomba, entretanto, explodir)
Grau de dificuldade: básico
Frita-se o cherne. Em recipiente à parte, deita-se um pouco do óleo da fritura e frita-se de novo. Junta-se a cebola e a lógica da batata. Acrescenta-se o loureiro, quanto mais melhor, o sal, o limão e a água benta. Deixa-se ferver lentamente. Bebe-se o vinho branco, em celebração. E coçam-se os tomates, com alegria. É bom saber que ainda os temos.
PS: Agradeço aos meus "amigos" do "Blasfémias" pela inspiração.
Experimentem na vossa cozinha. Vão ver o acepipe que é.
«É necessário recorrer a receitas extraordinárias (...)», sustentou Durão Barroso.
O FUTEBOL POR OUTROS MEIOS...
Que estúpido que eu sou!
Tinha-me proposto jamais falar de futebol neste blog. Não quer dizer que não aprecie o jogo (enquanto jogo) ou não tenha as minhas preferências clubísticas. Aprecio e tenho. Simplesmente, vai por esse país uma tal alienação mental futeboleira, que eu, em nome da higiene e do civismo, achei melhor não agravar o monturo com mais lixo. Já me basta, pró efeito, a mesa do café ou o balcão da tasca. Pois.
Só que agora, em nome da coerência, vou ter que deixar de falar também aqui de política. Após testes variados e observações empíricas exaustivas, verifiquei que, na blogosfera, mesmo quando se discute política, está-se, na realidade, a discutir futebol. Ou seja, pra esta gente, bem mais esperta que eu, a política é só o futebol por outros meios. Como a guerra e a diplomacia, segundo Clausewitz.
Vou mais longe: se os gregos tinham o teatro e os romanos o circo, estes agora têm o estádio. Sentam-se nas bancadas, com os seus cachecóis, bandeiras e cornetas e toca de bramar o que lhes vai na desalma. Urram e vibram, em delírio frenético, com as proezas dos craques; choram e arrepelam-se convulsivamente com os falhanços; esbugalham os olhos, rezam e mordem as unhas, em desespero, com os penaltis. E, pelo meio, insultam e juram de morte as claques inimigas, os jogadores adversários e, mais que ninguém, o árbitro, sobretodos infame. Decididamente, este não é um sítio seguro.
É o Futebol, mais que total, global. Uma espécie de duelo cósmico, sucedâneo daqueles grandes confrontos épicos entre o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas. Apenas os nomes mudaram: agora é O SL Esquerda contra o o Sporting da Direita. Ou vice-versa. Alternadamente, vestem as camisolas cor de luz ou de treva: os que jogam a favor do vento são os luminosos. Sempre. Quando mudam de campo, trocam também de camisola, e passam a ser os tenebrosos. Se não houver vento, a partida interrompe-se, até que a aragem se digne soprar de novo.
Quanto aos jogadores, ídolos da turba, alvos do histerismo ou do apupo (consoante se trate da avaliação de adeptos ou contra-adeptos), são todos atletas de eleição, virtuosos da finta e do chuto, modelos do penteado e do arnês. Neste momento, parece que decorre uma ofensiva cerrada do Sporting da Direita, pelo que tanto os brados de incitamento quanto os assobios e vaias desmoralizantes parecem convergir sobre os principais jogadores deste. As correrias de Tony Blair pela esquerda, as simulações e jogo perigoso de George W Bush pelo centro, os balões prá grande área de Rumsfeld, o armador de jogo e, sobremaneira, os disparos e entradas a matar de Sharon, o ponta de lança, têm gerado autêntico pandemónio e tumulto nas bancadas. Um cartão vermelho a Aznar deixou as redes de vedação maltratadas e por pouco a polícia de intervenção não teve que semear bastonada. Por outro lado, quando Sharon, com a brutalidade característica, na cobrança dum livre, enviou um míssil teleguiado por cima da barreira, até ao ângulo superior direito da baliza adversária, pulverizando de caminho o desamparado keeper Sheik Yassin, metade das bancadas rompeu em delírio exultante, bramindo "gooolo!!!", e a outra metade desatou num basqueiro contra o árbitro que não vira o claro fora-de-jogo de meia equipa , nem a carga bárbara e desleal dentro da área de protecção do guarda-redes.
Estamos, pois, nisto: Sharon, o buldozzer, com a subtileza que se lhe reconhece, vai arrumando guarda-redes; as bancadas dos Direitistas vão gritando "goolo!"; os restantes jogadores envolvem-se em quezílias e picardias a meio campo; e as claques esquerdistas dos "diabos vermelhos" e dos "no name BEs", insurgem-se contra o árbitro e a progenitura deste, exigindo-lhe que expulse o quanto antes Bush, Blair e Companhia.
De resto, é o folclore tradicional entre claques, zurrando ao despique impropérios e injúrias, algazarras e urros. No que as duas anteriormente referidas, em confronto com a "Juve Olé" e a "Força Beata" inimigas, se espelham na perfeição.
Para aturar uma cegada destas, era preciso que eu fosse Super-Dragão.
E não sou.
Tinha-me proposto jamais falar de futebol neste blog. Não quer dizer que não aprecie o jogo (enquanto jogo) ou não tenha as minhas preferências clubísticas. Aprecio e tenho. Simplesmente, vai por esse país uma tal alienação mental futeboleira, que eu, em nome da higiene e do civismo, achei melhor não agravar o monturo com mais lixo. Já me basta, pró efeito, a mesa do café ou o balcão da tasca. Pois.
Só que agora, em nome da coerência, vou ter que deixar de falar também aqui de política. Após testes variados e observações empíricas exaustivas, verifiquei que, na blogosfera, mesmo quando se discute política, está-se, na realidade, a discutir futebol. Ou seja, pra esta gente, bem mais esperta que eu, a política é só o futebol por outros meios. Como a guerra e a diplomacia, segundo Clausewitz.
Vou mais longe: se os gregos tinham o teatro e os romanos o circo, estes agora têm o estádio. Sentam-se nas bancadas, com os seus cachecóis, bandeiras e cornetas e toca de bramar o que lhes vai na desalma. Urram e vibram, em delírio frenético, com as proezas dos craques; choram e arrepelam-se convulsivamente com os falhanços; esbugalham os olhos, rezam e mordem as unhas, em desespero, com os penaltis. E, pelo meio, insultam e juram de morte as claques inimigas, os jogadores adversários e, mais que ninguém, o árbitro, sobretodos infame. Decididamente, este não é um sítio seguro.
É o Futebol, mais que total, global. Uma espécie de duelo cósmico, sucedâneo daqueles grandes confrontos épicos entre o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas. Apenas os nomes mudaram: agora é O SL Esquerda contra o o Sporting da Direita. Ou vice-versa. Alternadamente, vestem as camisolas cor de luz ou de treva: os que jogam a favor do vento são os luminosos. Sempre. Quando mudam de campo, trocam também de camisola, e passam a ser os tenebrosos. Se não houver vento, a partida interrompe-se, até que a aragem se digne soprar de novo.
Quanto aos jogadores, ídolos da turba, alvos do histerismo ou do apupo (consoante se trate da avaliação de adeptos ou contra-adeptos), são todos atletas de eleição, virtuosos da finta e do chuto, modelos do penteado e do arnês. Neste momento, parece que decorre uma ofensiva cerrada do Sporting da Direita, pelo que tanto os brados de incitamento quanto os assobios e vaias desmoralizantes parecem convergir sobre os principais jogadores deste. As correrias de Tony Blair pela esquerda, as simulações e jogo perigoso de George W Bush pelo centro, os balões prá grande área de Rumsfeld, o armador de jogo e, sobremaneira, os disparos e entradas a matar de Sharon, o ponta de lança, têm gerado autêntico pandemónio e tumulto nas bancadas. Um cartão vermelho a Aznar deixou as redes de vedação maltratadas e por pouco a polícia de intervenção não teve que semear bastonada. Por outro lado, quando Sharon, com a brutalidade característica, na cobrança dum livre, enviou um míssil teleguiado por cima da barreira, até ao ângulo superior direito da baliza adversária, pulverizando de caminho o desamparado keeper Sheik Yassin, metade das bancadas rompeu em delírio exultante, bramindo "gooolo!!!", e a outra metade desatou num basqueiro contra o árbitro que não vira o claro fora-de-jogo de meia equipa , nem a carga bárbara e desleal dentro da área de protecção do guarda-redes.
Estamos, pois, nisto: Sharon, o buldozzer, com a subtileza que se lhe reconhece, vai arrumando guarda-redes; as bancadas dos Direitistas vão gritando "goolo!"; os restantes jogadores envolvem-se em quezílias e picardias a meio campo; e as claques esquerdistas dos "diabos vermelhos" e dos "no name BEs", insurgem-se contra o árbitro e a progenitura deste, exigindo-lhe que expulse o quanto antes Bush, Blair e Companhia.
De resto, é o folclore tradicional entre claques, zurrando ao despique impropérios e injúrias, algazarras e urros. No que as duas anteriormente referidas, em confronto com a "Juve Olé" e a "Força Beata" inimigas, se espelham na perfeição.
Para aturar uma cegada destas, era preciso que eu fosse Super-Dragão.
E não sou.
domingo, abril 18, 2004
ESTÁ ALGUÉM AÍ?...
O mais essencial -se bem tenho aprendido alguma coisa nesta vida-, não é manter apenas a cabeça fria: é, sobretudo, conservar o coração quente.
Infelizmente, da zoosfera à blogosfera, o que se vê cada vez mais é gente com os miolos a arder e o coração congelado.
Onde raio pára a humanidade?...
Infelizmente, da zoosfera à blogosfera, o que se vê cada vez mais é gente com os miolos a arder e o coração congelado.
Onde raio pára a humanidade?...
sábado, abril 17, 2004
Uma questão de QI...e de BI
Já não me lembro a que propósito, fui dar ao Site duma organização dedicada ao Coefeciente de Inteligência (vulgo QI). Apresentavam os resultados de várias figuras históricas, mortas e vivas. Do Homem de Cro-Magnon a George W. Bush, passando por Leonardo Da Vinci, Galileo e outros, lá estavam os números, os QIs. Não me custa acreditar que o Homem de Cro-magnon, ou a mulher de Neanderthal fossem mais inteligentes que a generalidade dos políticos do nosso tempo (e não apenas do já lendário Bush). Não obstante, custa-me a digerir a exactidão garantida dos cálculos, a cientificidade perfeita dos testes. Como é que eles testaram, por exemplo, o Homem de Cro-Magnon, não entendo. Viajaram no tempo? Fizeram uma projecção espectromagnética a partir dum neo-conservador?* Recorreram ao espiritismo? À arqueologia divinatória?
É certo que os cientistas são capazes de tudo e mais alguma coisa. Se conseguem datar o nascimento das estrelas, a distância em jardas daqui ao outro lado do Universo e o regime alimentar dos Buracos negros, mais facilmente calcularão o QI seja lá de quem fôr, vivo, morto ou contemporâneo.
Mas o meu cepticismo mantém-se. Tenho as minhas dúvidas. Sou casmurro e obstinado.
Até porque sei, de fonte segura, por leis, empírica e exaustivamente, infirmadas, que os únicos que têm um método comprovado -e mais que um método, um aparelho infalível e meticuloso-, são os portugueses actuais.
Nunca repararam? Por cá avalia-se o QI através do conta-quilómetros do automóvel. Parece que é infalível.
Os povos pioneiros são assim.
* Ressalvo que, neste caso, a margem de erro estatístico seria muito grande, resultando quase de certeza no QI dum chimpanzé com problemas cognitivos.
** Bem, talvez não sejam bem os únicos...Mas nós gostamos de puxar sempre a brasa à nossa sardinha!...
É certo que os cientistas são capazes de tudo e mais alguma coisa. Se conseguem datar o nascimento das estrelas, a distância em jardas daqui ao outro lado do Universo e o regime alimentar dos Buracos negros, mais facilmente calcularão o QI seja lá de quem fôr, vivo, morto ou contemporâneo.
Mas o meu cepticismo mantém-se. Tenho as minhas dúvidas. Sou casmurro e obstinado.
Até porque sei, de fonte segura, por leis, empírica e exaustivamente, infirmadas, que os únicos que têm um método comprovado -e mais que um método, um aparelho infalível e meticuloso-, são os portugueses actuais.
Nunca repararam? Por cá avalia-se o QI através do conta-quilómetros do automóvel. Parece que é infalível.
Os povos pioneiros são assim.
* Ressalvo que, neste caso, a margem de erro estatístico seria muito grande, resultando quase de certeza no QI dum chimpanzé com problemas cognitivos.
** Bem, talvez não sejam bem os únicos...Mas nós gostamos de puxar sempre a brasa à nossa sardinha!...
sexta-feira, abril 16, 2004
A ENTRADA É LIVRE E O CONSUMO NÃO É OBRIGATÓRIO
O "Barnabé" agora tem porteiro. Como no Kremlin. Não podem entrar nazis nem racistas. Mas podem entrar hipócritas. Aqui é ao contrário.
Porque o pior racismo e o pior nazismo não são os que saltam pela boca, mas aqueles que se aninham, mudos e venenosos, bem no fundo do coração.
Acerca disso, afixo, pois, aqui, integralmente, o que lá deixei escrito, em forma de comentário:
«Desculpem lá a heresia, mas...
Como, ultimamente, eu não consigo ver grande diferença entre nazis e Testemunhas de Bush, anti-semitas e semitólatras, criminosos e políticos, ladrões e administradores,(como já não discernia, no passado, grande diferença entre nazis e stalinistas), é meu dever dizer isto: No meu blog estou-me perfeitamente nas tintas para o credo e máscara de cada qual. Nazis, Stalinistas, racistas, anarquistas, sociopatas, Testemunhas de Jeová e do Bush, Fundamentalistas Islâmicos, Salazaristas, Fascistas, Marxistas -Leninistas, Maoistas, Utopistas furiosos, milenaristas, imperialistas, ladrões de bancos, absolutistas, solipsistas, esquizofrénicos, e até neo-liberais, comentem à vontade!...Prometo tentar compreender-vos. Não garanto que o consiga, mas enfim...
De tudo o que a raça humana produz, só há uma espécie que eu agradeço que nunca cá meta os pés: os HIPÓCRITAS.
E note-se que eu não sou um crente fervoroso da democracia, um papa-hóstias do templo sagrado da tolerância burguesa: prefiro acreditar no fundo humano que, apesar de tudo, existe no íntimo de cada qual. Como diria Sócrates, até quanto mais exótico mais interessante.
Se Deus existe, ele que vos julgue.»
Porque o pior racismo e o pior nazismo não são os que saltam pela boca, mas aqueles que se aninham, mudos e venenosos, bem no fundo do coração.
Acerca disso, afixo, pois, aqui, integralmente, o que lá deixei escrito, em forma de comentário:
«Desculpem lá a heresia, mas...
Como, ultimamente, eu não consigo ver grande diferença entre nazis e Testemunhas de Bush, anti-semitas e semitólatras, criminosos e políticos, ladrões e administradores,(como já não discernia, no passado, grande diferença entre nazis e stalinistas), é meu dever dizer isto: No meu blog estou-me perfeitamente nas tintas para o credo e máscara de cada qual. Nazis, Stalinistas, racistas, anarquistas, sociopatas, Testemunhas de Jeová e do Bush, Fundamentalistas Islâmicos, Salazaristas, Fascistas, Marxistas -Leninistas, Maoistas, Utopistas furiosos, milenaristas, imperialistas, ladrões de bancos, absolutistas, solipsistas, esquizofrénicos, e até neo-liberais, comentem à vontade!...Prometo tentar compreender-vos. Não garanto que o consiga, mas enfim...
De tudo o que a raça humana produz, só há uma espécie que eu agradeço que nunca cá meta os pés: os HIPÓCRITAS.
E note-se que eu não sou um crente fervoroso da democracia, um papa-hóstias do templo sagrado da tolerância burguesa: prefiro acreditar no fundo humano que, apesar de tudo, existe no íntimo de cada qual. Como diria Sócrates, até quanto mais exótico mais interessante.
Se Deus existe, ele que vos julgue.»
Profundo e breve
Este senhor chama-se Gabriel Frada, é psicólogo e sexólogo (soa interessante, hein?); diz ele: «Hoje acredita-se pouco no amor para toda a vida. Dominam ligações profundas, mas breves».
Deve ser à base de tiros e facadas, digo eu. Mais profundo e breve não há.
Aliás, com a fraca crença que pr'aí vai, a tendência é para a vida ficar como as relações: cada vez mais -não direi profunda-, mas breve.
Deve ser à base de tiros e facadas, digo eu. Mais profundo e breve não há.
Aliás, com a fraca crença que pr'aí vai, a tendência é para a vida ficar como as relações: cada vez mais -não direi profunda-, mas breve.
quinta-feira, abril 15, 2004
A MUTILAÇÃO DAS PALAVRAS
Eu já elucubrei sobre esta questão, mas como o dia se aproxima, volto agora à vaca fria. Que, diga-se, até está cada vez mais quente.
Pois, a mutilação das palavras. A castração da Revolução.
Para começar, uma declaração de princípio: num regime de cleptocratas, não me admira que fanem coisas, e até os "erres".
Foi o "erre" como podia ter sido o "vê", ou o "éle", ou até a desgraçada da "cedilha". Os resultados, os efeitos alegóricos, basta conferir. Ia dar ao mesmo.
Protesto, todavia, contra a arbitrariedade, o mais que evidente capricho. Se gamaram o "erre" à revolução, porque não palmaram também o "erre" ao Abril. Ao menos, para equilibrar. Distribuíam o mal pelas aldeias. Até ficava mais adequado. Reparem:
"Abil é evolução"
O 25 de Abril foi o que foi. Como Aljubarrota, Alcácer-Quibir, ou a Restauração. É uma parte da nossa história. Podem celebrá-la ou não. Fazer dela feriado ou não. O que não podem é cuspir no próprio passado. Bem, pelos vistos podem. Mas não deveriam.
Se a ideia peregrina, a esperteza saloia, era achincalhar e resolver rancores mal digeridos, ao menos, deviam ser coerentes, justiceiros: iam a todas as datas pretéritas e mutilavam com equidistância e jurisprudência retroactiva. Pois, se a Revolução, que foi há 30 anos, é forçoso que evolua, dizem, então que dizer da República que foi há quase 100 ou da Restauração que já passaram mais de trezentos?!... Arrear-lhes também os "erres" era o mínimo, caramba. Temos andado pr'aqui a comemorar fósseis anquilosados!
Atentem nas vantagens: No Primeiro de Dezembro passava a comemorar-se a Estauração, no 5 de Outubro a Epública e no 10 de Junho, à falta de "R" marchava o "P", que até é parecido, e ficava o dia de Ortugal.
Assim sim, assim é que era uma evolução pegada. Durante todo o ano. Evoluíamos não só em Abril, mas também em Junho, Outubro e Dezembro. Nunca parávamos de evoluir. Em vez de evoluir ao ano, evoluíamos ao trimestre
Mas não. O óbvio e o justo não lhes interessa. A lógica são batatas.
Enfim, porque carga de água se lembraram de marrar unilateralmente no 25 de Abril, só me ocorre uma explicação: a irresistível e desembestante atracção do vermelho...
Pois, a mutilação das palavras. A castração da Revolução.
Para começar, uma declaração de princípio: num regime de cleptocratas, não me admira que fanem coisas, e até os "erres".
Foi o "erre" como podia ter sido o "vê", ou o "éle", ou até a desgraçada da "cedilha". Os resultados, os efeitos alegóricos, basta conferir. Ia dar ao mesmo.
Protesto, todavia, contra a arbitrariedade, o mais que evidente capricho. Se gamaram o "erre" à revolução, porque não palmaram também o "erre" ao Abril. Ao menos, para equilibrar. Distribuíam o mal pelas aldeias. Até ficava mais adequado. Reparem:
"Abil é evolução"
O 25 de Abril foi o que foi. Como Aljubarrota, Alcácer-Quibir, ou a Restauração. É uma parte da nossa história. Podem celebrá-la ou não. Fazer dela feriado ou não. O que não podem é cuspir no próprio passado. Bem, pelos vistos podem. Mas não deveriam.
Se a ideia peregrina, a esperteza saloia, era achincalhar e resolver rancores mal digeridos, ao menos, deviam ser coerentes, justiceiros: iam a todas as datas pretéritas e mutilavam com equidistância e jurisprudência retroactiva. Pois, se a Revolução, que foi há 30 anos, é forçoso que evolua, dizem, então que dizer da República que foi há quase 100 ou da Restauração que já passaram mais de trezentos?!... Arrear-lhes também os "erres" era o mínimo, caramba. Temos andado pr'aqui a comemorar fósseis anquilosados!
Atentem nas vantagens: No Primeiro de Dezembro passava a comemorar-se a Estauração, no 5 de Outubro a Epública e no 10 de Junho, à falta de "R" marchava o "P", que até é parecido, e ficava o dia de Ortugal.
Assim sim, assim é que era uma evolução pegada. Durante todo o ano. Evoluíamos não só em Abril, mas também em Junho, Outubro e Dezembro. Nunca parávamos de evoluir. Em vez de evoluir ao ano, evoluíamos ao trimestre
Mas não. O óbvio e o justo não lhes interessa. A lógica são batatas.
Enfim, porque carga de água se lembraram de marrar unilateralmente no 25 de Abril, só me ocorre uma explicação: a irresistível e desembestante atracção do vermelho...
quarta-feira, abril 14, 2004
O AUTOMÓVEL É UMA ARMA?...
Era no "Opinião Pública", na SIC Notícias. Debatia-se o massacre rodoviário da última Páscoa. Telefona um ilustre concidadão nosso e rompe com este belo conceito: "Um carro é uma arma".
Como marketing, funcionou. Pespeguei-lhe logo com toda a minha atenção.
O seu raciocínio não me desiludiu: a seguir à arma, veio um exército. De argumentos putativos, a hoste. Por causa da arma, dizia ele, não se devia passar licença (vulgo carta de condução) a qualquer um; se calhar, até era aconselhável criar-se uma licenciatura (quiçá um mestrado, um doutoramento honoris, porque não?, isto já era eu a meter veneno, pra com os meus botões...) Se nem todos podemos ser doutores, prosseguia ele, também não se justifica que todos possamos ter acesso à condução automóvel: mas apenas aqueles que se licenciassem na condução, ou sejam, os doutores. Por conseguinte, depreendi, nem todos podemos ser doutores e só os doutores deveriam conduzir. E assim se resolvia o problema. Imune à tautologia, pus-me a pensar...
Bem, eu não sei se um carro é uma arma. Mas que grande parte dos portugueses o usa dessa maneira - isto é, para se armar e, sobretudo, para se armar em parvo, ao pingarelho, em urso e quejandos -, tenho que confessá-lo: é um facto.
Depois, se sendo arma justifica, mais que uma licença de condução, uma licença de porte de arma, é capaz de ter lógica. Há severos indícios que, de facto, o português médio não usa o carro como meio de transporte, mas como meio de mau porte e até de passaporte. Ou seja: não é o carro que o leva, mas ele que leva o carro e, não raramente, o diabo que os leva aos dois.
Que, todavia, se deva passar da licença à licenciatura, já me parece um exagero. Na realidade, para além de ilustrar tanto uma pato-bravura impante quanto uma burrocracia atávica, tão próprias às colheitas mentais desta nossa época, não me parece que adiantasse grande coisa. Se os doutores fossem tão bons na condução de carros, como são na condução do país e dos assuntos do estado, é caso pra dizer que passávamos, seguramente, do massacre ao genocídio, da licença à licenciosidade.
Até dou de boamente a probabilidade de poderem vir a haver menos colisões entre veículos (até porque, graças ao esforço elitista, haveriam muito menos condutores na estrada). Mas, garanto-vos, já o atropelamento de peões, esse, disparava. Em vez da caça à multa, era a caça ao peão.
E, por incrível que pareça, morriam todos de causas naturais, ou lamentáveis acidentes..
Era estilo 007, acreditem: a licença para conduzir passava a licença para matar.
Como marketing, funcionou. Pespeguei-lhe logo com toda a minha atenção.
O seu raciocínio não me desiludiu: a seguir à arma, veio um exército. De argumentos putativos, a hoste. Por causa da arma, dizia ele, não se devia passar licença (vulgo carta de condução) a qualquer um; se calhar, até era aconselhável criar-se uma licenciatura (quiçá um mestrado, um doutoramento honoris, porque não?, isto já era eu a meter veneno, pra com os meus botões...) Se nem todos podemos ser doutores, prosseguia ele, também não se justifica que todos possamos ter acesso à condução automóvel: mas apenas aqueles que se licenciassem na condução, ou sejam, os doutores. Por conseguinte, depreendi, nem todos podemos ser doutores e só os doutores deveriam conduzir. E assim se resolvia o problema. Imune à tautologia, pus-me a pensar...
Bem, eu não sei se um carro é uma arma. Mas que grande parte dos portugueses o usa dessa maneira - isto é, para se armar e, sobretudo, para se armar em parvo, ao pingarelho, em urso e quejandos -, tenho que confessá-lo: é um facto.
Depois, se sendo arma justifica, mais que uma licença de condução, uma licença de porte de arma, é capaz de ter lógica. Há severos indícios que, de facto, o português médio não usa o carro como meio de transporte, mas como meio de mau porte e até de passaporte. Ou seja: não é o carro que o leva, mas ele que leva o carro e, não raramente, o diabo que os leva aos dois.
Que, todavia, se deva passar da licença à licenciatura, já me parece um exagero. Na realidade, para além de ilustrar tanto uma pato-bravura impante quanto uma burrocracia atávica, tão próprias às colheitas mentais desta nossa época, não me parece que adiantasse grande coisa. Se os doutores fossem tão bons na condução de carros, como são na condução do país e dos assuntos do estado, é caso pra dizer que passávamos, seguramente, do massacre ao genocídio, da licença à licenciosidade.
Até dou de boamente a probabilidade de poderem vir a haver menos colisões entre veículos (até porque, graças ao esforço elitista, haveriam muito menos condutores na estrada). Mas, garanto-vos, já o atropelamento de peões, esse, disparava. Em vez da caça à multa, era a caça ao peão.
E, por incrível que pareça, morriam todos de causas naturais, ou lamentáveis acidentes..
Era estilo 007, acreditem: a licença para conduzir passava a licença para matar.
terça-feira, abril 13, 2004
SALA DE CONTRA-CHUTO - 1
Já não nos bastava o alcoolismo, as farmácias, as religiões, o futebol, a TVI e a toxicodependência nas drogas duras, para nos devastarem a juventude. Agora irrompeu também a toxicodependência nas drogas hiperduras, que resulta na auto-lobotomia por meios de quimioretórica e súciopolítica. A mais destrutiva delas é a neopanglossina, mixórdia ultrassintética capaz de torrar os neurónios e queimar as sinapses a um monge de Shaolin, em menos de duas doses ou inoculações. São fáceis de reconhecer, estes super-junkies: Os sintomas são uma crença parola e deslavada no melhor dos mundos possível, e que esse mundo fica nos Estados Unidos da América. Entranha-se de tal modo no puré mental do drogado que nem que um B52 lhe venha despejar bombas em cima, ele continua a jurar a pés juntos que melhor mundo não há.
Para tentar atenuar socialmente tão nefastos efeitos e contribuir para uma profilaxia desse vício corrosivo, decidimos criar, aqui, no Dragoscópio, uma sala de Contra-chuto (para contrapor às inúmeras salas de chuto que pululam na blogosfera).
Assim, para a nossa primeira sessão, escolhemos uma transcrição do "The Guardian".Diz assim:
«On the other hand, America has eight million people with no job, 40 million individuals with no health insurance, 35 million living below the poverty line, and a population that exists mainly on junk food.»
Isto é, e passo a traduzir: O paraíso, afinal, tem 8 milhões de desempregados, 40 milhões de pessoas sem apoio médico, 35 milhões de miseráveis e a população inteira, de 200 e tal milhões, a nutrir-se à base de porcarias. E a beber limpa-canos.
Não perca o próximo episódio.
Para tentar atenuar socialmente tão nefastos efeitos e contribuir para uma profilaxia desse vício corrosivo, decidimos criar, aqui, no Dragoscópio, uma sala de Contra-chuto (para contrapor às inúmeras salas de chuto que pululam na blogosfera).
Assim, para a nossa primeira sessão, escolhemos uma transcrição do "The Guardian".Diz assim:
«On the other hand, America has eight million people with no job, 40 million individuals with no health insurance, 35 million living below the poverty line, and a population that exists mainly on junk food.»
Isto é, e passo a traduzir: O paraíso, afinal, tem 8 milhões de desempregados, 40 milhões de pessoas sem apoio médico, 35 milhões de miseráveis e a população inteira, de 200 e tal milhões, a nutrir-se à base de porcarias. E a beber limpa-canos.
Não perca o próximo episódio.
O FUTURO DESTE PAÍS
A minha tese é simples: Portugal tem futuro. Mais: Um futuro que pode ser radiante.
Já sei que me vão falar da pedofilia, do mongolóidismo governamental, do saque sem vergonha das grandes empresas públicas, da corrupção na Procuradoria, da alienação presidencial, do autismo ministerial, da pimbofilia popular, da alarvidade triunfante, da desinteria televisiva, da prostituição jornalística, da analfabrutice educativa, da sabujice, do nepotismo, etc, etc (ficávamos aqui o dia todo e desbobinar...)
E, não obstante, tudo isso, todas essas realidades eloquentes, para a minha tese, não são objecções, mas reforços. Provas universais da sua excelência.
Basta que eu vos ilumine um pouco mais sobre os requintes da minha receita mágica, basta que eu complete o meu tremendo raciocínio, e eis-vos de cara a banda e banzados de todo .
Pois, meus amigos, registai: O nosso futuro resume-se numa palavra: SUINICULTURA.
E não é mais que uma dinamização rentabilizada e pragmática do presente. Não são precisas revoluções nem reformas: basta que nos assumamos tal qual somos, duma vez por todas e sem falsas modéstias.
Maravilhoso, não é?!...Que vos dizia eu!...
Esta ovinicultura contra-natura e ancestral não nos leva a lado nenhum.
Já sei que me vão falar da pedofilia, do mongolóidismo governamental, do saque sem vergonha das grandes empresas públicas, da corrupção na Procuradoria, da alienação presidencial, do autismo ministerial, da pimbofilia popular, da alarvidade triunfante, da desinteria televisiva, da prostituição jornalística, da analfabrutice educativa, da sabujice, do nepotismo, etc, etc (ficávamos aqui o dia todo e desbobinar...)
E, não obstante, tudo isso, todas essas realidades eloquentes, para a minha tese, não são objecções, mas reforços. Provas universais da sua excelência.
Basta que eu vos ilumine um pouco mais sobre os requintes da minha receita mágica, basta que eu complete o meu tremendo raciocínio, e eis-vos de cara a banda e banzados de todo .
Pois, meus amigos, registai: O nosso futuro resume-se numa palavra: SUINICULTURA.
E não é mais que uma dinamização rentabilizada e pragmática do presente. Não são precisas revoluções nem reformas: basta que nos assumamos tal qual somos, duma vez por todas e sem falsas modéstias.
Maravilhoso, não é?!...Que vos dizia eu!...
Esta ovinicultura contra-natura e ancestral não nos leva a lado nenhum.
segunda-feira, abril 12, 2004
FUNERÁRIA CARDOSO & CUNHA - Grandes enterros, passamentos empresariais.
De há uns anos a esta parte, desenvolveu-se, no âmbito da ciência económica portuguesa, um conceito a todos o títulos notável, que quase poderíamos taxar de revolucionário: o "cangalheiro empresarial".
Ora, é sabido que as empresas, no nosso país, regra geral, são totalmente inúteis e aberrantes. Constituem desperdícios redundantes de investimentos e sinergias; sorvedouros de paciência e capitais; antros de ronha e conspiração sindical. Conseguem mesmo um somatório ímpar de desqualificações: não dão emprego, não dão lucro, não produzem, não pagam impostos e recebem subsídios.
Se são públicas move-as o espírito norteador de espoliar o mais possível os contribuintes; se são privadas orienta-as a vocação reiterada de parasitarem sistematicamente as públicas. Só parece o caos para quem nunca conheceu África.
Além disso, é preciso que se diga, as empresas portuguesas reflectem cristalinamente os empresários. Tão aberrantes quanto aquelas, estes, emergem, sumptuosos, polvilhados duma constelação de inépcias: não gerem, não investem, não trabalham, não pagam, não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe.
A economia portuguesa só tem, básicamente, uma lei (que funciona ao mesmo tempo como axioma fundamental): uma empresa não deve dar lucro.
Derivado deste axioma, surgem dois corolários:
As empresas privadas, jamais, em tempo algum, dão lucro.
As empresas públicas só dão prejuízo.
Daqui resulta uma subtileza -de índole liberal-, ultimamente muito acarinhada pelos génios da economia:
As empresas públicas que só dão prejuízo devem ser privatizadas que é para não darem lucros. Segundo eles, há uma diferença abissal entre "só dar prejuízo" e "não dar lucro".
Acontece que, um dia destes, aconteceu o impensável: uma empresa pública teve a desfaçatez de dar lucro - crime supremo de lesa dogma e atentado terrorista à economia.
Não era a primeira vez que tal acontecia, mas, nesta altura do campeonato, quando já se tinha privatizado quase tudo, a coisa caíu muito mal. Como uma bomba. É difícil de imaginar pior ofensa à economia portuguesa, aos nossos governantes e administradores.
Ora, sempre que tal cataclismo acontece, é nomeado de emergência, ou vê reforçados os seus poderes sacerdotais, nem mais nem menos que o tal "cangalheiro empresarial". A sua missão torna-se então urgente e prioritária. Compete-lhe debelar o cancro; liquidar a todo o custo a hedionda erupção. Antes que o mau exemplo alastre.
É assim que o Engº Cardoso e Cunha, espécie de super-cangalheiro, campeão invicto da ordem, irrompe. Sabe, melhor que ninguém, qual é a sua missão:
a) Pôr a TAP a funcionar como uma empresa pública (ou seja, a só dar prejuízo);
b) Privatizá-la. Para que deixe de dar prejuízo e passe a não dar lucro.
Ora, é sabido que as empresas, no nosso país, regra geral, são totalmente inúteis e aberrantes. Constituem desperdícios redundantes de investimentos e sinergias; sorvedouros de paciência e capitais; antros de ronha e conspiração sindical. Conseguem mesmo um somatório ímpar de desqualificações: não dão emprego, não dão lucro, não produzem, não pagam impostos e recebem subsídios.
Se são públicas move-as o espírito norteador de espoliar o mais possível os contribuintes; se são privadas orienta-as a vocação reiterada de parasitarem sistematicamente as públicas. Só parece o caos para quem nunca conheceu África.
Além disso, é preciso que se diga, as empresas portuguesas reflectem cristalinamente os empresários. Tão aberrantes quanto aquelas, estes, emergem, sumptuosos, polvilhados duma constelação de inépcias: não gerem, não investem, não trabalham, não pagam, não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe.
A economia portuguesa só tem, básicamente, uma lei (que funciona ao mesmo tempo como axioma fundamental): uma empresa não deve dar lucro.
Derivado deste axioma, surgem dois corolários:
As empresas privadas, jamais, em tempo algum, dão lucro.
As empresas públicas só dão prejuízo.
Daqui resulta uma subtileza -de índole liberal-, ultimamente muito acarinhada pelos génios da economia:
As empresas públicas que só dão prejuízo devem ser privatizadas que é para não darem lucros. Segundo eles, há uma diferença abissal entre "só dar prejuízo" e "não dar lucro".
Acontece que, um dia destes, aconteceu o impensável: uma empresa pública teve a desfaçatez de dar lucro - crime supremo de lesa dogma e atentado terrorista à economia.
Não era a primeira vez que tal acontecia, mas, nesta altura do campeonato, quando já se tinha privatizado quase tudo, a coisa caíu muito mal. Como uma bomba. É difícil de imaginar pior ofensa à economia portuguesa, aos nossos governantes e administradores.
Ora, sempre que tal cataclismo acontece, é nomeado de emergência, ou vê reforçados os seus poderes sacerdotais, nem mais nem menos que o tal "cangalheiro empresarial". A sua missão torna-se então urgente e prioritária. Compete-lhe debelar o cancro; liquidar a todo o custo a hedionda erupção. Antes que o mau exemplo alastre.
É assim que o Engº Cardoso e Cunha, espécie de super-cangalheiro, campeão invicto da ordem, irrompe. Sabe, melhor que ninguém, qual é a sua missão:
a) Pôr a TAP a funcionar como uma empresa pública (ou seja, a só dar prejuízo);
b) Privatizá-la. Para que deixe de dar prejuízo e passe a não dar lucro.
BIG FATHER
«Empresa quer fazer Big Brother em Marte»
Excelente ideia!
Mas eu tenho outras três ainda mais interessantes, pelo menos para nós, portugueses... Imaginem só o furor mediático que não fariam, o record de audiências, em directo de Marte:
1. O Conselho de Ministros
2. A Assembleia da República
3. (A melhor de todas) Uma presidência aberta do Gorge Sampaio, em arengas xaroposas aos calhaus indígenas.
Como é que eu não me lembrei disto há mais tempo?!...
Se alguém lesse este blog, eu até estava capaz de deixar as ideias (1, 2 e 3) à votação....
Excelente ideia!
Mas eu tenho outras três ainda mais interessantes, pelo menos para nós, portugueses... Imaginem só o furor mediático que não fariam, o record de audiências, em directo de Marte:
1. O Conselho de Ministros
2. A Assembleia da República
3. (A melhor de todas) Uma presidência aberta do Gorge Sampaio, em arengas xaroposas aos calhaus indígenas.
Como é que eu não me lembrei disto há mais tempo?!...
Se alguém lesse este blog, eu até estava capaz de deixar as ideias (1, 2 e 3) à votação....
domingo, abril 11, 2004
ESCUMALHA
O discurso duma pseudo-direita que conspurca o mundo -e digo "pseudo" porque, de facto, escumalha é escumalha, não tem credo, nem coerência, nem ideologia-, é um discurso puramente velhaco, em tudo decalcado do lobo da fábula diante do cordeiro estupefacto. Mais que justificar ou legitimar uma acção, procura pretextos. Nem sofística é, mas puro exercício de brutalidade e aleivosia. Arrogância voraz no seu estado mais primitivo.
Da administração Bush aos seus papagaios louros semeados por esse mundo (especialmente zurrantes e chusmabundos aqui no burgo), a retórica não varia, o coro é uníssono e hitleriano: a razão e a realidade vão de rojo, a reboque dos apetites.
Da administração Bush aos seus papagaios louros semeados por esse mundo (especialmente zurrantes e chusmabundos aqui no burgo), a retórica não varia, o coro é uníssono e hitleriano: a razão e a realidade vão de rojo, a reboque dos apetites.
AS BOAS CONTAS
Rezam as crónicas que nestes últimos dias, de intensa democratização, no Iraque, só em Fallujah, os missionários americanos terão convertido definitivamente para cima de 400 Iraquianos. Sendo um serviço urgente, expresso, como manda a "american way of life", o baptismo coincidiu com a ascenção imediata ao céu. Fast-evangelização, pois é. Very, very fast. Claro que os alarmistas e maledicentes se puseram logo, num grande despautério, a clamar que eles tinham morto 400 civis, despejando-lhes em cima com todo o calibre de bombas, granadas e munições.
É não compreender a missão salvífica daqueles galhardos rapazes. E é teimar numa perspectiva pessimista e catastrófica dos feitos.
Afinal, temos que passar a abordar a campanha dum modo mais construtivo. Especialmente, na forma como se elaboram as notícias...
Por exemplo, neste caso: em vez de dizer que foram massacrados 400 índios - perdão, Iraquianos-, devemos optar por relatar que após doze meses de operações, ainda existem cerca de 22 milhões de Iraquianos vivos.
E se, durante a próxima semana, falecerem mais mil, convém que se diga: "sobrevivem (ou faltam) ainda 22 milhões, novecentos e noventa e nove mil".
E assim sucessivamente.
Sem esquecer que os mutilados contam como vivos.
Para efeitos de contabilidade.
É não compreender a missão salvífica daqueles galhardos rapazes. E é teimar numa perspectiva pessimista e catastrófica dos feitos.
Afinal, temos que passar a abordar a campanha dum modo mais construtivo. Especialmente, na forma como se elaboram as notícias...
Por exemplo, neste caso: em vez de dizer que foram massacrados 400 índios - perdão, Iraquianos-, devemos optar por relatar que após doze meses de operações, ainda existem cerca de 22 milhões de Iraquianos vivos.
E se, durante a próxima semana, falecerem mais mil, convém que se diga: "sobrevivem (ou faltam) ainda 22 milhões, novecentos e noventa e nove mil".
E assim sucessivamente.
Sem esquecer que os mutilados contam como vivos.
Para efeitos de contabilidade.
sábado, abril 10, 2004
REDUNDÂNCIA HOSPITALAR
A Ordem dos Médicos está alarmada. Os seus sócios anestesistas podem estar a ficar traumatizados. Multiplicam-se os óbitos inexplicáveis, por via de anestesias misteriosas no decurso de cirurgias elementares. Os pacientes apagam-se, teimam em não acordar. É incompreensível. E traumatizante. Por este andar, garante o presidente da secção Sul da Ordem, ninguém vai querer ir para anestesista. Começa a ser um cargo de muita responsabilidade. Bem, a não ser que se aumentem os salários e os dias de férias, refere lateralmente.
Podíamos até começar a suspeitar duma espécie de greve de zelo por parte dos médicos anestesistas, estilo: "adormecemo-los, mas não os acordamos". Eu todavia, não julgo que seja essa a razão. Tenho mesmo quase a certeza.
A razão, quanto a mim, é outra. Chama-se "Redundância".
É como vos digo: nem negligência, nem reivindicação - Redundância, pura e simples.
Reparem: actualmente, em termos psíquicos, os portugueses podem ser divididos em três classes gerais - embrutecidos, anestesiados e lobotomizados.
Ora, ao não existir um método eficaz de diagnóstico complementar e triagem efectiva à entrada do hospital (como, tudo o indica, não existe), pode dar-se o caso de acabarem por ministrar anestesia a um paciente que já está anestesiado. É redundante. E, naturalmente, fatal. De semi-morto ou morto-vivo é mais que certo que fica morto apenas, num instante.
Felizmente que os anestesiados são apenas uma minoria.
Podíamos até começar a suspeitar duma espécie de greve de zelo por parte dos médicos anestesistas, estilo: "adormecemo-los, mas não os acordamos". Eu todavia, não julgo que seja essa a razão. Tenho mesmo quase a certeza.
A razão, quanto a mim, é outra. Chama-se "Redundância".
É como vos digo: nem negligência, nem reivindicação - Redundância, pura e simples.
Reparem: actualmente, em termos psíquicos, os portugueses podem ser divididos em três classes gerais - embrutecidos, anestesiados e lobotomizados.
Ora, ao não existir um método eficaz de diagnóstico complementar e triagem efectiva à entrada do hospital (como, tudo o indica, não existe), pode dar-se o caso de acabarem por ministrar anestesia a um paciente que já está anestesiado. É redundante. E, naturalmente, fatal. De semi-morto ou morto-vivo é mais que certo que fica morto apenas, num instante.
Felizmente que os anestesiados são apenas uma minoria.
sexta-feira, abril 09, 2004
AS PERGUNTAS...
Não sou pessoa de religião e muito menos de igrejas, mas penso, creio firmemente, que hoje se assinala a morte dum homem justo.
No relato dessa morte, assombram-nos ainda hoje as perguntas. Sobretudo as perguntas. Especialmente a da multidão e a de Pilatos - "Se salvaste os outros, porque te não salvas a ti próprio?"; "o que é a verdade?"
Em verdade vos digo, se eu valesse um grão de poeira das sandálias desse homem talvez me arriscasse a responder...
Não se salvou a ele porque não precisou: era, provavelmente, o único que não andava perdido. Quanto à verdade, crucificaram-na, naquele dia trágico, há mais de 2000 anos. Tal qual continuamos a crucificá-la ainda hoje. Com as mesmas mãos de carrasco, os mesmas línguas de cobra e os mesmos corações de pedra de então.
No relato dessa morte, assombram-nos ainda hoje as perguntas. Sobretudo as perguntas. Especialmente a da multidão e a de Pilatos - "Se salvaste os outros, porque te não salvas a ti próprio?"; "o que é a verdade?"
Em verdade vos digo, se eu valesse um grão de poeira das sandálias desse homem talvez me arriscasse a responder...
Não se salvou a ele porque não precisou: era, provavelmente, o único que não andava perdido. Quanto à verdade, crucificaram-na, naquele dia trágico, há mais de 2000 anos. Tal qual continuamos a crucificá-la ainda hoje. Com as mesmas mãos de carrasco, os mesmas línguas de cobra e os mesmos corações de pedra de então.
PORTUGUESES, VOADORES, NÃO-IDENTIFICADOS
As Eurosondagens são esclarecedoras:
Os portugueses não estão preocupados com atentados terroristas; não os incomoda essa hipótese; e mais acrescentam que caso essa desgraça acontecesse os serviços de socorro, de certeza, não estariam preparados para reagir.
Eu já expliquei várias vezes neste blog porque é que os portugueses não têm medo, nem os presumíveis terroristas têm interesse numa joint venture trágica. Recordo: Com os políticos, empresários e jornalistas que por aqui campeiam (pra já não falar nos artistas e cantores pimba), é difícil que qualquer terrorista de importação consiga granjear grande notoriedade. O produto interno, a tecnologia de ponta cá do burgo, não lhe dá a mínima hipótese, desencoraja-o logo à partida
Mas nestas sondagens ora anunciadas acresce mais um pormenor significativo: a época do calendário em que foram feitas. Ou seja, em vésperas dum fim de semana prolongado, com céu azul e tolerância de ponto. Precisamente nesse momento crucial em que uma miríade de portugueses, pacatos chefes de família - mal se encarcerem nas respectivas viaturas com vários telemóveis e os mais insondáveis desígnios-, estão prestes a transformar-se, eles próprios, em terroristas. Corrijo: Super-terroristas.
Sim, porque tal qual o Super-homem tinha a cabine telefónica, nós temos o carro. O carro-telefónico. No resto é o decalque perfeito: também entramos feitos desvalidos cidadãos; adquirimos, num ápice, super-poderes fabulosos; e saímos em voos supersónicos. Verdadeiros POVNIs -portugueses, voadores, não identificados. Especialmente as crianças, imagine-se...
Só é pena que, às tragédias (e ao contrário do Super-Homem), nos fascine mais provocá-las que impedi-las... Mas isso são pintelhices.
Os portugueses não estão preocupados com atentados terroristas; não os incomoda essa hipótese; e mais acrescentam que caso essa desgraça acontecesse os serviços de socorro, de certeza, não estariam preparados para reagir.
Eu já expliquei várias vezes neste blog porque é que os portugueses não têm medo, nem os presumíveis terroristas têm interesse numa joint venture trágica. Recordo: Com os políticos, empresários e jornalistas que por aqui campeiam (pra já não falar nos artistas e cantores pimba), é difícil que qualquer terrorista de importação consiga granjear grande notoriedade. O produto interno, a tecnologia de ponta cá do burgo, não lhe dá a mínima hipótese, desencoraja-o logo à partida
Mas nestas sondagens ora anunciadas acresce mais um pormenor significativo: a época do calendário em que foram feitas. Ou seja, em vésperas dum fim de semana prolongado, com céu azul e tolerância de ponto. Precisamente nesse momento crucial em que uma miríade de portugueses, pacatos chefes de família - mal se encarcerem nas respectivas viaturas com vários telemóveis e os mais insondáveis desígnios-, estão prestes a transformar-se, eles próprios, em terroristas. Corrijo: Super-terroristas.
Sim, porque tal qual o Super-homem tinha a cabine telefónica, nós temos o carro. O carro-telefónico. No resto é o decalque perfeito: também entramos feitos desvalidos cidadãos; adquirimos, num ápice, super-poderes fabulosos; e saímos em voos supersónicos. Verdadeiros POVNIs -portugueses, voadores, não identificados. Especialmente as crianças, imagine-se...
Só é pena que, às tragédias (e ao contrário do Super-Homem), nos fascine mais provocá-las que impedi-las... Mas isso são pintelhices.
quinta-feira, abril 08, 2004
Barbárie
«Avião dos EUA bombardeou uma mesquita»
É uma escalada na barbárie. Chegou-se àquela fase em que já nem se poupam os templos religiosos. Adivinham-se retaliações simétricas dos muçulmanos. Cinemas e hamburguerias Macdonnalds candidatam-se, doravante, a experimentar as agruras escaqueirantes da represália.
PS: Eu já lá não vou há anos; mas agora é que nunca mais lá ponho os pés!...
É uma escalada na barbárie. Chegou-se àquela fase em que já nem se poupam os templos religiosos. Adivinham-se retaliações simétricas dos muçulmanos. Cinemas e hamburguerias Macdonnalds candidatam-se, doravante, a experimentar as agruras escaqueirantes da represália.
PS: Eu já lá não vou há anos; mas agora é que nunca mais lá ponho os pés!...
quarta-feira, abril 07, 2004
NOMEAÇÕES
«GOVERNO FAZ 2.824 NOMEAÇÕES EM DOIS ANOS »
É obra.
Mas não julguem que se ficam a rir. A generalidade do povo português também não se cansou de nomear os membros do governo. Com epítetos e mimos que vão desde o vulgar "incompetentes do car****!", até ao recorrente "FDPs". Não sei, exactamente, se terão atingido as 2.824 nomeações governamentais, mas decerto não andaram longe. E a cada dia novas nomeações eclodem. De parte a parte. É um despique renhido.
É obra.
Mas não julguem que se ficam a rir. A generalidade do povo português também não se cansou de nomear os membros do governo. Com epítetos e mimos que vão desde o vulgar "incompetentes do car****!", até ao recorrente "FDPs". Não sei, exactamente, se terão atingido as 2.824 nomeações governamentais, mas decerto não andaram longe. E a cada dia novas nomeações eclodem. De parte a parte. É um despique renhido.
O MÉTODO BARROSIANO
Finalmente, ficamos a saber qual o método governativo do actual Primeiro Ministro. Dissolvam-se os rumores, cada vez mais insistentes e fundamentados, que apontavam para a inexistência do mesmo. Graças ao inefável Luís (Intestino) Delgado, vidente superlativo, foi-nos revelado o mistério. Diz ele, no tom sibilino que o caracteriza ( e Deus lhe pague por mais esta pérola):
«Durão Barroso tem uma característica especial: acha que o tempo resolve tudo, ou quase tudo, sem que seja necessário uma intervenção sua (...)»
O Tempo, meus amigos, esse prodígio miraculoso. Bem que nós suspeitávamos de que isto ia tudo ao sabor da meteorologia!...
Agora reparem na eficácia ímpar deste método:
a) Nos Incêndios estivais.
Rompem as labaredas, devorando matas, casarios e lugarejos...Basta aguardar, deixar passar o tempo, até que as chamas se cansem e, sem mais matéria para arder, se apaguem tranquilamente.
b) Nas pontes e outras infraestruturas viárias.
É só esperar que o tempo as processe, as vá mordiscando aos poucos, até que ruam. Depois é só dar tempo ao tempo, até que o processo crie bolor nos tribunais e qualquer tragédia se dissipe no esquecimento.
c) No desemprego.
Nada como o tempo, o desfilar monótono das horas, dos dias, dos meses, dos anos, para ir conformando os desempregados à sua sorte. Paulatinamente, a doença, a depressão, o desespero, a fome, o suicídio, a prostituição, o crime, a emigração vão resolvendo o assunto e desertando as fileiras.
d) No País em geral.
Mais uma vez, é tudo uma questão de tempo: deixar que as televisões funcionem, os media debitem, as escolas adestrem, o veneno actue, a resignação alastre e a corrupção reine. Isso e as leis do mercado.
Governar, assim, nesta óptica liberal, é sinónimo de não intervir. Por isso, Durão Barroso não intervém, assiste; não conduz, abdica das rédeas; não decide, abstem-se, deixa andar. Está lá, não para exercer, mas para impedir que alguém lá esteja. Está lá como Guterres esteve, mas ainda mais nulo que Guterres. Está lá, repete-se, não para governar, mas para manter o país ingovernável, num limbo de adiamento sine die. Não governa, desgoverna. Eunuco, limita-se a estar de guarda; neo-cafre, refugia-se no animismo mercantil e confia no tempo, ou melhor, na Natureza soberana e em que esta siga o seu rumo e consume as suas leis.
Enfim, é um método excelente num país em decomposição, numa sociedade a putrefazer-se. Onde, para usufruto de canibais beatos, o oportunismo coincide, cada vez mais, com a necrofagia.
E para aqueles que se vinham preocupando com a eventual ausência de método no Primeiro Ministro, tranquilizem-se: o PM tem um claro e respeitável método; o país, esse, é que, coitado, há muito que não tem Primeiro-Ministro. Quer dizer: Pelo menos um com eles no sítio.
«Durão Barroso tem uma característica especial: acha que o tempo resolve tudo, ou quase tudo, sem que seja necessário uma intervenção sua (...)»
O Tempo, meus amigos, esse prodígio miraculoso. Bem que nós suspeitávamos de que isto ia tudo ao sabor da meteorologia!...
Agora reparem na eficácia ímpar deste método:
a) Nos Incêndios estivais.
Rompem as labaredas, devorando matas, casarios e lugarejos...Basta aguardar, deixar passar o tempo, até que as chamas se cansem e, sem mais matéria para arder, se apaguem tranquilamente.
b) Nas pontes e outras infraestruturas viárias.
É só esperar que o tempo as processe, as vá mordiscando aos poucos, até que ruam. Depois é só dar tempo ao tempo, até que o processo crie bolor nos tribunais e qualquer tragédia se dissipe no esquecimento.
c) No desemprego.
Nada como o tempo, o desfilar monótono das horas, dos dias, dos meses, dos anos, para ir conformando os desempregados à sua sorte. Paulatinamente, a doença, a depressão, o desespero, a fome, o suicídio, a prostituição, o crime, a emigração vão resolvendo o assunto e desertando as fileiras.
d) No País em geral.
Mais uma vez, é tudo uma questão de tempo: deixar que as televisões funcionem, os media debitem, as escolas adestrem, o veneno actue, a resignação alastre e a corrupção reine. Isso e as leis do mercado.
Governar, assim, nesta óptica liberal, é sinónimo de não intervir. Por isso, Durão Barroso não intervém, assiste; não conduz, abdica das rédeas; não decide, abstem-se, deixa andar. Está lá, não para exercer, mas para impedir que alguém lá esteja. Está lá como Guterres esteve, mas ainda mais nulo que Guterres. Está lá, repete-se, não para governar, mas para manter o país ingovernável, num limbo de adiamento sine die. Não governa, desgoverna. Eunuco, limita-se a estar de guarda; neo-cafre, refugia-se no animismo mercantil e confia no tempo, ou melhor, na Natureza soberana e em que esta siga o seu rumo e consume as suas leis.
Enfim, é um método excelente num país em decomposição, numa sociedade a putrefazer-se. Onde, para usufruto de canibais beatos, o oportunismo coincide, cada vez mais, com a necrofagia.
E para aqueles que se vinham preocupando com a eventual ausência de método no Primeiro Ministro, tranquilizem-se: o PM tem um claro e respeitável método; o país, esse, é que, coitado, há muito que não tem Primeiro-Ministro. Quer dizer: Pelo menos um com eles no sítio.
terça-feira, abril 06, 2004
O velório
O Governo assinala hoje os dois anos de mandato.
O país, por seu turno, vê cumprido o seu segundo ano de luto. Resignado, cabisbaixo, sabe que lhe faltam ainda mais dois para que termine o estado de nojo.
É um velório que nunca mais acaba.
O país, por seu turno, vê cumprido o seu segundo ano de luto. Resignado, cabisbaixo, sabe que lhe faltam ainda mais dois para que termine o estado de nojo.
É um velório que nunca mais acaba.
UM VAIVÉM RUSSO FINANCIADO E TRIPULADO POR PORTUGUESES
«O consórcio estatal russo Energia assegurou esta terça-feira que tem tudo pronto para a primeira viajem tripulada a Marte, necessitando apenas de 20 mil milhões de dólares para poder avançar com o projecto.
A expedição, que durará entre 440 e 500 dias, realizar-se-á num vaivém espacial gigante, com 600 toneladas e uma tripulação de seis cosmonautas, afirmou o especialista russo.»
Ora, aqui está uma excelente oportunidade que nós, portugueses, não podemos perder. Direi mais: uma oportunidade única de fazermos história, de recuperarmos o nosso vanguardismo quinhentista e, simultaneamente, de nos livrarmos duma série de lixo e contrapesos que só nos embaraçam a existência.
Entre todos, se fizermos uma panelinha, ainda juntamos os 20 milhões num instante (e sempre são mais meritoriamente aplicados que a sustentar a chulice política e burocrática deste país).
Depois, é só financiar os russos. Mas com quatro condições:
1. Que se baptize a nave com um nome à nossa escolha (por exemplo, "Nossa Senhora dos Aflitos");
2. Que a tripulação seja exclusivamente composta por figuras da política e jet-set portugueses (na viagem inaugural, prioritariamente, cativem-se já lugares para as figuras proeminentes deste governo: Durão, Manuela, Paulinho, Celeste, Luís Filipe e Fêfê Lopes);
3. Que seja possível acrescentar um sétimo elemento à equipagem, nas funções de capelão (aproveitaremos para nomear o Gorge Sampaio);
4. Que o Vaivém gigante seja reconvertido em Vaivai.
A expedição, que durará entre 440 e 500 dias, realizar-se-á num vaivém espacial gigante, com 600 toneladas e uma tripulação de seis cosmonautas, afirmou o especialista russo.»
Ora, aqui está uma excelente oportunidade que nós, portugueses, não podemos perder. Direi mais: uma oportunidade única de fazermos história, de recuperarmos o nosso vanguardismo quinhentista e, simultaneamente, de nos livrarmos duma série de lixo e contrapesos que só nos embaraçam a existência.
Entre todos, se fizermos uma panelinha, ainda juntamos os 20 milhões num instante (e sempre são mais meritoriamente aplicados que a sustentar a chulice política e burocrática deste país).
Depois, é só financiar os russos. Mas com quatro condições:
1. Que se baptize a nave com um nome à nossa escolha (por exemplo, "Nossa Senhora dos Aflitos");
2. Que a tripulação seja exclusivamente composta por figuras da política e jet-set portugueses (na viagem inaugural, prioritariamente, cativem-se já lugares para as figuras proeminentes deste governo: Durão, Manuela, Paulinho, Celeste, Luís Filipe e Fêfê Lopes);
3. Que seja possível acrescentar um sétimo elemento à equipagem, nas funções de capelão (aproveitaremos para nomear o Gorge Sampaio);
4. Que o Vaivém gigante seja reconvertido em Vaivai.
segunda-feira, abril 05, 2004
Jejum preparatório
Parece que o governo quer "proteger duma forma mais adequada a saúde dos lactentes e das crianças de pouca idade." Para o efeito, segundo o inefável Correio da Manhã, "vai proibir o uso de onze tipos de pesticidas em produtos agrícolas destinados à produção de alimentos à base de cereais ou alimentos para bebés."
Pois, está visto: convém que jejuem convenientemente nos primeiros anos, para depois poderem enfardar à vontade no Macdonnalds. Aí, a gula é tanta, que vai com pesticidas e tudo!...À fartazana. Mhamm-mhamm!...
Pois, está visto: convém que jejuem convenientemente nos primeiros anos, para depois poderem enfardar à vontade no Macdonnalds. Aí, a gula é tanta, que vai com pesticidas e tudo!...À fartazana. Mhamm-mhamm!...
domingo, abril 04, 2004
A Explicação Bíblica
A "Bíblia" não conta, mas o faraó teve outro sonho. Um sonho ainda mais extravagante e enigmático que o primeiro, o das vacas gordas e das vacas magras. Desta vez começava quase da mesma forma: estavam seis vacas gordas a pastar. De seguida, repentinamente, auto-devoravam-se. Eis que chegavam então outras vacas, deveras estranhas, absurdas e igualmente canibais. Furiosas de não encontrarem vacas gordas pra comer, desatavam a marrar e a espezinhar a torto e a direito. O faraó acordou do pesadelo, cheio de palpitações e suores frios.
Preocupado, olheirento, chamou José, o de poderes oraculares, para que lhe decifrasse o mistério.
-"Serão tropas invasoras, José?... - Inquiriu, aflito. - Virão, após um período de prosperidade, para oprimirem o Egipto e as suas gentes?..."
José escutou com atenção. Olhou para lá dos símbolos e das aparências, associou os caracteres da caligrafia divina até que as palavras e as frases se tornaram nítidas. Falou então, com gravidade solene:
-"Não, ó Digníssimo Faraó, nem são anos nem tropas, nem provações que o Egipto deva temer. São mesmo vacas, vacas loucas, que assolarão, daqui por milhares de anos, um pequeno país longínquo, para lá das portas do Mediterrãneo. "Portugal", parece-me ler aqui..."
-"E não poderemos fazer nada, um sinal ao menos para avisar essa pobre gente?..." - Apiedou-se, o faraó.
-"Temo bem que não, ó Grande Faraó. -Proferiu José. - São desígnios do destino, inexoráveis fatalidades. Eles próprios abrirão a porta às vacas e lamentarão depois, amargamente, tão funesto acto...."
-"Loucos! Loucos!..." - lastimou, o Faraó.
-"Ou liberais. Que é como também se chamarão então. Pelo menos as vacas."
-Acrescentou José.
Preocupado, olheirento, chamou José, o de poderes oraculares, para que lhe decifrasse o mistério.
-"Serão tropas invasoras, José?... - Inquiriu, aflito. - Virão, após um período de prosperidade, para oprimirem o Egipto e as suas gentes?..."
José escutou com atenção. Olhou para lá dos símbolos e das aparências, associou os caracteres da caligrafia divina até que as palavras e as frases se tornaram nítidas. Falou então, com gravidade solene:
-"Não, ó Digníssimo Faraó, nem são anos nem tropas, nem provações que o Egipto deva temer. São mesmo vacas, vacas loucas, que assolarão, daqui por milhares de anos, um pequeno país longínquo, para lá das portas do Mediterrãneo. "Portugal", parece-me ler aqui..."
-"E não poderemos fazer nada, um sinal ao menos para avisar essa pobre gente?..." - Apiedou-se, o faraó.
-"Temo bem que não, ó Grande Faraó. -Proferiu José. - São desígnios do destino, inexoráveis fatalidades. Eles próprios abrirão a porta às vacas e lamentarão depois, amargamente, tão funesto acto...."
-"Loucos! Loucos!..." - lastimou, o Faraó.
-"Ou liberais. Que é como também se chamarão então. Pelo menos as vacas."
-Acrescentou José.
O 13º Trabalho de Hércules
«O sistema de identificação de bovinos português, criado na sequência do combate à encefalopatia espongiforme bovina (BSE), funciona há mais de quatro anos sem ter sido aprovado pela Comissão Europeia(...)»
Não sou especialista no assunto, mas alguma coisa corre mal. Anda todo o país a queixar-se duma vaca louca e os veterinários não tomam medidas. O bastonário respectivo estima mesmo que, "em relação à erradicação da chamada doença das vacas loucas, o problema se vá prolongar para lá de 2005".
Parece que voltámos aos tempos da mitologia, em que andavam bestas monstruosas à solta pelo mundo a infernizar a vida às pessoas. Convinha-nos um herói semi-divino, tipo Hércules, especialista em trabalhos descomunais e tarefas impossíveis. É urgente que se abata a vaca, antes que a vaca abata de vez o país.
Não sou especialista no assunto, mas alguma coisa corre mal. Anda todo o país a queixar-se duma vaca louca e os veterinários não tomam medidas. O bastonário respectivo estima mesmo que, "em relação à erradicação da chamada doença das vacas loucas, o problema se vá prolongar para lá de 2005".
Parece que voltámos aos tempos da mitologia, em que andavam bestas monstruosas à solta pelo mundo a infernizar a vida às pessoas. Convinha-nos um herói semi-divino, tipo Hércules, especialista em trabalhos descomunais e tarefas impossíveis. É urgente que se abata a vaca, antes que a vaca abata de vez o país.
sábado, abril 03, 2004
Mendicidade clássica e mendicidade pós-moderna
É curioso como a mendicidade clássica desapareceu das ruas do nosso país. As classes mais desfavorecidas, tudo o indica, parecem ter desenvolvido uma espécie de pudor insuperável à indigência pública. Preferem roubar, arrumar carros ou vender pensos e bugigangas, arriscar a vida ou passar fome, a ter que virem expor-se, indignamente, ao olhar repugnado e depreciativo dos outros. Escondem em segredo a infâmia da sua penúria; tentam encobri-la, como à pior das lepras.
Em contrapartida, a mendicidade pós-moderna tem experimentado um incremento inaudito nestes últimos anos. De norte a sul do país, elites e privilegiados, acólitos e copistas, praticam-na duma forma sistemática e exaustiva. Sem qualquer pejo ou escrúpulo. Pelo contrário, com o maior dos descaros e petulâncias. Com uma insolência que raia por vezes o insulto. Pavoneiam-se, cobertos de andrajos de marca, caríssimos, ao volante de grandes máquinas. Açambarcam cargos e mordomias, embarcam para turnés e campanhas. Com a jactância pura da toleima, arrotam postas e opiniões, cada qual mais embrutecida e esfarrapada que a anterior. É uma mendicidade ufana, jactante, triunfal, a destes pobres de espírito! E quanto mais pobres, lazarentos, miseráveis, melhor!...
Mas, mais espantoso, anacrónico, inexplicável que tudo isto, é que quanto mais se afundam na total indigência, quanto mais fuçam e escarvam na penúria mais sórdida, mais dinheiro e esmola todos lhes dão. Da Comunidade Europeia às fundações, dos contribuintes à Fazenda, é uma farturinha!...
Em contrapartida, a mendicidade pós-moderna tem experimentado um incremento inaudito nestes últimos anos. De norte a sul do país, elites e privilegiados, acólitos e copistas, praticam-na duma forma sistemática e exaustiva. Sem qualquer pejo ou escrúpulo. Pelo contrário, com o maior dos descaros e petulâncias. Com uma insolência que raia por vezes o insulto. Pavoneiam-se, cobertos de andrajos de marca, caríssimos, ao volante de grandes máquinas. Açambarcam cargos e mordomias, embarcam para turnés e campanhas. Com a jactância pura da toleima, arrotam postas e opiniões, cada qual mais embrutecida e esfarrapada que a anterior. É uma mendicidade ufana, jactante, triunfal, a destes pobres de espírito! E quanto mais pobres, lazarentos, miseráveis, melhor!...
Mas, mais espantoso, anacrónico, inexplicável que tudo isto, é que quanto mais se afundam na total indigência, quanto mais fuçam e escarvam na penúria mais sórdida, mais dinheiro e esmola todos lhes dão. Da Comunidade Europeia às fundações, dos contribuintes à Fazenda, é uma farturinha!...
sexta-feira, abril 02, 2004
State-of-the-art
Segundo o "Público", «SEF expulsa dois romenos que se dedicavam à mendicidade.»
E faz muito bem. Há que proteger as áreas estratégicas, o sector chave com o qual o nosso governo pensa recompor a economia. Vamos, como diriam os anglófonos, elevar a mendicidade a state-of-the-art!...
E faz muito bem. Há que proteger as áreas estratégicas, o sector chave com o qual o nosso governo pensa recompor a economia. Vamos, como diriam os anglófonos, elevar a mendicidade a state-of-the-art!...
OS CAÇADORES DE CABEÇAS
Ocorreram-me umas ligeiras dúvidas relativas a uma certa tribo de canibais da Papua-Nova Guiné, mais conhecidos por Caçadores de Cabeças. Diziam respeito ao seu trabalho artístico com as ditas, depois de capturadas e separadas, habil mas rudemente, dos dadores respectivos. Confesso: sempre me intrigou como é que eles conseguiam reduzi-las a tão perfeitas miniaturas.
Decidi recorrer ao motor de busca Google e introduzi o termo "head hunters" (ou seja, "caçadores de cabeças" em "internetês). Os resultados não se fizeram esperar e confesso que me deixaram estupefacto. Parece que a tribo, que eu julgava remota e rara, afinal tem conhecido o maior sucesso e propagação por todo o mundo. Se não se tornou infestante, anda lá perto. São centenas e centenas de referências, em lugares tão insuspeitos como Londres ou Nova Iorque. Isto deixou-me perplexo e até um pouco temeroso.
Quererá isto dizer que as nossas principais cidades e países, supostamente civilizados, se estão na verdade a transformar em perigosíssimas selvas, infestadas de impiedosos canibais?...
Arrepio-me só de imaginar tal hipótese. Olho em redor, desconfiado. Sinto-me mesmo tentado a colocar armas de fogo no topo das prioridades da lista de compras. É que estes, os urbanos, pelo que pude ler, ainda são mais sádicos e carniceiros que os rurais. Já nem se dão ao trabalho de matar e decapitar previamente as suas vítimas. Ou ministrar-lhes a mínima anestesia ou aturdimento que seja. Não; é sem preliminares, a frio: executam o macabro ritual com os desgraçados bem vivos e conscientes. E a família a assistir.
Decidi recorrer ao motor de busca Google e introduzi o termo "head hunters" (ou seja, "caçadores de cabeças" em "internetês). Os resultados não se fizeram esperar e confesso que me deixaram estupefacto. Parece que a tribo, que eu julgava remota e rara, afinal tem conhecido o maior sucesso e propagação por todo o mundo. Se não se tornou infestante, anda lá perto. São centenas e centenas de referências, em lugares tão insuspeitos como Londres ou Nova Iorque. Isto deixou-me perplexo e até um pouco temeroso.
Quererá isto dizer que as nossas principais cidades e países, supostamente civilizados, se estão na verdade a transformar em perigosíssimas selvas, infestadas de impiedosos canibais?...
Arrepio-me só de imaginar tal hipótese. Olho em redor, desconfiado. Sinto-me mesmo tentado a colocar armas de fogo no topo das prioridades da lista de compras. É que estes, os urbanos, pelo que pude ler, ainda são mais sádicos e carniceiros que os rurais. Já nem se dão ao trabalho de matar e decapitar previamente as suas vítimas. Ou ministrar-lhes a mínima anestesia ou aturdimento que seja. Não; é sem preliminares, a frio: executam o macabro ritual com os desgraçados bem vivos e conscientes. E a família a assistir.
quinta-feira, abril 01, 2004
Carlos Cruz e Bibi unidos
Não julguem que é galga do Primeiro de Abril, porque a notícia até é de 20 de Março aqui:
«União de Carlos Cruz e Bibi contribui para a vitória»
Bem, então das duas uma:
Ou, afinal, ao contrário do que o vulgo imagina, não estão presos;
Ou, também ao contrário do que pr'aí se pensa, as prisões não são sítios claustrofóbicos e superlotados. Pois se até dá pra fazer ralis lá dentro!...
Já o Caguinchas, ouvindo a seco, desprevenido, a notícia ("união de carlos Cruz com Bibi"), largou o seguinte comentário:
-"Ai foi?...Então o juíz, em segredo, autorizou-os a ir à Holanda, pá!...E foi com separação ou comunhão de bens?...Porra, mas atão o Cruz já não era casado?!..."
E saíu a correr pra comprar a "Caras".
-" O padrinho, de certeza, deve ter sido aquele paneleirão do Carlos Castro!..." - Ainda o ouvimos dizer, antes de desaparecer porta fora.
«União de Carlos Cruz e Bibi contribui para a vitória»
Bem, então das duas uma:
Ou, afinal, ao contrário do que o vulgo imagina, não estão presos;
Ou, também ao contrário do que pr'aí se pensa, as prisões não são sítios claustrofóbicos e superlotados. Pois se até dá pra fazer ralis lá dentro!...
Já o Caguinchas, ouvindo a seco, desprevenido, a notícia ("união de carlos Cruz com Bibi"), largou o seguinte comentário:
-"Ai foi?...Então o juíz, em segredo, autorizou-os a ir à Holanda, pá!...E foi com separação ou comunhão de bens?...Porra, mas atão o Cruz já não era casado?!..."
E saíu a correr pra comprar a "Caras".
-" O padrinho, de certeza, deve ter sido aquele paneleirão do Carlos Castro!..." - Ainda o ouvimos dizer, antes de desaparecer porta fora.
Campeões do Mundo
Reina o triunfalismo aqui na tasca (aliás, ciber-tasca).
Tomámos conhecimento da seguinte notícia:
«Comboio de alta velocidade descarrila na Alemanha.»
O nosso regozijo não deriva da desgraça dos passageiros, mas sim do seguinte comentário Caguinchiano:
-"Ah-ah, ao contrário dos caixotes, nisto dos comboios ainda vão ter que pedalar muito pra nos chegarem aos calcanhares!...Descarrilar um comboio a alta velocidade é fácil, é básico!...Nós aqui, em Portugal, até somos capazes de fazê-los descarrilar parados!..."
-"Não é por acaso que é português o campeão do mundo de descarrilamentos!!..." - Recordou, o Dinossauro.
-"Durão Barroso! Durão Barroso!!" - Festejámos, com devotada emoção.
Tomámos conhecimento da seguinte notícia:
«Comboio de alta velocidade descarrila na Alemanha.»
O nosso regozijo não deriva da desgraça dos passageiros, mas sim do seguinte comentário Caguinchiano:
-"Ah-ah, ao contrário dos caixotes, nisto dos comboios ainda vão ter que pedalar muito pra nos chegarem aos calcanhares!...Descarrilar um comboio a alta velocidade é fácil, é básico!...Nós aqui, em Portugal, até somos capazes de fazê-los descarrilar parados!..."
-"Não é por acaso que é português o campeão do mundo de descarrilamentos!!..." - Recordou, o Dinossauro.
-"Durão Barroso! Durão Barroso!!" - Festejámos, com devotada emoção.
UMA IDEIA GENIAL
Caí na asneira de comunicar aqui na tasca -aliás, ciber-tasca -, a inovação germânica dos caixotes do lixo falantes. Não imaginam o tumulto que isso causou.
Espicaçados no brio patriótico por mais aquela provocação da estranja, desataram todos a ser unânimes que urgia responder o quante antes e duma forma retumbante.
-"Já chega de nos ultrapassarem a toda a hora e até nos caixotes do lixo!" - Bradou o Dinossauro, numa exaltação heróica.
Portanto, como era a honra da pátria que estava em risco, reforçou-se a cerveja com uns bagaços e tocou-se a reunir aos exércitos da imaginação. Da forma como estes, com brilho ímpar e fanfarra ululante, marcharam, é o que passo a descrever.
O primeiro foi o do Dinossauro, que gente antiga é outra loiça. Entusiástico, avançou; não descurando todavia, a prudência:
-"Urge que se consciencializem e eduquem os caixotes portugueses! Dinamizadores e treinadores de caixotes, que avancem! (esta era a parte entusiástica)... Não obstante, o legislador que se acautele, o código que se resguarde. É essencial e patriótico que palrem, mas uma vez palradores, compete que se aprovem leis que os impeçam de chegar ao Parlamento!...Leis bem claras e draconianas." (esta, claro está, era a parte prudente).
Todos vitoriámos os caixotes portugueses, palradores campeões por antecipação e preparámo-nos para o segundo exército. Avançou o Bisnau, de bandeiras e estandartes ao vento...
-" Pois eu proponho que, além de palradores, sejam também poliglotas. Temos que salvaguardar as receitas turísticas! Além disso, são os estrangeiros que são mais dados a essas extravagâncias de usar o caixote do lixo, atirando coisas lá pra dentro. É, pois, de calcular que a maior parte do tempo hão-de estar a conversar com estrangeiros."
-"Sim, bem visto. - Irrompeu, o Dinossauro. - Mas o legislador, mais uma vez, que não se distraia: urge promulgar um diploma que os impeça de aceder à pasta dos Negócios Estrangeiros, senão nunca mais de lá saem!..."
Celebrou-se com "hurras!" aquela conquista segura dum futuro próximo, mais a adenda legal, e foi a minha vez de ordenar "frente, marche!" às tropas. Achei que uma divisão de couraçados a cavalo não ia mal...
-"Malta, se um dos propósitos da presumível campanha consiste no uso de caixotes do lixo educados para tentar educar ou civilizar os portugueses, lavro já aqui o meu total cepticismo. A educação e o civismo não são compatíveis com o nosso povo e ainda menos com as elites que lhe servem de paradigma. A educação ou civilidade, direi mais, constituem severos atentados contra a essência portuguesa. Não adianta perder tempo com isso. Sejamos realistas: é nos antípodas da educação que nos devemos concentrar, ou seja, na etiqueta e protocolo. O português, como qualquer cafre ou selvagem abrutalhado, adora etiqueta e protocolo; pela-se por formalidades e burocracias; derrete-se ante salamaleques e mesuras. Tratem-no com pompa e cerimónia e é vê-lo todo vaidoso e deslumbrado. Pronto a dar o cu e cinquenta cêntimos! Por conseguinte, impõe-se que, além de palradores e poliglotas, os caixotes sejam também mordomos, com licenciatura em sociolatria e relações públicas. Assim, por um lado compete-lhes discernir um advogado dum engenheiro; um técnico médio dum superior; ou um funcionário público dum administrador. Por outro, convém que disponibilizem kits de talher com manual de instruções ao crescente número de Sem-Abrigos que por lá abancam à hora da refeição!..."
Grandes aclamações celebraram este meu desfile. Ninguém tinha já dúvidas que os caixotes do lixo portugueses iam dar novos mundos ao Mundo. Agora só faltava falar o Caguinchas, já que D.Afonso Henriques, a bordo do Batnavó, de caixotes do lixo não percebia nada. E o Caguinchas falou...
-"Falais bué de caixotes, mas esqueceis os urinois e cagadeiras!...Se vamos ensinar os caixotes do lixo a palrar, em várias línguas e idiomas, porque não treinamos também os orinóis em literatura, e as retretes em geo-política?..."
Aquilo caíu que nem uma bomba. Que ideia genial! Com urinois cultos e retretes analistas ninguém nos segurava!...
Mas então ocorreu-me um pequeno problema:
-"Ó Dinossauro, mas não seria melhor propor uma lei que os impedisse, aos urinois cultos de às retretes analistas, de, respectivamente, concorrerem a prémios literários e comentarem nos jornais e televisões?..."
-" Bem, nesse caso não. -Tranquilizou-me ele. - Já que trariam imensos benefícios aos consumidores e ao país, poder-se-ia até invocar o estatuto de "utilidade pública"."
Rompemos em apoteose. E aprovámos por unanimidade: Treinem-se os caixotes e, especialmente, as retretes e os urinois. Com a maior urgência!...
Espicaçados no brio patriótico por mais aquela provocação da estranja, desataram todos a ser unânimes que urgia responder o quante antes e duma forma retumbante.
-"Já chega de nos ultrapassarem a toda a hora e até nos caixotes do lixo!" - Bradou o Dinossauro, numa exaltação heróica.
Portanto, como era a honra da pátria que estava em risco, reforçou-se a cerveja com uns bagaços e tocou-se a reunir aos exércitos da imaginação. Da forma como estes, com brilho ímpar e fanfarra ululante, marcharam, é o que passo a descrever.
O primeiro foi o do Dinossauro, que gente antiga é outra loiça. Entusiástico, avançou; não descurando todavia, a prudência:
-"Urge que se consciencializem e eduquem os caixotes portugueses! Dinamizadores e treinadores de caixotes, que avancem! (esta era a parte entusiástica)... Não obstante, o legislador que se acautele, o código que se resguarde. É essencial e patriótico que palrem, mas uma vez palradores, compete que se aprovem leis que os impeçam de chegar ao Parlamento!...Leis bem claras e draconianas." (esta, claro está, era a parte prudente).
Todos vitoriámos os caixotes portugueses, palradores campeões por antecipação e preparámo-nos para o segundo exército. Avançou o Bisnau, de bandeiras e estandartes ao vento...
-" Pois eu proponho que, além de palradores, sejam também poliglotas. Temos que salvaguardar as receitas turísticas! Além disso, são os estrangeiros que são mais dados a essas extravagâncias de usar o caixote do lixo, atirando coisas lá pra dentro. É, pois, de calcular que a maior parte do tempo hão-de estar a conversar com estrangeiros."
-"Sim, bem visto. - Irrompeu, o Dinossauro. - Mas o legislador, mais uma vez, que não se distraia: urge promulgar um diploma que os impeça de aceder à pasta dos Negócios Estrangeiros, senão nunca mais de lá saem!..."
Celebrou-se com "hurras!" aquela conquista segura dum futuro próximo, mais a adenda legal, e foi a minha vez de ordenar "frente, marche!" às tropas. Achei que uma divisão de couraçados a cavalo não ia mal...
-"Malta, se um dos propósitos da presumível campanha consiste no uso de caixotes do lixo educados para tentar educar ou civilizar os portugueses, lavro já aqui o meu total cepticismo. A educação e o civismo não são compatíveis com o nosso povo e ainda menos com as elites que lhe servem de paradigma. A educação ou civilidade, direi mais, constituem severos atentados contra a essência portuguesa. Não adianta perder tempo com isso. Sejamos realistas: é nos antípodas da educação que nos devemos concentrar, ou seja, na etiqueta e protocolo. O português, como qualquer cafre ou selvagem abrutalhado, adora etiqueta e protocolo; pela-se por formalidades e burocracias; derrete-se ante salamaleques e mesuras. Tratem-no com pompa e cerimónia e é vê-lo todo vaidoso e deslumbrado. Pronto a dar o cu e cinquenta cêntimos! Por conseguinte, impõe-se que, além de palradores e poliglotas, os caixotes sejam também mordomos, com licenciatura em sociolatria e relações públicas. Assim, por um lado compete-lhes discernir um advogado dum engenheiro; um técnico médio dum superior; ou um funcionário público dum administrador. Por outro, convém que disponibilizem kits de talher com manual de instruções ao crescente número de Sem-Abrigos que por lá abancam à hora da refeição!..."
Grandes aclamações celebraram este meu desfile. Ninguém tinha já dúvidas que os caixotes do lixo portugueses iam dar novos mundos ao Mundo. Agora só faltava falar o Caguinchas, já que D.Afonso Henriques, a bordo do Batnavó, de caixotes do lixo não percebia nada. E o Caguinchas falou...
-"Falais bué de caixotes, mas esqueceis os urinois e cagadeiras!...Se vamos ensinar os caixotes do lixo a palrar, em várias línguas e idiomas, porque não treinamos também os orinóis em literatura, e as retretes em geo-política?..."
Aquilo caíu que nem uma bomba. Que ideia genial! Com urinois cultos e retretes analistas ninguém nos segurava!...
Mas então ocorreu-me um pequeno problema:
-"Ó Dinossauro, mas não seria melhor propor uma lei que os impedisse, aos urinois cultos de às retretes analistas, de, respectivamente, concorrerem a prémios literários e comentarem nos jornais e televisões?..."
-" Bem, nesse caso não. -Tranquilizou-me ele. - Já que trariam imensos benefícios aos consumidores e ao país, poder-se-ia até invocar o estatuto de "utilidade pública"."
Rompemos em apoteose. E aprovámos por unanimidade: Treinem-se os caixotes e, especialmente, as retretes e os urinois. Com a maior urgência!...
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