quarta-feira, maio 30, 2007

Babelização, ou A escadaria-rolante para o Céu




O progresso e a modernização, primeiro, desertificaram os campos e as aldeias. Depois, paulatinamente, têm vindo a desertificar as grandes cidades. Lisboa, exemplo clamoroso, é uma pungente montra disso mesmo. Aos poucos, vai-se esvaziando de gente e de memória. E tal qual a antiga metrópole dum império devém necrópole de sonhos e ideias, também a sua emblemática capital, de sala de visitas, descamba em sala de embarque zombie. A noite, sobretudo, é esclarecedora: espectros e pré-fantasmas aguardam despejo, apodrecem diante de televisões ou jazem embrulhados em papelão e farrapos, sob abrigo de túneis ou arcadas. Está cada vez mais lúgubre a minha terra. Num tempo em que as pessoas vão petrificando por dentro, resta às pedras que assistem, cá fora, impotentes, chorar.
Há pois uma questão que se torna incontornável: em que consiste realmente essa tal "modernização que canta"? Bem, tudo indica que consiste, fisicamente, em acantonar a população num imenso subúrbio (excepto, naturalmente, a nomenklatura jet-seita reinante, mais a sua insaciável corte de serviçais e bobos de serviço); e, psicologicamente, em terraplenar toda a cultura, justiça ou tradição (ou mera hipótese de qualquer uma delas) a uma pardacenta - e sórdida - mentalidade suburbana.
Para aqueles que tanto gostam de contrapor, triunfalmente, a modernidade ao feudalismo, a "idade das luzes" à "idade das trevas", a ciência à religião, e ufanarem-se da evolução e libertação que foi, fica todo um trajecto épico, toda uma saga maravilhosa que, caso usufruissem dessa faculdade mental, convinha que reflectissem: a da indústria salsicheira celestial que recauchutou os servos da gleba em servos da banca.

Fábulas - A cigarra e a formiga

Instalada num confortável sofá, defronte da lareira, a formiga gozava dos confortos da sua casa nova e dos mantimentos açambarcados durante a boa estação. Lia balancetes e planeava mapas de recolha prá primavera... Ao mesmo tempo, protegida, refastelada, comprazia-se com a neve que ia caindo lá fora e o vento gelado que atormentava os campos. A certa altura, bateram à porta. A formiga já o esperava e sorriu triunfante, ufana...
"Lá vem ela", pensou. "Por esta altura do ano, é sempre a mesma coisa... Mandriou o verão todo e agora vem pedir batatinhas!... Eu já lhe digo das boas!..." E dirigiu-se para a porta da rua, toda satisfeita consigo própria; pronta para mais um sermão vingativo. Abriu...
Não era a cigarra, era o Dragão. Ia pra dizer qualquer coisa, o visitante, quando, instigado certamente pelo clima inóspito, foi acometido dum espirro. Ainda tentou sustê-lo, mas em vão. Espirrou inapelavelmente. Em cima da formiga e da casa da formiga. Depois, desolado, foi-se embora.
Mais tarde, quando a cigarra chegou, para vir pedir batatinhas, encontrou a porta aberta e aquilo tudo com ar de holocausto. Perplexa, não viu a formiga, mas viu as batatas, amontoadas na despensa. Radiante, não se conteve de bradar:
"Olha que gentileza: batatinhas fritas!..."

segunda-feira, maio 28, 2007

Anatomia dum Telecídio



Sobre esta coisa do Chavez encerrar o tal canal de TV venezuelano, também tenho alguns pareceres super-bestiais que passo a emitir.
1. Estará o Chavez a maltratar a democracia? Espero bem que sim. E estou à vontade para dizer isto: não simpatizo com um nem deposito grandes esperanças na outra. Melhor dizendo, se na Escandinávia a democracia funciona às mil maravilhas, exceptuando a taxa de suicídio mais elevada da Europa (não sei se do mundo), já na Venezuela não acredito que tenha grande futuro. Aliás, nem futuro, nem, por falar nisso, presente ou passado.
2. A nossa esquerda Ruca está amargurada e experimenta angústias com este novo desarrincanço Chaviano? Bem, então o Chavez sobe na minha consideração - não muito, é certo, mas o bastante para ascender de mero truão a truão engraçado. Tudo o que contribua para arrepelar os fornicoques à nossa esquerda Ruca, a mim, prontamente, encanta-me. Fico feliz da vida.
3. Encerrou uma televisão privada que servia de megafone à oposição, o tiraneto? Lembro-me daquelas telenovelas venezuelanas que por aí passaram. Suponho que foram produzidas por essa televisão. E lá volta o Chavez a descer na minha consideração. Por duas razões muito simples: não os fechou há mais tempo; e não os encerrou como se impunha e mandava a mais elementar decência: à bordoada. Ou à mangueirada, no mínimo. Por mim, empalava-os, mas não quero que digam que lá está o Dragão com as suas hipérboles. Se bem que empalados até nem era exagero nenhum, a eles e a quem por cá lhes comprou -e transmitiu! - essas tele-estricninas.
4. É verdade que eu podia ficar aqui uma noite inteira a despejar uns belos impropérios (todos eles justos!) em cima do Chavez. Modéstia à parte, não sou mau de todo nesse departamento. E o figurão até é rico em motivos folclóricos - quase tanto como em detalhes caricatos. O difícil seria escolher. Poderia pois zurzir-lhe de toda a maneira e feitio. Ainda o hei-de fazer um dia destes, ficai seguros. Mas não hoje. E nunca jamais por ter encerrado uma televisão comercial, sobretudo na Venezuela. Não, aí, que Deus o abençoe! Aí, que nunca o coração lhe doa nem a mão lhe trema! Melhor mesmo, só se de caminho, e já que estava com ela na massa, fechasse a nossa TVI. Não, nesse caso, ó milagre!, ó prodígio!, além de aplauso e volta à arena, merecia canonização e santuário. Ainda fazia de mim um devoto.
5. Tenho por inexpugnável o seguinte axioma : Capitalismo ou televisão. Os safardanas que optem. Os dois juntos é que não.
6. Quanto ao socialismo a petróleo do Hugo, aquilo, como é regra fatal das comédias do género, vai acabar em tragédia. Nos cá estamos, e aguardamos, de camarote, para assistir. Só que agora, temos que reconhecê-lo, com a grande vantagem de já não termos que gramar com os cabrões dos anúncios e os intervalos a toda a hora para a puta da publicidade.
7. E falta rigor quando se diz que Hugo Chavez fechou uma boca incómoda. Deveria dizer-se que fechou uma boca de esgoto incómoda.
8. Em suma, para mim não constitui qualquer problema ou motivo especial de aflição o facto do governo venezuelano não renovar a licença duma televisão venezuelana. Para ser franco, o meu grande problema, e motivo para alarme, é perceber, isso sim, porque raio o "governo" "português" renovou a licença à TVI. Só não é uma boca de esgoto e só não é incómoda porque, de facto, é uma autêntica e descomunal "Ribeira dos Milagres". O canal a céu aberto da suinicultura nacional.
9. Donde se alcança o corolário final de toda esta anedota que decorre em sessões contínuas nesta cine-piolheira à beira-mar esparramada: a ideologia dominante, infestante e bastante, a única que resta e é avassaladora e convulsivamente praticada por todos estes epígonos de coisa nenhuma, não é esquerdista nem direitista, não é liberal nem conservadora, não é democratismo nem aristocracismo... É, pura e simplesmente, turismo. Não pensam. Andam em viagem.

domingo, maio 27, 2007

A Obra maldita - II

«Em boa fé, parece-me que todos os que regressam da Rússia falam sobretudo para não ficarem calados... Voltam cheios de pormenores objectivos e inofensivos, mas evitam o essencial, nunca falam do judeu. O judeu é tabu em todos os livros que nos apresentam. Gide, Citrine, Dorgelès Serge, etc, não dizem nem uma palavra... portanto chalram... Têm o ar de quem enfia a viola no saco, confunde a baixela; não lhe fazem qualquer mossa. Garatujam, aldrabam, rodeiam o essencial: o judeu. Ficam-se pela superfície da verdade: o judeu. São refinadas embusteirices, é a coragem do dândi; está ali um laço, pode-se cair, não se fractura nada; talvez se arranje uma entorse... sai-se com aplausos... rufar de tambores! Perdoar-vos-ão, ficai certos!...
No momento actual, a única coisa verdadeiramente grave para um grande homem, escritor sábio, cineasta, administrador de finanças, industrial, político (então aqui, a coisa é gravíssima!) é estar de más relações com os judeus. Os judeus são os nossos patrões... aqui, além, na Rússia, em Inglaterra, na América, por todo o lado! Fazei de bobo, de insurrecto, de intrépido, de anti-burguês, de enraivecido cavaleiro andante... que o judeu se está cagando! Galhofices... Tagarelices! Mas não ouseis tocar na questão judaica, se não quiserdes que vos lixem o coiro... »
- Céline, "Bagatelas para um Massacre" (trad. livre)

A obra maldita

«A miséria russa que tão bem observei é inimaginável, asiática, dostoievskiana; um inferno bolorento, arenques fumados, pepinos e bufaria... O russo é um carcereiro de nascença, um chinês falhado, torcionário; o judeu enquadra-se-lhe na perfeição. Escória da Ásia, escória de África... foram feitos para casar... é o mais belo casamento que alguma vez terá saído dos infernos... não me aflige nada dizê-lo... depois de uma semana de passeios tenho as minhas opiniões bem formadas... Natalie tentou, era o seu dever, fazer com que eu mudasse de opinião, doutrinar-me amavelmente... depois, enfureceu-se... quando verificou a resistência... Não conseguiu mudar nada... repeti-o a todos, a Leninegrado, à minha volta, a todos os russos que me falavam, a todos os turistas; que era um país atroz, que até para os porcos seria penoso viver em semelhante chiqueiro... e, depois, como a minha Natalie se me opunha, me tentava convencer... bom, decidi então escrevê-lo para todos, em cartões-postais, para que vissem bem nos correios, já que são tão curiosos, os russos, com que linhas me coso... porque eu não tenho nada para renegar!... não uso falinhas mansas... penso como quero, como posso... em voz alta...»

- Céline, "Bagatelas para um Massacre" (Tradução livre)

Hoje é dia de Céline

«Chegámos ao barco com grande antecedência... Ficámos nos lugarzinhos piores, mesmo por cima da roda da proa... Viamos todo o horizonte admiravelmente... Eu é que ia ser o primeiro a avistar a costa estrangeira... O tempo não estava mau, mas mesmo assim mal nos afastámos um pouco, mal perdemos os faróis de vista, ei-la que começou a excitação... Começa o balancé, a navegação a valer... A minha mãe foi-se logo encafuar no reduto dos cintos de salvação. Foi ela a primeira a vomitar pelo convés fora e na terceira classe.... Ficou tudo vazio num instante...
«Toma conta do menino, Auguste!» teve ela ainda tempo de ganir... Não havia coisa que mais o irritasse...
E vai daí então outras pessoas começaram a fazer esforços inauditos... por sobre a borda, sobre a amurada... Acompanhando o balanço, ou em contra-mão, vomitava-se de qualquer maneira, ao calhas... Havia uma única retrete, ao canto da coxia... Já estava pejada de quatro vomíticos, derreados, dobrados em dois... O mar ia engrossando cada vez mais... A cada vaga que se formava, toma lá mais um bónus... E quando ela se desfazia, doze, pelo menos, bem mais opulentos, bem mais compactos... O véu dela, da minha mãe, foi uma rajada que lho arrancou, todo encharcado... foi chapar-se na boca de outra senhora que estava na ponta... a refrear o estômago... Foi-se-lhe a penitência! Doces... salada... marengo... café com leite... toda a paparoca... tudo pela boca fora... para a linha do horizonte!
De joelhos, nas tábuas do chão, a minha mãe esforça-se e sorri, sublime, a baba a escorrer...
- Estás a ver - nota ela, em contra-balanço... horrível... - Estás a ver também a ti Ferdinand também a ti te ficou no estômago o atum!... - Repetimos o esforço juntos. Buah!... e outra vez Buah!... Enganou-se! São os crepes!... Acho que seria capaz de dar com as batatas fritas... com um bocado mais de afinco... Dando volta à tripalhada, extirpando-a, aqui no convés... Tento... debato-me... ganho forças... Uma cerração tramada investe contra a balustrada de proa, bate, esguicha, torna a cair, varre a entreponte... A espuma arrasta, molha, agita, remexe toda a porcaria pelo meio da gente... Toca a lavar... Mais outra vez... A cada mergulho lá se vai a alma... recobramo-la à vinda, num refluxo de mucos e cheiros... Ainda nos escorrem pelo nariz, salgados. É demais!... Um passageiro implora perdão... Berra aos quatro ventos que está vazio!... teima!... Mesmo assim ainda lhe vem à boca uma framboesa!... Encara-a com terror... Até entorta os olhos... Não tem realmente mais nadinha lá dentro!... bem gostaria de vomitar os dois olhos... faz esforços nesse sentido... Escora-se na mastreação... Tenta fazê-los sair dos buracos... A mamã essa deixa-se cair sobre a balustrada... Revomita à tripa-forra... Veio-lhe uma cenoura... um naco de gordura... e o rabo inteiro de um salmonete...
Lá em cima, ao pé do capitão, a gente da primeira, e da segunda, cascateava tudo em cima de nós... Cada onda que varre os duches são refeições inteiras que se apanha... é-se fustigado pelos detritos, pelas carnes em fiapos... Que vão até lá acima às rajadas... a guarnecer o cordame... O mar à volta muge, é a batalha das espumas... O papá com o seu boné de orelhas apadrinha os nossos desfalecimentos... embandeira em arco. A sorte dele! tem um estômago de marinheiro!... Dá-nos bons conselhos, quer-nos ver ainda mais prostrados... a arrastarmo-nos ainda mais... Uma passageira vem de escantilhão... esparrama-se em cima da mamã... usa-a como calço para melhor lançar... Também um cãozito se manifesta, de tão doente que está mete-se cheio de cagaço pelas saias dentro... rebola-se, mostra-nos a barriga... Dos cagatórios vem uma gritaria horrível... São as quatro pessoas que lá estão fechadas dentro que já não conseguem vomitar mais, ne,m mijar... nem cagar sequer... Esforçam-se sobre o buraco da retrete... Imploram que as assassinem... Mas o traste do barco vá de se empinar ainda mais sempre teso, torna a mergulhar... a enfiar-se no abismo... no verde escuro... Todo ele baloiça outra vez... Chocalha-nos, o infecto, o nosso bandulho vazio...»

Céline, "Morte a crédito"

Hoje é 27 de Maio. E a todos os 27 de Maio, neste batel danado, celebra-se Céline. Céline inteiro, completo, sem mutilações. Mais logo volto. Com as "Bagatelas". Esperem só...

sábado, maio 26, 2007

Um deserto, pois claro.

É mais que evidente que o ministro Mariolino está coberto de razão -e pertinência - quando afirma que a margem sul é um deserto. Todos os dias a ponte se enche de camelos que persistem em pagar portagem. Camelos, dromedários e outros caravanas que acreditam estar em trânsito para um oásis perpetuamente adiado.

A Consulta



- Doutor, é o meu eucalipto. De novo...
- Não me diga que voltaram, os macacos...
- Não, Doutor. Agora desenvolveu papagaios. Milhares de papagaios. Primeiro foram bicos, mas a seguir, em menos de nada, já eram papagaios completos, de todas as cores, tagarelas até mais não!...
- Humm... Papagaios, diz você. Tem a certeza?
- Absoluta. Autênticos papagaios. Ainda reconheço um papagaio quando o vejo. Só que neste caso, infelizmente, não é apenas um: são muitos.
- Diabo, isso é uma síndrome rara. O vulgar é desenvolverem piriquitos. Chega a ser pandémico. Mas papagaios é o primeiro caso que me apresentam.
- Suspeito que foi na escola que ele os apanhou, doutor. A minha mulher argumenta que é efeito secundário das vacinas, mas eu tenho quase a certeza que foi na escola.
- Na escola? ...
- Sim, já concluiu o infantário. Agora já anda na escola. Aliás, ao fim da primeira semana de aulas foi quando começaram a desenvolver-se os papagaios. Agora está infestado. Um horror! Não se calam. Não me deixam dormir. Por este andar, dou em doido!...
- Notou-lhe mais alguns sintomas - febre, borbulhas, palidez nas folhas?
- Não, doutor. Apenas papagaios. A minha mulher ainda experimentou dar-lhe banho, cataplasmar-lhe o coruto, polvilhá-lo com talco nas vrilhas, mas a papagaeira não esmoreceu. Pelo contrário, alastrou ainda mais. A todas as horas... não fecham a matraca. É um palramento desenfreado!...
- O seu eucalipto costuma brincar na rua com outros eucaliptos da idade dele?
- É raro, doutor. Só o deixamos brincar no jardim, com a acácia do vizinho. Mas é raro. Por questões de segurança, bem vê. Hoje em dia todo o cuidado é pouco. Uma araucária duma aldeia próxima desapareceu enquanto andava de bicicleta. Até hoje nunca mais foi vista. A polícia nada pode contra os obscuros poderes detrás das redes pedossilvófilas!...
- E em casa, o seu eucalipto, vê muita televisão? Já tem computador?...
- Ah, ainda andava de vaso quando lhe comprámos o computador. Teve que ser. Senão éramos apontados na vizinhança, na família, na sociedade... Todos os outros já tinham, o nosso também tinha que ter. A inspecção social não brinca. Ainda nos retiravam o eucalipto, por crueldade e maus tratos. Agora, como todos os outros, passa o dia debruçado naquilo. O dia e a noite. Até aqui o único problema era masturbar-se muito com as páginas pornográficas. A mãe, conforme aprendeu nos manuais, estimulou-o muito, para que não se inibisse nem desenvolvesse complexos de culpabilidade. Bem, culpabilidade não estava a desenvolver nenhuma, é um facto. Aquilo era largar pólen a todas as horas. Mas agora desatou a desenvolver papagaios, já não entendo nada disto. Acha que foi do computador, doutor?... Agora que penso nisso...
- Duvido muito. Nesse caso, o normal seria desenvolver vermes. Resolvia-se facilmente com um herbicida de largo espectro: dava cabo da bicharada num instante.
- E não tem um remédio que dê cabo dos papagaios, doutor? Suspeito que começam até a desenvolver-se araras, tucanos e catatuas!... E se aparecem coalas?
- São estirpes, todas essas, mais que resistentes, protegidas por lei. Caía-me a Quercos e a Greenpeace em cima. E a imprensa, as televisões... Os papagaios cultivam um feroz espírito coorporativo. Cassavam-me a licença fitoclínica num abrir e fechar de olhos.
- E um silenciador, doutor, não existe um qualquer silenciador -neste caso, um poli-silenciador - que lhe lhes pudesse aplicar? Nem que fosse só durante a noite... Aquilo é uma algazarra ininterrupta. Parece que tenho o eucalipto possesso duma selva australiana!...
- Já experimentou uns tampões nos ouvidos ou insonorizar o quarto do eucalipto?
- Doutor, até já em sonhos os ouço! São papagaios que ultrapassam todas as barreiras. É um pandemónio inconfinável!... Grulham que nem deputados. E tenho quase a certeza que o meu eucalipto já não se contenta com a pornografia normal: agora também lê blogues de referência!.... (em tom confidencial) Deus me perdoe, doutor, mas até começo a desconfiar que ele os escreve!...Todas aquelas vozes em permanente chinfrim não são nada tranquilizadoras.
- Bem, isso claramente transcende o meu foro. Vou receitar-lhe, em vez de medicamentos, endereços para casos paranormais como o seu. Um é de um colega meu, silvopsicanalista. É perito em assombrações do subconsciente colectivo. Leve lá o eucalipto. Se não resultar, só vejo uma última hipótese... mas é confidencial. Não vai dizer a ninguém que eu lhe disse isto. Tem que mo prometer!...
- Ah, prometo, doutor. Juro por tudo o que há de mais sagrado! Desde que me livre dos papagaios, estou por tudo!... É que, além do berreiro ensurdecedor, conspurcam tudo. Transbordam por toda a parte. Tenho guano pela casa toda.
- Pois, é que não é suposto eu dar-lhe este tipo de conselho técnico... Enfim, trata-se de medicina tradicional...
- Ah, um curandeiro, um exorcista, uma bruxa?...Quiçá um ferrador?!
- Melhor: um podador. Pelo que me conta, o seu filho está para lá de qualquer terapia médica: precisa, isso sim, é duma boa poda camarária. Que se saiba, até hoje, a única forma expedita e comprovadamente eficaz de alguém se livrar de papagaios é extirpando-lhes o poleiro. Desmate-o!

sexta-feira, maio 25, 2007

Da Lusiputânia

Um leitor -que visivelmente me conhece - deixou aí, mais abaixo, um opíparo comentário. Por isso mesmo, leva honras de primeira página. Diz ele:

«Caro Vlad Drakul,

Chama aos jornalistas açougueiros mentais das massas, mas não seria simpático se de facto o fossem? Porque isso significaria duas coisas: que as massas têm mente, coisa que duvido, e que elas existem, coisa que também duvido.
Eu acho que esses tais de açougueiros ceifam em matéria morta, em vinha granizada, em cestos velhos e além disso, de resto, as massas, se é que existem, para lá dos cérebros soviéticos, merecem os jornalistas que têm.
Se quiser eu não vejo remédio social para as coisas que são sociais, porque a própria sociedade é coisa absurda, doentia, erguida contra o destino, o kairos, de quem o tem. No entanto, gostava de estar enganado, se bem que terão que mo provar com muita claridade, pois não gosto da inexactidão.
Eu desde há muitos anos estou contra a massa e contra as massas, que mesmo não tendo vitalidade têm um peso morto de inércia incalculável. Gostava de poder viver, mas verifico que só estou a sobreviver, o que já não é mau, convenhamos, em tempos de pior do que demência, de amência televiseira generalizada.
Quanto às terapias a aplicar a este país cheguei à conclusão que não só não as há, como se as houvesse, não as aplicaria. Se em algo tivemos alguma grandeza (periodo das Descobertas, por exemplo) foi apenas devido a rasgos individuais, com apoio minimo, ou com contradição feroz erguida contra eles desde o primeiro instante.
Depois das descobertas só descobrimos que não tínhamos descoberto mais nada, nem sequer a nossa inépcia.
Por isso chamem-me pessimista ou pirandelliano mas já levo aqui umas boas décadas na Lusiputânia, como lhe chama o Drummond de Castro, e não vejo redenção para a Autarquia Inóspita e Piranheira em que este país se transformou.
As coisas, como sabe, não só vêm deste governo, que já veio escarrado do anterior, que por seu turno...
Talvez Thot e Thor me tenham posto aqui nesta falência colectiva e cognitiva para servir de Pólo de pessimismo Tónico e completo. Que se resume assim: desde a Cruz Vermelha às Filhas de Maria, desde o Futebol ao Procurador geral da República, desde a Comuna soviética ao Sebastianismo, desde a queca fraca colectiva ao solipsismo monástico, não acredito em nada disto. Por isso, vivo só com uma centena de garrafas de rum à frente, cada uma delas emoldurada com pele de almirante. Belos tempos, outrora! Talvez ainda voltem, pelo menos tonifico a energia que me resta para isso.

À sua saúde,

Pelo Sul no centro de tudo!

Vidor Viking»


Cumpre-me dizer o seguinte (e é uma coisa muito smples): começo a ficar lixado com os meus leitores. Suplantam-me constantemente!
E afinal a nacinha já tinha nome: Lusiputânia. Ergam uma estátua ao Drummond de Castro.

quinta-feira, maio 24, 2007

A Roda da Fortuna

Francamente, estou-me perfeitamente nas tintas para esse grande atentado contra a liberdade de expressão na DREN não sei das quantas. Se a senhora directora de não sei quê - nem me interessa, nem sei para o que serve, se é que serve para alguma coisa - que tem cartão rosa encetou uma perseguição política ao senhor professor requisitado que tem cartão laranja, acho muito bem. Direi mais: considero justíssimo. Enquanto o povinho avulso não acorda da letargia e desata numa perseguição política -de preferência à bordoada - aos possuidores todos -e são muitos - de tão coloridos cartões, o mínimo que se pode e deve categoricamente exigir é que tais parasitas vorazes se azucrinem e persigam uns aos outros. Todos os dias da semana e todas as semanas do mês. Sob o pretexto a, b ou c, é indiferente - para uma prioridade desta natureza qualquer pretexto é bom. Sim, ao menos que o voto sirva para alguma coisa. Que de tanto e persistente mal resulte algum bem. Que mamem, mas não mamem em paz. Que chupem, mas com desassossego, em sobressalto, com incerteza pelo dia de amanhã. Que contraiam não só tacho, úbere farto, mas depressão alternada, stress permanente. Que experimentem ciclicamente aquela roda da sorte a que os antigos romanos chamavam da Fortuna. Que se digladiem compenetradamente como lhes compete e fica apropriado, ou seja, à maneira das famílias de ratazanas tão bem estudadas por Lorenz. Assim sim, assim é que é democrático e o povo agradece. E já que tem que sustentá-los, lautamente, aos palhaços, ao menos que colha a parca retribuição de se rir deles.
Por isso, da próxima vez, senhora directora rosa, faça-lhe chegar a nota de suspensão acompanhada duma espalhafatosa tarte nas trombas. Ou duma cadeirada nos lombos. Tanta faz. A malta agradece. E cá fica a aguardar, em voluptuosa expectativa, pelo seu turno de ser também, hilariantemente, corrida a balde ou à mangueirada. Que diabo, o regime não há-de ter só defeitos!...


PS: E lembrou-ma agora outra enormíssima vantagem para estas perseguições políticas entre parasitas instalados: enquanto se ocupam em perseguições, emboscadas e minagens entre eles, não andam a subverter, a estupidificar e a poluir, com reformas peregrinas, a instrução dos filhos de todos nós.

PS2 : Mas, entretanto, tanta lágrima de crocodilo vertida só porque uma hiena mordeu num chacal.

segunda-feira, maio 21, 2007

Manual do Alibi para Misogamos

Vem isto a propósito do título duma notícia:
«Matou a mulher com tiro na cabeça».
Logo à partida, há qualquer coisa de estapafúrdio e redundante neste título. É evidente: se ministrou um tiro na cabeça da coitada, a morte seria a consequência mais óbvia e natural. Espantoso seria se a tivesse assassinado com um tiro no pé. Ou no braço. E o espantoso é que seria sobremaneira apelativo para a horda gulosa de desgraça alheia. Ora, não será com banalização e trivialidade que se atraem basbaques, pelo que já nem as regras elementares do chamariz aberrante se cumprem. Ao não deixar nada à imaginação do leitor, o próprio pasquineiro retira o recheio atraente à notícia. Mutila-a do "junk-appeal". Porém, não é esse frenesim chacal e patético dos açougueiros mentais das massas -vulgo "jornalistas" -, o que para agora nos interessa. Fica apenas a nota, que serve simultaneamente de preâmbulo ao que se segue. E o que se segue pertence a outro reino. Abandonemos pois a realidadezinha sórdida e saltemos para outra dimensão mais interessante: a da arte. Da ficção tanto quanto do humor negro.
Um redactor com um peculiar e refinado sentido de humor, escreveria então: "divorciou-se abruptamente". Ou "enviuvou por sua livre e espontânea vontade."
Da mesma forma, entre atenuantes, justificações ou desculpas para o acto, pela voz do perpetrante, também nos ocorrem alguns alibis angélicos - ou teses imaculadas - que passo a enumerar:

1. "Nunca parava quieta. Apontei-lhe ao pé direito, mas ela meteu a cabeça à frente."

2. "Na verdade, eu queria era suicidar-me, mas ela, no último momento, interpôs-se."

3. "A culpa foi dela e mais a sua maldita mania das limpezas. Por mim, nunca teria ido limpar a porcaria da arma."

4. "Eu estava a atirar ao calhas. Para ver se me passava a dor de dentes. É assim que eu faço. Logo por azar, ela ia a passar."

5. "Só puxei o gatilho. Não tenho culpa que atrás viesse o cão, a agulha do percutor e a sacana da munição mandada pela puta da culatra. E a seguir a vizinhança, as sirenes da polícia, os telejornais... Confesso que não esperava tanto barulho por causa dum pinchavelho tão pequeno."

6."Não acredito que esteja morta. Aposto que está a fingir. É tudo um truque para não ter que fazer o jantar."

7."Arranjou esta tramóia toda só para me prejudicar. Um raio me parta se a mãe não está por detrás disto. Conheço bem a minha sogra."

8. "Eu só atirei, não tenho culpa de que ela tenha morrido. Se querem incriminar alguém, culpem Deus, que nos criou efémeros e mortais."

9. "Eu estava fora de mim, há testemunhas. Não posso ser incriminado por algo cometido por quem estava lá dentro."

10. " Sou inimputável. E tenho como comprová-lo: eis o cartão de sócio do SL. Benfica."

11. "Fui compelido pelas circunstâncias. Era uma engrenagem fatal. Qualquer outro teria feito o mesmo."


12. "Ela era uma santa e excelente pessoa. Um anjo em forma de gente. Por isso mesmo, despachei-a em boa velocidade para o Céu. Por um glorioso instante, superei todo aquele meu nojento egoísmo. Não entendo como podem chamar crime a um gesto tão nobre!..."


13. " A intenção não era matá-la, mas apenas colocar um ponto final na discussão. Terapia, essa, que foi plenamente eficaz. Vamos culpar o médico pelo efeito secundário do medicamento?..."


14. "Não está morta. Apenas não se mexe nem respira. Ninguém consegue explicar cabalmente o que é a vida ou o que é a morte. Ainda menos o que é o Homem, donde vem, para onde vai, ou sequer se Deus existe. A Metafísica Ocidental anda há milénios de volta disso e continua tão ignorante quanto no início. Por conseguinte, não posso ser condenado por algo que ninguém até hoje conseguiu explicar ou definir indubitavelmente. Não sou inocente, nem sou culpado: sou uma incógnita. Uma aporia. Aliás, nem o verbo Ser sabem o que seja!..."


15. "Mesmo que tenha morrido, como é que podemos ter a certeza de que não vai ressuscitar?... Terei eu culpa da miserável falta de fé que campeia nestes ignóbeis tempos?..."


16. "Ela não morreu em consequência do tiro, mas do ferimento. Sou apenas responsável pelo tiro. Até porque se vamos pôr-nos com rigores desses, então ela também é culpada de negligência grosseira: andava pela casa sem capacete."


17. "Apresentou-me o seguinte projecto para apreciação: pretendia fazer um aborto. Chumbei-o liminarmente. "


18. "Não podem acusar-me de lhe ter rebentado com os miolos. Não, isso não aceito. Não podia rebentar-lhe com algo que ela, de todo, não tinha. Por isso mesmo lhe apontei à cabeça - como até lhe podia ter apontado ao coração: de modo a não atingi-la em nenhum órgão vital. Para ser franco, só queria assustá-la."


19. "Ultimamente, andava a ouvir mal. Confundia tudo o que eu lhe dizia. Era mais que evidente que tinha os ouvidos entupidos com rolhões de cera monumentais. Convenci-me de que lhos conseguia limpar com um único tiro bem apontado. Era só questão de escolher a trajectória adequada, de modo a fazer com que o projéctil entrasse pelo direito e saísse rectilineamente pelo esquerdo. Afinal, não sou tão bom atirador quanto julgava. Ou então a munição vinha defeituosa de fábrica, vá-se lá saber... O certo é que em vez da cera, limpei-lhe o sebo. Um pequeno desvio na higiene será assim tão grave?»


20. "Na altura pareceu-me importante - indispensável mesmo - dar-lhe um tiro. Mas agora já não me lembra bem porquê. Tenho uma vaga ideia da defunta. Acertei-lhe, foi?... "


21. "Acabei-lhe com a tosse. Que isso lhe tenha custado a vida foi o preço que, assim de repente, me ocorreu cobrar-lhe. Homicídio voluntário? Ah, não exageremos! Quando muito exagerei nos honorários. Mas a saúde não tem preço, sempre ouvi dizer."


22. "Foi contra minha vontade que lhe dei um tiro. De facto, só usei a espingarda porque a moto-serra avariou inesperadamente. A mim, quando muito, deviam constituir-me testemunha de acusação. Arguir, vão arguir o Acaso!."


23. "Sim, dei-lhe um tiro e não compreendo tamanho escândalo. Daqui, da cadeira de rodas, queriam que a liquidasse como - à paulada? Sou deficiente motor, não sou deficiente mental."


24."Era ela ou eu. Ou dava um tiro na cabeça dela ou dava um tiro nos meus miolos, ou até nas pessoas todas que encontrasse no supermercado. Assim, na medida em que cometi um mal para evitar um mal muito maior, cometi um bem. Em vez de me julgarem em tribunal, deviam era de homenagear-me no parlamento. Sempre achei o meu nome predestinado a uma rua, praça ou jardim."


25. "Foi a eutanásia possível. Ela padecia duma timidez incrível, mórbida. Era só por isso que não me pedia. Não queria causar-me transtornos nem maçadas. Mas eu, que sou deveras sensível ao sofrimento alheio, lia-lhe a súplica no olhar. Aquele sangue todo? A culpa é do Estado que não nos disponibiliza os equipamentos adequados. Eu também tinha preferido não sujar a carpete, nem alarmar os vizinhos com estampidos desnecessários. "


26. "Acabo de perder a minha mulher, caro senhor. Acha que é altura para responder a inquéritos?... É da polícia? E eu tenho porventura culpa de vossência não ter arranjado um emprego melhor?..."


27. "Falta de amor, falta de dinheiro, falta de pachorra. Acusava-me de ser um falhado, um nada-na-vida, só porque não a enchia de ouro. À falta de ouro, enchi-a de chumbo. Na Alquimia, dizem que resulta. Com ela não resultou. Querem agora fazer de mim o bode expiatório para estes mistérios e caprichos esotéricos? Tenham paciência."

28. "Confundi-a com a mãe dela."

29. "Confundiu-me com o amante dela. Qual deles? Foi precisamente essa questão que a matou. Eu fui só o instrumento dessa incerteza assassina. Eu e a espingarda, bem entendido."

30. "À velocidade a que ela corria, foi um verdadeiro milagre acertar-lhe na cabeça. Ora, se fiz um milagre, sou um santo. Jamais um criminoso!..."

31. "Sai mais barato um advogado de homicídio do que um advogado de divórcio. Com a dupla vantagem do homicídio resolver instantaneamente o divórcio."

33. "Do pescoço para baixo era um hipopótamo, do pescoço para cima uma galinha; da língua para fora uma autêntica víbora. Agora acusam-me de ter morto uma mulher. Sei do que falo: exterminei uma quimera, isso sim. Livrei o mundo dum monstro. Pena maior? Eu merecia era um Sófocles que me imortalizasse numa tragédia."

32. "Aqueceu-me tanto a cabeça, que, por lei da compensação cósmica, tive que lhe arrefecer a dela. A Física Quântica justifica-me plenamente."

33. "Foi um péssima ideia ter disparado. Mas criminosa mesmo foi a triste ideia de casar com ela. Portanto, se agora me acusam de homicídio, o padre é meu cúmplice. E mentor."

34. "Crime passional uma ova! Eu nunca gramei a gaja!..."

35. "Não foi de propósito: foi de emboscada. Não tive intenção: só tive pontaria."

36. "Para variar, fui dormir a casa. Estava esfalfado, precisava mesmo de descansar. O problema é que sou sonâmbulo e tenho o vício da caça."

37. "Ela ficou possessa. Eu fiquei nervoso. O exorcismo não correu lá muito bem. Mas era o diabo ou eu!..."

Morte-Vida II

Mas, ao contrário do vampiro, o burguês não se horroriza diante do espelho: deleita-se nele.

A Morte-Vida



Se me pedissem um termo que condensasse tudo aquilo de que não gosto, eu não hesitaria: Burguês.
E quando digo "burguês" nada importo das patranhas marxistas e seus derivados mais ou menos fétidos. Para mim, "burguês" significa um estado mental, muito mais do que um estado material.
O burguês está por toda a parte, das esquerdas às direitas, do norte a sul. Ameaça substituir a espécie humana, que, a passos largos, e à força de enxurradas de propaganda ininterrupta, anoitece cada vez mais convertida na "espécie burguesa".
Enquanto paradigma, pois é dum paradigma que se trata quando o menciono, o burguês contrapõe-se na perfeição a Jesus ou a qualquer outro herói trágico. Cristo sacrificou-se pelos outros todos; o Burguês considera que todos os outros se devem sacrificar por ele.
Todos esses apocalípticos e alucinados que aguardam, com sofreguidão, pelo Anticristo, escusam de se angustiar e descabelar mais: já aí o têm. O problema da Besta, como do Conde vampiro, é que não se vislumbra defronte do espelho. Este, todavia, reflecte com exactidão aquilo que tem diante: o Nada. O vazio. A morte-vida.

sábado, maio 19, 2007

Da Utilidade pública

Diz o nosso Primeiro-Ministro: «António Costa é mais útil ao País na Câmara Municipal de Lisboa».
E diz uma grande verdade. Está mesmo a ser duma franqueza a todos os títulos notável. De facto, se há ocupação onde qualquer ministro da nacinha, nos últimos trinta anos, pode ser útil ao País é, precisamente, fora do governo. Todos concordamos nisso.
Por isso mesmo, só tenho pena que, além do Município de Lisboa, não surja uma providencial constelação de outras frondosas autarquias, clubes de futebol, grupos recreativos ou confrarias excursionistas onde os restantes ministros e secretários de estado, logo que transferidos, pudessem ser de alguma utilidade ao país. Onde, enfim, lograssem servir para alguma coisa, despendendo das suas genuínas competências e exercendo judidiosamente os lavores para que estão, quiçá desde o berço, tão perfeita e cristalinamente talhados.
Se bem que, verdade seja dita, se procurássemos o local e a função ideais onde a plenitude das suas pujantes faculdades se veria realizada, para glória do Estado e superlativo lucro de todos nós, outros não seriam que, devidamente enfileirados, à frente dum arado, a cultivar os campos negligenciados desta pobre e moribunda nação. Aí, sim, aí é que eram duma autêntica utilidade pública.

sexta-feira, maio 18, 2007

Necrofilia

A Ministra da Cultura recusou a «abertura do túmulo de D. Afonso Henriques».

Sem meias tintas: louve-se a ministra. Abençoada seja!
A antropóloga Eugénia Cunha, porém, não desiste. Ela, génia, é que sabe. E quer, reclama, exige à viva força fuçar na sepultura. As suas fantasias com o esqueleto do Rei Fundador têm que realizar-se.
A Ciência está a tornar-se, cada vez mais, um mero subterfúgio para psicóticos perversos. Um necrófilo mascarado de antropólogo sente-se inexpugnável.

quinta-feira, maio 17, 2007

Ao sprint

Enquanto no Irão se projectam bicicletas com burka, em Portugal, a bem da modernização e do progresso - esses imperativos categóricos do Ocidoso, digo Ocidente, uma tasca-force capitaneada por este vosso escriba, está a pensar, seriamente, em desenvolver um novo modelo de velocípede sofisticado: a bicla com selim dildopédico. Nem mais. Sim, porque não basta que denunciemos a repressão anacrónica com que aqueles arcaicos obsoletos oprimem as tadinhas das fêmeas deles; temos também que envidar infatigáveis esforços para mimar as gajas nossas. Especialmente as ateístas, liberabundas e demais emancipadas frenéticas. O trabalho -e a carreira - já todos sabemos, libertam. Mas a liberdade sem, pelo menos, cinco ou seis auto-orgasmos/dia não faz qualquer sentido. Tornam-se birrentas e ranzinzas. Para obviar a esse nefasto stress, nada como os nossos futuros modelos dinâmicos -para estrada e campo -, ou estáticos - para sala, varanda ou garagem. Em todos eles, o selim ortofálico é garantia de trepidantes viagens, fogosos percursos e arfantes serões.
Os velocípedes em tandem - duplo, triplo e quadrúplo tandem -, também estão nos nossos horizontes empresariais. Tal qual não gosta de ir sozinha à casa de banho, a gaja prefere, com idêntica predilecção, pedalar em grupo. E então sprintar, nem se fala. De resto, adivinhava-se: depois do Big-bang e do gang-bang, era fatal que surgisse o Gang-Bike!
Mas isto é só para gajas. Os panascas ainda vão ter que esperar.
Ah, e como se vai chamar este novo modelo arrasador de mercados? - É mais que evidente: se a dos outros é uma "bicicleta islâmica", a nossa é um "bicicleta Laica", rigorosamente laica.
Laica G1, nome técnico deste formidável protótipo.
A seguir, eventualmente, e com sucesso que se adivinha garantido, lançaremos a não menos bombástica Laica K1 - ou seja, a Laica Kosher. Produzida integralmente sob a supervisão de rabis e com selim ergonómico revestido a látex esterilizado auto-lubrificante.

À boca das urnas



Uma candidata -ainda por cima jovem e nada monstruosa - em campanha para o Senado Belga, promete felatios aos eleitores.
Quando traduzi ao Caguinchas a palavra felatio, o tipo saiu desalvorado porta fora. Direito à Bélgica, pareceu-me. Julgo que, finalmente, encontrou a candidata dos seus sonhos.
Podia ficar aqui a mofar da ingenuidade do energúmeno, mas, a bem da verdade, cumpre-me confessar que mesmo um urnofóbico inveterado como eu, diante dum marketing eleitoral destes, vacila. Chego mesmo a questionar-me, com certa inquietação, se caso a Joana Amaral Dias desatasse em idênticas promoções, à frente do Caguinchas, não estaria a esta hora a correr o velho César Augusto?!...

terça-feira, maio 15, 2007

A auto-gestinha da gentona

A importância que estes políticos de alterne dão ao governo do país é quase tão minúscula quanto aquela que dão ao país e respectivos habitantes. Sinal disso mesmo é a prontidão para a debandada sôfrega, mal qualquer poleiro na estranja ou numa apetitosa autarquia se lhes proporcione. Dir-se-ia que em vez de projectos para nos governarem melhor, buscam, com denodada ansiedade, valhacoutos onde se governarem melhor.
Não surpreende pois que a outrora nação, e agora nacinha, arfe entre a hetero-gestão e a auto-gestinha.

segunda-feira, maio 14, 2007

Doutras eras




A Vós, Senhora, para que não passeis totalmente por fantasiosa.

Quixote

Vaguearei sempre, ostracizado, entre desertos e ilhas,
na mais desolada, erma e estéril peregrinação?
Ou nada mais serei que o cego escravo desse cão
chamado Destino e perito em abismos e armadilhas?...

Pior que o Judeu Errante, num suplício cruel, alucinante
diante do qual o próprio Sísifo treme e pasma,
Vou, espectro danado, ao leme dum navio fantasma
que é a minha vida fadada de Quixote ambulante.

Será meu o fado, minha a culpa desta acerba punição?
Que tremendo horror, que abominável pecado
terei eu perpretado, nesta ou noutra encarnação?...

Porque o único crime que se me afigura ajustado
e sem hipótese de absolvição, foi o ter-te loucamente amado,
mulher, mais do que permitia o mundo e autorizava a razão!

Quand même?...

O Carlos encomenda-me um "meme". Elucida-me que o tal coiso «é um ” gene cultural” que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma”.»
Quem sou eu para dizer o contrário? Faça-se o meme. Mas é mesmo por ser para ti, (e viva o FCP!), que eu, como muito bem sabes, não sou de cadeias. Pelo contrário, sou um evadido nato.
Estás preparado? Então aponta aí:

« És tu próprio o assassino que procuras.»
- Sófocles, "Rei Édipo"

Olha, de bónus, até te dou outra do mesmo autor, da mesma obra e de memória:
«Porque investigas o que mais valia ignorares?»

E para que a infâmia fique completa e porque quando me atolo, atolo-me mesmo, passo este disparate à Zazie, ao FSantos, ao Kzar, ao João, ao FMS e ao Corcunda.

Agora vituperem-me para aí à vontade.

domingo, maio 13, 2007

A liberdade a quem a trabalha

Pois, ó Fefé, tens toda a razão: o trabalho liberta e a arte oprime. E do ócio, já dizia o Aristóteles, nasceu a filosofia, essa badalhoca!...
Vergar a mola ou morte!... (Deve ser o teu lema esplêndido, ó mirmitoino.)

Crudelíssima exacção

Aproveitando um momento de descontracção inerente aos nossos afazeres de piratas - durante o dito qual, levados da breca, como de resto mandam as regras da confraria, nos entregávamos em terra aos desmandos, festividades e romarias putanhófagas comemorativas de mais um espólio -, dois perigosos flibusteiros rivais, ainda por cima anti-democráticos e fassistas, juntando o oportunismo rapace à desfaçatez entranhada, abarbataram-nos o bergantim parqueado e, antes de zarparem desarvorados pelos mares a fora, concederam-se - para cúmulo - o desplante de nos invectivarem nos mais zombetivos e ribaldariosos termos. Do que a bebedeira (que ia alta) e as galdérias fogosas (com que ocupávamos o entre-pernas) nos permitiram discernir, um chamou-nos "maior não sei o quê", enquanto o outro, provavelmente cabecilha da operação, nos brindou com berimbauzuras de equidistante quilate -"salamaleques e mariquices" que não lembram ao diabo -, mas pior que tudo -e aí, sim, é injúria que não perdoamos! - uma taxonomia alucinante e desencabrestada de "moderno" -"pirata moderno!", vituperou-nos ele, vejam lá bem, encavalitado na amurada a afastar-se. Moderno?!!! Eu?! Digo, Nós?!!! (bem sei que o manhoso pilha-naus pensa em Orfeus e urbanidades congéneres, mas vou fingir que não percebo...)
Ora bem, isto não pode ficar impune. Não pode e não vai. Pelo que desde já vaticino: a não ser que transmigrem para outro planeta, neste não há lugar onde possam esconder-se tremebundos, de modo a que, através desse pusilânime expediente, possam escapar à minha justa e requintada -para além de retorcida, desmesurada e impiedosa - vingança. Da ira, é melhor nem falar. O melhor mesmo é irem tratando do testamento e da exprema unção: uma expedição punitiva vai já a caminho. A horda de brutamontes sanguinários que constitui o núcleo duro da minha - pouco amável e ainda menos piedosa - tripulação, nem mais, desloca-se já, medonha, naquele tumulto ruidoso característico, em infernal e exactora comitiva. As más línguas dirão que é uma manada, mas não vos fieis muito nisso. Eu, infelizmente, com imensa pena minha, não pude acompanhá-los, na usual e vociferante liderança. Toda esta vasta plêiade de mocetonas tão bruscamente abandonadas não mo permite. Alguém tinha que ficar a consolá-las; e esse terrível sacrifício, como de costume, coube-me a mim. Além de que ao chefe compete dar o bom exemplo ( ouviu, ó imediato Caguinchas? Entendeu duma vez por todas?!!...) Mas os tomba-lobos que aí vão, tudo escória da pior catadura, mijantropos e velhacórios ruins da mais vil proveniência, (exceptuando o meu imediato, que ainda é mais reles do que toda a escumalha restante) conhecem bem o seu hediondo ofício e levam a lição ainda melhor estudada. Aliás, mais que a lição, a receita. Que eu próprio, apesar da tosga alucinante, lhes prescrevi:
- "Rapazes, ao primeiro, um tal FSantos levado de seiscentos diabos, é clausura a ferros para um mês, só pão e água, escutando relatos das derrotas do Belenenses diante da fotografia glorificada de Vladimir Putin!... E ao segundo, o dito Bruno (também, imagine-se) Santos levado por idêntica cornupetália, a mesma dieta pelo mesmo prazo, cercado por posters flamejantes do Telmo Correia, do Dias Loureiro, do Pina Moura e de quaisquer outros insectos rastejantes que vos ocorram. Tudo isto, naturalmente, ao som de "Imagine", do saudoso John Lennon!... Alternando, se assim vos der na gana, com anúncios da PT pelos "Bichanos fedorentos ".
E da maneira chateada e furibunda como eles desembestaram daqui, estou mais que certo que lhes vai dar. Eu ainda sei o que é crueldade.

sexta-feira, maio 11, 2007

4º Round - Balanço Final


Ficou hoje concluída a distribuição do "À Queima-roupa", o cartapácio que, em tão trágica hora para a humanidade, decidi publicar. A edição, e as suas múltiplas peripécias, acabou por ser quase tão divertida quanto a escrita. Um dia destes conto.
Mas, para já, algumas considerações terminais ...

1. A edição, como deveis calcular (e eu, se bem me lembro, tive logo o cuidado ab initio de proclamar) não se destinava ao "público em geral". Não conheço esse gajo de lado nenhum, nem, para ser franco, estou muito interessado em conhecer. Ainda menos biblicamente. Direi melhor, entre mim e o público-em-geral - mais os seus alcaiotes, amas secas, abastecedores, supervisores e enfermeiros de ocasião (leia-se "críticos, jornalistas, promotores, editores e demais empresariado da indústria de sabonetes"), há uma relação justa, equilibrada e antiga (de quase trinta anos): ele, o tal dito coiso, não quer saber de mim para nada; e eu, César Augusto, não quero saber dele para coisíssima nenhuma. Tenciono morrer nesta bela e repimpada condição, neste sublime estado de graça. E mesmo depois da minha morte, o meu fantasma há-de velar. Sim, os meus familiares que se ponham com fosquices com o "público em geral" (mais a sua "rica opinião") e vão ver como elas lhes mordem. Elas, as eríneas, e eu, espectro iracundo ao comando delas.

2. Então, a quem se destinava a edição? Naturalmente, ao escol da humanidade que, mais coisa menos coisa, corresponde à sobrexcelsa academia dos leitores deste blogue. Esses conhecem-me, sabem ao que vão, e eu conheço-os e, sem falsas manhas ou manteiguices, ganhei-lhes estima. Francamente, não me interessa se são seis ou seiscentos. São os que são. É com eles que eu me entendo. É com eles que eu partilho algo que não considero propriedade minha -um qualquer putativo talento -, mas, no melhor dos casos, algo que recebi por empréstimo e que só ganha sentido na medida em que o transmito a outros. Escrever, disso não tenho dúvidas, não é nem um acto de mero onanismo, nem, tão pouco, um ofício de mero exibicionismo. Claro que também não é uma violação, mas eu também não sou propriamente o modelo perfeito e acabado de escritor. Aliás, esse paradigma não existe, se exceptuarmos, naturalmente, Homero, Ésquilo e Sófocles. Por outro lado, escrever um blogue não é exactamente o mesmo que escrever um romance. É a distância que vai do tiro instintivo ao tiro de precisão. Dispara-se de chofre, sem preparação. Daí o título: "À Queima-roupa".


3. Quantos aos resultados desta aventura, tenho que confessar que superaram as minhas expectativas. Em primeiro lugar, porque, com algum engenho e arte, o livro foi mesmo concretizado e não saiu mau de todo (bem tentei, mas não consegui); e, em segundo, porque os leitores foram, sucessivamente, duma paciência, dum interesse e duma gentileza inexcedíveis. A haver justiça, tanto quanto meu, o livro é deles, melhor dizendo, o livro é vosso. E afirmo-o peremptoriamente, sem ponta de falsa modéstia ou lisonja: se louros houverem têm que ser irmamente repartidos. Dos cinquenta exemplares da primeira edição, restam 15. Isto, para mim, foi um sucesso astronómico. Perdi uma aposta (com o sacana do Caguinchas, pois claro), mas estou que nem um ovo.


4. Quero ainda, e encarecidamente, agradecer à Zazie, à Margarida, à Hipatia, ao Carlos, ao Nonas, ao Bruno, ao Manuel, ao Francisco e ao Timóteo , pelo apoio, mais que publicitário, benevolente (a Zazie, o Carlos e o Nonas, flibusteiros duma figa, não contentes com uma primeira dose industrial, ainda reincidiram na graça. A todos, bem hajam! (Se esqueci alguém, que um raio me parta já aqui!) ... E já sabem:
Se se virem em apuros, de escantilhão
ou vítimas de maus tratos,
não desesperem, chamem o Dragão!
Eu vou lá; e faço tudo em cacos!...

5. Penúltima nota: alguns leitores enviaram emails que nunca deram entrada na minha caixa de email. A todos os que recebi, respondi de imediato assinalando a recepção. Pelo que não houve qualquer desconsideração da minha parte, o que, a haver, só denotaria monumental estupidez. Sou estúpido, mas não sou tanto (acho eu...) Dois casos entretanto detectados, estão já a ser devidamente socorridos. Se existe mais alguém nessas condições, queira ter a bondade de se manifestar, para que eu possa, da melhor forma, corrigir tão inadmíssivel calamidade. Relembro o email onde devem dirigir-se: dragolabaredas@hotmail.com, quanto mais não seja, para me zurzirem com injúrias, impropérios e palavrões que vos ocorram e que, de preferência, eu não conheça. O que, convenhamos, vai ser difícil. Mas surpreendam-me.

6. Quem encomendou o livro já se apercebeu que eu prometo mais atentados à cultura. Pois, infelizmente, é verdade. Já lá diz o povo que um mal nunca vem só.

PS: Com toda esta arenga não sei se ficou claro um pormenor essencial: o livro nunca há-de estar à venda em livrarias. A única forma de ser adquirido pressupõe uma coisa - ser leitor cá da casa; e implica outra - encomendar cá ao energúmeno. É evidente que o preço é um roubo, todos os preços são (já dizia o Proudhon), mas o blogue está devidamente assinalado com uma bandeira elucidativa. Não ando aqui a enganar ninguém. :O)
Além disso, pensem nas vantagens do correio: se eu tivesse que vos entregar em mão, também teria que vos pilhar as pratas, esventrar o portátil, devastar o mobiliário e passar a fio de espada os familiares mais recalcitrantes. O pirata também tem o seu brio profissional, ora essa.

quinta-feira, maio 10, 2007

Liberal exuberância

A propósito de Hitler, Daninos, num dos seus escritos humorísticos, refere que "satisfazia o sadismo de três quartos do seu povo dando-lhe o outro quarto de pasto". Uma monstruosidade, de facto. Felizmente, não vivemos num tão tenebroso regime. A nossa bela democracia de pacotilha só satisfaz o sadismo de um décimo do nosso povo dando-lhe de repasto os outros nove.
Extraordinário progresso, portanto: agora são incomparavelmente menos os sádicos.

quarta-feira, maio 09, 2007

Urnofobia

Esta moda recente das pessoas irem às urnas nunca dá bom resultado. O dia seguinte é sempre uma desgraça. Tara (ou parafilia) mais contraproducente duvido mesmo que exista. Veja-se mais este episódio em França: lá foram as pessoas às urnas e lá acabou tudo mergulhado na pior das balbúrdias. Era escusado...
Por mais que me tentem vender a excelência da ideia, a lógica avançada da coisa, não acho natural as pessoas irem às urnas. Tenham lá santa paciência, mas não acho. Antes bota de elástico que mentiroso. E não tem a ver só com o facto, internacionalmente reconhecido, de eu me achar impregnado do pleno direito ao título de imperador-deus, cargo a que, mais dia menos dia, ascenderei com a inevitabilidade dos meteoros catastróficos. Não, é mais um escrúpulo de ordem semântica, tanto quanto libidinal. E económica. A propria palavra urna tem qualquer coisa de fúnebre. Qualquer coisa é favor, aquilo lembra é logo enterro e gatos pingados. Aliás, não se conhece melhor processo de enterrar um país. De arruinar uma nação.
-"Estás a ir onde?"
-"Eh pá, vou à urna. Hoje é dia de ir à urna!"
-"E consegues?"
-"O quê?..."
- "Ir à urna."
- "Então, que remédio. É o meu dever cívico!"

Tristes tempos estes em que já se confunde necrofilia com dever cívico. Mesmo enquanto exercício de alívio -no melhor dos casos, intestinal -, ir à urna não me convence. E o pior é que nunca se sabe quem lá está dentro. Ora, as emboscadas são garantidas. Enquanto o cidadão eleitor, todo aperaltado e fantasioso, se entretém com a urna, os inquilinos desta, uma caterva de zombies e vampiros candidatos, vão ao cidadão eleitor. Servem-se dele sem qualquer pejo nem moderação. Refocilam para ali num macabro festim. Repugna-me uma tal salganhada. Sórdida ménage a trois que, de todo, me horroriza e enoja. Comboio abominável!
E é por isso que eu nem com uma arma apontada vou às urnas. Nunca! jamais! Em tempo algum! Digam o que disserem, apregoem o que apregoarem. Às urnas, prefiro as putas. Mas isso é limpinho. Se é para acabar depenado, ao menos que retire algum prazer disso. Porque, ao contrário das mães, os filhos arrombam-nos a carteira e ainda ficam com o gozo todo.
Nessa não caio eu.


PS: E o mais estúpido e indecente nem é as pessoas irem às urnas: é depois acreditarem piamente que as engravidaram e têm que casar com elas.

terça-feira, maio 08, 2007

5 minutos de pura santidade

Duvido que exista algum homem que consiga ser absolutamente mau. Ou absolutamente bom. Tirando eu, naturalmente, que consigo ambas as coisas em simultâneo e aos domingos. Pois, mas mesmo os piores tiranos, mesmo os mais cruéis déspotas, mesmo Staline, também têm as suas pequenas virtudes, os seus dias luminosos. Ao Joseph, reconheço-lhe um (e já não é mau) de particular felicidade e inspiração: quando mandou dar com um picador de gelo nos cornos de Trotsky. Por aqui se vê que quem diz que ele nunca teve momentos humanitários, mente.

O menino da mãe dele

Staline, revela a mãe, era uma criança sensível. Acho que ninguém, em seu perfeito juízo, duvida duma evidência destas. Só uma criança deveras sensível podia resultar num adulto tão hipersensível. Sobretudo, à crítica.

segunda-feira, maio 07, 2007

Juventude inquieta

Para comemorarem a vitória de Sarkozy, os "jovens" franceses queimaram 730 carros durante a noite passada. Numa primeira versão da notícia, escutada na TV, avaliavam-se em "trezentos e qualquer coisa" o número de veículos ateados. Isso, segundo o repórter, corresponderia ao normal duma noite francesa. Afinal, parece que foram um pouco mais.
Disto tudo, retenho a "normalidade" de 300 veículos/noite. Instala-se-me, mais que a perplexidade, uma dúvida: efectivamente, os "jovens" manifestam o seu crónico e proverbial descontentamento, ou fazem parte dum esquema complexo de estímulo à indústria automóvel francesa? Por outras palavras, fomentam distúrbios e vandalismos, ou fomentam as vendas da Renault, Peugeot e Citroen?

Fair-play

Proclamo daqui sinceros votos de que o capitão da frota tão rudemente depredada, esteja a recompor-se das febres maléficas. Às mesmas, provavelmente, devem assacar-se as excentricidades da rota, bem como o desnorte do rumo, que o levaram, em tão funesta hora, a tresmalhar-se por águas infestadas da pior escumalha dos oceanos. Uma tal digressão, sem escolta apropriada, só podia redundar em experiência traumatizante, senão mesmo completo desastre.
Para nós, é claro, tão angélica romaria soube que nem ginjas. Fundeados em aprazível atol, entregamo-nos agora à bebedeira e ao putedo, delapidando em velocidade record toda a mercadoria pilhada às generosas -e assaz peregrinas - naus de Vosselência. O regabofe é tal, a pândega tanta, que até já esquecemos a tremenda injúria com que, imponderadamente, fomos brindados - a de nos catalogarem na categoria de "corsário" (o pior insulto que se pode fazer a um pirata), ainda por cima inglês! - e, folgazões desbragados, brindamos à saúde e rápida convalescença do nosso benfeitor.

Reaparelhe a barca e volte em força! Os mares agradecem. E nós cá o aguardamos. Sempre infames. E sempre à espreita.
PS: Se bem que neste momento um pouco zonzos e derreados, por força da bebida e dos excessos forniculares com o rameirame.

sexta-feira, maio 04, 2007

Viva a Pirataria!




O Miguel Castelo Branco, no estilo bem ajaezado que o caracteriza e recomenda, entrega-se à maravilhosa apologia do capitalismo.
Quero apenas transmitir-lhe que o compreendo perfeitamente e, em certa medida, até reconheço alguns méritos à fantasia. Eu, toda a gente sabe, é mais a pirataria, porque, além do assalto e da pilhagem, há toda aquela imprescindível -e desopilante - violência preliminar e conclusiva, mas o capitalismo também não é mau de todo. É certo que se pilha muito mais, sem riscos nem sobressaltos, sem culpabilidades nem remorsos, sim, concedo; mata-se até em muito maior quantidade, não contesto; mas é tudo muito pela calada, pelo seguro, pela via burocrática, protegido pela polícia e pelos tribunais. A cavalo nos exércitos e nas ciências. Recorre-se mais à trafulhice, à vigarice e à mistificação do que ao bacamarte e à fateixa. À generalidade das pessoas e ao grosso dos negociantes isso poderá parecer muito conveniente, mas ao meu feitio aventureiro, de cavalheiro de fortuna, e sobretudo a esta minha índole empedernida de brutamontes e ferrabrás, não me quadra. À torpeza calculista sempre preferi a audácia transbordante. Quer dizer, mais que enganar ou torturar alguém, estimo de atirá-lo borda-fora. Padeço na massa do sangue, herdada de avoengos exaltados, esta tendência feroz. Quem me tira uma boa sarrafusca, tira-me tudo. Muito mais que do lucro, da bernarda é que eu gosto – do tumulto, da abordagem, da batalha campal! Para falar com franqueza, saquear o próximo só me interessa enquanto pretexto para lhe ministrar, no mínimo, uma valente carga de porrada. Arranjar financiamento para bugigangas e pinoquices com que lustrar a carcaça, o futuro cadáver, nunca me seduziu muito. Sovar, sim; encanta-me a valer. Sovar, quanto a mim, e ninguém me convence do contrário, é a mais bela forma de altruísmo. Aliás, é a única. Deus não nos sova o suficiente, embaraça-se naquela misericórdia toda; os padres andam numa balda miserável, quando não numa deriva progressista que só visto; pelo que alguém tem que dar uma ajudinha. Alguém tem que se ocupar seriamente do assunto. Isto é, tem que meter as mãos nas massas, aquecer-lhes o coiro ao rubro e depois malhar-lhes enquanto está quente. Isto só com catástrofes naturais já não vai lá. Mal o furacão ou o terramoto passam, voltam logo todos ao mesmo, senão pior. Retorna tudo ao enxame de roda da bosta. Sou um viciado em adrenalina da mais asselvajada? Pois, se calhar sou. Ou então é a testosterona que não me larga, que cisma de galopar-me a todas as horas. Na verdade, são as duas. É uma joint-venture, uma sacana duma sociedade levada da breca. Nem à noite tenho repouso. São sonhos atrás de sonhos, devaneios sobre devaneios, cada qual mais alucinado – e reincidente - que o anterior. Às tantas, já não sei se durmo, se prometizo agrilhoado a sessões contínuas dum Olímpia enxertado num velho Cine-Oriente – mocada de meia-noite. Mocada e mais mocada. Mocada na dupla acepção do termo: putas e tiros, guerras e gajas. Aquilo é non-stop, auto-replay. Em desespero, desejoso duma personalidade normal, ainda tentei atirar com livros à molhada, aplacar o fogo com literaturas e filosofias. Talvez aquilo me acalmasse, me serenasse os ímpetos bravios. Qual quê!, foi como atirar gasolina a um incêndio. Em menos de nada, descobri que eram escritos por gajos com a mesma obsessão que eu. Tipos ainda mais tresloucados, que ardiam em anelos de mergulhar de cabeça em zaragata e pancadaria. Um tal Fernando Pessoa, então, era fresco. Vai daí, desimaginei-me; acomodei-me ao meu destino, resignei-me à minha idiossincrasia. A pirataria, definitivamente, é o que me convém. O capitalismo, com as suas imensas vantagens - que o estimado Miguel tão bem, e com tão aprimorada verve periodicamente ilustra - não me dá jeito. Jeito mesmo nenhum. Evito pisar, é certo, mas pegar naquilo para levar para casa, e ainda menos para a alma, é coisa que não me passa pela cabeça. E matar à fome, ao longe, à distância – ou mesmo matar à bomba, a tiro, a peste -, por mais que tente, não me entusiasma lá muito. Devo dizer-lhe que não me entusiasma mesmo nada. Às vezes, veja lá bem, até dou comigo enojado. Tão bela e útil coisa chega a dar-me vómitos. Afigura-se-me mera e manhosa arte de poltrões, velhacos e cobardolas. De suínos em apoteose e bácoras em avalanche. É uma vergonha, eu sei, uma esquisitice destas. Mas anima-me a esperança de que tenha tratamento, esta disfunção tão deveras imprópria. Terrível disfunção, meu amigo. Resquício de escrúpulo, de estúpido pudor, de moral decrépita e obsoleta que já não interessa a ninguém e só me acarreta chatices e amargos de boca. Até porque, não raramente, mancumonada com as duas segregações anteriores, conspira uma terceira - não menos desvairada - que jurou dar com o que resta de pantanas: a lucidez, essa megera. Deus vos guarde duma tal erínea, que a mim, não adianta pedir-Lhe, já que me deixou completamente à sua mercê.
É por via dela, dessa bruxa ignóbil, que me assalta esta ideia teimosa de que o capitalismo é excelente. Mas apenas para quem não tenha coragem de roubar, assaltar e matar com o rosto a descoberto. Ora, assim, poderá ser muito proveitoso, danado de lucrativo, mas perde a piada toda.

E agora retiro-me em boa velocidade, antes que o caro Miguel me fulmine -e converta, sem apelo nem agravo - com a beleza dos seus argumentos, nomeadamente em torno da “cultura de mérito e sucesso” (o tal sucesso que tanta inveja causa) inerente à nobre arte do capitalismo benemérito. O fulgor de tal laudatório, guarde-o, o caro e estimado amigo, para os ouvidos sempre atentos da Negra Ceifeira, no dia – oxalá longínquo! – em que ela comparecer à sua porta. Vai ver como ela se deleita a ouvi-lo.



PS: É claro que o nazismo e o comunismo foram terríveis. Foram e são, porque um ainda aí anda, na China. Mas será que nasceram de geração espontânea? Qual era o sistemazinho virtuoso que os engendrou, nutriu e bolsou no mundo? Os cachorros filhos eram cegos e a cadela mãe não era apressada?...


PS2 : E por mais que tente, ó Miguel, a sua apologia do capitalismo nunca chegará aos calcanhares desses que critica. Porque a crítica ao capitalismo por parte da esquerda materialista é a maior apologia do mesmo que se conhece. Alíás, suspeito bem, é precisamente para isso que ela serve.

quarta-feira, maio 02, 2007

Limbo, Xenergia, esquerda Ruca e outras surreal-trivialidades

Passado o 1º de Maio, dia do Trabalhador, o país regressa à normalidade. Ou seja, a mais um dos outros 364 dias... "do desempregado". Por falar nisso... Consta que a Igreja desactivou o Limbo, mas o nosso (des)governo, aproveitando o espaço devoluto, nacinhalizou-o. Precisamente para isso que estais a pensar, ó argutos leitores: para parquear os desempregados cá da nacinha. Mas reinstalados que somos no surreal quotidiano, após mais uma festarólica jornada, permitam-me um digressão sorridente pelo manicómio onde vamos estiolando.
Começemos pelo sempre inefável Paulo Portas, agora em versão recauchutada sinistorsum. Segundo ele "o trabalho liberta". Onde é que eu já li ou ouvi isto?... Mas é uma óptima notícia, uma rica descoberta. Ficamos assim a saber que aquilo que nos escraviza liberta-nos. Quanto mais trabalharmos, mais livres somos. Da próxima vez que me cruzar com uma "caixa" do Continente, ou com um daqueles trolhas das obras, de picareta nas unhas ou balde às costas, não me conterei de lhes rosnar, em timbre indisfarçadamente ciumento: "Seus felizardos! Isso é que é alforria!... A libertarem-se dessa maneira desenfreada, assim, à grande e à francesa, não tardam em semi-deuses emancipados, e eu que me lixe, não é?!... Açambarcadores! Gananciosos! Libertinos!..."
Por outro lado, e doravante, vou passar a encarar as formigas com outros olhos. Bicho mais libertário que aquilo não existe. Irra, que liberdade completa! Até aqui, eu, sempre que podia, esmagava-as com desdém, entediado. De ora em diante será por despeito, com raiva.
Também o PNR insiste naquela ideia peregrina -e estapafúrdia, se querem a minha opinião -, de reservar o trabalho aos portugueses e remeter à procedência os exércitos imigrantes ansiosos de vergarem a mola. Não cabe na cabeça de ninguém. Português que se preze gosta de viajar, de opinorrar, de experimentar novas posições do Kama Sutra, de infestar concursos, de jogar em lotarias, enfim, de usufruir dos rendimentos, subsídios e empréstimos que germinam por esse mundo que nem cogumelos. Isto tudo no intervalo de delapidar heranças, torrar poupanças ou maldizer vizinhos, familiares e antepassados. Por conseguinte, a última coisa que precisa, tão singular criatura, é de trabalhar. Necessita de dinheiro, isso sim, como de pão para a boca - este, aliás, nunca é bastante nem suficiente -, mas como sabe, de ciência certa, que a trabalhar poderá libertar-se, não contesto, mas nunca arranjará quantia que se veja, prefere entregar-se a outros desvios, fantasias e ocupações. A principal das quais, toda a gente sabe, consiste em ver os outros trabalhar. Adora vê-los nesses propósitos. Pela-se por mirá-los e remirá-los a bulir, a produzir, a esfalfarem-se, ou melhor dizendo, a libertarem-se. É mesmo a sua basbaquerie predilecta. Ainda mais que desastres e colisões ferroviárias. Enquanto os outros, esforçadamente, se libertam, não se importa mesmo nada, ele, de gastar a vida cativo dessa tremenda sujeição. Dificilmente encontraremos uma canga que lhe dê um tão genuíno e compenetrado gozo. Ver os outros a trabalhar, sobretudo em se tratando de imigrantes, regala-o. Quadra-lhe às mil maravilhas. Falo por mim, assistir a ucranianas no emprego, dos bares de alterne aos tabernáculos de strip-tease, enche-me dum regozijo indescritível, duma alegria esfuziante. Que satisfeito que eu fico! Verdadeiramente repimpado. Sinto-me a refocilar com todas as minhas forças. E quem diz ucranianas, diz brasileiras, russas, moldavas e, a pedido dum amigo meu, também romenas. Observá-las no trabalho, surpreendê-las em pleno labor, meu Deus, que prazer inaudito! E quantas mais, melhor. Muitas serão sempre escassas. Portanto, o PNR, que se diz nacionalista (mas a quem eu, César Augusto Dragão, que sou o Nacionalismo em Pessoa, o Nacionalismo-Sol, o Nacionalismo Absoluto, em suma, o Nacionalismo por antonomásia, não me lembro de ter passado carta de corso ou alvará) em vez de se pôr com estes pruridos e cepticismos imigrancistas, devia era reclamar um rebanho delas para cada um de nós, portugueses dos quatro costados e da vida airada. Um, não: dois. Dois rebanhos completos de imigrantes. Um de masculinos, para se libertarem produzindo a riqueza que o luso aborígene trataria de gastar com a maior das pertinências e generosidades; e outro de femininos, em quem o feliz autóctono exerceria essa sua desbordante generosidade e atenta sexoscopia. Se não era um mundo perfeito, andava lá próximo. Os imigrantes trabalhavam, libertavam-se, produziam riqueza, combatiam o défice e o buraco da Segurança Social; os portuguese assistiam de camarote e faziam com que a riqueza produzida por eles, os imigrantes, acabasse na bolsa, no soutien e -visão sublime! - no cinto de ligas delas, as imigrantizes, merecedoras de todos esses mimos e mais alguns. É que não vejo como contornar tamanho oásis: os imigrantes anseiam por trabalhar; as imigrantizes anseiam por dinheiro; e nós ansiamos pelas imigrantizes. Tudo se encaixa. Estamos condenados a um entendimento a longo prazo de mútuo benefício. Não desgosto da xenofobia, sobretudo para chatear a esquerda Ruca, mas a xenergia parece-me muito mais vantajosa. E se eu acho, legisle-se em conformidade. Converta-se o país num conveniente xenergástulo. A não ser que prefiram que eu me chateie.
Já sei que a esquerda Ruca, como de costume, vai desatar ao guinchos que isto é escravatura -laboral, sexual e mais não sei das quantas. Que é infame exploração do pobre imigrante pelo putanheiro português. E que os portugueses, em vez de andarem destemidamente a desafiar a gonorreia e outros monstros venéreos (como lhes compete e os testículos másculos lhes determinam), têm é que ser também imigrantes noutros países, gostar muito de dar ao chinelo, para terem muita dignidade e criarem muita riqueza que, um dia destes, por obra e graça dos duendes mágicos que lideram a esquerda Ruca, há-de ser muito bem distribuída por todos, a começar pela esquerda Ruca, familiares, militantes, amigos e demais comensais vitalícios do orçamento. Todavia, se a esquerda Ruca não fosse tão estúpida, sonsa e preconceituosa constataria que o que eu estou a propor é uma verdadeira maravilha, um paraíso a céu aberto, até porque mais não prescreve do que a distribuição antecipada e vantajosa da tal riqueza por todos. A esquerda Ruca, diz ela, quer distribuir com maior justiça a riqueza produzida pela economia de mercado. Não sabe o que é justiça, desconheçe na perfeição o que seja uma economia de mercado e não faz a mínima ideia de como se há-de processar essa bendita distribuição. Mas, não obstante, como adora palanfrório bacoco, debita estas proclamações solenes. Pois bem, o que eu proponho, e hei-de propor até que a voz me doa (que o bacamarte, esse, nunca me há-de doer) é que - e já que a riqueza nunca mais (é o divides!...) - então, ao menos, que se divida por todos quem produz a riqueza, ou seja, os imigrantes. Quer dizer, em vez de distribuir o pescado - o que, como se sabe, levanta muitos problemas, procrastinanços e tergiversúcias - repartam as canas, partilhem as ferramentas. Que haja escravos para todos e não apenas para os instalados e mamíferos do costume. Se os empreiteiros e os amigos políticos dos empreiteiros têm, porque é que nós não podemos ter? Em que é que essa gente é mais do que os outros? Se eles podem estar todas as noites caídos no "Champagne", no "Elefante Branco" e tantas outras catedrais, porque é que eu, eu e os meus contertúlios e formidáveis leitores, que mereçemos muito mais do que todos eles juntos, só podemos lá ir uma vez por ano? Onde é que isso vem escrito na Constituição? Há democracia ou não há democracia?... Onde é que pára a "igualdade de oportunidades"?... De resto, que os imigrantes são uma espécie de escravos modernos, a esquerda Ruca até sabe e não se cansa de festejar, toda contente e ufana, a chocalhar esperanças e idílios. A esquerda Ruca acredita piamente que o sistema ideal, por contraposição ao capitalismo selvagem, é o capitalismo de aviário - um capitalismo engordado a hormonas e antibióticos, esterilizado e benemérito, que crie hordas de famintos, miseráveis e deprimidos só pela volúpia subsequente de acudir-lhes, de correr a empanturrá-los de carinho social, burrocracias múltiplas, nanomordomias de rabo na boca e tele-anestesias ao domicílio. Porém, como "o trabalho liberta", a escravatura diviniza. Afinal, já estamos no melhor dos mundos. E, em conformidade, todos queremos contribuir para essa apoteose alheia e, sobretudo, alógena. Se isto não é solidariedade e humanismo, dos mais extremosos, não sei o que seja.
Posta esta xenergia, que, repito, me parece da mais elementar clarividência, senão da mais curial justiça, vamos ao último assunto, que a arenga já vai longa. Condenso-o numa breve sentença sobre a nova e bela lei anti-tabágica, que, entre outras canalhices meritórias, compulsiona os comerciantes à denúncia dos fumadores. Por conseguinte, e a juntar àquela delação gratificada da função pública, ou da violência doméstica, ou de pequenas dívidas ao fisco, ou de...etc, etc, etc, estamos perante mais um pequeno passo para a saúde pública, e mais um passo de gigante na transformação paulatina desta nacinha numa reserva natural protegida de chibos, bufos e malsins frenéticos.
Ah, e por falar em bufaria e porcarias do género: a Maçonaria apoia o casamento entre homossexuais. Eu também. O casamento, o baptizado, o divórcio, a violência doméstica, o canibalismo, a criogenia e a vivissecção. Nada de modéstias, ó seitas.
Tenham uma boa noite.

terça-feira, maio 01, 2007

E porque hoje foi dia do Trabalhador...


Viva o Ócio!

Viva o Quixote!

Vivam os bravos sioux!


E Viva o Crazy Horse!...


Mham-mham!....