Às vezes, quem me leia, pode dar a impressão que não estimo os liberais e seitas afins. Nada mais ilusório. Só não suporto os desonestos, os hipócritas - sobretudo: os sonsos. Um dos exemplares humanos por quem nutro mesmo indisfarsável simpatia e até alguma inveja, são os liberais profundos, assumidos. Mas honestos, frontais, corajosos...
A melhor descrição que deles conheço é de Giles Lapouge. Ora oiçam:
«O Pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves anos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo. Arruma a trouxa, desce das montanhas da Capadócia, da Escócia ou da Noruega e dirige-se para a costa. Captura um barco ou emprega-se ao serviço de um pirata e - ala que se faz tarde!...lança-se ao mar. (...)
Vê-se que o pirata não é especioso quanto aos motivos. Não gosta de pesar os prós e os contras. Outros chegam à ruptura ao fim de muitos debates e arrependimentos, numa revolta que é apenas uma réplica ao desafio que lhes lança a sociedade. O pirata é mais expedito. Dir-se-ia que a rebeldia se forma dentro dele ao mesmo tempo que o ar se infiltra nos pequenos brônquios de recém-nascido ou mesmo no ventre maléfico da mãe. Nasce assim, armado da cabeça aos pés. A revolta é a sua dimensão original, ela confunde-se com o seu ser. (...)
A silhueta dos flibusteiros é um pouco mais cuidada, mas não muito, e a sua alma exala odores mais negros. Praticam uma arte mais sábia. Pouco interessados na caça, entregam-se à pilhagem. Estão armados até aos dentes visto que cada um possui o seu fuzil, a sua pólvora, as suas balas, duas pistolas, um sabre ou uma faca. Como gozam, se não de impunidade, pelo menos de tolerância das autoridades francesas e inglesas, flagelam sem escrúpulos as caravelas espanholas. As mais das vezes, a perícia e a coragem de que dão provas decidem a luta a seu favor. Depois da vitória, regressam, a Tortuga, onde organizam patuscadas.»
Se isto não era vida, então não sei o que é vida.
Não deixem de ler. É um livro fascinante ("Os Piratas", de Gilles Lapouge), o melhor no género. E aproveitem para conhecer uns liberais em condições; gente audaz, intrépida, com eles no sítio.
Assim, até eu não me importava nada de ser liberal. Sempre gostei de fazer as coisas com orgulho e cara descoberta.
E confesso: não há vez que fale nisto, que não me invada uma profunda e inquietante nostalgia. Devem ser outras vidas a reverberar em mim. Só podem ser.
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