segunda-feira, outubro 17, 2005

A desintoxicação do Timshel - I. O futuro do Cepticismo

«A ingenuidade, o optimismo, a generosidade – encontramo-los entre os botânicos, os especialistas das ciências puras, os exploradores, e nunca entre os políticos, os historiadores ou os padres. Os primeiros dispensam os seus semelhantes; os segundos tornam-nos objecto das suas actividades ou das suas investigações. Só ficamos azedos na vizinhança do homem. Os que lhe consagram os seus pensamentos, o examinam ou querem auxiliar, acabam, mais tarde ou mais cedo, por o desprezar e por lhe ter horror. Psicólogo por excelência, o padre é o exemplar humano mais desenganado, mais incapaz, por motivos profissionais, de conceder o menor crédito ao seu próximo; daí o seu ar entendido, a sua astúcia, a sua fingida doçura e o seu cinismo profundo. De entre eles, os que, em número verdadeiramente ínfimo, escorregaram em direcção à santidade, não teriam podido alcançá-la se tivessem observado de mais perto as suas ovelhas: foram espíritos desvairados, maus padres, incapazes de viverem com a curiosidade – e como parasitas – do pecado original.
Para nos curarmos de todas as ilusões acerca do homem, teríamos que possuir a ciência, a experiência secular do confessionário. A igreja está tão velha e tão desenganada que já não pode crer na salvação de ninguém nem comprazer-se na intolerância. Depois de se ter havido com uma multidão incomensurável de adeptos fervorosos e de suspeitos, acabaria por os penetrar e se cansar deles, por detestar os seus escrúpulos, os seus tormentos, as suas confissões. Dois mil anos no segredo das almas! Era demais, até para a Igreja! Miraculosamente preservada até aqui da tentação do fastio, cede-lhe por fim: as consciências cujo encargo lhe pertencia importunam-na e enfadam-na. Nenhuma das nossas misérias, nenhuma das nossas infâmias desperta já o seu interesse: gastámos a sua piedade e a sua curiosidade. Como sabe muito a nosso respeito, desdenha-nos, deixa-nos andar, procurar noutro lado... Já os fanáticos a abandonam. Em breve, será ela o último refúgio do cepticismo.»

- E.M. Cioran, "A Tentação de Existir" (trad. port. da Relógio d'Água)

17 comentários:

josé disse...

Assim de repente, parece-me que o Cioran estava enganado- redondamente enganado.

Se me puser a pensar mais um segundo ou dois, continuo a pensar o mesmo.

Quem conhece os segredos da alma dos outros, não são apenas os padres-somos nós mesmos!Somos todos feitos da mesma massa...
Só existe um antídoto para o cinismo: o J.Lennon( e muitos outros artistas) já o sabia quando escreveu All you need is love e tinha então 27 anos.
Mas o cinismo com conta peso e medida, é um equilíbrio para o espírito.

Isto será conversa fiada?!Filosofia barata?!

I don´t know. E os padres don´t know better.
O próprio Lennon era tipo de má catadura: até o próprio filho mais velho disse que o pai era o modelo daquilo que um pai não deve ser...

zazie disse...

é curioso que muitas vezes digo isto por outras palavras: o mundo para além dos pronomes pessoais. O modo como o vejo não é bem por se distanciar do humano mas por interpor um terceiro termo que evite essa dissecação exclusiva.
Apenas isso. Nem demasiado perto nem demasiado longe.

Quanto ao ponto de encontro estou de acordo com o josé.

zazie disse...

Mas há muitas surpresas nestes caminhos enviesados do cinismo. A este propósito recordo-me sempre de uma conversa entre um cientista e um psiquiatra meus conhecidos. O encontro mostrou precisamente oposto ao do exemplo do Cioran. Quem estava cansado era o que se tinha afastado em demasia e já não encontrava prazer nas pequenas coisas vulgares.

timshel disse...

tá mal

tá mal, oh dragão

agora também já andas a encher de bostas teóricas este teu agradável tugúrio?

estás-me a levar por maus caminhos...

presumo que seja um pequeno intervalo para descansar um pouco do riso pois já me estava a doer a barriga e sendo assim vamos então todos descansar um pouco

ao contrário do que aparentas pensar dragão, o cinismo e o cepticismo não são intrínsecamente incompatíveis com a Fé. pelo contrário (a zazie no comentário anterior pôs o dedo na ferida): só se tem fé se se for céptico e cínico

céptico, porque ndada sabemos sobre o real a não ser as coisas úteis à nossa sobrevivência (ainda recentemente a física quântica começa a formular hipóteses segundo as quais o universo apenas é explicável enquanto simples informação - isto não é simples solipsismo ou recuperação de filosofias que ciclicamente desde há milhares de anos existem: estas hipóteses nos termos das quais o universo não existe realmente mas apenas enquanto simples informaçao permite explicar formulações da física inexplicáveis - mas isso é tema para outra conversa; sendo assim só o cepticismo faz sentido)

cínico, porque se todos somos pecadores (este é um dogma da Fé Católica), desde o Papa até ao maior santo, passando por todos os assassinos do mundo, nunca nos levamos muito a sério

mas, o erro é parar aí - a razão pela qual odeio tanto o cepticismo e o cinismo é que eles são como o galo que sobe para cima de um monte de merda e se põe a cocoricar convencido que está no everest. Se não fosse tão convencido e preguiçoso, até poderia chegar ao cimo do everest (o verdadeiro)

o cepticismo deve-se ultrapassar pela Fé e o cinismo pela Esperança e pela Caridade

e, dito isto, podes limpar o rabo às folhas desse cordel

dragão disse...

Ainda vamos na introdução, e já blasfemas desse modo desabrido, ó Timshel!... :O)
Faço ideia quando chegarmos ao S.Paulo...
Convinha que não se confundisse "humor negro" com "cinismo". E um bocadinho de distanciação e auto-crítica também não faz mal a ninguém. Para combater o sectarismo atávico e vicioso da espécie, pois.

josé disse...

O Timshell anda a ler a Sience et Vie...o último número trata do assunto do Real, perguntando se não será tudo uma ilusão!

Mas cinismo é coisa que não vejo muito por aqui. Vejo e leio, de facto, purgações humorísticas com letras de luxo.
That´s it!

zazie disse...

essa palavra cinismo também só a conhecia como característica de carácter. Foi aqui na blogosfera que aprendi que também a utilizam em sentido político. È o cinismo e a virtude do egoísmo liberal. Sou uma ignorante nestas coisas. Mas gosto sempre de morder as mutações das palavras ":O))

quanto ao humor-negro é uma terapia!
E, se voltassemos ao texto haveria muito mais coisas a dizer... principalmente nesse trabalho de salvação do próximo que nunca entendi. Mas eu também de religião entendo pouco. Entendo o que gosto e ainda estou na Idade Média de onde não faço a menor intenção de sair ":O))))
Bem que a IGreja Católica pode dar as reviravoltas que quiser ou actualizar-se á modernidade que por mim não arredo pé.
Não se pode pedir melhor: Idade Média religiosa no século XXI, sem fogueiras da Inquisição eehhehe

dragão disse...

Alta ou Baixa Idade Média?...

timshel disse...

porquê sem fogueiras?

as fogueiras servem para aquecer o corpo e o espírito

zazie disse...

alta, baixa, média, final. A minha Idade Média é muito longa ":O)))
Agora a sério. Até à Reforma na maior. A partir daí desligo. Nesta coisas quanto menos probabilidade de se estar perto da "verdade" melhor. As purezas é são sempre uma chatice. O problema é que há caminho irreversíveis e as boas misturas são sempre as intermédias. Antes de descambarem na última moda burguesa.

zazie disse...

ahahaha Timshel, sem fogueiras porque hoje em dia as únicas que existem são para saltar e queimar alcachofra nos santos populares.

Vocês vão pensar que eu sou maluquinha mas acreditem que sempre que falo em Igreja Católica e me atiro a defendê-la é porque estou na Idade Média ":O))))
é por isso que depois os ateus ficam baralhados e os crentes não me levam a sério. Eu gosto de fábulas e a Igreja é a maior de todas elas. Fora isso´há a beleza da pacificaçºao interna que é uma forma de juntar ética com estética. Do resto pouco sei.

zazie disse...

e quando falo do Papa e digo que gosto muito daqueles cerimoniais todos ainda estou no tempo dos Medici ":O)))
Imagino o Vaticano sempre assim. E gosto muito.

josé disse...

Estive(mos) no Vaticano há uns meses atrás.
Impressiona muito ver a sumptuosidade da simplicidade do mármore em cores e em arquitectura de estilos vários, mas o que deixa uma pessoa embasbacado é poder pisar o sítio onde foi coroado Carlos Magno, logo à entrada da basílica e, olhando para a direita, a alguns metros de distância, poder vislumbrar a Pieta de Michelangelo. Se a este basbaque for dada a possibilidade de olhar em frente e observar os contornos recurvos e simples das colunas de Bernini que sustentam um tabernáculo cuja pedra de Ara do altar assenta no lugar exacto em que na vertical e para o fundo, se encontra o túmulo de S. Pedro, então, perdoem-me mas fico num êxtase de religiosidade.
Comigo, naqueles instantes, vêm à lembrança toda a minha ancestralidade ocidental, religiosa e tradicional.
I can´t help it...e ajoelho simbolicamente.

josé disse...

Junte-se a esse conjunto de emoções todas as que resultam da visita à capela Sistina, ali ao lado e aos museus do Vaticano, também contíguos e em visita continuada, e podem explicar-se por aí as razões pelas quais um potencial atentado a estes lugares, darão origem a uma guerra generalizada contra o Islão.
Na qual quererei ser soldado, evidentemente.

zazie disse...

«Comigo, naqueles instantes, vêm à lembrança toda a minha ancestralidade ocidental, religiosa e tradicional.
I can´t help it...e ajoelho simbolicamente. »


áh! como eu entendo o José! é por isto! é por isto tudo que Igreja Católica é civilização e que se lixem os males que trouxe ou que já por cá andavam porque o ser humano é o que é!



«Junte-se a esse conjunto de emoções todas as que resultam da visita à capela Sistina, ali ao lado e aos museus do Vaticano, também contíguos e em visita continuada, e podem explicar-se por aí as razões pelas quais um potencial atentado a estes lugares, darão origem a uma guerra generalizada contra o Islão.
Na qual quererei ser soldado, evidentemente.»

Não fale nisso que até causa arrepios!

eu nem vou tão longe. Fico-me apenas pelo trabalho caseiro do proselitismo jacobino mortinho por perseguir a igreja e a fazer contas a quantos templos podem dar em pub.
Fónix!

e se fosse muçulmana e me ameaçassem as mesquitas era capaz de sentir o mesmo.

Resumo a questão numa frase

- não há civilização sem religiões.

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Parabens.