terça-feira, setembro 20, 2022

Da Pedagogia à Demagogia (rep)

 


Olhem, ó leitores, (isto sou eu a armar ao importante), mas o que é facto é que isto me dá um certo trabalho e eu, para não variar, toco mil instrumentos ao mesmo tempo (traduzindo: faço ene coisas de empreitada, e isto é no modo normal) ... Portanto, enquanto não descarrego o próximo capítulo, ainda na Grécia e versando sobremaneira Aristófanes, não perdem nada se forem desentorpecendo as meninges com a reposição que se segue (que é 2 em 1: tem um link para-trásmente sobre o sobredito Aristófanes e ainda, de bónus, um lampejo de Tácito). Ambos muito úteis ao que posteriormente virá. Ora fazem o favor de rilhar   ir rilhando...

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Por alturas da decadência grega, ficou-nos de Aristófanes uma das suas mais célebres comédias - "As Nuvens" -, onde se aponta à nova pedagogia (a dos sofistas), a responsabilidade pela ruína moral e, implicitamente, política de Atenas. Sobre este assunto, já aqui publiquei em tempos um postal, cuja leitura recomendo e me dispensa agora de mais elucubrações.


Todavia, o que é extremamente curioso é verificar como na Roma do tempo de Tácito, transparece exactamente o mesmo quadro:

«Dantes, efectivamente, cada filho que se tinha, nascido de mãe casta, era educado, não no quartinho de uma ama comprada, mas no seio e dolo de sua mãe, cuja glória principal era a de governar a casa e servir a seus filhos. Por outro lado, escolhia-se uma parente algum tanto mais idosa, a cuja moral, experimentada e conhecida, se confiava toda a prole de uma mesma casa; diante dela não era permitido nem dizer o que se considerava desonesto fazer. Regulava ela, com uma certa seriedade e pudor, não somente as ocupações e as obrigações, mas até os receios e os brinquedos dos meninos. (...)
Agora, porém, a criança. quando nasce, é entregue a qualquer criadinha grega, à qual se juntam um ou dois dos escravos, quaisquer deles, na maior parte das vezes ordinaríssimos e impróprios para serviços sérios. Das suas histórias e erros se impregnam os verdes, tenros, inexpertos anos; não há ninguém em toda a casa que se preocupe com o que diz ou faz diante do menino seu senhor. nem os próprios pais educam os pequeninos para a decência e a modéstia, mas sim para a ligeireza e a mordacidade, e por aí gradualmente se introduzem a impudência e o desprezo de si mesmo e dos outros. Parece-me até que os vícios próprios e peculiares desta Cidade, o gosto de histriões e o entusiamo por gladiadores e cavalos, se concebem quase no útero materno. Ocupado e obcecado por eles, que poucochinho de espaço deixará o espírito para as actividades sadias? Quantos e quais se encontrarão que falem de outra coisa em casa? Que outros discursos de adolescentes ouvimos nós quando entramos nos auditórios? Nem os próprios professores têm com os seus ouvintes assuntos de conversa que prefiram a estes; atraem os discípulos, não pela severidade da disciplina, não pela experiência do talento, mas pela solicitude nos cumprimentos e pelas atracções da lisonja.»
(Tácito, in "Diálogo dos Oradores")

Mas mais interessante ainda é constatar como esta mesma contraposição pode ser detectada e denunciada no nosso próprio Portugal pré e pós Ovulação de Abril. A descrição de Tácito cai mesmo que nem químico naquilo que poderia ser dito acerca do nosso caso. Ora, se em dois mil anos se realiza um prodígio destes, anda onde a evolução? Ao mero nível do equipamento, decerto (dos Ipodes, Iphones, tablets e outros gadgets que tais). Porque o cabrão do macaco, esse, continua o ogre de sempre. Não está melhor; está apenas mais perigoso.


Acrescentarei que o que define, por regra, a modernidade - nas suas sucessivas eclosões temporais: da Grécia antiga ao nosso tempo, passando por Roma e pelo renascimento medieval (das universidades, pois é) - consiste na substituição duma genuína pedagogia por uma falsa-pedagogia, isto é, a transformação da pedagogia numa demagogia. Ou dito ainda noutros moldes, o abandono duma cultura de princípios por uma estreita, cega e desenraizada obsessão de fins. E não aconteceu, por florescimento maravilhoso, com Descartes, Galileu e Copérnico, como tanto gostam de nos impingir os psico-magarefes de serviço. Tem acontecido, ciclicamente, ao longo da história, com o episódio mais remoto que se conhece a ocidente datando do tempo da sofística grega. E sabemos de ciência certa que assim tem acontecido porque, precisamente, os moldes se repetem.

4 comentários:

Vivendi disse...

A história é cíclica, sempre foi.

muja disse...

Ou, dito em ainda mais outros moldes, o abandono de uma cultura de princípios por uma vã-guarda de "valores"?...

Lá fui rilhar os pretéritos e naquele das Arqueologias lá estava uma coisa que nunca mais esqueci, apesar de já não me lembrar de mais nada do postal: a sofistica(ção).

Anónimo disse...

" O hábito é o grande guia da vida " , dizia o Hume mas o Aristóteles desconcerta : não há nada de novo debaixo do sol . Para quando , dragão , um pequeno ensaio sobre a mediocridade humana ? (

Anónimo disse...

Não concluí , para resumo do que nos querem pôr na mesa : "A verdade está no mundo que nos rodeia " . Ponto final e parágrafo .