segunda-feira, março 25, 2024

Morologia universal

 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa:

Oximoro - Figura de retórica que consiste em reunir, no mesmo conceito, palavras de sentido oposto ou contraditório.

Portanto, e em termos mais sintéticos, um contrassenso. Já aqui escalpelizei alguns na rubrica "Oximorologia para Totós". No nosso tempo já deixaram de ser ocasionais. Para passarem a infestantes e opressivos. 

Se recuarmos na etimologia da palavra talvez facilite a explicação...

Assim, do grego Oxy+Mwro - sendo que oxy significa "agudo", "estridente", "veemente"; e mwro quer dizer "estúpido", "embrutecido", "néscio", "tresloucado", "insensato", "tolo", "imbecil"  etc -, então "oximoro" resulta em qualquer coisa como "aguda estupidez"; ou "veemente maluqueira"; ou, num termo mais moderno (e consequentemente barbarizado), "gritante nonsense".

Por falar em barbarismos... Na anglonomatopeia actual, curiosamente, "moron" mantém integralmente a grafia e a semântica originais, significando, tal qual há dois milénios, "idiota", "imbecil", "estúpido". Ora, dada a preponderância que a mesma exerce sobre a mecânica mental das massas, não é de espantar que a coisa se tenta aspergido e entranhado por toda a parte. Se repararem bem, sobretudo entre aquilo que passa por notícia, informação, ciência (e não só social), discurso político, paleio "artístico", dir-se-ia termos descido a um qualquer parque infantil (imbecil, em bom rigor), numa espécie de Oximorolândia temática para famílias em peregrinação BD. Temos oximoros para todos os gostos e áreas, tudo resumido e concentrado no mesmo recinto, explanado por múltiplas estações, bem como sob a égide e a gestão do mesmo empório de recreação e entretenimento. Na verdade, é a própria multiplicidade técnica das linguagens (nos seus diversos vocabulários intrínsecos e operativos) que, num golpe de mágica, aparece reduzida e abreviada a um glossário único - uma morologia universal, multiusos e pim-pam-pum! Num tempo em que tanto se palra acerca de diversidade cultural, racial, sexual e mais um par de botas, raia até o anedótico - se bem que o anedótico perverso - testemunhar como tudo se nhanhifica ao desnível do dialecto minimal repetitivo, espécie de novo esperanto da baboseira metida a dogma.

A morologia já era conhecida na grécia antiga. Consistia em dizer tolices e disparates. Uma linguagem sem senso nem sentido.

Quanto aos oximoros propriamente ditos, o fenómeno ameaça já ubiquidade neo-divina. Por conseguinte, entre uma miríade deles sempre hiperactivos, cito apenas os mais comuns e recorrentes: gloriosa traição, esplendoroso esgoto, magnífica ninharia, píncaro rastejante, heroica cobardia, sábia mentira, sincera vigarice, destemida impotência, subtil esterco, majestosos insectos, formidáveis micróbios, gangrena atlética, putrefacção olímpica, palha informativa, etc, etc.

Para quem preferir numa forma mais poética, e já no ensejo do cinquentenário comemorativo, reponho um rasgo antigo que, para meu grande desconforto, amanhece todos os dias mais actual:


A Sangue Frio


Filhos da campa-berço
a caminho da masmorra ginásio
Olhos virados do avesso
sistema de rega por naufrágio;
Bar-restaurante de venenos
a dentadura-bisturi
O feto-camisa de Vénus
máquinas de suplício ao Ralenti...

Um açougue-infantário
um antropófago com ténia,
A máquina da Felicidade ao contrário
academia de carrascos em vénia;
Agrilhoado à morgue-escola
um cadáver repetente,
Um oceano de coca-cola
um esgoto presidente...

Três caixões ortopédicos
um suicídio por contrato,
mil conselhos médicos
sobre a autópsia-parto;
Uma retrete-manjedoura
um esqueleto de bikini,
burocratas em salmoura
vermes com pedigree...

Um trono-patíbulo
um cancro benigno,
capelas de prostíbulo
um genocídio por signo;
Um cemitério climatizado
universidades da putrefacção,
um eunuco apaixonado
chatos de elite e estimação...

Uma hóstia-supositório
múmias com nervos em franja,
Férias pagas no purgatório
arsénico com sabor a laranja;
O homem autónomo perfeito
parafusos, cabos e canos
uma bomba eléctrica no peito
a boca fundida ao ânus.

Répteis de sangue quente
A puta que Deus não pariu...
Um deserto de gente
A realidade a sangue frio.


PS: A viagem do termo "moron" no inglês (via amaricano) também tem a sua história e respectiva piada. Fica para outras núpcias.

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