quinta-feira, abril 01, 2004

UMA IDEIA GENIAL

Caí na asneira de comunicar aqui na tasca -aliás, ciber-tasca -, a inovação germânica dos caixotes do lixo falantes. Não imaginam o tumulto que isso causou.
Espicaçados no brio patriótico por mais aquela provocação da estranja, desataram todos a ser unânimes que urgia responder o quante antes e duma forma retumbante.
-"Já chega de nos ultrapassarem a toda a hora e até nos caixotes do lixo!" - Bradou o Dinossauro, numa exaltação heróica.
Portanto, como era a honra da pátria que estava em risco, reforçou-se a cerveja com uns bagaços e tocou-se a reunir aos exércitos da imaginação. Da forma como estes, com brilho ímpar e fanfarra ululante, marcharam, é o que passo a descrever.
O primeiro foi o do Dinossauro, que gente antiga é outra loiça. Entusiástico, avançou; não descurando todavia, a prudência:
-"Urge que se consciencializem e eduquem os caixotes portugueses! Dinamizadores e treinadores de caixotes, que avancem! (esta era a parte entusiástica)... Não obstante, o legislador que se acautele, o código que se resguarde. É essencial e patriótico que palrem, mas uma vez palradores, compete que se aprovem leis que os impeçam de chegar ao Parlamento!...Leis bem claras e draconianas." (esta, claro está, era a parte prudente).
Todos vitoriámos os caixotes portugueses, palradores campeões por antecipação e preparámo-nos para o segundo exército. Avançou o Bisnau, de bandeiras e estandartes ao vento...
-" Pois eu proponho que, além de palradores, sejam também poliglotas. Temos que salvaguardar as receitas turísticas! Além disso, são os estrangeiros que são mais dados a essas extravagâncias de usar o caixote do lixo, atirando coisas lá pra dentro. É, pois, de calcular que a maior parte do tempo hão-de estar a conversar com estrangeiros."
-"Sim, bem visto. - Irrompeu, o Dinossauro. - Mas o legislador, mais uma vez, que não se distraia: urge promulgar um diploma que os impeça de aceder à pasta dos Negócios Estrangeiros, senão nunca mais de lá saem!..."
Celebrou-se com "hurras!" aquela conquista segura dum futuro próximo, mais a adenda legal, e foi a minha vez de ordenar "frente, marche!" às tropas. Achei que uma divisão de couraçados a cavalo não ia mal...
-"Malta, se um dos propósitos da presumível campanha consiste no uso de caixotes do lixo educados para tentar educar ou civilizar os portugueses, lavro já aqui o meu total cepticismo. A educação e o civismo não são compatíveis com o nosso povo e ainda menos com as elites que lhe servem de paradigma. A educação ou civilidade, direi mais, constituem severos atentados contra a essência portuguesa. Não adianta perder tempo com isso. Sejamos realistas: é nos antípodas da educação que nos devemos concentrar, ou seja, na etiqueta e protocolo. O português, como qualquer cafre ou selvagem abrutalhado, adora etiqueta e protocolo; pela-se por formalidades e burocracias; derrete-se ante salamaleques e mesuras. Tratem-no com pompa e cerimónia e é vê-lo todo vaidoso e deslumbrado. Pronto a dar o cu e cinquenta cêntimos! Por conseguinte, impõe-se que, além de palradores e poliglotas, os caixotes sejam também mordomos, com licenciatura em sociolatria e relações públicas. Assim, por um lado compete-lhes discernir um advogado dum engenheiro; um técnico médio dum superior; ou um funcionário público dum administrador. Por outro, convém que disponibilizem kits de talher com manual de instruções ao crescente número de Sem-Abrigos que por lá abancam à hora da refeição!..."
Grandes aclamações celebraram este meu desfile. Ninguém tinha já dúvidas que os caixotes do lixo portugueses iam dar novos mundos ao Mundo. Agora só faltava falar o Caguinchas, já que D.Afonso Henriques, a bordo do Batnavó, de caixotes do lixo não percebia nada. E o Caguinchas falou...
-"Falais bué de caixotes, mas esqueceis os urinois e cagadeiras!...Se vamos ensinar os caixotes do lixo a palrar, em várias línguas e idiomas, porque não treinamos também os orinóis em literatura, e as retretes em geo-política?..."
Aquilo caíu que nem uma bomba. Que ideia genial! Com urinois cultos e retretes analistas ninguém nos segurava!...
Mas então ocorreu-me um pequeno problema:
-"Ó Dinossauro, mas não seria melhor propor uma lei que os impedisse, aos urinois cultos de às retretes analistas, de, respectivamente, concorrerem a prémios literários e comentarem nos jornais e televisões?..."
-" Bem, nesse caso não. -Tranquilizou-me ele. - Já que trariam imensos benefícios aos consumidores e ao país, poder-se-ia até invocar o estatuto de "utilidade pública"."
Rompemos em apoteose. E aprovámos por unanimidade: Treinem-se os caixotes e, especialmente, as retretes e os urinois. Com a maior urgência!...

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