sexta-feira, junho 30, 2006

Senhora Dragão dixit

A minha distinta esposa proferiu-me o seguinte:
«Tu bates à esquerda e à direita, esmurras a torto e a direito! Mentaliza-te: não és simpático. Admira-me sinceramente como é que ainda alguém te lê!...
Digo-te mais: como queres que te entendam? Eu que sou uma mísera “dona-de-casa”, esse cúmulo da ignomínia do nosso tempo, tenho mais cultura que a maior parte dessa gente. E, pior que isso, havias de constatar se fosses à Europa: o nível cultural ainda é mais baixo! Eu, que andei por França, o melhor que lá encontrei foi uma alemã que me notificou do seguinte: “quem escolhe pensar tem um caminho solitário pela frente. Às vezes dói. Aguenta Maria!...”
A tua sociedade, as tuas conversas são com gajos que já morreram. O presente é a única dimensão do tempo que não conseguimos usufruir. É um emaranhado de instantes de que ninguém se dá conta sequer que existe. As nossas amélias sociais são cretinos que não entendem nada, fora a flatulência instantânea e efervescente dos jornais. Comentam e opinam sobre factos desgarrados de cujo sentido nem suspeitam. Que interessa o Pacheco Pereira assoberbado com dois ou três computadores a desovar, em directo e em frenesim, patranhas sobre tudo e um traque celeste. Interessante, mesmo, de facto, é saber porque raio existem Pachecos Pereiras, actuais, potenciais e virtuais. Não são agentes, são produtos, esses servos do momento.
Ao contrário de tudo isso, um pensador está à margem, como alguém que olha para um rio a passar »

Foi exactamente isto que ela me disse. Juro. O toque literário é meu, mas as ideias são exactamente as dela. Além de bonita, é inteligente. Há tipos com sorte. Na verdade, como profetizaram os antigos, “a dita protege os audazes”.
Ora, como a mim audácia não me falta...

quarta-feira, junho 28, 2006

Favores, factores e feudalismos (part I)

Segundo o Despacho Nº 13 299/2006 (2ª Série) do Diário da República, (acabo de saber pelo caro José da Grande Loja, que soube, afirma ele, pelo "Público"), a licenciada Vera Ritta Branco de Sampaio foi nomeada para o esotérico cargo de "adjunta do Gabinete Dele", do Ministro da Presidência, um tal de Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira.
Poderá haver quem se interrogue sobre os critérios para uma tal escolha, selecção, nomeação, compadrio, ou lá o que seja. Esse, aproveito desde já para esclarecer, não é o meu caso. Ainda me chamavam invejoso, populista ou anti-semita. Não senhor, para mim não tem espinhas: o gabinete é dele e ele, o tal Silva Pereira da Cunha, mete lá quem muito bem entende, lhe apraz, ou lhe mandam. Se o Gabinete fosse meu, eu fazia o mesmo: metia lá quem muito bem me apetecesse. O critério dele não sei qual foi (posso tentar adivinhar mais daqui a nada); já o meu seria límpido e cristalino. Quem me conhece sabe que não sou de arranjinhos, culinárias e, ainda menos, seitas, partidos ou capelinhas. Consigo até antecipar, para o efeito, o teor do meu preclaro, douto e, sobretudo, independente despacho em Diário da República: "Nos termos do blá-blá-blá frito-e-cozido, nomeio para exercer as funções de adjunta para o Fellatio e Massagens no Meu Gabinete, a Sónia Vanessa e a prima dela, que não me recorda agora o nome, mas tem um par de mamas deveras inspirador, amigo do ambiente e é boa rapariga."
Era um critério sexista e imoral, o meu critério? E vós sois uns sonsos beatolas do caralho, uns elitistas da merda! (Nada, enfim, que me espante, mas que a vós, ó escumalha perita em armar ao pingarelho, sempre vos devia envergonhar). A Sónia Vanessa e a prima dela, excelente moçoila, achariam um critério excelente. Os respectivos familiares e amigos, idem aspas. E eu, escusado será reforçar, considerá-lo-ia um critério soberano, inatacável, transparente. As pessoas na rua -o tal povo que é suposto ser o soberano desta república, lembram-se?- ao vê-la passar, à Sónia Vanessa, com aquele corpinho donairoso que Deus lhe deu, murmurariam, entre maravilhadas e divertidas: "Lá vai a Sónia Vanessa, a adjunta do Ministro Dragão!..."
-"E faz o quê, a adjunta?" -inquiriria, por certo e apenas algum estrangeiro ou inopinado nefelibata.
-"Faz broches e massagens ao ministro, ora essa!" - Rir-se-iam todos com a candura do alienígena.
Episódio mais edificante que este não me ocorre de momento e duvido que exista. Já a Vera Ritta faz exactamente o quê? O povo, o tal que em tese é putativamente soberano mas na prática não passa de bobo vitalício, suspeita seriamente que nada, além de abichar os tais 2.800 euros ilíquidos, fora as mordomias, subsídios e ajudas de custo. Podem comê-lo por tanso, mas não é completamente tapado. Aliás, esse mesmo povo, no qual me incluo, nem sabe que raio de figura tem a bendita licenciada. Se herdou a inteligência do papá e a beleza da mamã, uma coisa posso já garantir: no Meu Gabinete não punha ela os pés, nem em mim as mãos ou sequer a boquinha. Desconfio dum coirão absolutamente áspero, deprimente e imprestável, mais digno de estar a espantalhar a passarada numa seara (ou a triturar papel numa repartição) que a combater o natural stress e o profissional tédio dum competente ministro. Posso estar enganado e que Deus me perdoe se assim é. Mas há aí alguém disposto a pôr as mãos no fogo pela estética da menina?
O Diário da República que passe a fazer acompanhar as nomeações de fotografia de corpo inteiro, em vestido de noite e bikini -como, aliás, seria da mais elementar curialidade - e eu já não me ponho com estas conjecturas e grungrunlóquios. Todos eles absolutamente legítimos e pertinentes, diga-se de passagem.

Agora vou ali armar uns canteiros, pôr canas nuns feijões, regar batatas e, mais lá para o fim da tarde, se estiver para aí virado, voltarei a este assunto. Assim Deus e a gleba o permitam.

sexta-feira, junho 23, 2006

Bilderberg 2006

A reunião dos Bilderbergues deste ano decorreu em Otava. Não estou a dar novidade nenhuma, penso eu.
Novidades, não sei até que ponto fantasiosas, sobre o decurso de tão misteriosos trabalhos, encontramo-las aqui, na Americanfreepress.
Muito interessante também, segundo a mesma fonte, a lista de vampiros participantes no Sabath deste ano.
Se vos derdes à chateza de conferir o extenso rol, constatareis que, em representação dos chupa-cabras nacionais, compareceram o já tradicional Pinto Balsemão - uma espécie de figurante vitalício, que desde os tempos da sucessão "pacífica" ao então assassinado primeiro-ministro Sá Carneiro, tem direito a rebuçado honorário; e um surpreendente José Pedro Aguiar-Branco. Lembram-se dele? Esse mesmo: O grande amigalhaço e ministro da Justiça de Santana Lopes que, subitamente, se me é permitido recapitular, teve um acesso bizarro, esfaqueou pelas costas o menino-guerreiro e deu com o governo de pantanas. O que na época, deveras madura e propícia, permitiu a ascensão do actual José Sócrates ao leme dos negócios da nação, montado numa providencial maioria absoluta. Sócrates, também ele, um "bilderberguer" (2004), é preciso não esquecer.
Vós, meus caros leitores, se bem vos conheço, a esta hora já estais decerto a fazer uso das vossas portentosas faculdades lógico-dedutivas e a alcançar, ao volante delas, numa velocidade vertiginosa, conclusões mais que óbvias.
Afinal, bem vistas as coisas, não é nada surpreendente, pois não?...

Termino com um palpite mascarado de questão: este rapaz Aguiar-Branco vai ser o sucessor do Ganda Nóia e, por inerência, um presumível futuro-primeiro-ministro de Portugal?...
Muita atenção aos próximos episódios.

quinta-feira, junho 22, 2006

Timoratices e timoralidades

A crise de Timor, na perspectiva de John Pilger, um australiano com obrigação de perceber alguma coisa do assunto:
«John Howard is said to be pleased with his title of George W Bush's "deputy sheriff" in the South Pacific. He recently sent troops to a rebellion in the Solomon Islands, and imperial opportunities beckon in Papua New Guinea, Vanuatu, and other small island nations. The sheriff will approve.»

Continuo a não entender porque é que nosso colonialismo era péssimo e o neo-colonialismo é óptimo. Quer dizer, se forem portugueses a roubar, que são poucos, negligentes, e, por isso mesmo, não sacam muito, é hediondo, uma blasfémia contra os "ventos da História". Já se forem os anglófonos, que são mais que as mães e espoliam obsessiva e compulsivamente, até ao tutano, é perfeitamente natural, altamente lógico, extraordinariamente compreensível, completamente liberal, imaculadamente democrático e abençoado por Deus, Iahvé, senão mesmo pelo professor Karamba em pessoa.
Grande mistério!...
Moral da história:
Há quem não foda nem saia de cima. Não é o caso dos portugueses progressistas e beneméritos que o torrão pátrio viu vicejar nestes últimos trinta anos: amavelmente, sairam de cima para os outros montarem.

segunda-feira, junho 19, 2006

A América em 1873, pelos olhos de Eça de Queirós



«V.poderia querer que eu lhe falasse de Nova iorque e dos Americanos. Mas esta carta vai longa e quem sabe o que o correio francês -esse pirata - lhe fará pagar por ela!
De Nova Iorque, dir-lhe-ei que é realmente a Nova Iorque da tradição europeia: - a grande, a extraordinária, a estrondosa Nova Iorque. Na América não se tem contudo esse amor de Nova Iorque, porque há na União cidades rivais. Filadélfia é Nova Iorque sem o deboche. Filadélfia é uma cidade muito moral - dizem aqui os Quakers. Os outros dizem que é simplesmente um alcouce. St. Louis, é outra cidade que não difere de Nova Iorque senão em ser mais bela na paisagem. Chicago, é a todos os respeitos melhor que Nova Iorque - e é sem dúvida a mais extraordinária cidade do Mundo: na carta que lhe escrevi - e que V. não recebeu - eu dava-lhe pormenores curiosos sobre Chicago, que é a cidade-resumo do génio evolutivo das populações do Oeste. Nova Iorque tem, mais do que as outras, o elemento europeu, manifestado por estes factos - lorettes, restaurantes, crevês, escândalos, agiotagem -: é o que a faz superior. De resto é uma cidade que em parte amo e em parte detesto. Amo-a, porque... porque sim - e detesto-a, porque deve ser detestada. O que isto é, V. não imagina: a violenta confusão desta cidade, o extraordinário deboche, o horror dos crimes, a desordem moral, a confusão das religiões, o luxo desordenado, a agiotagem febril, a demência dos negócios, os refinamentos do conforto material, os roubos, as ruínas, as paixões, os egoísmos - tudo isto está aqui chauffé ao rouge. Isto não pode durar, todo o mundo o diz.
É uma cidade que tem cem anos e que está podre: está detraquée. Viveu muito, muito depressa - e chegou sem educação. Porque a verdade é esta: Nova Iorque não tem civilização. A civilização não é ter uma máquina para tudo - e um milhão para cada coisa: a civilização é um sentimento, não é uma construção. Há mais civilização num beco de Paris, do que em toda a vasta Nova Iorque. Aqui não há gosto, nem espírito, nem distinção, nem crítica, nem classificação - nada; uma sociedade podre de rica, afogada em luxo, exagerando as modas, inventando muitas - e querendo enriquecer mais e ter mais luxo ainda. Você deve ter lido o que se tem passado aqui com o Crédit Mobilier e com outras poderosas associações bancárias ligadas ao sistema de administração: tem-se apenas descoberto - que os homens públicos, de alto a baixo, são um rolo de ladrões. Ladrões por toda a parte, eis a crítica da administração. Ladrões por toda a parte, eis a crítica do comércio. Ladrões por toda a parte, eis a crítica das ruas. Ladrões! Nova Iorque transborda de ladrões: veste-os, exporta-os, vende-os - e quantos mais enforca, mais lhe nascem. Se Você sai do seu hotel e encara alguma das grandes ruas de Nova Iorque, fica aterrado: aquela agitação, estrondo, ruído, febre, rostos consumidos e secos, toilettes únicas, carruagens nos passeios, ónibus aos lados, caminhos de ferro por cavalos no centro da rua, caminhos de ferro à máquina por cima das ruas, junto aos tectos das casas, o aparato imenso da polícia, a excentricidade dos anúncios, o rumor apressado de todo omundo... Compreende logo que está entre um povo bárbaro, que aprendeu a civilização de cor. Mas bárbaro como é - que força, que originalidade inventiva, que perseverança, que firmeza! - É estranho! E ao mesmo tempo que grossaria de maneiras: revólver, praga e empurrão, algumas palavras de inglês e muita saliva - eis o que é a língua americana. Como eu detesto esta canalha! Como a mais pequena aldeia de França é superior, imensamente superior pela sua civilização a esta orgulhosa Nova Iorque, que se chama a si mesma, como Roma - A Cidade. Estúpida Nova Iorque - que fez ela jamais para se chamar A Cidade? Paris fez a Revolução, Londres deu Shakespeare, Viena deu Mozart, Berlim deu Kant, Lisboa... deu-nos a nós - que diabo! Mas esta estúpida Nova Iorque, o que tem dado? Nem mesmo as grandes invenções da América são dela. Aqui quem inventa, quem inventa por todos, quem inventa sempre, é Chicago. Chicago, sim, tem dotado o Mundo com as três quartas partes das máquinas que ele possui. Mas Nova Iorque? Nunca siu nada de Nova Iorque - nem um homem, nem uma ideia, nem um livro, nem uma máquina, nem uma vitória, nem um quadro, nem um dito. Nova Iorque é um tour-de-force da brutalidade - nada mais. E no entanto, meu amigo, que diabo! - é necessário amá-la. Com as suas grandes avenidas, tão cobertas de árvores e de sombras como um bosque, com a beleza extrema das suas mulheres, com as suas grandes praças onde a relva é por si só um espectáculo, com as suas igrejas góticas, todas cobertas de trepadeiras e mal aparecendo por detrás da folhagem das árvores (jóias de arquitectura contemporânea), Nova Iorque, com o seu sumptuoso ruído, com o romantismo dos seus crimes por amor, com os seus parques extraordinários que encerram arbustos e tanques - com a sua originalidade, com a sua caridade aparatosa com as suas ecolas simplesmente inimitáveis, os seus costumes, os seus teatros (aos quatro em cada rua), é uma tão vasta nota no ruído que a humanidade faz sobre o globo - que fica para sempre no ouvido! Eu estou aqui a escrever-lhe - e está-me a lembrar com saudade o rolar dos tramways nas ruas. - Querida Nova Iorque! - Não, odiada Nova Iorque!»

Monreal, 20 de Julho de 1873

- Eça de Queirós - Carta a Ramalho Ortigão - in "Correspondência, 1ºVolume"

Reconheçam: Há coisas que só mesmo no Dragoscópio.

domingo, junho 18, 2006

The horror...

«Bush garante a iraquianos que não os abandonará.»

Ouvir uma tal garantia da boca do carrasco, convenhamos, é tudo menos animador para as vítimas.

sexta-feira, junho 16, 2006

Em breve um Novo Eixo, num cinema perto de si...

Mais um artigo a não perder de William Engdahl, um especialista em geopolítica "energética", no meu modesto entender, dos mais bem informados.

«US outflanked in Eurasia energy politics».

Aperitivos:

«Late last month Russia and Algeria, the two largest gas suppliers to Europe, agreed to increase energy cooperation. Algeria has given Russian companies exclusive access to Algerian oil and gas fields, and Gazprom and Sonatrach will cooperate in delivery to France. Putin has canceled Algeria's US$4.7 billion debt to Russia and, for its part, Algeria will buy $7.5 billion worth of Russian advanced jet fighters, air defense systems and other weapons. »

«On May 26 Russian Defense Minister Sergei Ivanov also announced that his country would definitely supply Iran with sophisticated Tor-M1 anti-aircraft missiles, reportedly as a prelude to supplying even more sophisticated weapons. »

«Then, in one of the more fascinating examples of geopolitical chutzpah, the Kremlin-controlled Gazprom gas monopoly entered quiet negotiations with Israeli Prime Minister Ehud Olmert through his billionaire friend, Benny Steinmetz, to secure Russian natural-gas supplies to Israel via an undersea pipeline from Turkey to Israel. »

Entretanto, registem-se as fascinantes declarações de um dos mais proeminentes e influentes neo-conas das américas:
«Kagan declared, in reference to Russia and China, "Until now the liberal West's strategy has been to try to integrate these two powers into the international liberal order, to tame them and make them safe for liberalism. If, instead, China and Russia are going to be sturdy pillars of autocracy over the coming decades, enduring and perhaps even prospering, then they cannot be expected to embrace the West's vision of humanity's inexorable evolution toward democracy and the end of autocratic rule." Kagan charged that China and Russia have emerged as the protectors of "an informal league of dictators" that, according to Kagan, currently includes the leaders of Belarus, Uzbekistan, Myanmar, Zimbabwe, Sudan, Venezuela, Iran and Angola, among others around the world, who, like the leaders of Russia and China themselves, resist any efforts by the West to interfere in their domestic affairs, either through sanctions or other means. "The question is what the United States and Europe decide to do in response," wrote Kagan. »

Ou eu me engano muito, ou a Al-Qaeda está a passar de moda. Andaram a brincar ao "vem aí o lobo" e agora, depois de tantos falsos alarmes, vem lobo, vem urso, vem um bestiário completo. Aliás, minto: vem o urso e as outras bestas, porque o lobo já cá estava. É precisamente aquele que se entretem a acagaçar-nos com o "vem aí lobo"!...

quinta-feira, junho 15, 2006

Como "Eles" treinaram a Al-Qaeda

«If Western intervention in Afghanistan created the Mujahideen, Western intervention in Bosnia appears to have globalised it.»

Fazem a festa, deitam os foguetes e depois, na menos sinistra das hipóteses, andam à rasca, numa lufa-lufa, a tentar apagar os incêndios que as canas causam quando caem mais à frente.
Além de corrermos o risco de estarmos entregues à maior corja de filhos da puta que a humanidade já viu, ameaça-nos o perigo acrescentado de serem também os mais trapalhões, cepos e acéfalos.

Quando o essencial coincide com o sublime, ou The Great Clown Show on Earth

O US Government Accountability Office (GAO), espécie de Tribunal de Contas lá do sítio, sendo que o sítio é o mais recente paraíso terreal da Toinolândia, verificou - sem grande perplexidade, presumo -, que mais de 1.000 milhões de dólares (793,5 milhões de euros) de ajudas federais às vítimas dos furacões Katrina e Rita no sul dos Estados Unidos (2005), foram fraudulentamente desviados para outros fins. Só para fazermos uma pequena ideia, fins, esses, tão nobres e essenciais como «bilhetes da liga de futebol norte-americana, férias nos trópicos, vídeos pornográficos, champanhe, noitadas em clubes de stripe-tease», massagens ($400) , tatuagens ($450), anéis de noivado ($1.100) , além de outros mimos monásticos como estadias em condóminos junto à praia, em Panama City(a $375/dia) ou apartamentos em New York (a $438/dia).

Sinceramente, não entendo o aparente escândalo de tudo isto. Então os fundos não eram destinadas a necessidades essenciais das pessoas, pessoas essas, ainda por cima, em grandes apuros e sobressaltos? Num país do terceiro mundo, de pretos, monhés, hispânicos ou coisas assim, está bem que as necessidades essenciais sejam comida, bebida, abrigo e vestuário. Mas no Paraíso terreal, no paradigma da organização e da democracia ao cimo do planeta, no farol galáctico de todas as liberdades mais uma, nada mais legítimo, lógico e justo que o emergency-service inclua férias nos trópicos, vídeos pornográficos, strip-tease, massagens, tatuagens e anéis de noivado, tudo isto, claro está, de preferência, servido em quartos luxuosos com acesso directo à praia. Afinal, as pessoas precisam de convalescer do horror porque passaram, ou acabaram de presenciar na televisão. Não raramente, quem assiste de longe, sem poder fazer nada, ainda sofre mais. Além disso, convém nunca esquecer, estamos a falar do país mais rico, poderoso, sofisticado e organizado do mundo. Mesmo numa república de bananas como Portugal, ninguém admitiria ser evacuado de qualquer calamidade se o kit de ajuda básico não incluísse telemóvel, TV cabo e playstation para as crianças. Fará agora naquela Perfeitopólis superlativa!...

O relatório completo do GAO pode ser lido aqui. Não percam. É de rir até às lágrimas.

Termino, fazendo completamente minhas as palavras sempre sábias, experientes e lapidares de H.L.Mencken:
«Na minha perspectiva, Os Estados Unidos são, incomparavelemente, o maior espectáculo do mundo. Um espectáculo que exclui todo o tipo de palhaçadas que rapidamente me entediam - o cerimonial monárquico, o malabarismo fastidioso da haute politique ou a atitude séria perante a política, por exemplo -, pondo antes o ênfase no tipo de situações que me divertem incessantemente: as discussões brejeiras dos demagogos, as deliciosas e engenhosas manigâncias dos mestres da pulhice, a perseguição a bruxas e hereges, as tentativas desesperadas dos homens inferiores para treparem até ao Céu. Temos entre nós, em constante actividade, bobos que se destacam dos de qualquer outro grande país, do mesmo modo que Jack Dempsey se destaca de um paralítico; não apenas vinte ou trinta, mas verdadeiras manadas deles. Aquilo que noutro país cristão qualquer está irremediavelmente votado a um tédio incurável - coisas que, pela sua natureza, parecem desprovidas de toda a piada -, é aqui elevado a um patamar de bufonaria que nos faz rir a bandeiras despregadas.»

quarta-feira, junho 14, 2006

Tiranossócius Rex?...



U.S. Financial Aid To Israel: Figures, Facts, and Impact

«Benefits to Israel of U.S. AidSince 1949 (As of November 1, 1997):

Foreign Aid Grants and Loans - $74,157,600,000
Other U.S. Aid (12.2% of Foreign Aid) - $9,047,227,200
Interest to Israel from Advanced Payments - $1,650,000,000
Grand Total$ - 84,854,827,200
Total Benefits per Israeli - $14,630

Cost to U.S. Taxpayers of U.S.Aid to Israel:

Grand Total - $84,854,827,200
Interest Costs Borne by U.S. - $49,936,680,000
Total Cost to U.S. Taxpayers - $134,791,507,200
Total Taxpayer Cost per Israeli - $23,240 »



Provavelmente, a América vê em Israel o seu cão de fila. E Israel vê na América o seu Golem. Amor com amor se paga.

terça-feira, junho 13, 2006

Uma motorização revolucionária made in Europe?...



MDI, the air car. Um automóvel a ar-comprimido. Se funciona com as armas, porque não heveria de funcionar com os carros?

Vale a pena visitar as FAQ...
O principal - o preço: MiniCAT custará à volta de 6 .860 Euros
CityCat " " " " 9 .460 Euros (sem Iva)

Faço votos dos melhores auspícios para tal maquineta. Sobretudo, espero que chateie e incomode o mais possível esse cancro planetário que são as Petrolíferas.

O Turismo ideológico (rep. com adenda)

Digo e repito:
Entendamo-nos. Eu não tenho nada contra a democracia liberal. Em Inglaterra.
Eu não tenho nada contra o Comunismo. Em Cuba.
Eu não tenho nada contra a Social Democracia. Na Escandinávia.
Eu não tenho nada contra o Neo-Liberalismo ou mesmo o Neo-Conismo. Nos Estados Unidos.
Eu não tenho nada contra a cleptocracia. Em Angola.
Eu não tenho nada contra a Teocracia. No Irão.
Eu não tenho nada contra a Tecnocracia. No Japão.
Aliás, nem contra, nem a favor.
Que fabriquem, que produzam, que se esfalfem, que exportem, que roubem, que massacrem, que procriem, que se comam uns aos outros ou às outras, pouco me interessa! Que o Diabo os leve ou Deus os transporte, quero lá saber!
Eu respeito os outros, respeito toda a gente. Eles é que vivem lá, eles que se entendam. Se descobriram naquela a maneira assaz peculiar de se organizarem (ou desorganizarem, tanto faz), pois que sejam felizes, ou infelizes, mas, em todo o caso, que lhes faça bom proveito. Não me custa crer que é assim que se sentem bem. Longe de mim querer impor-lhes os meus modelos ou conceitos. As minhas taras ou fantasias. Não tenho especial fascínio por turismo, muito menos ideológico.
O que não suporto é que eles, quaisquer que eles sejam - ou enviados, eunucos, lacaios, procuradores, clones e delegados deles – me queiram vir impingir a mim o que só lhes diz respeito a eles. Me queiram afogar na felicidade ou infelicidade deles. Me queiram converter às manias ou fobias deles. Me queiram, enfim, encurralar nos currais ou manjedouras deles. Porque não se mudam eles – esses heldéres ao domicílio – para lá, já que aquilo tanto os fascina e obceca? Porque não se transplantam eles para esses paraísos terreais, em vez de quererem, à viva força, de martelo ou compressor, com laivos de paranóia e fervor de birra, importar esses territórios inteiros para cá? Acham que num espaço tão pequeno, tão exíguo, cabem essas traquitanas, essas feéricas babilónias todas?
Eu sou português, caralho! Nasci e hei-de morrer nesse estado, que poderá ser deplorável a muitos títulos, a mil e mais um, mas é o meu. Se Deus me mandou ser português, se ordenou ao destino que aqui me plantasse, que não venha cabrão nenhum apregoar-me o contrário. E tudo o que não seja isso, essa raiz que mergulha aos abismos e essa fronte que se levanta aos céus, é o contrário, é a negação, é o aniquilamento disso.
Mas isto sou eu. Cago-me em ecos e séquitos, passo bem sem companhias.
Os outros, esses que se arrepelam e amarguram com a pequenez e a pobreza do seu próprio país (o que apenas reflecte a pobreza e a pequenez da ideia que fazem dele e de tudo), esses todos, se querem ser americanos, porque não vão ser americanos?
Se querem ser ingleses, porque não vão ser ingleses?
Se querem ser espanhóis, porque não vão ser espanhóis?
Se querem ser escandinavos, porque não vão ser escandinavos?
Se querem ser chineses, russos, suíços, austríacos, alemães, judeus, vaticoisos, albaneses, esquimós, marcianos, porque não vão sê-lo duma vez por todas e desatravancam a passagem?!
Por gentileza, não me dou ao requinte de mandá-los de volta para a c*** -digo, vagina- da santíssima mãe deles. Mas, francamente, fico sem perceber porque raio se deram ao trabalho de sair de lá.

Adenda: De resto, o mesmo poderei e deverei dizer acerca de regimes tão genuinamente portugueses como o nacional-socialismo, o fascismo, o falangismo e outras banhas da cobra congéneres. Sobretodos patético, carnavalesco - e verdadeira anedota para gáudio dos cínicos - é este "nacional-internacionalismo" que congrega as hostes.

Liberais? Social-Democratas? Comunistas? Fascistas? Nacionalistas? - Não me façam rir. Turistas!!

Travel junkies aos suspiros por uma disneylândia qualquer.

domingo, junho 11, 2006

No Lumiar da realidade


« Escola EB1 S. Gonçalo, no Lumiar, estará encerrada segunda-feira, por decisão dos professores, depois de uma professora ter sido agredida sexta-feira por um casal familiar de um aluno do estabelecimento».

Congratulemo-nos: começou a avaliação dos professores pelos pais dos alunos. Neste caso, a avaliação do kung-fu dos professores. Os resultados do exame-surpresa, porém, não podiam ser mais deploráveis. Pelos vistos, andam perros e destreinados, os docentes das nossas escolas. E é pena. O público sai defraudado. É suposto assistirmos a um combate, não a um massacre.

sexta-feira, junho 09, 2006

O Super Cowboy metido em comboios?...



Só nos faltava mais esta. Agora é um tal Leola McConnell, candidato Democrata Liberal ao cargo de Governador do Nevada, que acusa o nosso estimado George W. Bush do seguinte:
«In 1984 I watched George W. Bush enthusiastically and expertly perform a homosexual act on another man, one Victor Ashe.»

Longe de mim por-me para aqui com considerações morais acerca da vida íntima do presidente W. Tão pouco faço a mínima ideia se isto é verdade ou mera chicana política, tão ao gosto da palhaçada eleitoral americana.
Apenas registo e acho piada ao teor da descrição: a putativa performance gay do Global CowBoy - ao melhor estilo Brokeback Mountain-, desenrolava-se, segundo a presumível testemunha, com "entusiasmo" e "perícia". George entregava-se fogosamente ao passatempo. E com desemparaço eloquente.
O Leola, entretanto, não especifica mais detalhes: não esmiuça que modalidade congregava o entusiasmo e a perícia do W. Bush. Oral? Anal? Manual?
Apenas refere, logo de seguida, que «Other homo-erotic acts were also performed by then-private citizen George W. Bush. I know this because I performed one of them on him myself.»

A coisa, meus amigos, se isto é verdade, foi complexa. O cardápio, vasto. A ménage, pelo menos, a três. (Chamo a atenção para os dois anacolutos seguidos, de rajada; não é para todos...)
O cowboy, em resumo, deve ter andado em comboios!...

Doravante, quem disser mal do presidente W. Bush corre o sério risco de ser acusado de homofobia.
Por mim, tenciono não perder mais tempo com tão sofisticado personagem. De hoje em diante, prometo concentrar-me nas gémeas Bush. Asceticamente, bem entendido.

quinta-feira, junho 08, 2006

Mediatações

Ao lermos os jornais cá da terrinha, a impressão que fica é que são escritos por publicitários frustrados. São notáveis os esforços para nos impingirem qualquer coisa.

quarta-feira, junho 07, 2006

Meditações

Há duas coisas indignas do Homem: o Ódio e a Idolatria. Infelizmente, olhando à nossa volta, é só o que vemos. Sobretudo ódio a quem não partilha da nossa idolatria.

Freak-show

A política não é uma coisa séria. Em primeiro lugar porque não é uma actividade honesta. Em segundo lugar, porque não é autónoma e ainda menos soberana. Em terceiro lugar, porque nem sequer é, a maior parte das vezes, consequente. E quando o é, depressa se chega à conclusão que mais valia que não fosse.
Aliás, a política não passa dum ramo sórdido, menor e particularmente aberrante da literatura. Logo abaixo da História.
Uma mescla de teatro do absurdo e freak-show.

segunda-feira, junho 05, 2006

Perguntas Popularuchas de Papa



“Onde estava Deus, nesses dias? Porque ficou silencioso?”
- terá perguntado o Papa Bento Não-sei-quantos, de visita ao principal resort do turismo macabro.
Olhe, caro senhor, porque o Altíssimo tem certamente mais que fazer, respondo-lhe eu: Deus está onde sempre esteve e onde espírito tão rasteiro, venal e frívolo como o nosso não alcança. Mais até que Aristóteles, Jesus ou mesmo Nietzsche, as árvores, os céus, o sol, os mares, as estrelas, enfim, o cosmos inteiro fala-nos dele. Mas nós não escutamos, nem queremos escutar e temos raiva a quem escuta. Porque estamos muito ocupados com o nosso descomunal umbigo, cada vez mais absortos nesse pináculo absoluto do mundo, razão de ser e medida de todas as coisas. Isso e galopar a nossa opiniãozinha de merda, tocar pívias ao nosso intelecto de pulga ou congeminar revoluções que esvaziem de putativos demónios as paróquias e nos encham de vil metal os bolsos. Ou, pela outra banda, a reforçar barreiras contra esses demónios da paróquia que nos querem saquear os cofres e tesouros.
Então Deus não nos deu a liberdade, ó senhor Papa Cura? Nunca leu Santo Agostinho e toda a santa tradição subsequente? Que responsabilidade tem Deus nas nossas canalhices, da nossa permanente lua de mel com os infernos? Do nosso gozo mórbido em nos pisarmos e massacrarmos uns aos outros? Da nossa mania que somos deuses impiedosos, cada qual mais especial e eleito que o outro? Deus é polícia? É agente de seguros? É psiquiatra? É esgoto moral? Deus, enfim, é Papa?
A pergunta, por conseguinte, tudo o indica, não é “onde estava Deus, nesses dias? Porque ficou silencioso?” A pergunta é, outrossim: “Onde estava o Homem, nesses dias? Nesses e nestes e nos últimos vinte séculos! Porque está ele cada vez mais cego e surdo?"...
Não nos limpemos a Deus. Fazer dele nossa fralda, ainda por cima descartável, só aprofunda o estágio esterquilínio onde nos atascamos e teimamos em chafurdar. Não sei se Deus, que em absoluto me transcende, me criou “à Sua imagem e semelhança”. A mim, certamente que não, Exm.º Sr. Papa, não tenho essa vaidade, nem nunca me atreveria a apregoá-la diante Daquele que me deu a Vida. Mas a si, por deferência para com o seu rebanho, admito que sim. Que até lhe terá passado procuração, alvará, senão mesmo franchising. Mas se Ele, em todo o seu Misterioso Desígnio, teve para consigo essa caridade - de o criar à imagem Dele, não vá agora Vossa Benta Santidade, pagar-lhe com rasteira ingratidão, amesquinhando-O à sua. Que é o mesmo que dizer "à nossa".

sexta-feira, junho 02, 2006

Acefalus Universitarius



Quando chega a canícula, aqui no meu eremitério, tenho por hábito assar sardinhas. Chegam-me geralmente, esses saborosos peixes, trazidos por mão benemérita - desse povo simples que ainda venera os anacoretas - e embrulhados em folhas de jornais diários (que finalidade mais louvável e apropriada não se lhes reconhece).
Enquanto decorre o assado, para entreter a espera, calha, por vezes, deitar uma vista de olhos às letras impressas no papel que escapou ao atear do braseiro e aguarda expedição garantida para o caixote do lixo.
Ora, a embrulhar o pitéu de hoje, dei com o seguinte naco de prosa de ontem:
«Não vale a pena repudiar o futebol em nome de valores mais importantes, nem compará-lo com o que não é comparável. O futebol é um entretenimento e um dos poucos redutos onde ainda podemos cultivar instintos básicos sem consequências: apoiar "os nossos", detestar "os outros", apoiar "os fraquinhos" (normalmente, equipas africanas), insultar "os fortes" (normalmente, a Alemanha ou a Inglaterra), dizer umas asneirolas de cerveja numa mão e a piza encomendada na outra. É um programa um bocadinho primitivo? Pois é, mas já agora deixem-me também socorrer-me da minha cauçãozinha intelectual. Serve-me Chesterton, que dizia que a visão intelectualóide do mundo "nos fez pensar que o nosso grande inimigo (…) seria a nossa 'natureza inferior', ou seja, os nossos prazeres e apetites, que na verdade são coisas inteiramente inocentes em si mesmas. (…) Lembra Tennyson, (…) que falava do melhoramento moral como o processo (…) de 'ultrapassar o primitivo' em nós. (…) Mas porque haveríamos de querer ultrapassar o primitivo em nós?"
Que naco bestial!, congratulei-me para com as minhas escamas.
Falta dizer que sempre que deparo com tão estimulantes perorações, não me contenho dum passatempo privado, assaz desopilante, que consiste em ir anotando as passagens mais maravilhosas.
Coisa que, com paciência e bonomia de santo, fiz, mais uma vez e da seguinte feição:
«Não vale a pena repudiar o futebol em nome de valores mais importantes, nem compará-lo com o que não é comparável.»
- Sim, sem dúvida... O futebol e o haxixe, a televisão, a masturbação, a bebedeira, os best-sellers e até as drogas pesadas... Abençoado argumentário!
«O futebol é um entretenimento e um dos poucos redutos onde ainda podemos cultivar instintos básicos sem consequências: apoiar os “nossos”, detestar os “outros”...»
- Outro desses redutos nenucos, verdadeira creche para adultos, depreende-se, é escrever colunas de opinião no DN. Finalmente, torna-se compreensível o que vácuos exibicionistas do gabarito deste fulano, mais a Côncio, a Lopes, o Beato das Neves, o Bacoco Resendes, o Casse-tête Ruben, o João Miguel, o Pedregulho Lomba, o Comissário Político Graça Moura, o Vicente à Rasca, o Estrabo-Medeiros, o Micro-Vitorino, a filha do Amaral Dias e o necas-plus-ultra Luís Delgado por lá fazem: entretêm-se. Ululam. Brandem as mocas. Atiram pedradas às nuvens. Ou seja, “cultivam instintos básicos sem consequências", com realce para aquela modalidade que consiste em, com invariável chinfrim, apoiar os “deles” e detestar os “dos outros”. Espero que o jornal lhes cobre generosamente o recreio, o desporto radical, porque se a administração do diário - que de referência já não tem nada, mas de indigência tem quase tudo-, então a administração ainda é mais patega que os colunistas e mais lorpa que ela só mesmo os infelizes que desembolsam dinheiro por um tal desperdício de papel. Está bem que a maior parte das pessoas apenas o compra por causa dos anúncios, mas mesmo assim...
«Dizer umas asneirolas de cerveja numa mão e a piza encomendada na outra...»
-Já todos tínhamos percebido que este bestunto, à falta duma merecida sachola, mantinha invariavelmente as mãos ocupadas com outras coisas e escrevia os seus artigos com os pés. Os detalhes sórdidos do malabarismo, não obstante, eram, de todo, desnecessários. São certamente habilidades dignas de um circo Chen qualquer, mas nada abonatórias de um pretenso escriba-a-dias. Além de que fomenta a nossa percepção, tanto ou mais do que a nossa suspeita, de estarmos diante dum quadrúpede eventualmente amestrado, ou, o que ainda é mais inquietante, dum molusco octópode cuja proveniência extraterrena é de ponderar. Eles escrevem... Este, pelo menos, tenta.
«É um programa um bocadinho primitivo?»
- De modo nenhum. Os primitivos, nossos venerandos ancestrais –nossos, note bem, não seus -, dispensam olimpicamente os seus menoscabos. Não fossem eles e não estaríamos nós aqui hoje. Além de que não consta, está mesmo fora de hipótese, que os primitivos jogassem à bola e, ainda menos, que se babassem, em delírio pacóvio, defronte de tão repetitivo espectáculo. O futebol, rezam as crónicas, foi inventado em Inglaterra, não haverá mais de dois séculos. Por conseguinte, a futebolosa mania - a grunha compulsão para espreitar marmanjões em calções aos chutos num pedaço de ar forrado a cauchu e couro -, não tem nada de primitiva. Pelo contrário, é fenómeno típico dos tempos modernos, das eras industriais. O que até a lógica atestaria, caso um Zé Chimpo destes (e as manadas congéneres que infestam o território) toscasse minimamente o que é a lógica: Um desporto de massas só é possível a partir do momento em que existam as massas. Os primitivos, mesmo os trogloditas lendários, tinham coisas mais sérias e essenciais com que gastar o seu tempo. Manterem-se vivos era uma delas. Conseguir fêmea em tempo útil, de modo a reproduzirem-se, era outra. Aliás, como meta principal das suas ocupações figurava o tentarem esforçadamente distinguir-se dos chimpanzés e não, como o hooliganesco articulista recomenda, o regredirem neles com gana permanente, denodo sempre-viçoso e uma veemência a raiar o frenesim.
« Pois é, mas já agora deixem-me também socorrer-me da minha cauçãozinha intelectual...»
- Isso, caro símio vagamente alfabetizado, temo bem, já exorbita as competências de qualquer instância. Tamanho e tão crónico desvio, já não vai lá com cauçãozinha ou, sequer, com cauçãozona. No melhor e mais piedoso dos casos, justificaria uma daquelas pulseiras de localização e a apresentação regular às autoridades. Ou neurolépticos dos fortes, em doses maciças, pela goela abaixo, com internamento compulsivo durante as crises mais agudas. Sem nunca esquecer, é claro, um açaime e trela reforçada sempre que trotasse na via pública. Decerto não me enganarei muito se presumir que, nos intervalos de emborcar cervejolas e assolar pizzas de anchova, o caro aspirante a cro-magnon desça aos povoados, soltando urros e arrotos, disposto a sabe Deus que vandalismos e implicâncias.
« Mas porque haveríamos de querer ultrapassar o primitivo em nós?»
- Realmente, caro Pan-Zé. Tomara a vosselência alcançá-lo, ao primitivo - quanto mais não fosse na postura erecta! Ora, se não o alcança como poderia ultrapassá-lo? É, portanto, um risco que jamais corre e uma experiência que, creio bem, lhe permaneça interdita pela vida fora. Há todo um processo evolutivo que, dado o estágio recém-reptiliano onde ainda se encontra, se adivinha lento, penoso e complicado. Passar-se-ão ainda alguns séculos, por certo; os seus descendentes terão ainda que desenvolver, com base nessa sua gelatina mental embrionária, um cérebro. Autêntico trabalho de Hércules, o que os espera, coitados, mas tenhamos fé.
« Vem aí a bola? Sejamos primitivos.»
- Isso, para si, naturalmente, deve ser muito excitante. Compreende-se. Mas para nós (impossível fazer-lhe entender), não. É que (caso o equipasse a faculdade de entendimento decerto avaliaria sem dificuldade de monta) o que para si constituiria uma promoção, para nós, lastimavelmente, mais não estadearia que um vergonhoso retrocesso.


Porém, agora reparo, o mais fascinante é o título com que este primata antropóide condecora, em rodapé pomposo, a fronha nitidamente patibular que serve de espanta-pardais ao asneário: “professor universitário”...
Dá para fazer uma pequena ideia do que penarão os desgraçados alunos dum tal gorila maguila.
Eu, com franqueza, já estou por tudo. Aos professores universitários, e outros, já nem peço competência, sequer sabedoria; contentar-me-ia -corrijo: prostrar-me-ia deslumbrado, louvando a Deus - com um resquício de pudor.

PS: Questões gramaticais do primor de um "mas já agora deixem-me também socorrer-me" escapam à minha órbita. Estão mais ao nível do mestre-escola. É algo que, espero bem, o sempre atento Hommo-prontuarius não deixe passar impune.


(E agora vamos ao pitéu, que já cheira. É deveras pacata, mas salutar, a vida de um eremita.)

quinta-feira, junho 01, 2006

De Nietzsche, sobre os blogues

Basta substituir onde se lê "crítico" por "comentador", e "crítica" por "comentário". Onde aparece "história" também se pode substituir por "currículo" ou "notoriedade". E onde diz "historiador", naturalmente, "entendam "comentador". Vão ver que faz todo o sentido e é de uma grande actualidade.

«Aconteça o que acontecer no campo da acção, o filisteu ilustrado, esvaziado interiormente pela cultura, despreza a obra e informa-se sobre a história do autor. Se já produziu algo anteriormente, é imperioso explicarem-lhe imediatamente os antecedentes e o futuro provável da sua evolução. Comparam-no com outros, dissecam-no, interrogam-no sobre a escolha do tema, sobre o modo de o tratar, desarticulam-no para o reconstruir sabiamente, censuram-no, corrigem-no. Por mais surpreendente que o acontecimento seja, aparece logo um bando de historiadores (ou comentadores) para considerarem o autor segundo uma perspectiva longínqua. Há ecos imediatos também sob a forma de "crítica", quando pouco tempo antes a crítica não tinha sequer sonhado tal possibilidade. Não resulta daí qualquer efeito, mas sempre uma nova crítica, e esta crítica, por sua vez, também não produz efeito, mas constitui o objecto de uma outra crítica. Todos concordam em considerar que ter muitas críticas é um sucesso e que ter poucas ou não ter críticas é um fracasso. Mas, no fundo, mesmo quanto ao efeito produzido, nada mudou: glosa-se por momentos uma novidade, depois outra, e tudo continua como dantes. A crítica histórica não permite que uma obra possa ter acção, no sentido próprio da palavra, isto é, agir sobre a vida e a acção. Sobre a tinta mais negra aplicam imediatamente o seu mata-borrão. Borram com grossas pinceladas o mais gracioso dos desenhos, fazendo-as passar por correcções. E tudo fica por aí. A sua pena crítica nunca desarma, porque já não são senhores dela, é ela que os conduz. Este excesso de efusões críticas, esta falta de autodomínio, aquilo a que os romanos chamavam a impotentia, tudo isso exprime a debilidade da pessoa moderna.»

-Nietzsche, "Da Utilidade e dos Incomnvenientes da História para a Vida"

Que conclusão podemos retirar disto?
- De que os blogues são sítios mal frequentados? Sim, de facto, salta à vista. Mas não mais do que a História. Assim, por exemplo, quando certos açougueiros do conceito assinam "historiador", entendam como um eufemismo de "bloguista". Ou seja, como dizer "amigo do alheio" em vez de "larápio". Nem mais.