De há uns anos a esta parte, desenvolveu-se, no âmbito da ciência económica portuguesa, um conceito a todos o títulos notável, que quase poderíamos taxar de revolucionário: o "cangalheiro empresarial".
Ora, é sabido que as empresas, no nosso país, regra geral, são totalmente inúteis e aberrantes. Constituem desperdícios redundantes de investimentos e sinergias; sorvedouros de paciência e capitais; antros de ronha e conspiração sindical. Conseguem mesmo um somatório ímpar de desqualificações: não dão emprego, não dão lucro, não produzem, não pagam impostos e recebem subsídios.
Se são públicas move-as o espírito norteador de espoliar o mais possível os contribuintes; se são privadas orienta-as a vocação reiterada de parasitarem sistematicamente as públicas. Só parece o caos para quem nunca conheceu África.
Além disso, é preciso que se diga, as empresas portuguesas reflectem cristalinamente os empresários. Tão aberrantes quanto aquelas, estes, emergem, sumptuosos, polvilhados duma constelação de inépcias: não gerem, não investem, não trabalham, não pagam, não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe.
A economia portuguesa só tem, básicamente, uma lei (que funciona ao mesmo tempo como axioma fundamental): uma empresa não deve dar lucro.
Derivado deste axioma, surgem dois corolários:
As empresas privadas, jamais, em tempo algum, dão lucro.
As empresas públicas só dão prejuízo.
Daqui resulta uma subtileza -de índole liberal-, ultimamente muito acarinhada pelos génios da economia:
As empresas públicas que só dão prejuízo devem ser privatizadas que é para não darem lucros. Segundo eles, há uma diferença abissal entre "só dar prejuízo" e "não dar lucro".
Acontece que, um dia destes, aconteceu o impensável: uma empresa pública teve a desfaçatez de dar lucro - crime supremo de lesa dogma e atentado terrorista à economia.
Não era a primeira vez que tal acontecia, mas, nesta altura do campeonato, quando já se tinha privatizado quase tudo, a coisa caíu muito mal. Como uma bomba. É difícil de imaginar pior ofensa à economia portuguesa, aos nossos governantes e administradores.
Ora, sempre que tal cataclismo acontece, é nomeado de emergência, ou vê reforçados os seus poderes sacerdotais, nem mais nem menos que o tal "cangalheiro empresarial". A sua missão torna-se então urgente e prioritária. Compete-lhe debelar o cancro; liquidar a todo o custo a hedionda erupção. Antes que o mau exemplo alastre.
É assim que o Engº Cardoso e Cunha, espécie de super-cangalheiro, campeão invicto da ordem, irrompe. Sabe, melhor que ninguém, qual é a sua missão:
a) Pôr a TAP a funcionar como uma empresa pública (ou seja, a só dar prejuízo);
b) Privatizá-la. Para que deixe de dar prejuízo e passe a não dar lucro.
Sem comentários:
Enviar um comentário