No
blogue-pelourinho, onde o safardana do Timshel me expõe manhosamente à ignomínia pública e à tomatada geral, uma argutíssima e solerte leitora, que se assina Sara Monteiro, carimba-me com a seguinte
hortaliça em adiantado estado de putrefacção nas trombas:
«Toda a gente sabe que o Dragão é bom a desancar senhoras».Assim, nem mais. Ora toma!
Depois de comunista, nazi, fascista, anti-semita, homofóbico, vampiro, lobisomem, xenófobo, racista, gongórico, desonesto, demagógico, etc, eis-me despenhado num novo e ainda mais vil socalco da ignomínia: desanco senhoras. E desanco-as muito bem desancadas, brune a magistrada. Serei mesmo campeão na coisa. Fosse Borges ainda vivo e, seguramente, teria que acrescentar um novo capítulo à sua “História Universal da Infâmia”. Na sua galeria de monstros seria forçado a enxertar um pedestal altaneiro onde eu posaria para a posteridade, aparelhado nos desdouros devidos a um autêntico Zeus da canalhice. Como título desse capítulo culminante, não é difícil vislumbrar, qualquer coisa como: Dragão, o Desanca-senhoras. Ou então, porque os escritores, quase sempre, gostam de condecorar: Dragão, o Estoira-Barbies; Dragão, o Quilha-galinhas; ou, quiçá, Dragão, o Traga-Vulvas. Era conforme tivesse acordado nesse dia. O Borges e eu.
E o pior é que a juntar às desqualificações inerentes à categoria de monstro poltrão, rufia, biltre e pulha, carrego ainda com o handicap da mais completa amnésia: efectivamente, não me lembro de em modo ou tempo algum ter desancado uma senhora, ainda que virtualmente. O mais que me lembro é de, há pouco tempo, ter desancado um axioma que certamente não era obra de uma senhora, mas de um trolha das obras travestido, numa espécie de carnaval antecipado. Talvez exagere, peço desculpa, sou muito dado à hipérbole, talvez fosse apenas um camionista de longo-curso com um mestrado em javardice. Não discuto.
Mas como eu, mal o sol desaparece no horizonte, me transformo num monstro e, nesse tenebroso estado, perpetro selvajarias que não recordo, serei a última pessoa a contradizer a Sô Dona Sara Monteiro. Aliás, a amnésia deve fazer parte tão intrínseca quanto estratégica dessa minha índole hedionda: não guardando memórias, evito remorsos, sou imune a escrúpulos e descarto culpabilidades. Mais que abortadeiro moral, sociopata integral, psicopata unissexo, etnopata tdi, sexopata GT e misógino
hard, sou o criminoso perfeito e surpreende-me como ainda não cheguei, pelo menos, a ministro. Portanto, além de planear holocaustos, devo andar aí pelas esquinas da
internet, à porta das tascas blogosféricas, a escarrar repenicadamente no chão, vociferando impropérios e, não satisfeito com tamanho arraial de alarvidades, desancando senhoras e meninas. Se acompanhado de violação ou não, a Sô Dona Sara Monteiro não especifica. E é pena. Já agora, juntava o fútil ao desagradável.
Leitores, não vou estar aqui com tergiversações e hipocrisias: uma abominação destas não tem defesa, nem, ainda menos, desculpa. Até Cristo escarraria em mim, se lá lhe aparecesse nestes trajes. Eu próprio escarraria em mim, no lugar de Cristo. Por conseguinte, não ousarei sequer defender-me. Pelo contrário, de modo a evitar cair desde já numa depressão profunda (que nem o camarada psiquiatra-proletário ou o Professor Karamba lograriam debelar), vou, ao invés, tentar ver a coisa pelo lado positivo. Há sempre um lado positivo em todas as coisas. Serei abominável, pois claro que sou, abominável ao quadrado, mas - ensina a experiência, comprova a história, justifica a economia-, haverá sempre, algures, algo ainda mais abominável do que eu. Algo ainda mais baixo, mais vil, mais desprezível, pois claro. Fraca compensação para tamanha chaga, dir-me-eis, mas antes essa que nenhuma. Pesquisemos então...
Sou portanto bom a desancar senhoras. Pior seria se fosse medíocre ou mesmo mau a fazê-lo. Assim, ao menos, as senhoras poderão vangloriar-se: “fomos bem desancadas por aquele grande velhaco! Mas que bem que ele nos desancou! Com que mestria ele o fez!” No caso de terem, por exemplo (se não existe, institua-se) um seguro contra desancamentos, podem reclamar de pronto - e integralmente! - a indemnização, sendo garantido, que se verão ressarcidas num instante. Apresentando-se bem desancadas, nenhum ciganão das seguradoras encontrará pretextos para se furtar ao estipulado. Paga e não bufa. Imaginem agora que se apresentavam mal desancadas ou mediocramente desancadas... É mais que certo que o figurão se poria com depreciações e subterfúgios: “Ah, minha senhora, isso não é nada. Mal se nota. Não passou dum safanãozito mal dado, uma brincadeira de mau gosto, uma diabrura de catraios. Então, então...que exagero!...Vá, o melhor é nem declarar.” E o que se diz em relação à seguradora é válido para o vulgo, para o ajuntamento de basbaques a quem se eventualmente apresentem, na via pública, feitas vítimas, aos brados e clamores, como tendo sido acabadinhas de desancar. Uma senhora bem desancada, é dos manuais, suscita imediatamente uma pena, escândalo e solidariedade que uma senhora mal ou mediocramente desancada jamais alcançará. É que nem por sombras. Direi mais: não aconselho, de todo, uma senhora mal desancada a vir aos gritos para a rua. Ainda se sujeita a que a apostrofem de piegas, histérica, alarmista e outros mimos congéneres.
Por outro lado, pior do que não desancar bem as senhoras, muito pior, acreditem, é ser desancado por elas. E pior que ser desancado por elas, horror que nem concebo, é ser bom a ser desancado por elas. Calculem que a Sô Dona Sara Monteiro, em vez de afixar que “Toda a gente sabe que o Dragão é bom a desancar senhoras”, propalava aos quatro ventos que “toda a gente sabe que o Dragão é bom a ser desancado por senhoras”? O abominável insuflava-se de ridículo e ambos, a todo o gás, ascendiam à estratosfera do vexatório. Nessa mesma hora, convertia-me – de Dragão marialva – em Esfinge transexual e ia atirar-me dum precipício.No primeiro que encontrasse á mão. Em último caso, da Ponte sobre o Tejo abaixo. Aquela mais alta.
Entretanto, ocorre-me outra perplexidade, a qual, por incrível que pareça, irrompe-me desde logo grávida de preocupação: para definição criminal, como haveremos de definir este meu iníquo passatempo? Reparem, se eu desancasse senhoras em minha casa, seria violência doméstica; se as desancasse no trabalho, seria violência laboral; se as desancasse num estádio de futebol, seria violência desportiva (provavelmente agravada de hooliganismo); se as desancasse na televisão, seria
reality-show; se as desancasse numa orgia
jet-set, seria sexualidade de vanguarda, topo de gama... Que nome se há-de então atribuir a desancar senhoras num blogue?
Não é uma questão de somenos. Não estamos a falar de minudências, que diabo. Para efeitos do código penal, para efeitos de denúncia às autoridades, para efeitos de opróbrio na comunicação social, mas também, e sobretudo, para possibilidade de criação, o quanto antes, duma linha telefónica de emergência, um SOS qualquer, ali, logo na abertura das Páginas Amarelas, onde já pontificam o SOS-Grávida, o SOS-Criança, o SOS-Voz Amiga, a Ilga Portugal, os Alcoólicos Anónimos, onde até já resplandece a linha de aconselhamento e apoio para a Criança Maltratada, mas ainda não há a linha
Senhora Desancada na Internet, é imperioso que se crie uma. Até quando poderemos pactuar com uma infâmia destas? Até quando terão que suportar tamanho flagelo, em revoltante silêncio, estas criaturas tão vilmente sovadas? Eu próprio, seu principal algoz, me insurjo: depois de bem desancadas, telefonam a quem? Tenho eu o cuidado de lhes deixar, ao contrário do coiro virtual, o telemóvel nas melhores condições, preocupo-me com todo o posterior escoamento da lamúria, e depois elas não têm para onde vazar!?... Nem eu, por via disso, logro um
feedback adequado ao esmeril do meu labor. O salário devido ao meu trabalho... Pois, como devem Vosselências compreender, quanto mais se lamuriar, a vítima, mais bem desancada certifica que está. Ora, isto dum Dragão trabalhar sem feedback – melhor dizendo, sem som de retorno - não se admite. É o mesmo que obrigar um maestro a dirigir com tampões nos ouvidos, ou com a orquestra soterrada na cave do prédio do outro lado da rua. Não há palavras capazes de exprimir a dimensão da minha revolta!...
Registada esta, e já que estamos em maré de perguntas cabeludas, passemos a outra questão chispante cuja escalpelização se me afigura premente.
Porque será que eu, na minha qualidade de rufião impenitente e no exercício de tão primitivos instintos, desanco senhoras?
Ora bem, ao insinuar o paralelismo doméstico, a Sô Dona Sara Monteiro usou de astúcia felina. Assim, extrapolamos facilmente: tal qual o brutamontes caseiro arreia na desvalida esposa, por via da sua maior força física, eu, estoira-vergas blogosférico, desanco as pobres senhoras da
internet, por causa da minha superior força intelectual. Elas vão a passar com os seus argumentos esbeltos e sensíveis, mas frágeis, coquetes, inocentes, e surjo eu, de supetão, com os meus silogismos rudes, ogrescos, verrinosos, mas musculosos, calmeirões, pérfidos, e zás, apalpo-as, desanco-as e sabe-se lá mais o quê. Eis a prova acabada da minha cobardia empedernida e da excelência do libelo da Sô Dona Sara Monteiro. Como qualquer poltrão energúmeno, com os Pachecos Pereiras, os Mirandas, os Pereira Coitadinhos e outros valentes que tais não me meto, porque esses, claro está, sovar-me-iam sem dó nem piedade. Não; é só com as senhoras. A desancar nelas é que eu sou bom. Porque, como a digníssima senhora Monteiro estipula, são mais fracas, são presas mais fáceis. Quiçá, mais apoucadinhas, coitadas. Estão à mercê dum intelecto predador como o meu - um Hulk retórico à desfilada numa loja de bibelôs freudo-marchistas de porcelana. O que é facto é que, ao primeiro solavanco, os camionistas dissipam-se e voltam as cinderelas melindrosas. Fungando arrufos. Apelando ao estatuto especial de animal protegido, no defeso. A testosterona injectável cede lugar ao botox. Senhoras de loja de conveniência. Que porco machista que eu sou!...
Porém, como a cobardia não tem limites e, uma vez engrenado o vício, cada degrau é sempre mais abjecto que o anterior, não tenciono ficar por aqui. Desengane-se quem assim pensa. Uma vez abominável, nenhuma abominação será bastante. Isto de desancar senhoras é só o preâmbulo, o aquecimento, a prancha de saltos. Na verdade, estou só a treinar para a abjecção seguinte. Que será desancar crianças. E depois bebés recém-nascidos. A seguir, já bem adestrado, atirar-me-ei aos fetos quase nascituros. Após esse estágio, passarei aos fetos de três meses - aqui, naturalmente, já em apoteose pública da esquerda barbie. E finalmente, no zénite deste meu mergulho encarpado, com pirueta e parafuso, deste afundamento palúdico na sordidez e na imundície, desancarei embriões. Ainda chego a presidente da União Europeia.