sábado, maio 26, 2007

A Consulta



- Doutor, é o meu eucalipto. De novo...
- Não me diga que voltaram, os macacos...
- Não, Doutor. Agora desenvolveu papagaios. Milhares de papagaios. Primeiro foram bicos, mas a seguir, em menos de nada, já eram papagaios completos, de todas as cores, tagarelas até mais não!...
- Humm... Papagaios, diz você. Tem a certeza?
- Absoluta. Autênticos papagaios. Ainda reconheço um papagaio quando o vejo. Só que neste caso, infelizmente, não é apenas um: são muitos.
- Diabo, isso é uma síndrome rara. O vulgar é desenvolverem piriquitos. Chega a ser pandémico. Mas papagaios é o primeiro caso que me apresentam.
- Suspeito que foi na escola que ele os apanhou, doutor. A minha mulher argumenta que é efeito secundário das vacinas, mas eu tenho quase a certeza que foi na escola.
- Na escola? ...
- Sim, já concluiu o infantário. Agora já anda na escola. Aliás, ao fim da primeira semana de aulas foi quando começaram a desenvolver-se os papagaios. Agora está infestado. Um horror! Não se calam. Não me deixam dormir. Por este andar, dou em doido!...
- Notou-lhe mais alguns sintomas - febre, borbulhas, palidez nas folhas?
- Não, doutor. Apenas papagaios. A minha mulher ainda experimentou dar-lhe banho, cataplasmar-lhe o coruto, polvilhá-lo com talco nas vrilhas, mas a papagaeira não esmoreceu. Pelo contrário, alastrou ainda mais. A todas as horas... não fecham a matraca. É um palramento desenfreado!...
- O seu eucalipto costuma brincar na rua com outros eucaliptos da idade dele?
- É raro, doutor. Só o deixamos brincar no jardim, com a acácia do vizinho. Mas é raro. Por questões de segurança, bem vê. Hoje em dia todo o cuidado é pouco. Uma araucária duma aldeia próxima desapareceu enquanto andava de bicicleta. Até hoje nunca mais foi vista. A polícia nada pode contra os obscuros poderes detrás das redes pedossilvófilas!...
- E em casa, o seu eucalipto, vê muita televisão? Já tem computador?...
- Ah, ainda andava de vaso quando lhe comprámos o computador. Teve que ser. Senão éramos apontados na vizinhança, na família, na sociedade... Todos os outros já tinham, o nosso também tinha que ter. A inspecção social não brinca. Ainda nos retiravam o eucalipto, por crueldade e maus tratos. Agora, como todos os outros, passa o dia debruçado naquilo. O dia e a noite. Até aqui o único problema era masturbar-se muito com as páginas pornográficas. A mãe, conforme aprendeu nos manuais, estimulou-o muito, para que não se inibisse nem desenvolvesse complexos de culpabilidade. Bem, culpabilidade não estava a desenvolver nenhuma, é um facto. Aquilo era largar pólen a todas as horas. Mas agora desatou a desenvolver papagaios, já não entendo nada disto. Acha que foi do computador, doutor?... Agora que penso nisso...
- Duvido muito. Nesse caso, o normal seria desenvolver vermes. Resolvia-se facilmente com um herbicida de largo espectro: dava cabo da bicharada num instante.
- E não tem um remédio que dê cabo dos papagaios, doutor? Suspeito que começam até a desenvolver-se araras, tucanos e catatuas!... E se aparecem coalas?
- São estirpes, todas essas, mais que resistentes, protegidas por lei. Caía-me a Quercos e a Greenpeace em cima. E a imprensa, as televisões... Os papagaios cultivam um feroz espírito coorporativo. Cassavam-me a licença fitoclínica num abrir e fechar de olhos.
- E um silenciador, doutor, não existe um qualquer silenciador -neste caso, um poli-silenciador - que lhe lhes pudesse aplicar? Nem que fosse só durante a noite... Aquilo é uma algazarra ininterrupta. Parece que tenho o eucalipto possesso duma selva australiana!...
- Já experimentou uns tampões nos ouvidos ou insonorizar o quarto do eucalipto?
- Doutor, até já em sonhos os ouço! São papagaios que ultrapassam todas as barreiras. É um pandemónio inconfinável!... Grulham que nem deputados. E tenho quase a certeza que o meu eucalipto já não se contenta com a pornografia normal: agora também lê blogues de referência!.... (em tom confidencial) Deus me perdoe, doutor, mas até começo a desconfiar que ele os escreve!...Todas aquelas vozes em permanente chinfrim não são nada tranquilizadoras.
- Bem, isso claramente transcende o meu foro. Vou receitar-lhe, em vez de medicamentos, endereços para casos paranormais como o seu. Um é de um colega meu, silvopsicanalista. É perito em assombrações do subconsciente colectivo. Leve lá o eucalipto. Se não resultar, só vejo uma última hipótese... mas é confidencial. Não vai dizer a ninguém que eu lhe disse isto. Tem que mo prometer!...
- Ah, prometo, doutor. Juro por tudo o que há de mais sagrado! Desde que me livre dos papagaios, estou por tudo!... É que, além do berreiro ensurdecedor, conspurcam tudo. Transbordam por toda a parte. Tenho guano pela casa toda.
- Pois, é que não é suposto eu dar-lhe este tipo de conselho técnico... Enfim, trata-se de medicina tradicional...
- Ah, um curandeiro, um exorcista, uma bruxa?...Quiçá um ferrador?!
- Melhor: um podador. Pelo que me conta, o seu filho está para lá de qualquer terapia médica: precisa, isso sim, é duma boa poda camarária. Que se saiba, até hoje, a única forma expedita e comprovadamente eficaz de alguém se livrar de papagaios é extirpando-lhes o poleiro. Desmate-o!

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