Que estúpido que eu sou!
Tinha-me proposto jamais falar de futebol neste blog. Não quer dizer que não aprecie o jogo (enquanto jogo) ou não tenha as minhas preferências clubísticas. Aprecio e tenho. Simplesmente, vai por esse país uma tal alienação mental futeboleira, que eu, em nome da higiene e do civismo, achei melhor não agravar o monturo com mais lixo. Já me basta, pró efeito, a mesa do café ou o balcão da tasca. Pois.
Só que agora, em nome da coerência, vou ter que deixar de falar também aqui de política. Após testes variados e observações empíricas exaustivas, verifiquei que, na blogosfera, mesmo quando se discute política, está-se, na realidade, a discutir futebol. Ou seja, pra esta gente, bem mais esperta que eu, a política é só o futebol por outros meios. Como a guerra e a diplomacia, segundo Clausewitz.
Vou mais longe: se os gregos tinham o teatro e os romanos o circo, estes agora têm o estádio. Sentam-se nas bancadas, com os seus cachecóis, bandeiras e cornetas e toca de bramar o que lhes vai na desalma. Urram e vibram, em delírio frenético, com as proezas dos craques; choram e arrepelam-se convulsivamente com os falhanços; esbugalham os olhos, rezam e mordem as unhas, em desespero, com os penaltis. E, pelo meio, insultam e juram de morte as claques inimigas, os jogadores adversários e, mais que ninguém, o árbitro, sobretodos infame. Decididamente, este não é um sítio seguro.
É o Futebol, mais que total, global. Uma espécie de duelo cósmico, sucedâneo daqueles grandes confrontos épicos entre o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas. Apenas os nomes mudaram: agora é O SL Esquerda contra o o Sporting da Direita. Ou vice-versa. Alternadamente, vestem as camisolas cor de luz ou de treva: os que jogam a favor do vento são os luminosos. Sempre. Quando mudam de campo, trocam também de camisola, e passam a ser os tenebrosos. Se não houver vento, a partida interrompe-se, até que a aragem se digne soprar de novo.
Quanto aos jogadores, ídolos da turba, alvos do histerismo ou do apupo (consoante se trate da avaliação de adeptos ou contra-adeptos), são todos atletas de eleição, virtuosos da finta e do chuto, modelos do penteado e do arnês. Neste momento, parece que decorre uma ofensiva cerrada do Sporting da Direita, pelo que tanto os brados de incitamento quanto os assobios e vaias desmoralizantes parecem convergir sobre os principais jogadores deste. As correrias de Tony Blair pela esquerda, as simulações e jogo perigoso de George W Bush pelo centro, os balões prá grande área de Rumsfeld, o armador de jogo e, sobremaneira, os disparos e entradas a matar de Sharon, o ponta de lança, têm gerado autêntico pandemónio e tumulto nas bancadas. Um cartão vermelho a Aznar deixou as redes de vedação maltratadas e por pouco a polícia de intervenção não teve que semear bastonada. Por outro lado, quando Sharon, com a brutalidade característica, na cobrança dum livre, enviou um míssil teleguiado por cima da barreira, até ao ângulo superior direito da baliza adversária, pulverizando de caminho o desamparado keeper Sheik Yassin, metade das bancadas rompeu em delírio exultante, bramindo "gooolo!!!", e a outra metade desatou num basqueiro contra o árbitro que não vira o claro fora-de-jogo de meia equipa , nem a carga bárbara e desleal dentro da área de protecção do guarda-redes.
Estamos, pois, nisto: Sharon, o buldozzer, com a subtileza que se lhe reconhece, vai arrumando guarda-redes; as bancadas dos Direitistas vão gritando "goolo!"; os restantes jogadores envolvem-se em quezílias e picardias a meio campo; e as claques esquerdistas dos "diabos vermelhos" e dos "no name BEs", insurgem-se contra o árbitro e a progenitura deste, exigindo-lhe que expulse o quanto antes Bush, Blair e Companhia.
De resto, é o folclore tradicional entre claques, zurrando ao despique impropérios e injúrias, algazarras e urros. No que as duas anteriormente referidas, em confronto com a "Juve Olé" e a "Força Beata" inimigas, se espelham na perfeição.
Para aturar uma cegada destas, era preciso que eu fosse Super-Dragão.
E não sou.
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