A ideia do socialismo é bem mais antiga e complexa do que parece. Vulgarmente, associa-se às teorias e experiências políticas mais ou menos marxistas e daí decorrentes. Em tese efabulatória, trata de distribuir a riqueza com uma espécie de justiça - que consiste em retirar aos capitalistas acumuladores e repartir pelos produtores espoliados e necessitados. Tirar aos ricos para dar aos pobres. Robin dos Bosques vem-nos à ideia. Dado que os ricos são poucos e os pobres são muitos, não é difícil de propagandear. Da prática é melhor nem falarmos.
Mas em boa verdade, o socialismo está por toda a parte. Chega mesmo a ser espontâneo. Só que em vez da forma universal, benta e única (uma espécie de catolicismo laico, imposto a força de Estado), decorre em múltiplas formas fragmentadas e, não raro, concorrentes, ou até inimigas. Vamos aos exemplos (e preparem-se que isto vai ser longo):
I. A Mafia. A extorsão, a exploração das diversas actividades para-económicas típicas da agremiação, têm como intuito a repartição e distribuição pelos associados. Estes, claro está, cumprem toda uma cadeia hierárquica e funcional necessárias ao bom andamento e proficiência do empreendimento. Quanto mais extorquirem, mais têm para repartir. O bem comum (deles) sai reforçado.
II. A Igreja católica. Também é uma forma de socialismo. Do Papa ao cura, passando por frades, freiras e seminaristas, todos se congregam numa organização que reparte, com a justiça inerente aos seus fundamentos e leis, a riqueza que angaria e administra. Espiritual, mas também material. Até porque do espiritual vai sobrando cada vez menos. Tanto mais porque rareando sobremaneira no topo, mais difícil se torna distribui-la (ou aspergi-la) na base.
III. Qualquer grande empresa cotada em bolsa. Socialismo puro. Do PCA ao accionista, toda uma máquina de gerar - extorquindo aos clientes, otários e a quem quer que seja - riqueza; para distribuir entre os sócios/accionistas/investidores. Distribuição é isso mesmo: distribuição; não tem que ser equitativa. Mesmo entre os piratas, gente muito mais digna de respeito e louvor, os lotes da repartição não eram iguais para todos: o capitão auferia mais partes no saque; o contra-mestre e o piloto também recebiam mais que os simples marinheiros/cutileiros associados.
IV. Os partidos políticos. São todos socialistas. Em tese ou nomeada, apenas alguns, ditos de esquerda. Na prática todos. Um objectivo pragmático comum irmana-os em bloco: ascender ao poder, tripular o estado e distribuir riqueza, prioritariamente (ou avassaladoramente) pelos quadros e militantes da respectiva máquina agenciadora. Familiares, amigos, amantes e puxa-sacos, também.
V. As sociedades secretas (maçonaria ou opus dei, à cabeça). Mais socialismo é difícil. Funcionam tal e qual como os partidos políticos; e, através deles, angariam. Sistematicamente. A distribuição da riqueza começa, em solerte expediente, e como devem compreender, pela distribuição dos acessos à mesma. Quer dizer, cargos e lugares estratégicos.
VI. Os Clubes Desportivos (sobretudo de futebol). Aqui a riqueza traduz-se em troféus e conquistas gloriosas. Que são distribuídas pelos sócios e simpatizantes. Todos passam a sentir-se mais ricos, felizes e realizados, sobretudo durante as comemorações. E aclamações eufóricas e jubilosas dos jogadores e dirigentes.
VII. As grandes famílias. Aristocráticas, burguesas ou meramente burgessas, tanto faz: socialismo é com elas. Aqui o bem comum obedece a um critério de consanguinidade e matrimónio. A avidez é em tudo semelhante às sociedades secretas e aos partidos políticos. O modus operandi também. Serviu até de modelo inspirador aos anteriores. Quanto à distribuição da riqueza é efectiva, mas nem sempre pacífica, sobretudo quanto feita a título póstumo, vulgo "herança".
VIII. Tribos primitivas obstinadas - quer vivam em áreas selvagens no estado de natureza e estágio alo-civilizado ( indígenas ou aborígenes de diversas latitudes), quer habitem nas urbanizações modernas, em estado de parasitismo, completamente imunes e impregnáveis à civilização (judeus ou ciganos, por exemplo). São fogosamente socialistas, sem excepção. Desenvolvem toda a espécie de estratagemas e ardis, com o intuito de extorquirem bens e serviços de turistas (voluntários ou casuais) ou hospedeiros. A diferença entre o socialismo cigano e o socialismo judeu mede-se meramente na escala e na vocação inerente. Aquele oscila entre local e regional; este arde em frémitos de expansão e agenciamento planetário, global. Está mesmo, em larga medida, no âmago motriz das variantes mais virulentas do "socialismo único" e peregrino.
IX. Cartéis do narcotráfico. Um esquema socialista com muitas semelhanças à Mafia, mas sem o pedigree e as tradições ancestrais. Embora com uma distribuição da riqueza mais generosa entre os sócios e colaboradores, dizem. Um socialismo mais espontâneo e talvez com menor burocracia.
X. Os Mass-Media. Neste caso, trata-se dum socialismo bifronte, ou seja, que almeja socializar a riqueza das massas pelas administrações e a estupidez geral por todo o mundo. A coisa funciona supinamente. Com as massas cada vez mais estupidas e generosas. E o socialismo administrativo cada vez mais repimpado.
Em suma, e para conclusão, o socialismo é endémico e desembaraça-se às mil maravilhas, vicejando por toda a parte, desde tempos ignotos. Quem se atrever a negá-lo, encontra-se num estado avançado de putrefacção mental e devia ser despejado na lixeira mais próxima. Quer dizer, o socialismo não, os socialismos! O problema é querer metê-los todos no mesmo saco e declarar a panaceia universal, por efeito de pós de perlin-pin-pin e fórmulas abracadabrantes de estalo. Isto é, a desgraça é pretender substituir uma série de esquemas funcionais e testados por um único esquema alucinado e estritamente teórico, imaginário, vigarista. Isso, registem duma vez por todas, nada mais é que a negação do fenómeno: é empreender à força que ele funcione ao contrário e contra todos os mecanismos que o estruturam e lhe dão sentido. E que sentido é esse? Precisamente o de uma associação discreta com fins de benefício para os seus associados à custa da generalidade dos não associados. Qualquer socialismo viceja e lucra, nada modestamente reconheça-se, quanto maior o número de não-sócios que possa e consiga explorar. Quer dizer, qualquer socialismo digno desse título, é exclusivo e opera enquanto exclusão de terceiros - e ordenhando-a. Pretender torná-lo inclusivo, além de delírio condenado ao fracasso, nunca conseguiu ultrapassar mais que o domínio da retórica. Porque na prática, lá está, a natureza criminosa e agenciadora vem-lhe ao de cima: rápida e inexoravelmente, a exclusão toma conta dos acontecimentos. Correm-se - a pontapé e bordoada - para fora do paraíso, contra-revolucionários, reaccionários, sabotadores, retrógrados, obscurantistas, agentes de tudo e mais alguma coisa, faxistas, fugitivos ao fisco, etc, etc. Até que só reste, na equação de facto, no caso da democracia, o partido (ou coligação) instalado, mais os diversos socialismos que dele se alimentam e retro-alimentam, bordejados de uma série de outros, ilegais de jure, mas funcionais de facto. O que, apesar de tudo, continua a tornar de certa forma apelativo este conto do vigário é o número enorme e sempre crescente de "excluídos" dos esquemas socialistas reais: o que coincide, de resto, com uma espécie de cúmulo da chutzpah (desfaçatez para os leigos) pelos difusores da Falsa-Fé, que se traduz invariavelmente nisto: "olhem, otários, temos aqui este sistema miraculoso que vos inclui automaticamente no acesso aos rendimentos e às mordomias... na simples forma destas rifas, cujo número, por acaso, é o do vosso BI!" Cada vez mais desesperados e nihilizados, os otários já estão por tudo. Vão para a burla ponzi social como vão para a raspadinha.
Assim, dado este belo, comprovado e imarcescível panorama, gritar contra a corrupção é como gritar contra a chuva. Ou seja, é o sinal mais evidente da hipocrisia estanhada e do estado de pataratice geral em que todo este circo patina e chafurda. Vai para uma série de séculos.
Por outro lado, reparai com atenção onde virdes um primata exaltado a bradar, estentóreo, contra o socialismo, aprimorai bem a lupa e a gamela do microscópio... Bate-se pela justiça e o progresso? Sem dúvida. Os dele. E do socialismo concreto dele. Todavia, afronta-o, sobretudo, a ideia do socialismo, do putativo socialismo universal, mero alarde psico-saurónico; e reconhece nela, com toda a justeza, a destruição do socialismo prático onde labuta, suga e de que se amamenta.
Um por todos e todos por um? Sim, mas quantos menos (para distribuir a lotaria), melhor.