quinta-feira, março 31, 2011

Errata nacinhal

Onde se ler "conselheiros de Estado" deve ler-se "cangalheiros de Estado".

Credit Cycle

Cidades americanas seguem o exemplo de Portugal. Ou Portugal segue o exemplo de cidades americanas. Ou o exemplo persegue Portugal e municípios americanos. whatever.

«In a speech before the United States Chamber of Commerce, JPMorgan Chase Chairman and CEO Jamie Dimon told the audience:
I wouldn’t panic about what I’m about to say. You’re going to see some municipalities not make it. I don’t think it’s going to shatter America, I just think it’s a part of the credit cycle


Poderemos detectar nisto tudo algum padrão?

Bem, eu, pelo menos, e para já, detecto uma diferença assinalável: enquanto nós ruímos com fragor, por atacado, eles parece que vão aos bochechos, às fatias, às mijinhas. O nosso país inteiro, destemido, mergulha de cabeça e eles, pusilânimes, vão-se atirando da falésia em fracções, em parcelas, por cidades. Maricas!... Merceeiros!

terça-feira, março 29, 2011

Morte a crédito e Mercados é só um eufemismo de Bancos

«In Spain and Portugal, J.P. Morgan is a leader in the local financial markets and among the top international banks in all products.»

Agora esta, já antiga, mas, à luz actual, uma verdadeira delícia:


Pois. Afinal, a principal exportação da república democrática portuguesa não eram vinhos, nem azeites, nem cortiças: era a dívida. Andaram a vender a dívida, calcule-se. Depois de delapidarem o passado, trataram de hipotecar o futuro. Andam nisso há vinte anos. Continuam, aliás, a emitir rifas. Só que parece que vão pelo caminho do Madoff. Há um ponto em que o tal "tapete da confiança", de repente, voa para parte incerta. E ficam a boiar no espaço. Assim, mais ou menos a pique.
Isto só demonstra como eu sou um gajo obscurantista, obsoleto e anacrónico: nunca tive jeito para contrair dívidas. Tenho a mania de pagar o que tenho e de ter aquilo que posso pagar.

Regra Mor: aquele que tem o dinheiro não faz as regras - compra quem as faça.

domingo, março 27, 2011

O Feudalismo Financeiro




«Ora toda a América económica se explica por esta palavra - feudalismo industrial.
Diz-se, na América há um constante aumento de tráfico, de receitas: não há aumento; há deslocação em proveito da alta finança - com detrimento das pequenas indústrias produtoras.
Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia e produtores que emagrece, definha, e dissipa-se nos proletariados; e como o equilíbrio não cessa, não cessam estas terríveis desuniformidades.»

- Eça de Queiroz, "Prosas Bárbaras"

O tal feudalismo económico não só está de boa saúde como se propagou à escala global. E é curioso assistir, ao longo dos últimos cem anos, a todo um processo de instauração hegemónica de esquemas políticos cada vez mais liberais servindo apenas de maquilhagem a super-esquemas económicos cada vez mais opressivos e tirânicos. Note-se a ironia perversa: somos cada vez mais livres politicamente, ao mesmo tempo que a política é cada vez menos autónoma e determinante - é cada vez mais títere, serviçal e escrava. Para que serve então a democracia, para que serve então o voto? Se a escolha é sempre uma escolha em segunda mão e o resultado da escolha, no essencial, é indiferente. Para que serve então a democracia se o demo que serve não é o povo mas o outro, o da alta finança?
Melhor: que deliberação genuína possui um povo credito-dependente em elevado grau? A mesma liberdade que um junkie tem em relação ao seu abastecedor.
Querem fazer uma revolução? Larguem primeiro a droga, pá!... Comecem por reaprender a posição vertical.

sábado, março 26, 2011

Portugueses

«Quando, por sua culpa, o homem dissipa a própria felicidade, já não me parece um ser vivo, mas antes um cadáver com vida. Entesoura, se te apraz, grandes fortunas em casa, vive com o fausto dum déspota: se a isso não juntares a felicidade íntima, eu não compraria todo o resto a troco duma sombra de fumo.»

- Sófocles, "Antígona"

Diz-se a um homem como se pode dizer a um povo. Vender a alma por sensações foi tão estúpido como seria vender a língua por comida. Vendida a alma, resta agora pagar com o corpo.

quinta-feira, março 24, 2011

A Descarga da Brigada ligeira

Caiu o governo, dizem-me. Impossível. Aquilo que rasteja não cai. Põe-se, se tanto, de patas para o ar. Vai cair o país, o povo, a nação, por causa disso? Também não, não se preocupem. Era em cima deles que o Governo rastejava. Agora vão reabsorvê-lo e vomitá-lo de novo. Chamam-lhe eleições. Ao regurgiteio.
Já não esperam o Sebastião: só chamam pelo Gregório.

Trote no Trottoir




Endrominar papalvos é uma arte. Parece que a técnica, segundo pude apurar junto dum escroquezito familiar, consiste em levar as pessoas através daquilo que elas querem ouvir. Uma técnica de enlevo, portanto. Na sociedade em geral é a mesma coisa. Só que aí a vigarice processa-se sob os ouropéis solenes da política e com a protecção hermética dos tribunais e das autoridades. Promete-se um qualquer paraíso ou via aberta para ele, a felicidade do povo inteiro e arredores, a harmonia e a abastança generalizadas, tudo isso, claro está, em suaves prestações e cumpridos determinados requisitos e rituais. Na realização destes é que está a piada toda...
Assim, onde o escroque familiar estipula: dá-me aí uma certa quantidade de euros, ou abre-me aí uma linha de crédito em teu nome, que eu faço um milagre (ele chama-lhe outra coisa muito mais perifrástica, ao gosto do cliente, mas o sentido exacto é esse), o escroque social, por seu turno, contratualiza: emprestem-me aí o poder que eu levo-vos ao Paraíso na terra, com automóvel, casa e viagens às Caraíbas para se entreterem na sala de espera. Depois, uma vez entronizado, vai debitanto os tais quesitos sine qua non, sempre novos e mais exigentes. Cito apenas um dos mais conhecidos e loquazes...
Aqui há uns trinta anos, por diagnóstico exaustivo de astros e áugures da moda de então, urgia aumentar a densidade de doutores por metro quadrado. Assim como a criptonite dava cabo do super-homem, a doutorite seria a salvação de todos nós. Num país de doutores e engenheiros não há infelicidade nem salários de miséria, festejou-se em delírio. Um povo iluminado pelo canudo escaparia de vez ao obscurantismo e galgaria, com donaire e fulgor inauditos, todas as barreiras e recalcamentos na via esplendorosa para o orgasmo social. Era seguro e mais que garantido. Com o bónus de poder intitular-se doutor qualquer licenciado de merda. Oh maravilha, oh cornucópia, eis a corrida às universidades (que, entretanto, à semelhança das televisões, pululavam que nem cogumelos).
O facto é que meia dúzia de anos adiante, e como tardassem sinais do eden profetizado, a licenciatura, revelava-se sibilinamente, já não bastava. Para a carreira no ensino (espécie de vazadouro geral dos licenciados) requeriam-se novos e viscerais sacrifícios: reestruturações forçadas, pós-formações procústicas e estágios pedagógicos de ocasião; para os restantes havia que acometer, sem medo nem dúvida, o mestrado. Fornadas de mestres e mestrinas brotaram então em catadupa.
Mas o horizonte não se compadeceu. Continuou soturno e carrancudo. Correu-se às novas bruxas e adivinhos. Nova reformulação de requisito com que subornar os espíritos e suavizar os deuses: o curso no estrangeiro é que era o valioso; o mestrado, então, era passaporte mais que garantido para o olimpo vitalício. E as manadas académicas debandaram para a estranja, em busca de mais proficiente pastagem. Donde regressaram lustrosas e tosquiadas, prontas para o ascensor. Mas o edifício, afinal, não dispunha de tão desejável equipamento tecnológico e as escadas, antiquíssimas e carunchosas, rangiam, à beira do colapso, atravancadas doravante de filas e filas em lista de espera, armadas de diplomas inúteis, valendo tanto como doutoramentos em Kinshasa. O eden ensaiava-se agora em estranhos trampolins: cabinas de portageiro, call-centers ou caixas de hipermercado. Em muitos casos, uma vez esgotado ou exíguo o património paterno, para unicamente pagar o crédito bancário entretanto contraído para a peregrinação académica.
Até que este nosso presente amanhece. Embalados nos braços rotos duma nação falida, deitados nas palhinhas ásperas do presépio da situação, sob o hálito do desemprego e da precariedade, os doutores do fermento royal e da farinha amparo protestam. Afinal, em vez do paraíso prometido é o infernozinho requentado. E já nem é o orgasmo social que reivindicam: contentavam-se com uma gratificaçaozinha pessoal, um mero emprego decente. Haverá entre eles de tudo como em toda a parte: desde genuínos famintos a meros famintos da sobremesa alheia, passando por sonhadores inveterados ou conspiradores profissionais, mas o certo é que, em conjunto, emitem um clamor significativo e digno de atenção.
E o que é que escutam? E o que é que ouvem de mil vozes severas, impiedosas e agourentas? Que a culpa é deles! Que fizeram a cama, agora que se deitem nela! E se queriam plumas, pois que se espreguiçem em pregos! Cobiçavam o néctar e a ambrósia, pois que engulam lâmpadas e facalhões! Cursaram para viscondes, que se pós-graduem então em fáquires!... Assanhadas prédicas, convenhamos. E porquê um envespamento tão avinagrado destes, uma miopia tão velhaca e grosseira, contra tão desvalidas, ludibriadas e tresmalhadas criaturas?
É o novo requisito, pois claro. É o coro dos videntes, cartomantes e magos patalógicos do momento! Afinal, não basta a licenciatura e o mestrado, em Portugal ou no estrangeiro. Nem os estágios, pós-graduações ou de perlim-pim-pim. Porque o grande critério, para o infalível Abre-te Césamo da opulência, e após uma série de falsas partidas (cuja responsabilidade deve atribuir-se exclusivamente aos concorrentes), foi finalmente encontrado. Desta vez é que é a sério. Pois. Ora registem: Cursos de humanísticas não valem. Só estorvam. Só prejudicam o candidado, esterilizando-lhe a carreira-mãe e contaminando-lhe o precioso currículo-vida. Desembaraçem-se deles, o quanto antes! A verdade, oiçam todos, é que o mercado detesta humanísticos! Isso mesmo: nem pode vê-los à frente. Uma fobia daquelas! Ao contrário, estima muito as desumanísticas, que tudo lubrificam, amarinham, penetram e conquistam. Desumanísticas é que é! Desumanísticas é que salvam, aplacam a ira dos mercados e preenchem na íntegra o almejado passaporte para a fortuna e o dolce fare tuti. Sem desumanísticas, nada feito. Debalde trepareis - de balde e alguidar para as vossas lágrimas. Improficuamente vos agachareis, na preparação académica e uber-batráquia do salto. Vale menos que carta de electricista, brevet de bate-chapas ou portefólio de canalizador. Não direi sequer que vale zero, porque sereis recompensados abaixo disso. E nem o reconforto mínimo de gorjeta auferireis, abaixo de empregados de mesa ou táxistas que gemereis!...
Portanto, antropólogos, sociólogos, arqueólogos, alcoviteiros da internacionalidade fácil, historiadeiros, filhósofos, jurristas, poetas, artistaços e sabe Deus mais quantas capelinhas, em vão pastastes, rilhastes e vos submetestes a praxes indignas de insectos rastejantes. Mais valia terdes ficado pela profissão dos vossos pais, ou pela praia, piscina ou alternotério da vossa terrinha. Ao menos não alcançaríeis, após não sei quantos anos de pura inutilidade social, um salvo-conduto para o desemprego, um bilhete de primeira no expresso para Lado Nenhum., um, enfim, que sei eu, passaporte vip para o Cabo dos Fantasmas. No fundo, apenas inaugurastes uma nova categoria no mercado laboral: a dos inempregáveis. A fazer fé nas vaias e apupos, pior que desempregado, estou em crer. Porque o desempregado ainda experimenta uma qualquer espécie de emprego, mas vós nem isso. Morrereis virgens do verga-mola. Com esse diploma-hímen de tal modo obstrutivo que mais lembra o cinto-de-castidade. Pelo menos é isso que vos certifica com alarido vasto, o tal coro patalógico de videntes encartados e bruxas más do instante a ferver. Intrigado com tamanho ruído, dei comigo a ponderar: "Por Toutatis, devem tratar-se com certeza de engenheiros aeronáuticos, electrónicos ou químicos, capitães de traineira, paquete ou arrastão, empresários de hotelaria, enólogos ou, no mínimo, técnicos superiores agrários, estes xingadores de camarote. Enfim, só vindo de barões da indústria e da tecnologia, essas queridinhas dos mercados, será compreensível um tal dilúvio depreciador e menoscabante. Só mesmo de Titãs que, fartos e cansados de carregarem em ombros o peso da economia nacional, largassem em imprecações e desabafos aos pelintras e ociosos." Decidi investigar. Havia que confrontar esta minha intuição com a realidade. O que se segue é apenas uma pequena amostra emblemática do resultado:
1. Pacheco Pereira - Historiador (licenciado em filosofia)
2. Helena Matos - Historiadora
3. Alberto Gonçalves - Sociólogo
4. Henrique Raposo - Historiador e Cientista político
5. João Pereira Coutinho - Historiador (de Arte)
6. Eduardo Pitta - Poeta e Connaisseur (bible way)
7. Eu podia ficar aqui o resto da noite a catalogar, que não saíamos disto: historiadores, sociólogos, cientistas da política, juristas, advogados, jornalistas, comentaristas, politólogos, poetas, e por aí fora.

Então, em que ficamos? Não há mercado? Não há mercado!, barafusta um bando de varinas entrincheiradas nas suas bancas de praça. Isto, na verdade, lembra-me aquelas profissionais veteranas de esquina em assanhada defesa da sua mina contra as novatas de arribação. "Vós tendes a beleza e a frescura mas o território (e respectivo sindicato) é nosso!"
Por conseguinte, jovens à rasca, compenetrai-vos: ao parasita da economia, ao proxeneta do mercado, não é a dissidência, nem a contrariedade, nem, ainda menos, a hostilidade que o apoquentam: é, sobretudo, a imitação. Para a sociedade e a economia está-se genuinamente nas tintas. O que o assusta mesmo, até à medula gelatinosa, é a concorrência. Por mera e longínqua hipótese que seja.
Quando velhas putas aconselham novas candidatas a mudarem de vida e rumo não significa piedade, desdém ou sabedoria: significa, pura e simplesmente, medo. Estão à rasca.


segunda-feira, março 21, 2011

Repórter Flash - A Bordo do USS Não Sei das Quantas


Bom dia, teleleitores, teleleiteiros e onde quer que me estejam a ver! Hoje, encontro-me aqui, a bordo do porta-aviões Fulano de Tal a entrevistar o Almirante Texas Jack Akiestamos, presidente deste circo.

Repórter Flash (RF) - Ora bem, almirante, vou directo à questão: o que significa "zona de exclusão aérea"?
Almirante Texas J. A (ATJA) - Well, significa escaqueirar aquela merda toda! In military linguagem. Very simple, indeed. No Bull shit!
RF - Ah, bem me parecia. E "zona de exclusão naval"?
ATJA - Same coisa: escavacar aquela porcaria toda!
RF - Correcto. E "zona de exclusão terrestre"?
ATJA - Espatifar a torto e a direito, sem contemplações. No dúvida.
RF - Muito bem. E "acção humanitária"?
ATJA - what?!!
RF - "Acção hu-ma-ni-tá-ria". Humanitary stuff!...
ATJA - well... Humanitary stuff or cemitery stuff, no diferença. First we bomb, then we bomb, and bomb again, just in case, quer dizer, escaqueiramos aquela merda shit toda, in a sistematic e simpática way.
RF - E pessoas, o que significa "pessoas"?
ATJA - Fernandos?...
RF - No, no. Not poets, pessoas - people!
ATJA - people? No such coisa nestes places. There is no people: sòmente bad gajos!
RF - And good gajos?
ATJA - We are the good gajos. The other gajos são bad gajos!
RF - Mas então vocês não receberam um mandato para proteger gajos?
ATJA - Oh, esses ones, são bad gajos que nós temos que proteger dos very bad gajos!
RF - E como é que pretendem fazer?
ATJA - well, primeiro we bomb, depois veremos! Em caso de doubt, nós bomb again. Depois, we will see. Talvez we invade for our Marines brincar aos check-points. They love check-points!...
RF - Almirante Texas, estou aqui a mirar este Tomahawk... Quanto custa um brinquedo destes? How much money, compadre?
ATJA - Arround 750.000 USD.
RF - E quantos pensa gastar em cima dos very bad gajos?
ATJA - Well, pá... Nós have metas de produção como qualquer outra indústria ou service. So, assim por alto, estou a pensar em todo o stock. This is full USA stuff, bom para o american worker. E ainda por cima tem prazo de validade, like iogurtes.
RF - Mas não podem usá-los passado o prazo de validade?
ATJA - Oh no. That não seria decent. Neither legal. We have very strict sanitárias regras. O nosso Infarmed - FDA, as we chamamos - exerce um controlo rigoroso sobre estes issues. . That's por isso que somos a very civilized country, o esteio da luz and democracy in the world!... Se atirássemos mísseis caducados aos nossos targets , seria o mesmo que um médico ministrar supositórios fora de prazo aos seus doentes.
RF - Portanto, esgotado o prazo de validade, lixo.
ATJA - No. As a matter of facto, we are civilized, not estúpidos. Esgotado o prazo e validade, we sell it to the jus. Depois, os jus vendem-nos aos not so civilized gajos.
RF - By Jus tu mean the...
ATJA - Yes, I mean the...
RF - And por "not so civilized gajos" significa quem, por exemplo?
ATJA - Angola, Paquistão, Portugal, Irão...
RF - Irão?!!...
ATJA - Yes. They vendem-nos ao Irão, througt Venezuela or Ukrania, transformed in mini-tube-misseis.
RF - But, não é isso insane?
ATJA - No, they are very clever gajos, estes Jus. After comprar estes mini-tube-misséis from them, os Iranians enviam-nos para o hezbolla e para a palestina. Só que como estão armadilhados com micro-emissores, pelos Jus, são facilmente detectados e recapturados pelos Israelis. Que os revendem em África. Onde os Iranianos os buy again e tornam a enviá-los to the same circle. And so on and on... It's a never ending negócio!...

RF - Bem, almirante, obrigado pelo seu tempo e pelos esclarecimentos. Agora agradecia apenas uma boleia de helicóptero até à Líbia. Convém ouvir a opinião dos bad gajos acerca da vossa terapia de choque.
ATJA - No problem. And by the way, não quer autografar este next Tomahawk?...
RF - Ok Compadre... Ildefonso Caguinchas... Posso fazer um coração com uma seta?

ATJA - Whatever queiras!...
RF - Ok. Então... Ildefonso Caguinchas loves Nicole. PS: And Adriana, Maitê e Solange!

sábado, março 19, 2011

Alegoria mórbida


«Um coveiro tinha amigos a cear. Cearam. beberam. Havia um vinho mordente e duro da taberna.
As estrelas estavam frias. Saíram para o cemitério inconsolável. Cambaleavam ferozes. Amontoaram a ramaria de um cipreste e acenderam uma fogueira. Cantavam à viola e dançavam como saltimbacos.
Um deles gritou:
- Mulheres! Venham mulheres!
- Há-de-as haver por aí - disse com largos risos o coveiro.
E todos começaram procurando uma cova onde estivesse fresco e são um corpo de mulher: tinha sido enterrada uma rapariga naquela madrugada. Vinha atrás do caixão um rapaz todo amarelo, com grandes cabelos caídos. Tiraram a terra. Apareceu o caixão. Ela tinha o vestido despregado no seio e via-se a carne branca.
- Archotes! Archotes!
Trouxeram ramos acesos.
- Quem há-de ser o primeiro? que ela está a preceito!
Desceu um, bêbedo, desapertado, galhofeiro e obsceno. Estendeu a mão dura e meteu-a pela abertura despregada do vestido entre os seios da morta.
Deu um grito. Tinha sido mordido. Era o bicho das covas. O bicho era o último amante daquele corpo branco; o bicho das covas tinha ciúmes.»

- Eça de Queiroz, "Prosas Bárbaras"

Adivinhem lá de que é que isto me parece a alegoria...

quinta-feira, março 17, 2011

Um Postal Incorruptível.


Lembram-se? Está sempre actual. Postei-o pela primeira vez em Maio de 2005. Repostei-o em Abril de 2006 e em Maio de 2008. Recoloco-o agora, em Março de 2011 e, não queiram lá ver, permanece viçoso que nem uma alface, absolutamente incólume aos anos e às canseiras.

OS OTÁRIOS QUE PAGUEM A CRISE. É PARA ISSO QUE ELES EXISTEM.

Estou de acordo: "Os ricos não devem pagar a crise".

Em primeiro lugar, porque os ricos são o esteio da sociedade e do mundo. Se acabássemos com os ricos, para que farol guia olhariam os pobres, bem como os remediados e os quase nababos? Ficariam às escuras, pois claro, sem saberem para onde se dirigir nem que paradigma imitar. Naufragariam irremediavelmente de encontro aos escolhos, traiçoeiros e pontiagudos, da existência.
Nenhuma sociedade funciona sem um regime, e nenhum regime se aguenta sem paradigmas orientadores. Depois de inúmeras peripécias que seria fastidioso enumerar, o mundo ocidental arfa sob os primores duma plutocracia vigorosa. Não adianta fazer grandes ginásticas mentais à procura de mundos alternativos; é assim. A História, à boa maneira hegeliana, porta-voz do "Espírito", determinou-o.
Por conseguinte, sendo uma plutocracia, tem nos ricos o vértice da pirâmide – tal qual como se fosse uma monarquia, teria no rei; ou, uma teocracia, encontraria em Deus. Ora, se retirarmos o rei à monarquia, ou o Deus à teocracia, lá ruem ambas, a monarquia e a teocracia, sem apelo nem agravo. O mesmo acontece se retirarmos os ricos à plutocracia. Resulta no caos, na anarquia, desatam-se todos a comer uns aos outros. Descamba o carrossel numa depredação intra-específica sem regras, bestialmente destrutiva e causadora dos piores atropelos e sevícias à ordem pública e não só.
Assim, tal qual vamos, há uma ordem: os ricos comem todos os outros; os pobres são comidos por todos os outros; entre os ricos e os pobres existem uns terceiros que comem e são comidos. Se não é o melhor dos mundos, anda lá próximo. É como na selva: há um equilíbrio natural, racional, que visa a perpetuação do sistema ecológico. Têm que existir poucos ricos e muitos pobres, da mesma forma que devem existir poucos lobos para muitas ovelhas. Se existissem muitos lobos para poucas ovelhas, os lobos exterminariam as ovelhas e, depois, definhariam até à inanição por falta de alimento. A não ser, claro está, que os lobos mais fortes despromovessem os mais fracos a ovelhas e desatassem a pitar neles. Em todo o caso, isso não passaria duma solução de emergência e apenas adiaria o colapso inevitável do sistema.
Portanto, sendo os ricos o que de mais precioso tem o regime, convém preservá-los e protegê-los de todos e quaisquer percalços. Ora, um rico não é rico porque paga crises ou o que quer que seja. Pelo contrário, é rico porque lhe pagam inúmeras coisas: é rico porque recebe. Viaja isento, à borliu.
Também, ao contrário do que se pensa, o rico não é rico porque investe o que quer que seja: é rico porque acumula. Se o rico gastasse o seu precioso dinheiro –a sua essência, e substância inefável do sistema -, em negócios e fabriquetas, corria o risco de ficar pobre. Ora, esse é um risco que nenhum rico que se preze pode correr.
É claro que o pobre, e especialmente o pobre de espírito, cisma que assim é. Isso, porém, não nos deve surpreender: É conveniente ao sistema e ao rico que ele assim pense. Tratam até, ambos, de mimar-lhe essa imbecil convicção, de mantê-lo nessa ilusão mentecapta. Mas, na verdade, o rico apenas se dedica a multiplicar o seu dinheiro, velando, desse modo, pela própria saúde do regime e pelo equilíbrio do ecossistema.
Quer dizer, o rico nunca investe o "seu" dinheiro. Investe, isso sim, o dinheiro que o banco lhe confia para investir. O "seu" dinheiro significa apenas"crédito" junto da banca, funciona como uma espécie de brevet para "piloto de capitais". Porque o rico é essencialmente isso, um piloto de capitais, que se faz pagar a peso de ouro pela crematonáutica que exerce. O "seu" dinheiro é apenas aquilo que antes da operação a garante e que, terminada a mesma, resultará ampliado. A função do rico é tornar-se cada vez mais rico. O ser rico, bem mais que um estatuto, é uma dinâmica: cega, obsessiva, inexorável.
Então, com que dinheiro investe o rico? – Com o dinheiro dos outros, é evidente; precisamente aquele que a banca extrai à grande maioria.
E o que é uma "crise"? – É uma época de desequilíbrio financeiro, em que, por um lado o Estado através de impostos e taxas, e por outro a banca e seus associados, através de "empréstimos" (que mais não são que formas encapotadas de cobrar "taxas" e "impostos" muito acima dos do próprio Estado), deixaram ou ameaçam deixar a grande parte da população na penúria, senão mesmo à beira do colapso enquanto sociedade.
Se o dinheiro deixa de circular com a quantidade necessária a manter um fluxo de oxigenação saudável do sistema, isso só pode significar hemorragia algures.
Quando, em plena crise, a banca apresenta lucros fabulosos, isso significa que esse dinheiro foi sacado à população e entregue nas mãos dos tais "pilotos". O que estes fizeram, obedecendo à sua lógica intrínseca, foi ir investi-lo noutras paragens mais rentáveis. O objectivo do investimento não é criar postos de trabalho: esse é o simples meio. A finalidade é multiplicar o capital inicial. O resto é supérfluo e, em bom rigor, descartável, logo que a finalidade esteja alcançada.
Entretanto, o país de regresso à sua penúria tradicional, do ponto de vista dos ricos e seus acólitos, é positivo: quer dizer que o país, de volta ao terceiro mundo e à realidade, está a transformar-se num país mais competitivo, com mão de obra mais barata e menos esquisita. Para os pobres, os verdadeiros, também não faz grande diferença: abaixo de pobres não passam, e já estão habituados. Concentram-se no futebol, na pinga e lá vão. Os únicos que, de facto, têm motivos para se preocupar seriamente são aquela classe heteróclita e intermediária – daqueles que vivem digladiados entre a angústia de regredirem a pobres e a ilusão de, num golpe de asa, ou por qualquer súbita lotaria do destino, ascenderem a ricos. Esses, temo-o bem, vão ter que sacrificar-se, mais uma vez, pela competitividade do país. É, aliás, urgente que desçam do seu pedestal provisório e se compenetrem dos seus deveres atávicos. São para isso, de resto, que, cíclica e vaporosamente, são criados.
E dado que os pobres não pagam porque não têm com quê, e os ricos também não, por inerência de função e prerrogativa sistémica, resta-lhes a eles, os tais intermédios (ou otários, se preferirem), como lhes compete, chegarem-se à frente. Está na hora de devolverem a sua "riqueza emprestada", o seu "estatuto a prazo"; de se apearem do troleibus da ficção e retomarem o seu lugarzinho na horda chã, em fila de espera para o próximo transporte até à crise seguinte.
Não sei se campeia a justiça neste mundo. Duvido. Mas que reina uma certa ironia, disso não restam dúvidas.



Do Calvário colectivo



Em resumo: após trinta e tal anos de "salvação nacional" e de marchas forçadas para fugir à pobreza salazarista e ao obscurantismo não sei das quantas, o país está falido, a crise moral (como lhe competia) deveio crise económica e o "estado português", após engordar porcina e desmesuradamente, degenerou em puro junkie do crédito. Agora, à torpe semelhança de qualquer agarrado ao vício, a solução é vender ao desbarato todo o património da família, herdado, emprestado ou surripiado, findo o que, se recorre à prostituição, à venda de órgãos e, finalmente, depreende-se, ao parqueamento improvisado de automóveis. Talvez uma vasta auto-europa, quem sabe. Sempre é uma promoção: de retrete (como dizia Mestre Almada) a parking-car.
No meio de toda esta crise de fundo, estão agora preocupados com uma crise na maquilhagem, digo crise política? Se demos nisto, e nada mais que isto, se os nosso filhos e netos já estão fadados e prometidos a isto, ok, tudo bem. Não vamos agora acobardar-nos. Tragam lá o cálice colectivo. Se Cristo aguentou, porque é que nós não havemos de aguentar?... A nossa cruz chama-se agora "dívida soberana". Muito bem, alombemo-la encosta acima. O chicote romano está em mãos germanas, mas vai dar ao mesmo. A judiaria internacional (e seus derivados domésticos) cospe-nos e renega-nos, agora que já não fazemos milagres nem hidrobulismos, mas isso é mesmo assim, faz parte do pacote. Em frente, irmãos! Antes do galo cantar, não sei quantos pedrados, pedreiros e pedrosos hão-se dizer que nos desconhecem e nunca nos viram mais gordos. O que, em boa parte, até tem os seus laivos de verdade. Deus lhes perdoe a todos, porque não sabem o que dizem, nem dizem o que fazem. Mas se, afinal, é só isto, esta tarefa tão básica e inequívoca, mais que sabida , prometida e ensaiada, então, sinceramente, porque raio se discute ou disputa o governo? Competente, incompetente?... Qual quẽ!, nem uma coisa nem outra: redundante, isso sim. Completamente supérfluo e redundante. Já nos basta a "dívida" por cruz. Dispensa-se, de todo o coração, um pseudo-Simão Cireneu cujo entendimente de ajuda é montar a cavalo no madeiro. Como se para curar-nos da exaustão, nos submetesse, em impiedosa cavalgada, ao derreamento.

terça-feira, março 15, 2011

Sinais do tempo - II. A Corte do Exturquistão




Vamos supor que existe de facto, e não como mera fachada operativa de oligarquias, plutocracias e neo-feualismos rococó. Refiro-me, obviamente, à democracia. Faz-me confusão que se faça dela uma finalidade e não o simples meio que ela efectivamente não é, mas devia ser. Como se a democracia, em vez de mera forma de regime político se transformasse, simultaneamente, em mandamento e fundamento teológico. Em que é que esta democracia, nessa singular essência, se distingue do fascismo, do comunismo ou de qualquer outro totalitarismo moderno ainda está para nascer quem consiga o milagre de me explicar. Por outras palavras: mais que uma opção, entre outras, a democracia virou superstição. Dourada de fetichismos vários: o voto, o sufrágio universal, a alternância democrática, a soberania popular. Regredimos ao nível dos animismos africanos, mas com a pompa e circunstância de ideologia religiosa.
Ora, ideologia não enche barriga; nem alma, tão pouco. Esta treta da democracia para toda a obra tresanda a supositório paliativo universal de carregar pela orelha, lembra a vaselina multi-uso ou a banha-da-cobra para massajar o papalvo: "tendes fome? Mas sois democráticos!"; "Não tendes emprego? Mas tendes democracia, que diabo!"; "O futuro desaparece pelo ralo? Mas resplandece e eleva-se no firmamento a democracia, ora essa!"; "Perdestes a independência? Mas ganhastes o parlamento!"; "falta-vos tudo isso e ainda os sonhos, mas tudo isso são acessórios; o essencial é a democracia." Tudo pela democracia, nada contra a democracia!
Porque em havendo democracia, garantem-nos a todas as horas, o resto, mais tarde ou mais cedo, há-de jorrar em cornucópia. O problema é que não há, e a que há não jorra, a não ser para o meio-milhão de super-mamíferos (ou seja, as mesmas 200 famílias do antigamente mais as centenas de arribadores de agora). A que há, para a generalidade da população, só pinga um fel intragável que, em cada dia, vem azedando mais e mais. A que há não serve ninguém, a não ser aqueles que se servem dela para reduzir o povo à servidão absoluta.
Foi um mimo ver como, mal se anunciou uma manifestação não engendrada pelos alfobres e tutores do costume, logo os gansos da situação - os Pachocos pereiras e outras rameiras canoras- desataram no alarido manhoso (e típico da agitprop onde mentalmente se cevam e vegetam) de "atentado à democracia", "conspiração contra a democracia", "ensaios protofascistas, nazis, stalinistas, nihilistas, draculianos em gestação". E tudo isto por uma razão muito simples: Porque a manifestação (como sublinhou e ressublinhou com fotorreia exaustiva à posteriori, o Pachoco) era contra a classe política e a política tripulada e açambarcada pela classe política. Ora, este grasnar crónico nada revela da identidade da manifestação (que acabou, como se viu, por estilhaçar com todos os preconceitos e antecipações) mas estadeia em quase tudo da estirpe destes gansos profissionais. Para eles a democracia significa, em exclusivo, a classe que a exerce profissionalmente, e não a generalidade da população para quem (e em nome de quem) é exercida. E quando esta se manifesta, à revelia e contra aquela, eles malsinam que a população tem intuitos anti-democráticos. A "Democracia somos nós", é, no fundo, o que proclamam e ameaçam, lá das entranhas do seu rosnido. Estar contra eles é estar contra a democracia, porque, mais ainda que interpretá-la ou exercê-la, personificam-na. Consubstanciam-na. São a sua encarnação absoluta. Ora, este conceito solipsista de democracia não é exactamente liberal, por muito tartufo e troca-tintas que o liberalismo consiga ser, e consegue. Na verdade, a estes cucos ideológicos, o ninho liberal serve-lhes apenas como incubadora dos seus ovinhos armadilhados. A sua permanente e recorrente elitose revela bem da sua efectiva génese - a dos polipríncipes de vão de escada, das nomenklaturas recauchutadas, das vanguardas esclarecidas da classe operária, mais chinesas até que soviéticas. Basta atentarmos na extracção e proveniência de cromos hiperactivos e ubifónicos como esse tal Pachoco Pereira.
Só assim se explica como padecemos sob sequestro duma casta parasita que dirige à revelia e contra os interesses da população hospedeira que, apenas em tese, é suposto representar. Mas lá está: não têm tempo para representar as pessoas, porque estão atarefados, absorvidos, ocupadíssimos a representar a democracia. Em suma: a auto-representar-se. A fazer de conta e por conta. A mirar-se e remirar-se ao espelho, crocitando: "espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais democrata do que eu?"
Porém, enquanto tudo não passou dum esquema típico do Exturquistão - enquanto foram subtraindo apenas as contribuições, os impostos e os fundos putativamente destinados às pessoas, mais os cargos, os subsídios e os ecrãs, a cleptocracia mixordeira que se traficou por democracia puro malte foi sendo mais ou menos tolerável. Mas quando mais que a carteira, já é o futuro e os sonhos que se perpetra roubar a todo um povo, então a falcatrua, de abusiva devém assassina, e, aí, torna-se intragável, insuportável, abjecta. Mais: torna-se dever de todo o português vertebrado acabar com ela! Não com a democracia que não existe, mas com a corja de narcisos insaciáveis que se faz passar (e pagar opiparamente) por ela. Porque a democracia é uma simples forma duma sociedade se organizar, que pode funcionar melhor ou pior, ou assim assim. Não é, de todo, e à semelhança de outros palavrões inefáveis e ultra-maquilhados (estilo Mercado, por exemplo), como nos querem fazer crer, um ídolo feroz e inescrutável que exige a submissão e o masoquismo exacerbado das humanas gentes. E não é, tão pouco, um luxo, pelo qual um povo inteiro se tenha que arruinar, suicidar e empenhar os vindouros até à sétima geração. Luxo mesmo, daqueles supinamente incomportáveis, é uma corte destas, tão descomunal, cigana e dispendiosa, para um rei-povo reduzido à indigência (mental, moral e económica) e um reino outrora soberano remetido à mendicidade!



domingo, março 13, 2011

Sinais do Tempo - I




Não há muito que saber sobre os portugueses hodiernos. Funcionam por atracção numérica, ou dito em termos mais eruditos, por oclocentripetia. Nos restaurantes, como nos blogues ou nas praças da revolução. Em vendo gente, juntam-se. Aderem instintivamente. A multidão congrega e aglutina. Participar é também uma forma de mirar, e ambas, em sincronia (e sinfonia) subtil, entretecem toda a excelência do seu estar. Desde o berço -qual!, desde as bolsas seminais paternas - fruem dessa quase segunda natureza, desse atavismo irresistível. Expoente categórico disso mesmo, à escala presente, é aquilo que de mais forte e sincero nutrem nas suas almas: a simpatia futebolística. Ao Benfica, por exemplo, é irrelevante a conquista de qualquer troféu: basta-se com a sua turba inaudita. O que verdadeiramente nele atrai não é tanto uma qualquer virtude desportiva, mas sobretudo o pertencer à maior horda - o "Sermos muitos", o "sermos mais", "o sermos mais que todos"... Esta adesão espontânea e, de preferência, ululante e festiva ao número confunde-se já com tradição. Até porque nestes tempos mais recentes, preenche-a e calafeta-a quase por completo. Mesmo os resquícios de sagrado é na teologia da bola que se anicham e persistem. É a única "religião" sincera que os pais teimam ainda em incutir aos filhos.
E assim chegamos à manifestação de ontem. Não deixa de ser natural que os académicos, os politiqueiros profissionais e os opinadeiros dos mais variados quadrantes da instalação desdenhem das virtudes do evento. Por nefelibatismo crónico, sobranceria bacoca, zelotípia alarve ou mera e lustrosa pentelhiquice, é assim: regra geral, só alcançam até onde a pança e respectivo farol umbilical deixam. Eu próprio não fui nem sou particular entusiasta do empreendimento: qualquer coisa que junte "laico" e "pacífico" no mesmo slogan deixa-me logo de pé atrás. Mas algo que faço por cultivar é o preceito de não permitir que aquilo que eu penso duma coisa contamine irremediavelmente aquilo que essa coisa, de facto, é. Dito mais simplesmente: o preconceito é lixado. Mas por isso mesmo não devemos deixar que eclipse e obnubile, nem o objecto, nem a tese. Até pensadores de vão de escada como Descartes nos alertaram para isso. Já que pensadores a sério, como Aristóteles, souberam ser mais eloquentes - "sou amigo de Platão, mas amo mais a verdade".
Pois bem, a manifestação de ontem não tinha que dizer nada de especial: só tinha que realizar-se. A sua realidade era o seu número. Tão simples quanto isso. A mensagem era essa. O facto de não terem emergido surfistas políticos no local, mais que aqueles cançonetistas folclóricos, só abona do acontecimento. Para efeitos práticos, valeu mais aquela manifestação do que trezentos mil blá-blá-blás esclarecidos e altamente perfunctórios de não sei quantos iluminados internéticos, onde naturalmente me incluo. Que efeitos práticos são esses? Tanto quanto práticos, são necessários e, em certa medida, fatais. Mais que desgoverno, o governo tornou-se hostil e grosseiramente inimigo da quase totalidade da população que é suposto cuidar. Mais até que liquidatário, tornou-se revolucionário: dum dia pró outro, e depois de viciamentos prolongados em determinados costumes que ele próprio incentivou, mediou e gratificou, pretende sujeitar as suas vítimas a uma inversão abrupta e instantânea de todos os seus comportamentos. Como se isso fosse possível e exequível. Como se depois de lançar uma locomotiva a todo o vapor por uma ribanceira, fosse possível resolver a asneira descomunal através duma manobra simples: engrenar a marcha atrás e punir os passageiros, através de multas, coimas e taxas. Só se for na Banda Desenhada, porque mesmo na propaganda ainda não se consegue chegar a tanto. Na verdade, a anedota trágica resume-se a isto: primeiro, estimularam as massas - "acreditem na banca, corram ao crédito e sereis gratificados!"; depois -ou seja, agora - num funambulismo radical, tão manhoso quanto selvagem, é subitamente o contrário: "porque acreditastes em nós e na banca, por causa do crédito, sereis punidos!"
Não é preciso ser muito esperto para saber que nem mesmo as massas são asssim tão burras e resignadas. É evidente que isto vai resultar em tumulto. E o melhor é que não é apenas evidente: é imperioso, é necessario. E quando a engrenagem da necessidade entra em acção, não há propaganda nem verborreia que valham ou resistam. A maior ilusão da irresponsabilidade e da incompetência é julgar que a impunidade é eterna e que a consequência meteu férias. Pois aí a tendes a assomar à porta! O que esta manifestação podia ou não conseguir era significar mais que a sua mera ocorrência. Pela dinâmica típica destes portugueses concretos que ora existem, estou em crer que sim. Converteu-se num anúncio, num presságio sério do que aí vem. Na geostratégia fala-se muito no efeito de dominó; nas erupções de protesto cá do burgo julgo que acabaremos, um dia destes, a falar do efeito bola de neve. Ou me engano muito (o que é raro) ou ontem principiou a avalanche. Deus a abençoe e proteja!...

sábado, março 12, 2011

A propósito da juventude

Como há muito tempo não vos submeto a questionários culturais, adivinhem lá quem é que escreveu isto:

«Passa-se pela juventude como por um deserto: sedentos e famintos de oásis, a vaguear, perdidos, atrás de miragens. É só no fim da travessia - se por sorte ou acaso não rebentarmos ou fenecermos antes - quando finalmente nos debruçamos sobre um inequívoco charco real, na fronteira para um novo tempo, que um primeiro reflexo da nossa imagem nas águas como que nos abala e desperta. E não, não é a figura do peregrino, nem do tuaregue, ou muito menos do profeta incendiário, o que o espelho líquido, com crueza escarninha, nos mostra: é, tão só e sordidamente, a de um exausto e vulgar camelo.»

Prémio mistério para o primeiro a adivinhar, excepto a Zazie que faz invariavelmente batota.

Surfing on pseudo-USA

Legenda da Imagem: «Tudo o que resta de um campo de baseball na localidade de Minamisoma City, no norte do território japonês.»

Convenhamos, uma cidade japonesa chamada "Minamisoma City", com campos de baseball e sabe Deus mais o quê, é uma convocatória mais que aberta a tsunamis. Com o espírito indignado dos velhos samurais a surfá-los!...

Escombros cagões, ou A Super-ténia

Se já chegámos ao ponto em que os executivos governam, descaradamente, em função dos mercados e não dos povos que é suposto representarem, porque carga de água se persiste no simulacro das eleições?
Não faz qualquer sentido sujeitar as populações a tribulações redobradas só porque os Mercados se sentem mal representados. Só porque têm que se amanhar com uns amadores quaisquer que treparam, a ventosa e fateixa, pelos andaimes partidários. Só porque em vez de executivos competentes têm que contentar-se com moços de frete e homens de aluguer. É gentulho esquisóide, este, nem carne nem peixe, lambuzador compulsivo de gregos, mas ancorado no afago penoso a troianos. E que acaba por não satisfazer plenamente nem uns nem outros, ou seja, nem os especuladores que idolatram, nem os otários que (des)governam.
Deixemo-nos de faz-de-contas: os especuladores que votem, que escolham, que elejam. Que nomeiem uma administração sucinta e minimal, como, aliás, é apanágio do boa avareza ordenhante. Já que todos desistimos do Bem e nos contentamos com um qualquer mal supostamente menor, decerto sempre será preferível uma opressão directa a uma opressão por intermediários. Poupamos nos intermediários, que, como é universalmente consabido, consomem os maiores balúrdios do preço na mercadoria. Ora, a mercadoria somos nós. É do nosso pêlo e embrulho que tudo sai. Ficam mais felizes os especuladores, que transaccionam (ou traficam) a mercadoria directamente (e, por conseguinte, com mais elevadas taxas de lucro, porque, quanto mais não seja, com menos dispêndios e desperdícios), e não ficamos menos infelizes nós - porque, pelo menos, temos o prazer de ver os outrora intermediários remetidos ao seu verdadeiro nível e meio: o meio de nós.
Assim, não paga apenas o justo pelo pecador: paga o justo e o pecador. Sempre é melhor que nada.
Se já não há país, nem nação, nem pátria (a própria língua está a ir pró escambáu), nem porra nenhuma dessas, porque carga de água persistimos neste luxo sumptuoso de manter um super-Estado e um mega-governo de algo que não existe? É como se depois do falecimento do nosso pai, fantasiássemos a sua existência através da alimentação persistente e copiosa dos parasitas que o consumiram. Aquilo a que se chama agora Portugal (aquela coisa que contrai empréstimos e vive a crédito), mais que uma mera superfície e tanto quanto uma superficção, é uma super-ténia. E um estrito pretexto para a sua perenidade.
Até porque, em bom e sintético português, é imperioso dizer a estes finórios galopantes, e duma vez por todas, que, se o destino fatal e obrigatório de todos nós é ficar em hasta, no comércio da meia-porta, então uma higiene e uma poupança mínimas são exigíveis: dispensamos chulos.

Os caroços de cereja ainda vão ter (muito) que esperar



À atenção do lóbi culinário.

sexta-feira, março 11, 2011

Avanços Gigantones da Civilizacinha


Dos Estados Unidos, ainda e sempre, chegam-nos mais sinais cintilantes duma sociedade avançada:

Monique Smith, de 19 anos, foi detida depois de a Sociedade Norte-Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais ter sido alertada para a sua implicação na morte do hamster, noticia a agência Efe. De acordo com esta Sociedade, que divulgou o caso na sua página na Internet, o animal morreu "com enorme violência", que lhe provocou uma hemorragia interna e danos irreparáveis do fígado.

A jovem enfrenta cinco acusações pela morte do hamster relacionadas com a crueldade sobre os animais e, caso venha a ser considerada culpada, pode levar uma pena máxima de dois anos de prisão e ser obrigada a pagar uma multa de 500 mil dólares (cerca de 3.600 euros).»




Perdoar-me-ão a transcrição tão prolongada da notícia, mas toda ela é um hino à espécie alienígena que vai absorvendo o mundo. Entendamo-nos: nada tenho contra os hamsters - nem a favor, tão pouco. Serão até, juntamente com os lemmings, a espécie mais parecida connosco ao cimo da Terra. Quem massacra assim um hamster, o que não fará a uma pessoa, ou até mesmo a um desempregado ou sem-abrigo? Estremeço só de pensar nisso. E é realmente de estarrecer, a morte do minúsculo e felpudo roedor, "com enorme violência, que lhe provocou uma hemorregia interna e danos irreparáveis no fígado". Calculo a aflição da ambulância, lancinando a caminho do hospital; o esbracejar e ofegar tumultuoso dos veterinários na sala de operações, até ao vagido final: "Estamos a perdẽ-lo! Estamos a perdê-lo!...Deus, faz qualquer coisa!... Pronto, foi-se.» "Piiiiiiiihh!..." Corrobora, fatídica, a máquina.
Resta-nos, em tudo isto, o consolo, e a condolência, de podermos ver o animalzinho martirizado nas páginas da Internet da Sociedade norte-Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais (ASPCA) -que Deus proteja e abençoe, por nos proporcionar tão edificantes cenas. Lá chegarão um dia destes, aos insectos domésticos.
Equiparável à elevação moral desta anedota verídica só mesmo a conversão monetária que encerra a transcrição: se 500.000 dólares só já custam 3.600 euros, então, à luz de tão pródigo câmbio, o ebay.com que estremeça, estamos a caminho!
Uma palavra final de incentivo aos nossos "avançados" e amaricanos de trazer por casa & causa: que matarroanos trogloditas que ainda sois e estais, ó florzinhas! Que atraso monumental, que alunos lerdos e calhaus! Ainda vós ides nos bovinos e já eles estão nos hamsteres!...

PS: Entretanto, podem acompanhar a notícia no site da própria ASPCA. Ainda é mais poética. Atentem só neste sublime preâmbulo:
«NEW YORK—Humane Law Enforcement (HLE) agents of the ASPCA® (The American Society for the Prevention of Cruelty to Animals®) arrested Brooklyn resident Monique Smith last night for fatally injuring an adult female hamster.»
No lugar da jovem Smith, eu acho que teria respondido qualquer coisa como: "E se vocês fossem lawenforcementar para a cona da vossa mãe! E já agora, de caminho, para aqueles laboratórios duns senhores sacerdotes de bata branca, hein!!?..."

PS2: Já não deve demorar muito para ver os nossos liberdadeiros bestialistas a conclamarem, em coro twintante, à ASPCA e aos marines para nos virem resgatar à barbárie das arenas e à opressão dos cavaleiros tauromáquicos. Ter eu nascido num cabrão dum tempo destes!...

quinta-feira, março 10, 2011

O Geo-Carnaval




Em Outubro de 2007, podia ler-se o seguinte:
«Uma juíza federal norte-americana impediu a transferência de um detido de Guantanamo para a Tunísia pela possibilidade de ele vir a ser torturado naquele país.»

Na altura, eu apontei uma série de explicações possíveis para tão insólito facto:
a) O mesmo arguido não pode ser torturado duas vezes - tendo já sido torturado pelos Estados Unidos, não pode ser torturado pela Tunísia;
b) Os Estados Unidos detêm a patente actual da tortura: ninguém pode torturar a não ser em regime de Franchising;
c) Só a tortura dos Estados Unidos e seus satélites é democrática e, por conseguinte, benigna, além de benemérita. Todas as outras são malvadas, abjectas e inadmissíveis;
d) A tortura, devidamente exercida, é terapêutica e melhora a saúde e a qualidade de vida dos paciente; ao contrário da tortura ilegal, contrária aos interesses da humanidade, que, tal qual sustenta a senhora juíza federal, pode causar "danos irreparáveis".
Entretanto, começam a pairar algumas suspeitas: afinal, Guantanamo é um campo de concentração para terroristas ou um local de treino e formação?... (Isto, para além do resort turístico que passa por ser, naturalmente).
Perguntem em qualquer Serviço de Informações internacional, que eles explicam-vos.

Passados mais de quatro anos, eis que irrompe novo géiser bizarro. Só que agora o assunto em causa não é a tortura, mas o bombardeamento. O bombardeamento aéreo de civis, mais propriamente. Toda a americanidade roncante que infesta o planeta, do presidente Obama aos liberdadeiros blogosféricos, passando pelos pseudo-governos europeus, está escandalizada, chocada e indignada com os bombardeamentos que Kadaphi tem ordenado contra os rebeldes líbios. Isto é, os muçulmanos estão a bombardear-se uns aos outros e isso parece que não é admissível. Que horror!, matar civis à bomba!... Crime de lesa-humanidade? Não, muito pior: crime de lesa privilégio: todos sabemos que matar civis muçulmanos à bomba é uma prerrogativa exclusiva dos norte-americanos e do seu mini-me, vulgo estado de Israel. Quem julga o Kadaphi que é? Caso para dizer: Mais ciumentos e zelosos que os deuses, só mesmo os semi-deuses.
Convenhamos, há nisto qualquer coisa de verdadeiramente anedótico. O nível de desossificação moral de toda estas coisas vagamente semelhantes a pessoas atinge já as raias do inverosímil.
Reparem: são os mesmos que, salvo raríssimas excepções, nos têm vindo a endoutrinar, obsessivamente, de que o "único muçulmano bom é o muçulmanos morto", de preferência à bomba, granada ou míssil intelectual, que agora, subitamente, num flique-flaque vertiginoso, descobrem que há muçulmanos bons, jovens, e ardentemente sequiosos de democracia. Aos molhos! Muçulmanos benignos e amigos do ambiente - mais: muçulmanos instruídos e informatizados, que twitam e faceboquejam! - que urge preservar das bombas dos muçulmanos pérfidos, retrógrados e anti-democráticos. De que modo? Bombardeando imediatamente os maus. Tão simples quanto isso.
Este certificado de bondade à pressão integra-se no regime de alucinação colectiva e fantasia permanente que avassala o bacoco semi-letrado ocidental: acredita, tão toina e piamente, que vive numa democracia, como acredita que os outros, da Patagónia ao Bornéu, logo que se convertam ao mesmo carnaval, passam a desfilar tão livres, abastecidos e chilreantes quanto ele. Mas o mais interessante na beleza do raciocínio até nem é isso. O mais interessante e engraçado é como entende que compete àqueles que o oprimem andar por esse mundo fora a libertar os outros. Como assim? Bem, ao contrário desses outros povos oprimidos por esse mundo fora (sob autocracias, tiranias e desdemocracias variadas), que conseguem identificar e fulanizar os autores da sua desgraça, nós por cá, no ocidente supimpa, vemo-nos oprimidos por entidades tão inefáveis quanto diáfonas e crípticas - a mais impiedosa e principal das quais, pelas contas recentes, respondendo pelo nobríssimo título de Défice. Isto é, os nossos liberais da treta, que consideram que os estados não devem desperdiçar dinheiro com hospitais, nem escolas, nem quaisquer infraestruturas de interesse público, entendem que as mesmíssimas entidades devem, em contrapartida, torrar dinheiro às pázadas em porta-aviões, frotas, esquadras e batalhões, para correrem à democratização global XPTO. Nisto, para variar, já não é o Santo Mercado que automaticamente determina e impera. Não; é o cacete supersónico, escavador de reportagens e Défices. Mas quanto custa um porta-aviões/dia, ó pombinhas de rapina? Quem paga? Em primeiro lugar o otário contribuinte americano. Depois, o otário contribuinte europeu, que é quem, no fim de contas, acaba por pagar sempre os serviços globais do cabo de esquadra planetário. Ou aqueles que acreditam tão solenemente que não há almoços grátis, crêem, em simplório tandem, que há intervenções puramente beneméritas e gratuitas? Ou que a cowboiada global não sai do bolso ao pagante se plantão? O caso é que, tudo somado, resulta em qualquer coisa como o escravo do crédito e do défice ocidental, no fundo, a sacrificar-se, penando as cangas do fisco e da burocracia, para que os povos oprimidos do mundo sejam resgatados e emancipados das suas grilhetas geo-históricas. É extremamente reconfortante saber isto... Que a nossa masmorra acende a liberdade na Cochinchina e nas Áfricas. Assim como antigamente escravizávamos esses digníssimos povos de modo e termos, nós, mais folguedos, agora lançamo-nos, ávida e generosamente, na servidão mais frenética, lorpa e compulsiva para que eles vivam melhor. Abdicamos da nossa liberdade em prol da libertação deles. Ah, virtude angélica do caraças! Sempre dá um certo sentido ao absurdo em que mergulhámos e vegetamos à espera da sepultura final. E seria a mais maravilhosa e virtuosa das caridades se, ao menos, fosse consciente e voluntária.
É claro que o facto disto lembrar cada vez a mais a antiga União Soviética, onde as massas se submetiam à servidão mais completa por amor forçado às mordomias duma nomenklatura olímpica, às engrenagens duma burocracia atroz e à voracidade dum aparato bélico mundial, tão folclórico quão libertador, não passa de mera e casta coincidência. Uma coincidência só superada por uma outra ainda mais gritante, mas não menos imaculada: o de estas chusmas liberdadeiras da Internacional Democrática desempenharem o sucedâneo completo, o upgrade venéreo das hordas marxistas-leninistas-maoistas do passado.
Entretanto, de mãos dadas com o obtuso, passeia o óbvio. Servindo de contrapeso à liberdadeirite eufórica, zumbe, soturna e austera, a liberdadeirite céptica. Vários marranos de eleição, imitação, adesão ou simplesmente de serviço, recusam o embarque fácil na romaria dos benevolentes. Dificilmente escondem o escândalo, tanto quanto o mal-estar com a peregrina hipótese. Afinal, a democracia no norte de África e Médio Oriente é patente exclusiva do pequenino estado mini-americano, quistozinho seboso e benigno no meio de toda aquela vasta metástase terrorista (em acto ou potência). Se porventura (o diabo seja surdo!), por alguma excentricidade inopinada e milagreira do chifrudo, algum daqueles vespeiros desata a ser democrático, lá se vai a exclusividade rutilante dos eleitos! Ora, isso é ainda mais inadmissível do que os civis muçulmanos serem bombardeados por outras que não as bombas inteligentes, beneméritas e democratas!...
Além disso, há um detalhe fatídico que está a escapar grosseiramente aos eufóricos, induzindo-os num erro que raia o hipercrime cumulativo de deicídio e lesa-império: todos aqueles muçulmanos aos saltos, sejam eles (segundo a nova tabela períodica dos elementos) benignos ou malignos, todos eles, sem excepção, - persignemo-nos, compadres! - execram e detestam Israel. Ora, como podem ser democráticos, se abominam a essência mais sublime e transcendente da democracia, o âmago mais refinado, rococó e filigranático da liberdade e do bem-estar da civilização ocidental? Logo, democratas, uma ova! De toda aquela fermentação, ninguém duvide, vai germinar um belo caos convenientemente tripulado pelo fundamentalismo islâmico. Fenómeno, esse, que uma intervenção dos emissários do otário contribuinte ocidental apenas agilizará. A ideia, de resto, é mesmo essa: urge lá ir destruir todo e qualquer resquício da velha ordem, mas, compete, sobretudo, neutralizar os arsenais remanescentes. Por detrás de toda a agitação, o objectivo real não é tanto resgatar tão infecundos povos para a democracia, mas mergulhá-los, isso sim, a eito e definitivo, no fundamentalismo. Para efeito da contínua (e altamente lucrativa) saga epopeica da luta contra os gambozinos, convém aquilo transformado em vespeiro desarvorado, berçário duma nova e revitaminada ameaça, mas desdentado o suficiente para não constituir qualquer efectivo perigo. Especialmente, para a única democracia do Médio-oriente e, se formos a ver bem, de todo o Universo.


PS: É mau para a Europa? Será péssimo - para nós, então, que andávamos por lá a fazer pela vida, será horrível, a juntar à catástrofe. Mas será óptimo para os Americanos, para os mini-americanos, para os Russos, para os Turcos e até para o José Eduardo dos Santos. Afinal, a Líbia até competia com ele no Golfo da Guiné. E os Europeus, que trocaram as bolsas naturais pela Bolsa artificial, só têm aquilo que merecem.

quarta-feira, março 09, 2011

Da integridade do papel

O justo presidente do toda esta ribaldaria tomou hoje posse, jurando, como manda o protocoiso, sobre aquela obra de ficção mais que duvidosa. Se tivesse jurado sobre um rolo de papel higiénico teria alcançlado o mesmo real valor, se bem que superior dignidade e significado. Pelo menos em matéria de conteúdo, o rolo sempre seria e, sobretudo, estaria mais limpo. Ou não fosse o Palramento da República o local, por excelência, do ininterrupto despejo oral e moral de toda uma seita de comensais babosos, javardos e arrotantes, a quem a Constituição serve de babete e guardanapo apenas nos intervalos das sessões de fralda e escovilhão para a prosopopeica bosta.

terça-feira, março 08, 2011

Alice diante do espelho


A geração fofa e raffiné que fez o 25 de Abril, ou melhor, que transformou o dia naquela noite sinistra do PREC ( e Derivados + Enchidos subsequentes), anda agora muito enxofrada e queixosa do mais recente efeito da sua mimosa safra: a tal manifestação do 12 de Março, ao som dos Deolinda e dos Homens da Luta. É caso para dizer: a geração que deixou o país à rasca rosna de soslaio à geração à rasca. Depois de terem pastado o erário, agarram-se agora, com unhas e dentes, ao tacho, ladrando a toda e qualquer hipótese de concorrência.
Mesmo no chiqueiro, é sempre divertido assistir ao render da guarda.

PS: Faço ideia os desabafos entre a Helena Matos e o Pachoco Pereira, acerca dos novos candidatos às suas ricas migalhas: "Filhos da puta! famintos! calinas! Não querem é emigrar!..."