segunda-feira, janeiro 31, 2011

Cleptocracias


Antes duma análise minuciosa da consistência da coisa, que tanto parece sublimar a prole, avanço uma síntese que me parece adequadíssima e, ao mesmo tempo, me poupa na paráfrase, tanto quanto na repetição:

«Angola é uma cleptocracia. Portugal também. A diferença fundamental é que em Angola são poucos a roubar muito, e em Portugal são muitos a roubar pouco.
Democracias? Não inventem.»
- César Augusto Dragão, "À Queima-Roupa", pp.65, 1ª ed

Se há qualquer ofensa ou menoscabo à honra da rameira, só mesmo na cabecinha de alho chocho, mai-los olhinhos de carneirinho mal vivo, dos filhinhos anafados e melindrosos da dita. Mas isso, mais que indecoroso, é compreensível. Afinal, o ruído que emitem, nos intervalos da mama, nem é opinião: é arroto.

domingo, janeiro 30, 2011

O Número Transparente





«És tu o assassino que procuras.»
- Sófocles, "Rei Édipo"


Isto dos números tem que se lhe diga. Toda esta rapaziada que passa a vida a tocar pívias a estatísticas, a lambuzar-se de percentagens e défices, ou a salivar caninamente com gráficos, saldos e PIBs, esquece-se, por princípio, dum número muito significativo. Um número que representa o preço para toda essa idolatria deslavada da pseudo-matemática pim-pam-pum e da sacrossantíssima mecânica mercantil. Um número que identifica, no reverso dessa cabalística de merceeiros, as hordas de famintos, despejados e desesperados que esse nihilismo financeiro vem criando a uma escala verdadeiramente global, tanto quanto a uma velocidade uniformemente acelerada.
Acham que esse número é despiciendo? Entendem que esse factor é irrelevante? Fazem mal. Mas isso, convenhamos, não é novidade.
A pólvora acumula-se até ao dia em que encontra o rastilho e a faísca. Depois é quase instantâneo. Depois, o número irrelevante dá cabo de todos os outros números principescos. Os fantasmas sobem ao palácio. O caos vem cobrar direitos de autor.
Os antigos avisaram-nos para forças inexoráveis de equilíbrio cósmico. Deram-lhe até nomes poéticos como Nemésis, Athè ou simplesmente Justiça Divina. Precaveram-nos para realidades eternas como por exemplo que todo o acto tem consequências, e a hubris mais que qualquer outro. Se não vamos a bem, vamos a mal. Se a nossa vontade, em vez de coincidir, contende com a vontade cósmica, não será a nossa a prevalecer, nem risonha a correcção.
O que está a acontecer no Norte de África serve de ilustração. São negras as nuvens no horizonte. Denso o fumo que se levanta. Distingue-os - e avantaja-os - em comparação connosco, muito mais que detalhes de religião, o facto simples e sólido de disporem de hordas de jovens onde nós, cada vez mais, apenas alistamos manadas de velhos mais ou menos junkies da farmácia.
Quanto ao fanatismo deles, integra-se no tal jogo de equilíbrios cósmicos. Existe para compensar a nossa frivolidade, a nossa futilidade e a nossa superficialidade rompantes. Fossemos nós menos bacocos, e seguramente nos apareceriam eles menos fanáticos; fossemos nós menos ímpios e materialistas, e decerto mais amena se nos afiguraria a religião deles; fossemos nós menos pusilânimes menos poltrões e cagarolas, e de certeza que nos atormentariam menos suores frios, histerias frenéticas ou terrores nocturnos. Porque eles serão o nosso adversário cultural, ancestral e quase de estimação, mas não são, de todo, o nosso principal inimigo. Esse vive instalado e acoitado dentro de nós. E o problema é que já não se confina apenas aos intestinos: ascendeu ao cérebro... Barricou-se no cockpit e tomou os comandos.
As civilizações, como os organismos, bem mais que por fora, esboroam-se e aluem por dentro. Desenganem-se os patrulheiros sempreviçosos do bode expiatório. Não são os outros os principais autores da nossa ruína, lenta e anunciada: é a nossa amnésia, o nosso desleixo, a nossa impiedade albardada, à maneira dos fariseus, de tolerância, turismo benemérito e xenolatria dengosa - tudo isso apenas para camuflar uma rapacidade, uma ganância e uma hienossofia sem limites nem escrúpulos de qualquer espécie. Não é mais Aristóteles nem Jesus quem nos guia: são chusmas de sofistas e fariseus, a cavalo em megafones e cegarregas, numa algazarra tal que já clama ao autoclismo da galáxia. O sórdido espectáculo remete para a fórmula de Shakespeare, "vão cegos guiados por doidos perigosos". E nós lá vamos, à maneira dos lemmings, sempre muito cientes, severos e policiantes dos horrores do passado, mas absolutamente sonsos, carinhosos e papalvos para aqueles que nos oprimem e passevitam no presente.
O diagnóstico, pois, não é difícil: Tanto quanto dum veterinário competente, o Ocidente necessita dum exorcista.
E não é preciso ser bruxo, sequer encartado, para perceber que, a este ritmo, o futuro vai ser tudo, tudo e mais alguma coisa... menos pacífico.

sábado, janeiro 29, 2011

Podre e mal-agradecido

Antes d'ontem, por assim dizer, Jorge Nuno Sá, um qualquer ex-presidente jótinha, terá sido o único Conselheiro Nacional do PSD a votar contra o apoio deste partido à recandidatura de Cavaco Silva. Vá-se lá saber porquê...
Porque hoje - segundo atesta o Gourmet da Porcalhota, autoridade insuspeita nestas matérias (as únicas, aliás) -, o mesmo Jorge Nuno Sá vai dar o nó com o seu companheiro. A graça deste, com imensa pena nossa, não nos é revelada pelo sôfrego lambuzador do esfíncter regimental.
Caso para dizer: Podre e mal-agradecido. O Jorge, claro; que o Da Porcalhota, esse, todo ele é sabujice, manteiguice e mesuras.


sexta-feira, janeiro 28, 2011

O meu oráculo

É um mandamento que aprendi ao longo desta vida, carregada de alegrias e tristezas, aventuras e desventuras, graças e desgraças. Guio-me por ela, o melhor que posso e sei, mas sei que tanto se aplica a um homem como a um povo:
«Não troques o que és pelo que não tens.»

Só por ter aprendido isto, já valeu a pena viver.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Zimbabwe II, ou Da Ciência dos augúrios

Uma notícia que toda ela é um apocalipse:
«O Congresso Nacional Africano (ANC) apelou hoje para que os sul-africanos se mantenham calmos e não cedam ao pânico devido à hospitalização do ex-presidente e Nobel da Paz.»

Mas porque raio haviam eles de entrar em pânico só porque o velho Mandela deu entrada no hospital? Porque o homem, como todos os homens, há-de morrer um dia destes. E no dia seguinte o ANC vai mostrar a real dentuça, sem vernizes nem anestésicos. Iniciar-se-à, então, o processo Zimbabwe II. Um novo Mugabe, devidamente ungido e patrocinado pelos do costume, emergirá por aquelas paragens. E o mais engraçado é que a própria Angola, com o nosso vesgo e criminoso beneplácito, apostará nisso. Mas será só o tempo do super-soba Eduardo dos Santos bater as botas. A seguir, a nossa ex-colónia entrará pelo mesmo ralo. E a vaga de retornados duplicará.
Como é que eu sei? Acabo de ler nas entranhas duma carpa.


quarta-feira, janeiro 26, 2011

Sem paliativos (rep)

Como alguns leitores acharam por bem fazer propaganda eleitoral nas caixas de comentários, julgo necessário deixar bem claro o seguinte:
Podem os leitores degenerar nos eleitores que bem entenderem. Se votam no Humberto, no Júlio, no Francisco ou na Maria Albertina, para mim, é-me igual. Cultivo, mais até que padeço, uma urnofobia inexpugnável. Direi até que a minha urnofobia suplanta em larga escala várias outras fobias extremamente impopulares que pratico e recomendo (até por isso mesmo), como a cinefobia, a homofobia, a popfobia (nojo pela música pimba internacional), a xenofobia, a americanofobia, a Agustino-Saramago-Antunofobia (uma fobia extremamente saudável, diga-se), etc, etc.
A minha urnofobia é de tal ordem que, assombrado, já cheguei até a interrogar-me sobre a sua nebulosa - e certamente problemática - genealogia. Após intensa pesquisa, alcancei uma quase certeza: deriva ela, a minha urnofobia avassaladora, da minha homofobia monumental. Nem mais nem menos. Eu explico. Só povos castrados e efeminados, além de imbecilizados e remetidos à escala molusca, votam. Um povo que assina de cruz, além de tudo isso, declara-se politicamente analfabeto e mais não faz que entregar-se tansamente à tutorização despótica de quadrilhas organizadas. Mas pior ainda que toda esta panóplia de infâmias e pusilanimidades é o próprio acto em si, individual, de depor o papelinho no caixote. Que uma mulher vote, acho perfeitamente normal e pacífico. É como usar saia, brincos, baton, bela cabeleira e voz coquete. Sim, isso e gemer durante a cópula, lavar pratos ou mudar fraldas. Numa mulher fica bem. Agora num homem, convenhamos, é mariquice das grandes. E não só fica mal como é repugnante. Direi mais: o sufrágio universal (que não há-de demorar muito a tornar-se obrigatório e compulsivo) é só mais um capítulo duma fobia particularmente vil, rastejante, venenosa e, esta sim, pouco recomendável: a androfobia. Ou seja, a aversão concertada e massificada à virilidade, à bravura, à coragem e, enfim, a todas aquelas virtudes que, apesar de tudo e de todas as paneleirices económicas que se conhecem e sempre minaram e parasitaram o empreendimento, ergueram a civilização.
Assim, dado que a depilação mental, a perfumadela ideológica e a manicure cívica não fazem muito o meu estilo, não só não voto, como nutro o mais profundo desprezo por quem o faz. Excepto as mulheres, naturalmente. Quer dizer, então, e em resumo, que me abstenho? Não, ó caros gastrópodes, quer dizer exactamente o contrário: quer dizer que tendo nascido dotado de testículos, não me abstenho nem me demito deles, ainda menos sob sórdidos porque contabilísticos pretextos. É certo que um dia me verei forçado a abdicar, mas, nesse trágico desenlace, tenciono descer de homem a cadáver sem escalas intermédias.
Para ser franco, pois, e em imperturbável coerência, declaro-me aqui -e de modo a varrer quaisquer dúvidas ou confusões nos espíritos - adepto firme e compenetrado do derrube violento de (des)governos e tiranias (sendo a pior de todas elas a da mediocridade). Pelo que aguardo, calma e serenamente, a minha oportunidade. Animam-me, junto com uma tenacidade tigrina, duas coisas: uma fé e uma esperança inquebrantáveis. Daquelas que só os emboscados conhecem, aguçam e experimentam. Como, de resto, genialmente explica mestre Jünger.
A política não devia ser um mero exercício de alívio. Em que é indistinto o alívio de quem se alivia na ranhura e o de quem se alivia nem lá indo. Dá-nos, isso, triste mas fidedigna conta do significado, tanto quanto do valor, de tal sufrágio.
Em síntese, e para finalizar duma vez por todas, não é por comodismo ou indiferença que não voto: é mesmo nojo. Tanto quanto da cabeça, é uma recusa das próprias vísceras. Não há paliativos para isto.

terça-feira, janeiro 25, 2011

Urnofobia (rep)




Esta moda recente das pessoas irem às urnas nunca dá bom resultado. O dia seguinte é sempre uma desgraça. Tara (ou parafilia) mais contraproducente duvido mesmo que exista. Veja-se mais este episódio em França: lá foram as pessoas às urnas e lá acabou tudo mergulhado na pior das balbúrdias. Era escusado...
Por mais que me tentem vender a excelência da ideia, a lógica avançada da coisa, não acho natural as pessoas irem às urnas. Tenham lá santa paciência, mas não acho. Antes bota de elástico que mentiroso. E não tem a ver só com o facto, internacionalmente reconhecido, de eu me achar impregnado do pleno direito ao título de imperador-deus, cargo a que, mais dia menos dia, ascenderei com a inevitabilidade dos meteoros catastróficos. Não, é mais um escrúpulo de ordem semântica, tanto quanto libidinal. E económica. A própria palavra urna tem qualquer coisa de fúnebre. Qualquer coisa é favor, aquilo lembra é logo enterro e gatos pingados. Aliás, não se conhece melhor processo de enterrar um país. De arruinar uma nação.
-"Estás a ir onde?"
-"Eh pá, vou à urna. Hoje é dia de ir à urna!"
-"E consegues?"
-"O quê?..."
- "Ir à urna."
- "Então, que remédio. É o meu dever cívico!"

Tristes tempos estes em que já se confunde necrofilia com dever cívico. Mesmo enquanto exercício de alívio -no melhor dos casos, intestinal -, ir à urna não me convence. E o pior é que nunca se sabe quem lá está dentro. Ora, as emboscadas são garantidas. Enquanto o cidadão eleitor, todo aperaltado e fantasioso, se entretém com a urna, os inquilinos desta, uma caterva de zombies e vampiros candidatos, vão ao cidadão eleitor. Servem-se dele sem qualquer pejo nem moderação. Refocilam para ali num macabro festim. Repugna-me uma tal salganhada. Sórdida ménage a trois que, de todo, me horroriza e enoja. Comboio abominável!
E é por isso que eu nem com uma arma apontada vou às urnas. Nunca! jamais! Em tempo algum! Digam o que disserem, apregoem o que apregoarem. Às urnas, prefiro as putas. Mas isso é limpinho. Se é para acabar depenado, ao menos que retire algum prazer disso. Porque, ao contrário das mães, os filhos arrombam-nos a carteira e ainda ficam com o gozo todo.
Nessa não caio eu.


PS: E o mais estúpido e indecente nem é as pessoas irem às urnas: é depois acreditarem piamente que as engravidaram e têm que casar com elas.

O programa segue dentro de momentos

A pedido de várias famílias, e porque o rescaldo da hora também o justifica, seguem-se duas reposições que entendo da mais elementar conveniência. Especialmente dedicado a todos os barda-merdas que ainda votam, a coberto da bela e aromática teoria do "mal-menor". Mal menor atrás de mal-menor enche a desgraça o papo. Mal maior é ser a nossa.
Quanto à canzoada do Pufessor Cavaco, é tirada a papel químico da canzoada do enginheiro Sócrates. Um grande puta que os partiu a todos!! O diabo do olho do cu que os produziu e alimenta, que os distinga!

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Números e factos

Menos de metade dos eleitores registados votaram.
Desses, metade votou em Cavaco Silva.
Significa que o actual presidente foi eleito por 1/4 dos portugueses residentes em Portugal.
Não obstante, a sua legitimidade democrática para exercer o cargo, como dizia Paulo Portas ontem à noite (e eu concordo) , é exactamente igual à do seu antecessor Jorge Sampaio.
Se bem que, na verdade, não seja apenas a legitimidade: é tudo o resto.

domingo, janeiro 23, 2011

And the winner is...



Joseph Pinócrates!

sábado, janeiro 22, 2011

Diálogo para Lá das Nuvens




Deus
- Então, Serafim, vens de auréola murcha. Como se alguma desolação ou triste espectáculo te atormentasse...

Serafim
- É verdade Senhor. Venho da Terra...

Deus
- Os malucos da galáxia... Humm, que houve agora? O que é que aprontaram esses malandros desta vez? (À parte) Como tu bem sabes, Eu sei, sei tudo, estou farto de saber,a eternidade inteira, embora com esses tipos não haja Previdência que resista, mas, enfim, a bem, da conversa, convém que te submeta a este interrogatório. Convém-me avaliar da tua atenção e perspicácia na observação da balbúrdia. Faz parte do teu exame para Trono.

Serafim
- Senhor, é o seguinte: As águias já não voam, os tigres já não caçam, os tubarões já não nadam, os elefantes fazem de estátuas, os ventos já não sopram, o mar está mais hirto que um penedo, as árvores nem respiram e até o sol e as estrelas se apagaram. Em resumo: está tudo petrificado e às escuras.

Deus - Belo. E a que se deve tamanha interrupção geral das actividades?

Serafim
- Foi um tipo, um dos doidos. Tomou o Poder como refém e fechou-se, hermeticamente, num alambique subterrâneo. Decretou que o poder é uma construção estritamente sua (dele, portanto, com s minúsculo) e despejou todo o universo. A própria lua está escondida em parte incerta, impedida de influenciar marés, sementeiras ou partos. Mesmo a morte poisou a foice e está sentada numa tartaruga: como nada vive, perdeu toda a clientela. Excepto o doidivanas, claro. Mas "fraca colheita!", lastima-se ela. "Que mérito haverá em finar uma quimera que já se enterra em própria vida?... Aliás, mais lembra o competidor, que o cliente!"

Deus
- Humm... uma minhoquice dessas, tamanha regressão ao trogloditismo lá há-de obedecer, se bem os conheço, a aturado cálculo. Que justificação apresenta a criatura para tão alucinada peregrinação?

Serafim
- Certifica, com carimbo e assinatura reconhecida, que o poder provém todo do baixo e desprezível, e ainda bem que é assim.

Deus
- Logo vi que era coisa desse gajo. Que anda ele agora a minar lá em baixo?

Serafim
- Em bom rigor, anda em alta. Na Alta Finança!...

Deus
- Divertem-me os nomes que esses malucos desarrincam. Alta Finança é um oximoro da excelência duma feliz desgraça, dum píncaro abissal ou até duma jovem múmia. Que momos pantomineiros! Uns pândegos!...

Serafim
- Pois, Senhor. E quanto mais o "baixo e desprezível" ascende na Alta, mais o tal alucinado se afunda pelo chão adentro, bordando lúgubres oximoros conceptuais e tricotando analogias deveras pimponas. Como por exemplo que é uma coisa frágil toda poderosa.

Deus
- Desde que financiado pelo "baixo e desprezível" que anda a galope na Alta Finança, suponho.

Serafim
- Exactamente, Senhor. Porque a Vós e à Natureza por Vós criada, em matéria de Poder, ele não deve nada. A construção é toda dele.

Deus
- Por acaso não lhe perguntaste, se o poder é só construção humana, onde raio foi ele buscar a faculdade de construir?...

Serafim
- Acho que responderia, por força da oximoromania, a Vós e à Natureza.

Deus
- Portanto, deve-Me a arquitectura mas a construção é exclusiva dele...

Serafim
- Sim, dele e do crédito financeiro do "baixo e desprezível".

Deus
- Então não sendo ele o autor do edifício, nem o fornecedor dos meios materiais, é apenas o operário da construção.

Serafim
- Luminosas palavras, Senhor.

Deus - Ora, sendo o "baixo e desprezível", por natureza, o "destruidor", estar-lhe-à a fornecer meios para a execução da minha arquitectura ou da sua demolição?

Serafim
- Já está tudo petrificado (ou betonizado, se calhar) e às escuras, Senhor. Que criatura estouvada!... Acha que é tudo à vontade dele, quando cada vez é menos tido e achado nas lógicas da transacção! Quando o move cada vez mais o automatismo. Esqueceu os princípios, perdeu de vista a finalidade, entrega-se, sem alma nem coração, à edificação de escombros e entulhos.

Deus
- Mais um desses nihilistas do cuspo e argamassa, por certo!.. Algum Henrique Raposo, queres ver...

Serafim
- Não, Senhor. Este proclama-se católico.

Deus
- Valha-me Eu Próprio! Mais isso já vai aí: os tipos já nem o Padre Nosso conhecem?!...

Serafim
- Sim, e vai mais longe: diz que o cristianismo também é uma construção, neste caso intelectual, dele. Já que a outra construção, a do Poder, será mais manual, visceral ou intestinal. Às tantas, nem se percebe bem se constrói ou simplesmente evacua. E quem diante de tal presépio ouse levar os dedos ao nariz, ele excita-se, abespinha-se muito e taxa de utópico.

Deus
- Despeja, não restam dúvidas. No seu duplo sentido: evacua sem pejo algum.

Serafim
- O facto é que já aqui há tempos, disse-me um arcanjo, num outro acesso de excitação mimosa, esta mesma criatura tinha inventado o cristianismo ronaldo. Este, agora, parece ser mais a atirar para o cristianismo revolucionário, ML Tdi.

Deus
- Um cristianismo arranha-céus!... Está-lhes sempre o pé a fugir para a Babel!...

Serafim
- Se bem que, desta vez, tudo o indica, pareça haver concurso duma outra má influência: um tal Bushmills. Ao que pude apurar, uma zurrapa estupefacciosa resultante da destilação clandestina de Bush-Pai, Bush-Filho e Bush-Espírito Santo e Comercial de Lisboa, processada algures entre Sacavém e o Vale Escuro.

Deus
- E que moral retiras tu de toda essa deplorável mistificação, ó Serafim?

Serafim
- Que as construções são tanto dele como qualquer edifício pertence aos trolhas que o erigem. E que o mundo é como um espelho: se um trolha nele se reflecte, não há-de nunca ver um anjo - só há-de ver paredes e muros; andaimes e ferramentas.

Deus
: Muito bem. E há também umas sábias palavras que convém recordar: quando vieres apontar um argueiro na vista alheia, cuida para que não te apresentes com um barrote na tua.

Não aconteça que to extraiam com delicadeza apenas para to espetarem pelos fundilhos... Com justa e áspera brusquidão, digo eu.

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Manual do Alibi para Misogamos -2ª ed.

Vem isto a propósito do título duma notícia:
«Matou a mulher com tiro na cabeça».

Logo à partida, há qualquer coisa de estapafúrdio e redundante neste título. É evidente: se ministrou um tiro na cabeça da coitada, a morte seria a consequência mais óbvia e natural. Espantoso seria se a tivesse assassinado com um tiro no pé. Ou no braço. E o espantoso é que seria sobremaneira apelativo para a horda gulosa de desgraça alheia. Ora, não será com banalização e trivialidade que se atraem basbaques, pelo que já nem as regras elementares do chamariz aberrante se cumprem. Ao não deixar nada à imaginação do leitor, o próprio pasquineiro retira o recheio atraente à notícia. Mutila-a do "junk-appeal". Porém, não é esse frenesim chacal e patético dos açougueiros mentais das massas -vulgo "jornalistas" -, o que para agora nos interessa. Fica apenas a nota, que serve simultaneamente de preâmbulo ao que se segue. E o que se segue pertence a outro reino. Abandonemos pois a realidadezinha sórdida e saltemos para outra dimensão mais interessante: a da arte. Da ficção tanto quanto do humor negro.
Um redactor com um peculiar e refinado sentido de humor, escreveria então: "divorciou-se abruptamente". Ou "enviuvou por sua livre e espontânea vontade."
Da mesma forma, entre atenuantes, justificações ou desculpas para o acto, pela voz do perpetrante, também nos ocorrem alguns alibis angélicos - ou teses imaculadas - que passo a enumerar:

1. "Nunca parava quieta. Apontei-lhe ao pé direito, mas ela meteu a cabeça à frente."

2. "Na verdade, eu queria era suicidar-me, mas ela, no último momento, interpôs-se."

3. "A culpa foi dela e mais a sua maldita mania das limpezas. Por mim, nunca teria ido limpar a porcaria da arma."

4. "Eu estava a atirar ao calhas. Para ver se me passava a dor de dentes. É assim que eu faço. Logo por azar, ela ia a passar."

5. "Só puxei o gatilho. Não tenho culpa que atrás viesse o cão, a agulha do percutor e a sacana da munição mandada pela puta da culatra. E a seguir a vizinhança, as sirenes da polícia, os telejornais... Confesso que não esperava tanto barulho por causa dum pinchavelho tão pequeno."

6."Não acredito que esteja morta. Aposto que está a fingir. É tudo um truque para não ter que fazer o jantar."

7."Arranjou esta tramóia toda só para me prejudicar. Um raio me parta se a mãe não está por detrás disto. Conheço bem a minha sogra."

8. "Eu só atirei, não tenho culpa de que ela tenha morrido. Se querem incriminar alguém, culpem Deus, que nos criou efémeros e mortais."

9. "Eu estava fora de mim, há testemunhas. Não posso ser incriminado por algo cometido por quem estava lá dentro."

10. " Sou inimputável. E tenho como comprová-lo: eis o cartão de sócio do SL. Benfica."

11. "Fui compelido pelas circunstâncias. Era uma engrenagem fatal. Qualquer outro teria feito o mesmo."


12. "Ela era uma santa e excelente pessoa. Um anjo em forma de gente. Por isso mesmo, despachei-a em boa velocidade para o Céu. Por um glorioso instante, superei todo aquele meu nojento egoísmo. Não entendo como podem chamar crime a um gesto tão nobre!..."


13. " A intenção não era matá-la, mas apenas colocar um ponto final na discussão. Terapia, essa, que foi plenamente eficaz. Vamos culpar o médico pelo efeito secundário do medicamento?..."


14. "Não está morta. Apenas não se mexe nem respira. Ninguém consegue explicar cabalmente o que é a vida ou o que é a morte. Ainda menos o que é o Homem, donde vem, para onde vai, ou sequer se Deus existe. A Metafísica Ocidental anda há milénios de volta disso e continua tão ignorante quanto no início. Por conseguinte, não posso ser condenado por algo que ninguém até hoje conseguiu explicar ou definir indubitavelmente. Não sou inocente, nem sou culpado: sou uma incógnita. Uma aporia. Aliás, nem o verbo Ser sabem o que seja!..."


15. "Mesmo que tenha morrido, como é que podemos ter a certeza de que não vai ressuscitar?... Terei eu culpa da miserável falta de fé que campeia nestes ignóbeis tempos?..."


16. "Ela não morreu em consequência do tiro, mas do ferimento. Sou apenas responsável pelo tiro. Até porque se vamos pôr-nos com rigores desses, então ela também é culpada de negligência grosseira: andava pela casa sem capacete."


17. "Apresentou-me o seguinte projecto para apreciação: pretendia fazer um aborto. Chumbei-o liminarmente. "


18. "Não podem acusar-me de lhe ter rebentado com os miolos. Não, isso não aceito. Não podia rebentar-lhe com algo que ela, de todo, não tinha. Por isso mesmo lhe apontei à cabeça - como até lhe podia ter apontado ao coração: de modo a não atingi-la em nenhum órgão vital. Para ser franco, só queria assustá-la."


19. "Ultimamente, andava a ouvir mal. Confundia tudo o que eu lhe dizia. Era mais que evidente que tinha os ouvidos entupidos com rolhões de cera monumentais. Convenci-me de que lhos conseguia limpar com um único tiro bem apontado. Era só questão de escolher a trajectória adequada, de modo a fazer com que o projéctil entrasse pelo direito e saísse rectilineamente pelo esquerdo. Afinal, não sou tão bom atirador quanto julgava. Ou então a munição vinha defeituosa de fábrica, vá-se lá saber... O certo é que em vez da cera, limpei-lhe o sebo. Um pequeno desvio na higiene será assim tão grave?»


20. "Na altura pareceu-me importante - indispensável mesmo - dar-lhe um tiro. Mas agora já não me lembra bem porquê. Tenho uma vaga ideia da defunta. Acertei-lhe, foi?... "


21. "Acabei-lhe com a tosse. Que isso lhe tenha custado a vida foi o preço que, assim de repente, me ocorreu cobrar-lhe. Homicídio voluntário? Ah, não exageremos! Quando muito exagerei nos honorários. Mas a saúde não tem preço, sempre ouvi dizer."


22. "Foi contra minha vontade que lhe dei um tiro. De facto, só usei a espingarda porque a moto-serra avariou inesperadamente. A mim, quando muito, deviam constituir-me testemunha de acusação. Arguir, vão arguir o Acaso!."


23. "Sim, dei-lhe um tiro e não compreendo tamanho escândalo. Daqui, da cadeira de rodas, queriam que a liquidasse como - à paulada? Sou deficiente motor, não sou deficiente mental."


24."Era ela ou eu. Ou dava um tiro na cabeça dela ou dava um tiro nos meus miolos, ou até nas pessoas todas que encontrasse no supermercado. Assim, na medida em que cometi um mal para evitar um mal muito maior, cometi um bem. Em vez de me julgarem em tribunal, deviam era de homenagear-me no parlamento. Sempre achei o meu nome predestinado a uma rua, praça ou jardim."


25. "Foi a eutanásia possível. Ela padecia duma timidez incrível, mórbida. Era só por isso que não me pedia. Não queria causar-me transtornos nem maçadas. Mas eu, que sou deveras sensível ao sofrimento alheio, lia-lhe a súplica no olhar. Aquele sangue todo? A culpa é do Estado que não nos disponibiliza os equipamentos adequados. Eu também tinha preferido não sujar a carpete, nem alarmar os vizinhos com estampidos desnecessários. "


26. "Acabo de perder a minha mulher, caro senhor. Acha que é altura para responder a inquéritos?... É da polícia? E eu tenho porventura culpa de vossência não ter arranjado um emprego melhor?..."


27. "Falta de amor, falta de dinheiro, falta de pachorra. Acusava-me de ser um falhado, um nada-na-vida, só porque não a enchia de ouro. À falta de ouro, enchi-a de chumbo. Na Alquimia, dizem que resulta. Com ela não resultou. Querem agora fazer de mim o bode expiatório para estes mistérios e caprichos esotéricos? Tenham paciência."

28. "Confundi-a com a mãe dela."

29. "Confundiu-me com o amante dela. Qual deles? Foi precisamente essa questão que a matou. Eu fui só o instrumento dessa incerteza assassina. Eu e a espingarda, bem entendido."

30. "À velocidade a que ela corria, foi um verdadeiro milagre acertar-lhe na cabeça. Ora, se fiz um milagre, sou um santo. Jamais um criminoso!..."

31. "Sai mais barato um advogado de homicídio do que um advogado de divórcio. Com a dupla vantagem do homicídio resolver instantaneamente o divórcio."

33. "Do pescoço para baixo era um hipopótamo, do pescoço para cima uma galinha; da língua para fora uma autêntica víbora. Agora acusam-me de ter morto uma mulher. Sei do que falo: exterminei uma quimera, isso sim. Livrei o mundo dum monstro. Pena maior? Eu merecia era um Sófocles que me imortalizasse numa tragédia."

32. "Aqueceu-me tanto a cabeça, que, por lei da compensação cósmica, tive que lhe arrefecer a dela. A Física Quântica justifica-me plenamente."

33. "Foi um péssima ideia ter disparado. Mas criminosa mesmo foi a triste ideia de casar com ela. Portanto, se agora me acusam de homicídio, o padre é meu cúmplice. E mentor."

34. "Crime passional uma ova! Eu nunca gramei a gaja!..."

35. "Não foi de propósito: foi de emboscada. Não tive intenção: só tive pontaria."

36. "Para variar, fui dormir a casa. Estava esfalfado, precisava mesmo de descansar. O problema é que sou sonâmbulo e tenho o vício da caça."

37. "Ela ficou possessa. Eu fiquei nervoso. O exorcismo não correu lá muito bem. Mas era o diabo ou eu!..."

38. "Não sei o que me deu. Digo-o com toda a sinceridade: não sei. Só sei o que todos sabem: o que quer que tenha sido fez ricochete em mim e acertou nela. Querem agora culpar-me por um mero capricho balístico?..."

39. "A bala alojou-se-lhe na cabeça dum modo letal e definitivo? Se o dizem. Mas que culpa tenho eu? Porventura fabriquei-a, vendi-a? A arma nem era minha. E a mulher também não. Enganei-me na casa. Confundi a cama, estava escuro... Não sabia que agora o inocente lapso já era crime!..."

40. "Não sei se ela me encornava ou não. Na dúvida, atirei. Na dúvida, sublinho, não nela! O que aconteceu para lá disso não é da minha responsabilidade. Eu só queria, justamente, acabar com a dúvida. Que fossem ambas uma e a mesma pessoa é assunto que me deixa assombrado. Como pude viver enganado tantos anos?..."






quinta-feira, janeiro 20, 2011

Indiferença




Estas eleições repetem um esquema que não muda, apenas se vem deteriorando nestes últimos decénios. A própria máscara já não disfarça. A máscara, de resto, que coincide com a fórmula: a esquerda mascarada de direita compete contra a esquerda mascarada de esquerda. Quem me conhece, sabe que eu ligo patavina a esta macacada do esquerdo/direito. Mas pronto, a bem do folclore, do pitoresco, sempre fazia algum sentido que houvesse uma distinção que se visse - uma separação, mínima que fosse, no essencial, e não apenas no acessório. Convinha ,a bem dum módico de decência,que o sufrágio putativamente livre e universal não se resumisse a um vil e oneroso cortejo de cabeçudos num qualquer carnaval fora de horas.
Promulga-se que a indiferença pilota quem descomparece. Que a irresponsabilidade anima quem desliga. Grosseira vigarice! É precisamente o inverso: indiferente porque indiferenciado é quem vai a votos. Irresponsável é quem tem contribuído para este funeral que se arrasta, sem ir a lado nenhum nem sair do mesmo sítio. Não ir lá só expressa, na generalidade, o nojo que germina do desencanto. A indiferença e irresponsabilidade, essas, as genuínas, estão no poder desde Abril de 74!
Por muito que esperássemos - ou sonhássemos - outra coisa, serviram-nos coisa nenhuma!

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Poder e Dever I. A escola




Sendo considerada uma das principais fontes do pensamento medieval, o Corpus Areopagiticum é integrado, entre outras, por duas obras muito sugestivas: o Da Hierarquia Celeste e o Da Hierarquia eclesiástica. Trata, aquela, das várias classes de anjos, arcanjos e serafins, na pirâmide celeste; como trata esta da correspondente pirâmide na terra. Dir-se-ia que a Terra espelha o céu. Ou deveria espelhar. No meio disto tudo há Cristo que faz a mediação e um tipo que estabelece a ponte entre os dois domínios (ou "cidades" como lhe chamará Santo Agostinho, mais adiante), e por isso se apelida de "Pontífice" - Sumo Pontífice. Num certo sentido, Cristo advoga-nos no Além, como o Sumo-Pontífice advoga o Além/Cristo entre nós. E por isso também lhe chamam Vicário.
Hoje sabemos que além destas hierarquias entre os anjos e entre os homens, existe uma terceira (que o Pseudo-Dionisio, eventualmente por falta de tempo, não referiu). Poderíamos chamar-lhe Da Hierarquia bestial. Os cavalheiros da zoologia chamam-lhe a pirâmide da predação, ou cadeia alimentar, ou qualquer coisa do género.
E a verdade é que não existe apenas uma ordem - uma organização de poder e poderes - entre os anjos (vamos admitir que sim), ou entre os homens. Há hierarquia entre os anjos, como há hierarquia entre as formigas, as ratazanas, as hienas e as hordas simiescas. Há uma ordem no Céu, mas há igualmente uma ordem na Terra. Existem regras. Que uma formiga operária ou uma formiga soldado não discutem; que um grupo de ratazanas entende na perfeição; que uma horda de chimpanzés trata de desempenhar com a gritaria inerente à espécie. E nós, no meio disto tudo? Entalados entre os anjos e as bestas, fazemos como?
Quando me dizem "o poder é uma construção estrita do homem", qual poder? O legislativo, o executivo ou o judiciário? Mas a humanidade principiou com a Revolução Francesa ou mesmo com o nascimento de Cristo? O poder é a última moda do nosso aleive mais bem armado? O poder mata mais branco? Inventámos o poder?
Aristóteles, que era pouco dado a utopias, decifrou-nos com lucidez e simplicidade: "o homem é o mais imitador de todos os animais e, por imitação, apreende ele as primeiras noções..."
Se sabemos que é assim, então impõe-se-nos a questão: em que escola do poder é que nós aprendemos? Vêm-me, assim de repente, à memória as Fábulas de Esopo...
Mas é claro que nisto, como em tudo, há excepções. Acredito que o antepassado do amigo Despastor tenha fugido ao rebanho da espécie. Até parece que estou a vê-lo, diante dum Dente-de-Sabre que se refastelava com um dos seus companheiros, arengando do cimo da árvore, com alacridade, aos restantes estarrecidos:
«Malta, não há que ter medo, o super-felino não tem poder nenhum. Nós, um dia destes, é que vamos inventar o poder, Pois, pá, camaradas, é como vos digo: numa selva privada, num parque exclusivamente nosso a que chamaremos civilização e depois duma série de revoluções! Está no papo. É só o tempo de nos tornarmos os protagonistas desta cegada toda!»
Mas nisto rebentou um vulcão nas imediações, e fugiram todos. O Dente-de-Sabre incluído.
De então até hoje, como é sabido, lá foram decorrendo peripécias e fragilidades... Como o canibalismo, por exemplo. A propósito, sabem como é que se identificava o chefe da horda canibal da época seguinte: era aquele que vestia a pele do Dente-de-Sabre. Ainda hoje não andamos muito distantes disso.

terça-feira, janeiro 18, 2011

Palavras com raiz . III- Crença (e já agora paciência, que é preciso muita)

Pois, ó caro Toupeiraço explosivo, eu já aqui ando há uns anos e, ao contrário da generalidade, venho sempre dizendo a mesma coisa.
Isso que vossência conseguiu tresler a desentender a níveis quase anedóticos, não passa duma breve síntese disto que eu já aqui explicitara em 2008, e que reposto para me poupar a arengas...


«Ainda mais importante, é ter em consideração de que existe em muita gente uma forte necessidade de formas de culto, que co-existe com a aversão simultânea pelas Igrejas. Sente-se uma falha na existência, e nisso assenta a corrente em volta dos gnósticos, dos fundadores de seitas e dos apóstolos, que com maior ou menor êxito assumiram o papel das Igrejas. Poderíamos dizer que existe sempre um certo grau de disposição para a crença, que foi satisfeita legitimamente pelas Igrejas. Mas, agora, libertada, esta força prende-se à primeira coisa que aparecer. Daí a credulidade do homem moderno no qual coabita ao mesmo tempo a descrença. Ele acredita no que está escrito nos jornais, mas não no que está escrito nas estrelas.»
- Ernst Jünger, "Tratado do Rebelde"

Na raiz latina "credo" tanto pode significar "confiar por empréstimo", "emprestar dinheiro", "emprestar", como "acreditar", "dar crédito", "confiar", "supor", "ter como certo", etc. Indo ainda mais fundo, à raiz grega "Craw", o leque aumenta: tanto pode traduzir "emprestar", "conceder", "vaticinar", "anunciar", como "ter necessidade de", "ser pobre", "pedir", "usar de", "tomar emprestado" ou "consultar um oráculo". Em "craw" entronca "crhema" - empresa, soma de dinheiro, finança, riqueza, massa (no sentido de multidão), paga, salário, etc. E ao Mercado, banca ou bolsa um grego chamaria "crhematisthérion" (crematistério).
O que disto ressalta desde logo é que existe uma ambiguidade ancestral no próprio significado das palavras. Uma ambiguidade que, no caso da crença (não foi por acaso que a escolhi) reflecte essa coabitação entre dois sentidos aparentemente díspares - o sagrado e o profano, o celestial e o rasteiro, a limite, o divino e o dinheiro. Serão as palavras monstros - quimeras onde se digladiam, em amálgama espantosa, formas e ideias contraditórias: cabras e leões, aves e répteis?
O facto é que a "crença", já enquanto mera palavra, tanto nos pode conduzir a Deus como ao dinheiro; tanto nos pode converter em devedores do Céu como da Banca; tanto pode traduzir uma pobreza nossa em espírito como em finanças. Mas, ao manifestar multiplicidade, incita-nos a uma ordenação. A uma hierarquização nos seus vários significados.
Por exemplo, eu, ao sopesar a frase "não servirás a Deus e ao dinheiro", interpreto, numa primeira instância, Deus como algo mais valioso que dinheiro; e, numa segunda, Deus como algo mais valioso do que eu e eu como algo mais valioso do que o dinheiro. Tudo junto, entendo o sentido da frase como "devo servir para algo superior a mim e não para servir aquilo que eu próprio criei para me servir". Portanto, há uma importância, um valor, que eu credito a Deus e uma importância que eu credito aos bancos. O que se tem verificado, ao longo dos séculos, no historial da nossa civilização, é que quanto maior é uma menor é a outra. Excepto, naturalmente, para aqueles Credos aberrantes em que Deus e Mamon se identificam.
Entretanto, quando eu digo Deus não é forçoso que eu signifique um Deus confinado a determinado ritual religioso; de facto, posso apenas dizer aquilo que, de certa forma, o conceito de Deus simboliza e consagra, ou seja, determinados princípios e fins - uma causa primeira e uma causa final. Quer dizer, a minha acção deve reger-se por princípios e fins; não quedar apenas refém, enclausurada e cativa dos meios. Pois, conforme estipula a matriz da nossa própria civilização, a acção humana não é um mero exercício de meios; como não é um mero exercício de fins. Nesse caso, nesse exercício desligado e cacofónico dos meios ou dos fins cair-se-á fatalmente no desequilíbrio, na desarmonia caótica. Porque, assim sendo, ou os fins justificarão os meios ou os meios determinarão os fins. Perdidos os princípios, tudo se torna, então, possível. O cosmos deixa de estar sujeito a uma necessidade –isto é, uma ordenação primordial, eterna e transcendente (e transcendente não é nenhum palavrão feio, apenas significa não estar sujeito a caprichos, acidentes e acasos do tempo) – e passa a estar ao pleno dispor da sorte e do acaso. E de quem lá impera. Desce-se, assim, do reinado do sentido, do simbólico, para a tirania do aleatório, mascarada, no melhor dos casos, duma democracia de alienados. Note-se, a esse respeito, como o nosso tempo manifesta uma hostilidade e um desprezo ostensivo pelo “primórdio” e, em contrapartida, celebra o “media” e a “finança” – decantações, respectivas, quer do “meio”, quer do “fim”.

Por outro lado, esta ordenação hierárquica das coisas fundada na criação (e entenda-se aqui “criação” não no seu significado apenas religioso, mas também artístico, não sòmente demiúrgico mas também poético – ou seja, não apenas bíblico, mas sobretudo helénico) é deveras interessante e terrível. Senão, reparemos: se aceitarmos a sua lógica teremos qualquer coisa como "o criado ou criatura deve servir o criador. Assim, devemos servir a Deus, tal qual o dinheiro nos deve servir a nós." Em contrapartida, se nos rebelarmos contra essa ordem, se entendermos que (por exemplo, porque não somos criados, porque somos meras moléculas sem qualquer vínculo ao sagrado) não devemos servir a Deus, pode, à primeira vista, parecer muito libertário, catita e altamente moderno, mas depois tem um reverso sinistro que nos atira, de escantilhão, para abaixo dos pré-históricos canibais: é que, na mesma medida, o dinheiro e tudo aquilo que nós criámos deixa de estar na obrigação de nos servir a nós. Tornamo-nos então, nós próprios, servos dos nossos criados, criados dos nossos produtos, prole e plasma dum qualquer Estado burocrático. Preciso de vos apontar a realidade actual à vossa volta? Porque nos rebelámos contra o superior, tornámo-nos escravos do inferior; porque enterrámos as asas do espírito, rastejamos agora no pântano da matéria; porque desertámos do princípio, estamos agora confinados à finança. Partimos e pulverizámos em míseros caquinhos todo o imenso templo da Crença em Deus, doravante nanificada em milhares de minicrenças: crença na casa, crença no carro, crença no sucesso, crença no progesso, crença na ciência, crença no jornal, crença na televisão, crença no pastor, crença no doutor, crença na turba, crença no número, crença no trabalho, crença no umbigo, crença no dinheiro - somos agora miriápodes ouriçados não já em patas mas em crenças, com as quais amarinhamos por tudo, empeçonhando a esmo, e tudo isso embrulhado no tal saco da super-crença na Finança Toda Poderosa, gestora do Céu e do Inferno na Terra. Em boa verdade, à crença deixámos de tê-la para passar a sê-la. De sujeito degradámo-nos a objectos; de protagonistas, passámos a acessórios; de portadores, a transportes; de proprietários, a possessos. O produto tornou-se mais valioso que o produtor. Descartado o Sagrado, a natureza tornou-se descartável para o homem e o homem, por sua vez, tornou-se descartável para a sua própria máquina industrial tecno-eficiente. O conjunto evolutivo lembra, cada vez mais, um foguetão cósmico que vai consumindo e largando andares à medida que se afasta e embrenha direito a sabe-se lá onde.

Certo é que quanto mais aumenta a nossa descrença no Sagrado, quanto mais ao descrédito o votamos, ou seja, quanto menos importância lhe damos, mais aumenta a importância que damos a bugigangas e próteses existenciais que fabricamos, e, inerentemente, mais se agiganta a crença que para elas transferimos. No fundo, tanto quanto uma perversão na hierarquia de valores, é uma inversão que se instaura e, gradualmente, nos vai absorvendo: o novo sobrepõe-se ao original, o produto ao produtor, o medíocre ao sublime. De espaço de cultura, o mundo converte-se assim em mero palco da profanação. Desligado do cosmos, oscila, perigosa e maquinalmente, entre a incubadora artificial e o matadouro industrial.


PS: TPC: escrever quinhentas vezes no quadro "quando o Dragão diz Deus não é forçoso que signifique um deus confinado a determinado ritual religioso".

Caecus autem si caeco ducatum praestet, ambo in foveam cadunt





Estimado António,

Convidei-o a vir na minha direcção, mas já vi que teima e porfia em dirigir-se, por via rectilínea, à Austrália. Os meus cumprimentos aos cangurus e aos frágeis coalas que por lá surpreenda!
Apenas vislumbro um contratempo: à velocidade a que escava, debruçar-me já não basta; falar-lhe já não o alcança. Terei então que socorrer-me de outros mecanismos e equipamentos, eventualmente de emergência. Rogo-lhe que não desespere, mantenha a calma e aguarde confiante. Estou neste momento bastante ocupado com afazeres dos quais depende a côdea da mulher e filhos, mas, assim que possa, voltarei com o megafone e a cana de pesca - daquelas de alto mar, com carrilhão reforçado, linha de aço e anzol espaçoso. Fique tranquilo: enquanto me restarem forças, mão desistirei de pescá-lo daí!

Entretanto, pareceu-me ouvir gritar-lhe qualquer coisa bizarra como:
-"Vá Deus, fica aí fora, sossegadinho, enquanto nós nos entretemos aqui a brincar à roleta russa!..."
Mas deve ser má audição minha. Não obstante, fico angustiado. E se não for? Então, nesse caso, vocês quem? Quantos são, afinal? Então não está aí sozinho? Foi atrás de quem ou levou quem atrás de si? Homem, veja se comunica, nem que seja por tan-tans telúricos, ou morse cavernícola. É que se assim for, uma cana não chega. Tenho que trazer um guincho de traineira. Um guincho e uma rede.

domingo, janeiro 16, 2011

In camera caritatis

Se partirmos do pressuposto de que o homem - a humanidade - é uma construção estritamente humana, adicionado necessariamente ao pressuposto de que o poder é uma construção estritamente política, então o caro António poderá, de algum modo, ou por alguma via mais ou menos imaginativa, chegar à tese de que o "poder é uma construção estritamente humana".
Porém, como nenhum desses pressupostos se verifica na realidade, ou seja, nem a humanidade é uma construção estritamente humana nem o poder é obra - objecto ou exercício - estritos da política, então somos forçados a concluir que Vª Excª elaborou positivamente nas nuvens (esperemos que nenhuma delas se encontrasse no período fértil). Tomou, desse modo, a Liliput donde partiu pelo Mundo (e já nem falo no Cosmos) onde pretendeu chegar.
Louvo-lhe a forma, o humor (e, inerentemente, a inteligência), mas não o conteúdo, por completa ausência de rigor neste. A questão parece-me bem mais séria que o mero fogo de artifício, pelo que, por enquanto, fica dispensado do meu. E porque suspeito que, ao contrário de teoria, o cristianismo é acção, entenda isto como uma mão fraterna para ajudá-lo a sair do buraco - valente buraco, convenhamos - onde se despenhou.

PS: Há, depois, toda uma vasta série de reducionismos (não sei se de conveniência) subsequentes que, em devido tempo, terei a gentileza de lhe apontar. Mas fiquemo-nos, por agora, pelos fundamentos. Um edifício nunca pode ser uma mera justificação para um telhado pré-fabricado. Poderá funcionar na religião, mas na filosofia não (passe o poema).


sábado, janeiro 15, 2011

A mentefacção e a mentecaptura (rep)

Imaginemos agora que o Ministério da Educação era tripulado por pessoas sérias e competentes; imaginemos ainda que todos os professores eram excelentes e todos os programas magníficos. Eis a máquina ideal? Quereria isto dizer que teríamos perfeitos enchidos à saída?
Desçamos à realidade, se os caros avestruzes não se importam.
Dum lado, em representação da máquina de ensino, o senhor professor recomenda aos alunos que se abstenham ou moderem no uso convulsivo do telemóvel (por piedade, só falarei deste onto-gadget); do outro, incontáveis canais de televisão, produtores e argumentistas de telenovela, agitadores publicitários aos gritos instigam, instilam e trabalham em permanência - na memória, no subconsciente, na gana, no puré caleidoscópico que faz as vezes de mente do mamífero estudante - imperativos categóricos do estilo: "telefona!, joga!, comunica!, troca mensagens!, concorre!, fotografa!, aproveita!, ganha!, não percas esta oportunidade!, tecla!, retecla!, prime!, consome!, gasta!, compra!, chateia o teu pai!, ensina o teu pai!, fala já à tua namorada!, palra!, grulha!, trina!, gargareja!, mostra o teu temóvel!, passeia o teu telemóvel!, alimenta o teu telemóvel!, pilota o teu telemóvel!, muda o toque do teu telemóvel!, toca píveas no telemóvel!", etc, etc, etc. Pois bem, ó caras aves corredoras, o que é que acham que vai prevalecer? O apelo à contenção, à disciplina do mestre-escola, ou o mandamento ao frenesim epiléptico, ao ceva-bofe dos tele-mestres? Não é elucidativo, a esse respeito, o tal vídeo?...
Abram os olhos, ó cavernícolas. Larguem a droga, amiguinhos! Há um problema muito maior do que a máquina de ensino funcionar mal: é o haver uma máquina de desensino, de deformação e de perversão a funcionar às mil maravilhas. Com total impunidade, tranquilidade, ubiquidade e ininterrupção; mais a bênção completa das autoridades e o enlevo pacóvio e macacóide dos cidadãos. Uma locomotiva que desensina não apenas os filhos, mas também os pais; não apenas os governados, mas também os governantes; não apenas os alunos, mas também os professores. De que adianta mandar uma equipa de pedreiros levantar uma casa, oito horas ao dia, e, ao mesmo tempo, ter um buldózer dia e noite a escavacá-la? Como entulho artístico, como heteroclise, como absurdo, até poderá ter o seu fascínio, não discuto; mas como civilização, garanto-vos, é o suicídio colectivo. Ninguém precisa de nos atacar. Basta-lhes ficar à espera.
Para mais, o máquina da deformação certifica da duplicação obtusa da nossa fogosa irresponsabilidade. Quer dizer, somos irresponsáveis não apenas na medida em que nos recusamos fervorosamente a assumir as nossas próprias responsabilidades, como, mais grave ainda, na crónica obstinação cega em não atribuí-las aos seus reais e merecidos autores. Enfim, somos duplos irresponsáveis porque não nos responsabilizamos nem responsabilizamos os verdadeiros responsáveis.
Bradamos contra a qualidade das mentefacções e das mentefacturas, fingindo não ver toda a mentecapção que funciona, preside e está por detrás. Barafustamos e remodelamos a fachada, sem querer mexer no entulho e no lixo que se acumula lá dentro. E pingamos, languidamente, lágrimas de crocodilo mal morto em olhos de carneiro mal vivo porque as estúpidas das criancinhas, patrocinadas pelos pais e abençoados pelos burrocratas da salsicharia, no fundo, em vez de obedecerem às formidáveis pedagogias e às vetustas tradições, obedecem ao marketing.

PS: O que eu aqui disse, algures em 2008, acerca da educação é plenamente extensível em relação à generalidade da economia e, sobretudo, da poupança/crédito.
Tanto quanto os políticos, deviam ser os publicitários a pagar o défice.

Dragão nas sete quintas



Hoje, estou, de ferro de soldar em riste, a trocar os pickups à minha Telecaster. Acabo de receber os Dimarzio Twang King e não descanso enquanto não os experimentar, na minha sempre eterna demanda do sublime. A generalidade dos meus leitores não perceberá patavina destes esoterismos, mas há um que entenderá. A esse, aqui deixo o meu repto: José, velho amigo, rói-te de inveja!...
Como diria Tertuliano, se não me falha a memória, "este mundo será uma vale de lágrimas, mas chora-se cá tão bem..."

Da impiedade


"Sobre as falésias de Mármore" é um livro sobre as tiranias e, diz-se, o próprio Jünger semi-confessou, uma alegoria sobre uma delas em especial. O Couteiro-Mor representará Hitler. Mas não apenas Hitler. O mármore, recordo, ornamenta, geralmente, o interior dos palácios. E, da Roma clássica à Berlim do III REich, sua tardia emulação, por obra e graça de Speer, seria a pedra dominante dos corredores e salas do Poder. Estar então "sobre as falésias de mármore" poderia traduzir-se como "estar à beira do abismo". Os grandes escritores são grandes profetas, pois.
Mas o mais curioso de tudo é que na floresta sombria e tenebrosa onde o Couteiro-Mor habita, não reina a irracionalidade ou o mero "biologismo animalesco". Não, bem pelo contrário: impera uma racionalidade árida, fria, sem coração. Uma lógica impiedosa, em suma. Ou, na terminologia uma vez mais Jungeriana, um "certo automatismo".
Não era a irracionalidade que presidia ao Nazismo, nem, tão pouco, ao Comunismo; como não é a irracionalidade nem a mera biologia que comanda o malignismo que , presentemente, avassala o globo. E este bem mais perigoso, porque efectivo, actuante e mascarado de amiguinho dos povos e culturas. Artimanha antiga, convenhamos; esta, a do mal se camuflar cinicamente de bem.
Que significa então tudo isto? Simples: que em matéria de poder, nas suas múltiplas estratégias e subterfúgios, há, de facto, todo um logos em acção. Em marcha. Ontem como hoje. Só que não é exactamente aquele que testemunha João.

E, já agora, a talhe de epílogo, sempre reconheço que quanto mais me debruço sobre a Segunda Guerra Mundial, mais suspeito que não houve ali qualquer conflito entre o Bem e o Mal. Houve apenas uma orgia íntima, um paroxismo - uma refinação, se preferirem - do segundo.


sexta-feira, janeiro 14, 2011

Da representação

«Discutimos infrutiferamente quase até ao nascer do dia. Não nos conseguimos entender através das palavras, mas os silêncios permitiram-nos ver claro em relação a muita coisa. Assim, antes da tomada de uma decisão, se reúnem os espíritos como médicos à cabeceira do enfermo. Um gostaria de recorrer à faca, outro quer poupar o doente, um terceiro preconiza a administração de medicamentos especiais. Que representam, porém, o juízo e a vontade dos homens, quando a perda já está inscrita nos astros? Mesmo assim, também os estados-maiores convocam o conselho de guerra antes das batalhas perdidas.»

- Ernst Jünger, "Sobre as Falésias de Mármore"

Não há muitos autores que mereçam ser lidos; há é poucos autores que merecem ser lidos muitas vezes.

À espera do God...?

Entretanto, continuo pacientemente à espera que, depois da visão rudimentar (sic), o Desfazedor me apresente o projecto um pouco mais aperfeiçoado.

Em todo o caso, se não vê melhor, o Desfazedor, não é certamente por falta de capacidade: é de vontade mesmo. E isso, às vezes, paga-se caro. "Às vezes", claro está é um um eufemismo. De "mais tarde ou mais cedo". Ou seja, sempre. Aqui falo de cátedra.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Nada de excepções, cavalheiros, nada de excepções!



Bem, os pensionistas, as criancinhas do abono, os desempregados, os precários dos recibos verdes (excepto os advogados, naturalmente), já contribuem generosamente para o capricho do défice. Então e os sem abrigo, esses privilegiados? Aguardo ansiosamente taxas vigorosas sobre estacionamento de papelões para pernoita, ou regime de recibos verdes para os digníssimos mitras da arrumação auto. Isto, ou há moralidade ou comemos todos... os pelintras.
Se os vendedores ambulantes pagam, como é que os fantasmas ambulantes andam isentos... hem?!!...

Mourinho à Presidência!

Ou então,pensando bem, ocorre-me uma ideia ainda melhor: convidem o Mourinho para a presidência. Com sorte, ainda aceita. De política não perceberá lá muito, mas percebe de futebol. Que, por estas bandas, consegue ser ligeiramente mais sério que a política. Por outro lado cumpre quesitos de um político elegível, conforme receitava Aristóteles: Já possui fortuna própria. Pelo que corremos menos riscos que faça como os outros e se aproveite do cargo para o mero enriquecimento pessoal. Ah, e já me esquecia duma outra vantagem deveras conveniente: tem coluna vertebral.

PS: E nem que fosse em part-time, não tenho dúvidas que faria melhor que qualquer uma das outras avantesmas.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Imodesta proposta

Como é que se distingue, à distância, o barro da bosta? Ao perto era fácil, eu sei: pelo aroma, especialmente em dia de calor. Mas ao longe também não é assim tão difícil: a bosta, ao contraŕio do barro, atrai enxame. Não os contei, aqui na blogosfeira, até porque tenho bem mais que fazer. Não obstante, pela chusma de insectos e respectivos zumbidos que congregam em comitiva, eu quase apostava no empate técnico entre o Cavaco e o Alegre. Esparta tinha dois reis. Esta coisa vagamente rectangular, que está nos antípodas de Esparta, bem que podia ter dois presidentes. Semestrais. Ou então um para de dia e outro para de noite. Ficavam os gnomozinhos todos felizes!...

terça-feira, janeiro 11, 2011

O Desígnio nacional

Nesta democracia modelo Hutchinson-Gilford, os portugueses, cada vez mais, congregam-se em torno de duas classes: os desvalidos, que têm que sair para o estrangeiros em busca desesperada de emprego; e os privilegiados, que vivem de trazer o estrangeiro cá para dentro.
Em tempos, como anedota absolutamente verídica contava-se que a Dívida externa do antigo Zaire era exactamente igual à fortuna pessoal do então presidente Mobutu. Algo parecido poderia contar-se acerca de Eduardo dos Santos. Ou de tantos outros caciques africanos.
Hoje, entre nós, infelizmente, um único nome não bastaria. São inúmeros - pandilha buliçosa e agenciadeira, onde se destacam alguns mamíferos mais empanturrados. Mas nas suas contas off-shore e off-record, ninguém duvide, repousa e procria vultuosa percentagem dos fundos europeus derramados durante os últimos anos neste país. Coados e abarbatados pelas mais diversas vias e manigâncias, sobretudo através de comissões, luvas e esquemas de formação, subsídio e fomento, amontoam-se a levedar píncaros astronómicos. Não sei se equivalem ao grosso da tal Dívida Soberana, não sei se o ultrapassam ou perseguem. Sei apenas que a Procuradoria Geral da República, se alguma república houvesse e alguma justiça a habitasse, devia literalmente engavetar a generalidade dos corpos responsáveis do PS e PSD, nestas últimas décadas, e espremê-los, o mais brutalmente possível, até ao último tostão da dívida. Poupava-se a recessão de quase todos, a miséria de milhões e cumprir-se-ia, na perfeição e na realidade, um dos desígnios tão ao gosto de certas retóricas meramente verbosas: o do consumidor/pagador. Eles que consumiram. eles que paguem!

segunda-feira, janeiro 10, 2011

À falta de cadeira...

Num ápice, esta coisa importantíssima das eleições presidenciuis, viu-se eclipsada nas pantalhas da nacinha por um assunto -aliás, presunto - bem mais interessante e, sobretudo, apetitoso para o pagode indígena: a tragédia... a hecatombe que, abrupta, atroz e a golpes indelicados, se abateu sobre esse enorme vulto das artes e da cultura nacinhais - um tal Carlos Não Sei Quê. Pessoa sensível, frágil e -nas palavras dessa outra lenda semi-viva da cultura lusitoina, a clarividente Lili Caraças, ou Conaças, ou Canecas, ou lá como é - esteta empedernido dos quatro costados (autêntico Oscar Wilde do Namibe, não nos custa acreditar), o infeliz terá encontrado a morte em circunstâncias deveras infaustas, além de rocambolescas. Parece que se entregava, de alma e cu...ração, à conversão dum jovem heterossexual, engodado por passerelles olímpicas ao módico saldo de capris mundanos. Algo, porém, por entre lingeries e apetrechos, terá corrido mal ao intrépido domador. Alguma fantasia ou carícia mais atrevida na fera, quiçá... O certo é que, o instinto arreigado superou a afeição mal besuntada. A homofobia, essa clamidade do nosso tempo, falou mais alto. Paz à sua carcaça, já que da alma descria.
Resta acrescentar que soube eu deste lúgubre folhetim pelo meu sócio e compadre Ildefonso Caguinchas. Sentado à mesa dumas cadelinhas e bem embalado para uma cadelona, de Correio da Manhã à ilharga, principiou por comunicar-mo nestes termos idiossincráticos e, por conseguinte, pouco recomendáveis:
- Dragão, já me vistes isto?!... Estes chavalos depilados vão de mal a pior. Totós completos, pá; verdadeiras abéculas! Então não diz aqui que o puto arreou com o portátil nos cornos do velho roto... 'Tou-te a dizer, meu, o portátil. Mas lembra ao Gregório? Nem ao Hilário! Então o gajo não tinha ali uma cadeira ao alcance?!!..."

O que é que se responde a um gorila destes?

Bem, lá me desenrasquei o melhor que pude:
-"Ouve, Caguinchas, aquilo era pouso de luxo com certeza. Só tinha maples e poltronas. Dificílimos de arremessar, acredita. E o que se passou, na volta, foi que o panasca sénior deve ter apanhado o aprendiz a ver gajas na net. Desatou a galinhar ameaças e cenas de ciúme aos gritos, e o puto, que já devia andar com os nervos em franja, passou-se. Deu-lhe com o que tinha mais à mão. Neste caso, o rato. Só que, sem querer, o computador foi atrás. "

PS: É no rescaldo de episódios destes que Rousseau me parece louvável. Os únicos, aliás.

domingo, janeiro 09, 2011

Under-core Primeiro Escalão




“Se Cavaco foi beneficiado por ser amigo ( é um modo de dizer porque agora diz que não é…) de Oliveira Costa e Dias Loureiro e outros que por lá andavam a questão ganha relevo, mesmo que nessa altura andasse apenas a ganhar para a reforma do ensino ou do banco de Portugal.”
- Comentador José.

«José,
Ora, aqui é um erro em que todos laboram. O Cavaco não era reformado do Banco de Portugal. Era quadro do banco de Portugal. Se incluirmos na análise a forma incompetente e quase voluntária de como o Banco de Portugal não fez o seu trabalho de supervisão, fica a dúvida: o Cavaco foi comprado para influenciar a não actuação de supervisão do Banco de Portugal?
É que há coisas curiosas. Parece que o Cavaco faz um contrato para se tornar accionista, garantindo um rendimento positivo, seja qual for a evolução do mercado financeiro. As cotadas, no mesmo sector, perderam valor no mesmo período em que as acções da SLN/BPN valorizaram 140%. Pode-se perguntar. E daí? A SLN pode ter aumentado os lucros então. Talvez. Mas já se sabe que parte dois lucros declarados pela SLN foram fictícios, escondidas perdas no BI e nas tais contas off-shore. Além disso, tudo indica, quem vendeu e comprou as acções a Cavaco foi a sociedade de controlo do BPN, que diga-se de passagem, era o mesmo grupo. Ainda não entendi porque se separa a SLN do BPN, quando em termos legais está correcto mas em termos funcionais a SLN e o BPN eram uma e mesma coisa. Até as administrações eram quase as mesmas.
O que também é engraçado é isto. Em 2001 Cavaco torna-se accionista da SLN/BPN, mais ou menos por alturas da entrada no capital da SLN do Dias Loureiro. Este, por acaso, foi acusado pelo principal responsável da supervisão do Banco de Portugal de o ter pressionado para deixar em paz o BPN, pois aquilo era tudo gente séria. Ou boa, já não me lembro. E, o que é certo, o Banco de Portugal, aparentemente, apenas se mexe nas investigações à gestão do BPN após a reforma do Cavaco do Banco de Portugal. Curiosa coincidência? Talvez.
Certo é que, mesmo com perguntas incómodas da PGR ao Banco de Portugal sobre alguns factos no BPN, o Banco de Portugal pouco se mexeu e, até, fez uma coisa curiosa: andou 3 anos a empurrar o problema com a barriga, quando no próprio BDP já havia mais que suspeitas de má gestão do BPN.

Cavaco Silva não pode invocar desconhecimento do que se passava na gestão da SLN/BPN, até porque o seu próprio amigo Dias Loureiro, nas palavras deste, foi ao Parlamento dizer que ele sabia dos rumores existentes sobre o BPN e que até foi ao Banco de Portugal pedir uma atenção especial con o BPN, com a desculpa que teria todo o seu património investido na SLN/BPN. Será que Cavaco Silva, funcionário do Banco de Portugal, amigo de longa data e de peito de Dias Louereio, não sabia do que se passava no BPN? Duvido.
E, talvez seja por isso, que o Cavaco não quer admitir que a compra e venda das acções da SLN/BPN foi uma decisão de sua iniciativa e não investimentos delegados em terceiro.
Penso que, face a esta flagrante suspeita de corrupção (ou compra de influências, ou o que se queira chamar), tantos fechem os olhos, só porque o personagem é o sr. prof. Cavaco Silva, a virgem impoluta.
Enfim, é triste que o fenómeno da corrupção só seja grave quando são os nossos adversários políticos que estão envolvidos.
E, como curiosidade, não faltam por aí candidatos a Abrantes. Infelizmente. Tudo se vende e se compra, não é verdade?»

- Comentador Anti-comuna (numa caixa de comentários perto de si).

Porque há coisas que não se podem deixar soterradas sob entulho e escombros. A verdade é uma delas. A principal, aliás, ainda há quem acredite.

PS: O Anti-comuna queixou-se em tempos de nunca ter merecido a minha atenção. Pois bem, aqui fica o reparo.

PS 2: E nunca é demais realçar, para os mais desatentos ou peregrinos, que nem o José, nem o Anti-comuna, nem eu somos aquilo a que se pode chamar, sequer por aproximação, pessoas de esquerda. E por eles não posso jurar, mas por mim sempre asseguro que abomino, mais que o bandido, o hipócrita; e pior que o lobo assumido, aquele que se camufla sob a pele do borrego manso.

sábado, janeiro 08, 2011

Espelho meu, espelho meu....




O escarcéu que para aí vai, por esta blogosfeira a fora, só por causa de mais uma eleicinha folclórica!... Não percebo tanta peixeirada por coisa tão pouca. Aliás, percebo, mas hoje sinto-me a transbordar de bonomia. No fundo, boys and girls, tanto noise para quê? Vamos, deixem-se de fitas. Façam lá as pazes e abracem-se em santa confraria, numa amena vernissage oxiúrica. Todos sabemos (pelo menos os que não se auto-lobotomizam fervorosamente) que, em matéria de virtude, a honestidade do Pufessor Cavaco é praticamente tirada a papel químico do patriotismo do Poeta Alegre.

O triunfo dos suínos



«Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!»


As voltas que o léxico dá... Nada mais fascinante que assistir-lhe ao carrocel! Antigamente, tínhamos o Rei soberano. Depois, a reboque de ilumineiros e francesuras, transitámos para o Povo soberano. Agora, numa espécie de culminância lógica para tão cândida saga, desembocámos na Dívida Soberana. "Liberdade, igualdade e fraternidade", não era? Pois aí as tendes. Num progresso verdadeiramente inexorável. Para o abismo.
Porque é que a cavalgadura confunde a meta com a cenoura?

PS: Lembrem-se daquele versiculozinho onde reza assim: "Não podeis servir a Deus e a Mamon (o dinheiro)". Depois, reparem que tudo começou no dia em que um homenzinho decidiu que o Poder não vinha de Deus, mas emanava dele próprio. A seguir cada homenzinho extrapolou, não sem uma certa lógica intrínseca, que se um homenzinho podia ser Deus, todos eles podiam ser também. As engrenagens do Mundo, porém, são fatais: o Poder vem sempre de alguma parte. Se não do Alto e Sublime, então do baixo e desprezível. Se não conta a Palavra, passa a contar o número; se não sobrevale o Espírito, sobrevale a moeda. Daí o corolário actual: Não deves nada a Deus? Brilhante,pá! Deves tudo ao bancos. Pega, pois, nesse teu materialismozinho todo e refocila. Chafurda. Banha-te e afoga-te nele!...
Digno de pena? Porque serias tu digno de pena, se trocaste a tua Dignidade por patacos?!...

quinta-feira, janeiro 06, 2011

Da liberdade

Na liberdade, não acredito. Porque não a vejo em parte nenhuma - e a de pensamento ainda mais irrisória e maltratada que a física. Como pode ser livre quem está condenado ao trabalho diário e incerto - e cada vez mais incerto, ó Deus meu! -para sobreviver? Como pode ser livre quem marcha pela existência às ordens das engrenagens despóticas dum relógio? E que diferença ser escravo da necessidade ou da ganância?

Quanto à liberdade de pensamento, pior um pouco. Quando o pensamento anda com a cabeça a prémio, perseguido por posses de xerifes e bandos de linchadores anónimos, que liberdade é que pode ter? A liberdade do acossado, se tanto. Do fora da lei. Na maior parte do tempo, para efeitos de pura maquilhagem, apregoa-se liberdade de pensamento onde nem sequer existe pensamento. Mas apenas ordem unida: de conceitos, de lógicas, de xaropadas, de supositâncias, de engodos. Quer dizer, primeiro esteriliza-se o terreno; depois concede-se liberdade de germinar à vontade. Disponibiliza-se a estrada toda a quem previamente se amputa das pernas próprias para andar.
A liberdade não passa dum negócio. Dos bufarinheiros de próteses.

Da Loucura

«A loucura é algo raro em indivíduos – mas em grupos, partidos, povos e épocas é a norma. »

Quem o escreveu foi Nietzsche. Falta talvez acrescentar, por via da experiência acrescida que vamos tendo, que piora com o andar da carruagem, ou seja, do relógio. Há realmente um Progresso inexorável nesta humanidade cada vez mais desumana onde viemos dar: o da loucura.
O corolário de Maquiavel já espreitava no prelúdio: os meios não se limpam apenas nos fins: fabricam-nos.

Serve para meditarmos todos. Enquanto me espreguiço e desentorpeço as asinhas.

terça-feira, janeiro 04, 2011

O Oitavo dia da Criacinha ou o Despertar do Trágico



«Concluída, no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado».
- Génesis, 2, 2.


Ora, se Deus repousou no sétimo dia, o Dragão, na senda de tão elevado paradigma, decidiu sornar no sétimo ano. Período de ociosidade, esse, que se completou algures no mês transacto.Não rejubilem, porém, os inimigos, nem desesperem, tão pouco, os amigos: o Labaredas-mor do reino está de saúde e recomenda-se. Motivo para bordoada da grossa é o que não falta por aí. Todos os dias é um cogumelar e repolhar de mediocridade e sacanetice que só visto! Pelo que, após merecida pausa e justíssima folga, cá estou eu de novo, pronto e revigorado para acudir ao pífio cortejo com a tomatada copiosa que ele merece.