«O ultimatum de Inglaterra e o tratado que se lhe seguiu, se veio marcar o início de um período de angústia cuja solução ainda está obscura na história portuguesa, chamou, contudo, sobre a nossa África Oriental a atenção e o interesse do País. Um período novo se abriu - período de perigos, de sustos e de trabalhos - mas período de vida. A cobiça da Europa deu-nos o conhecimento vago do tesouro que ainda possuíamos e a campanha de 95 deu-nos a confiança na força própria com que podemos debelar as dificuldades do domínio interno da colónia»
- Mouzinho de Albuquerque
Em 1890, a Inglaterra envia a Portugal o seu famigerado Ultimatum (que consistia, basicamente, na liquidação do mapa-cor-de rosa e consequente abarbatanamento do espaço territorial entre Angola e Moçambique pela ladroagem inglesa, pivoteada por Cecil Rhodes). Em 1891, para que não restassem dúvidas quanto ao "nosso lugar" à mesa, Portugal entra em bancarrota. Dir-se-ia que, numa tão aziaga conjuntura, mais não cumpria ao regime da época senão meter a viola ao saco, os calcanhares ao rabo e deixar-se de aventuras guerreiras.
Aliás, medindo pelos saguins de 74 e diante - das esquerdas às pseudo anti-esquerdas, todos eles veneradores compulsivos da estranjaboldra avançada e, sobretudo, da cauda entrepernas como bom canino de casota (ou dito à maneira dum dos heterónimos de Pessoa, todos eles idólatras arreigados da sobremesa alheia, seja a do vizinho de bairro, seja a do vizinho de continente ou planeta, e isto apenas porque ainda não descobriram como vivem os alienígenas de Marte Norte ou na galáxia Andrómeda, ou para lá emigraram mentalmente em turismo ideológico), é inadmissível como, perante tamanho grau de desaprovação das potências (políticas e financeiras,....na época ainda se distinguiam vagamente), Portugal não se prostrou de imediato em submissão fetichista, de modo a convocar a aprovação e o afago internacionais. De canhões apontados à cabeça e sem cheta no bolso nem crédito na praça, mais um completo devorismo partidário instalado, reforçado por não sei quantas agências de caos à solta intramuros, é dificil descortinar uma meteorologia histórica mais contrária a navegações e aventuras. Não eram ventos: era um perfeito ciclone...A "tempestade perfeita", como mugiria a gadeza que tão bem pasta na manjedoura cinematográfica.
Porém, escandalizemo-nos, persignemo-nos e escancaremos, todos à uma, a boca de espanto: foi precisamente numa tal contingência que Mouzinho de Albuquerque e outros utópicos que tais, por Real determinação, se lançaram na implantação territorial do Império português em África, tal qual este viria a constituir-se na sua mais vasta dimensão, ou seja, aquela que se verificaria anos adiante, por alturas de 1960 e até à liquidação final. Dito por outras palavras: foi sem condições rigorosamente nenhumas para o efeito, que os portugueses consumaram o empreendimento. E nem sequer contra ventos da história, mas contra um autêntico ciclone da mesma. Volto a Agostinho da Silva. Dizia ele: a maneira portuguesa (e citava como teatro de acção o Brasil, sobretudo) é lançar-se a fazer; o que é preciso vê-se depois.» Pode parecer um método muito pouco anglo-saxónico, mas o facto é que é extremamente realista: se estivessem à espera de condições, os portugueses nunca teriam feito nada, porque as condições nunca existiram antecipadamente. Diz o adágio que a "necessidade força o engenho". Ora, os portugueses, porque nunca as tiveram, às benditas condições, criaram-nas. Por outras palavras: sempre que os portugueses fizerem coisa que se visse foi contrariados pelas condições e nunca facilitados por elas. Essa, de resto, é a diferença entre povos activos e povos passivos. Tal qual o entendimento simples e cristalino disso traduz a diferença entre mentes activas e mentes passivas. (Ou dito eruditamente: entre psicoenérgicos e psicopatas).
Em 1890 não havia condições para a consolidação e dilatamento do Império. Tal qual em 1961 não havia condições para a defesa e sustentação dum Portugal Uno, do Minho a Timor. Todavia, o que Salazar fez foi exactamente o mesmo que a Monarquia crepuscular e a República peregrina tinham já implementado antes dele: tratou de criar as condições. Ao mesmo tempo que consolidava o facto para o qual se criavam as condições. E criou essas condições a vários níveis: políticas, económicas, sociais, legais, históricas, etc. De tal modo, que quando Marcello Caetano herdou o projecto, havia um facto e múltiplas condições efectivas, incomparávelmente melhores do que aquelas que, em 1890, existiam aquando do incício do empreendimento (ou em 1926, já agora diga-se, quando nele pegou o feroz ditador). A saber, o país não estava na bancarrota, bem pelo contráriuo, desendividara-se, usufruia dum soberania excepcional (única nos últimos 200 anos), crescia a um ritmo inaudito, desenvolvia-se não apenas na metrópole mas a um ritmo ainda mais extraordinário nas províncias ultramarinas; descolonizara (a nacionalidade integral fora estendida a todo o território, convertendo-se o império à "nação pluricontinental e pluri-racial"; a subversão internacionalmente patrocinada fora militarmente e socialmente controlada e mesmo erradicada nas zonas estratégicas; a guerra não arruinara as finanças públicas e, bem pelo contrário, tornara-se motor de desenvolvimento a múltiplos níveis; o aparelho militar, mais que um órgão meramente repressivo de forças inimigas, distinguia-se pela acção social de apoio, estruturação e integração das populações, sobretudo nas áreas mais heteróclitas e tradicionalmente afastadas; a conjuntura internacional, fortemente bipolarizada, permitia um espaço de manobra superior ao dos tempos de D. Carlos; etc, etc. Em termos de condições, o Portugal de 1973, face a face com o Portugal de 1890, era uma verdadeira potência: dispunha de meios militares, económicos, políticos, históricos, bem como de uma soberania efectiva sobre esses meios (pelo menos, em tese; se depois na prática, se entregou ao hara-kiri e à alienação, isso deve ser assacado a todo um cluster intenacioleiro e respectivas quintas colunas instaladas). Ah, mas Portugal não era os Estados Unidos, nem a Inglaterra, nem a Suécia! E isso era inadmissível, fonte de desdém e desprestígio internacionais!... Contra argumentos desse calibre, repito, não há reclamação: há (ou infelizmente não há) camisa de forças. Se compararmos as percentagens de indigência, repressão policial e encarceramento dos actuais Estados Unidos com o Portugal dos fins dos anos 60 do século passado, o balanço é claramente favorável a este último. E isso não retira a descomunal grandeza aos Estados Unidos, com todos os seus problemas e derrapagens acentuadas, nem transforma, por arte mágica, Portugal no colosso que não é nem nunca foi. Há comparações e emulações que, pura e simplesmente, não funcionam nem são legítimas, fora da mera retórica ou do estrito arremesso propagandístico. Os Estados Unidos podem dar-se ao luxo de mandar 20 milhões de pessoas para o lixo; Portugal não pode dar-se à maluqueira de mandar 1 que seja. A escassez de um bem torna-o precioso. Em havendo seriedade, Portugal tem que ser comparado consigo mesmo ao longo dos tempos e os regimes: o analfabetismo de 1973 tem que ser confrontado com o analbabetismo de 1890, de 1910 e de 1926; a mesma coisa para o apoio sanitário às populações; ou a industrialização; ou a rede de transportes; ou o índice de criminalidade; ou a dívida pública; o que quer que seja que se pretenda comparar. O juízo sério que tem que ser feito ao Estado Novo é aquele que coloca nos pratos da balança o Portugal no dia primeiro daquele regime e o Portugal do seu dia último. E o mesmo se recomenda para a 1ª república, a derradeira monarquia ou, sobremaneira, a actual democracia liberal (e que só é liberal depois de ter tripudiado à tripa forra como "popular", isto é, só faz amen à missa negra que lhe serviu e serve de pedestal).
Não obstante, poderia pensar-se: somos poucos mas compensamos com a nossa homogeneidade. Quer dizer, porque somos escassos temos que, com natural lógica, unir-nos no esforço solidário, remando todos para o mesmo lado, em matéria de nação e bem comum (e em assunto, já que é esse que aqui nos ocupa especialmente, de território). E, verdade se reconheça, essa homogeneidade até existiu desde a monarquia crepuscular até ao crepúsculo do Estado Novo, ou seja, mudava-se de regime, mas não se mudava de estratégia nacional (o que é a qualquer nação digna desse título: veja-se os americanos ou os ingleses, por exemplo, quando mudam de partido governante - a política interna não dita a política externa, bem ao contrário). Essa homogeneidade, de resto, significava uma concordância entre as acrópoles directoras e o povo dirigido no que era fundamental - e não há nada mais fundamental a uma nação do que o território. Fora a anti-nação que todos conhecem, as nações fundam-se sobre um determinado território sobre o qual se firma e estabelece um determinado povo. E esse território, por sinal, constitui o mais originário e comum dos bens (chame-se-lhe reino, nação ou república). Num tempo em que se idolatra o corpo dos indivíduos e se nadifica a alma, é, a todos os títulos, sintomático e revelador como se despreza e atira ao lixo o corpo da própria nação, ao mesmo tempo que se divinizam ideologias (em bom rigor, autênticas feitiçarias) exóticas. Ora, inverte-se, assim, toda a tradição ancestral e histórica: submete-se a liberdade e integridade concretas da comunidade às liberdades e apetites fictícios de determinada fantasia de indivíduos arvorados em vanguarda esclarecida da auto-mutilação redentora. Sacrifica-se o todo à parte. Deste modo, até o próprio materialismo de que se reveste a nova peregrinação prima por bacoco e inconsequente e mais não manifesta que a completa vacuidade e imbecilidade dos seus bisnagueiros compulsivos.
Por conseguinte, o que o golpe de 1974 traz não é um novo-regime; é antes um desregime ou anti-regime: trata-se sumamente da negação, da traição, da antítese quer da estratégia nacional de séculos, quer da homegeneidade entre a elite directora e o povo dirigido na matéria essencial da soberania e do bem comum. Assiste-se, patética e tansamente, ao assalto do ninho pátrio por pseudo-elites cucas. Este anti-regime mascara-se, na aparência, dum regresso à revolucionite excitada da primeira república, mas na essência, trai-a com todas as suas forças, debandando de África e abandonando o Ultramar à sua sorte. E constituindo-se esse, afinal, o seu único desiderato motor e razão exclusiva para todo o arraial "franciscano", ou seja, precisamente o oposto daquilo que posteriormente apregoaram - entenda-se, a negação dos três Dês: nem Descolonização, nem Democracia, nem Desenvolvimento. Na realidade: Debandada, Desgoverno, Dívida. São três Dês, é um facto, só que entre o rosto e a máscara há um abismo. Aliás, a Descolonizar-se, a democratizar-se e a desenvolver-se estava o país (e o próprio regime, com Caetano) a passos largos. O carnaval Abrileiro de 1974 não esguichou em prol disso, mas precisamante para obstar e impedir que isso acontecesse. E não foi depois, num segundo momento, por obra exclusiva duns quaisquer dementes pueris que isso se desencadeou, à falsa fé e por traição a um qualquer woodstock saloio: toda a cegada, desde a sua génese ao seu corolário, no Prec e no Pós-prec, foi, é, e será, até ao seu colapso final, uma pura maquinação anti-portuguesa. Não era apenas um regime o alvo: era a Pátria inteira, na sua essência, na sua forma e nas suas causas. Foi, se assim, aristotelicamente, o podemos definir, mais que um mero atentado político, um crime ontológico, ou seja, um assassínio frio, perverso e continuado do próprio Ser de Portugal.
PS: De como a Heterogenia, um vez entronizada, deveio fatalmente necrose, versará a 3ª parte.
Não obstante, poderia pensar-se: somos poucos mas compensamos com a nossa homogeneidade. Quer dizer, porque somos escassos temos que, com natural lógica, unir-nos no esforço solidário, remando todos para o mesmo lado, em matéria de nação e bem comum (e em assunto, já que é esse que aqui nos ocupa especialmente, de território). E, verdade se reconheça, essa homogeneidade até existiu desde a monarquia crepuscular até ao crepúsculo do Estado Novo, ou seja, mudava-se de regime, mas não se mudava de estratégia nacional (o que é a qualquer nação digna desse título: veja-se os americanos ou os ingleses, por exemplo, quando mudam de partido governante - a política interna não dita a política externa, bem ao contrário). Essa homogeneidade, de resto, significava uma concordância entre as acrópoles directoras e o povo dirigido no que era fundamental - e não há nada mais fundamental a uma nação do que o território. Fora a anti-nação que todos conhecem, as nações fundam-se sobre um determinado território sobre o qual se firma e estabelece um determinado povo. E esse território, por sinal, constitui o mais originário e comum dos bens (chame-se-lhe reino, nação ou república). Num tempo em que se idolatra o corpo dos indivíduos e se nadifica a alma, é, a todos os títulos, sintomático e revelador como se despreza e atira ao lixo o corpo da própria nação, ao mesmo tempo que se divinizam ideologias (em bom rigor, autênticas feitiçarias) exóticas. Ora, inverte-se, assim, toda a tradição ancestral e histórica: submete-se a liberdade e integridade concretas da comunidade às liberdades e apetites fictícios de determinada fantasia de indivíduos arvorados em vanguarda esclarecida da auto-mutilação redentora. Sacrifica-se o todo à parte. Deste modo, até o próprio materialismo de que se reveste a nova peregrinação prima por bacoco e inconsequente e mais não manifesta que a completa vacuidade e imbecilidade dos seus bisnagueiros compulsivos.
Por conseguinte, o que o golpe de 1974 traz não é um novo-regime; é antes um desregime ou anti-regime: trata-se sumamente da negação, da traição, da antítese quer da estratégia nacional de séculos, quer da homegeneidade entre a elite directora e o povo dirigido na matéria essencial da soberania e do bem comum. Assiste-se, patética e tansamente, ao assalto do ninho pátrio por pseudo-elites cucas. Este anti-regime mascara-se, na aparência, dum regresso à revolucionite excitada da primeira república, mas na essência, trai-a com todas as suas forças, debandando de África e abandonando o Ultramar à sua sorte. E constituindo-se esse, afinal, o seu único desiderato motor e razão exclusiva para todo o arraial "franciscano", ou seja, precisamente o oposto daquilo que posteriormente apregoaram - entenda-se, a negação dos três Dês: nem Descolonização, nem Democracia, nem Desenvolvimento. Na realidade: Debandada, Desgoverno, Dívida. São três Dês, é um facto, só que entre o rosto e a máscara há um abismo. Aliás, a Descolonizar-se, a democratizar-se e a desenvolver-se estava o país (e o próprio regime, com Caetano) a passos largos. O carnaval Abrileiro de 1974 não esguichou em prol disso, mas precisamante para obstar e impedir que isso acontecesse. E não foi depois, num segundo momento, por obra exclusiva duns quaisquer dementes pueris que isso se desencadeou, à falsa fé e por traição a um qualquer woodstock saloio: toda a cegada, desde a sua génese ao seu corolário, no Prec e no Pós-prec, foi, é, e será, até ao seu colapso final, uma pura maquinação anti-portuguesa. Não era apenas um regime o alvo: era a Pátria inteira, na sua essência, na sua forma e nas suas causas. Foi, se assim, aristotelicamente, o podemos definir, mais que um mero atentado político, um crime ontológico, ou seja, um assassínio frio, perverso e continuado do próprio Ser de Portugal.
PS: De como a Heterogenia, um vez entronizada, deveio fatalmente necrose, versará a 3ª parte.