Quem o diz, é o sr. John Gray, "prestigioso pensador da Nova Direita inglesa" que terá exercido "grande influência nas políticas de Margaret Thatcher".
O livro chama-se "False Dawn" -"Falso Amanhecer", na trad. port. da Gradiva. (pp.164-164)
«Como a utopia imaginada por Lenine, o mercado livre global procura dar corpo a um sistema que nunca existiu até agora na sociedade humana e que transcende em muito o mercado livre inglês de meados da época vitoriana e a ordem económica liberal internacional que existiu até 1914. No quadro do mercado livre global, o movimento das mercadorias, dos serviços e do capital não é perturbado por controlos políticos impostos por estados soberanos e os mercados foram sendo deslocados das suas culturas originais. Esta é uma utopia divorciada da história, hostil às necessidades humanas vitais e, por fim, tão autodestrutiva como qualquer das outras que foram ensaiadas no nosso século.
O laissez-faire global não exige regimes totalitários. Não prolonga o estado de modo a incorporar nele todas as outras instituições, mas redu-lo às suas mais estreitas e repressivas funções. Muitas das funções de controlo social são devolvidas aos mercados, que influenciam a opinião pública e dão forma às preferências dos consumidores.
O mercado livre global é uma utopia pós-totalitária. Requer o exercício da força nas periferias do seu poder e nos estágios incipientes da sua construção.
Tanto o sistema soviètico como o mercado livre são ensaios de racionalismo económico. Os arautos do mercado livre dizem-nos que os níveis de produtividade sem precedentes de um sistema económico racional extinguirão as causas dos conflitos sociais e da guerra. O marxismo soviético costumava assegurar-nos que a planificação socialista faria da escassez um conceito do passado. Ambos nos dizem que o aumento da produtividade resolverá por si só a maior parte dos problemas sociais e exaltam o crescimento económico acima de quaisquer outros propósitos ou valores.
Como os bolcheviques, as tropas de choque do mercado livre são decisivamente hostis a qualquer tradição que considerem um obstáculo aos seus conceitos de progresso económico. Se os seus objectivos exigem o sacrifício de algumas culturas que se erguem no seu caminho, os adeptos do mercado livre não hesitam em pagar tal preço.
O laissez faire global e o projectop comunista que animava a antiga União Soviética partilham muitos dos mesmos inimigos. São hostis às diferenças nacionais e culturais expressas na vida económica e às heranças da tradição e da história. Melindram-se com o atraso da vida campestre e aldeã. Não toleram o individualismo insubmisso da burguesia nem a rebeldia da classe trabalhadora.
As vítimas principais do mercado livre global, como do comunismo belicoso e do sisterma soviético, são os camponeses e -em menor, mas ainda notável grau - os trabalhadores industriais urbanizados e a classe média profissional.»
Como eu costumo dizer, se é pra nos atrelarem à carroça de uma qualquer utopia, ao menos que seja divertida.
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