sexta-feira, julho 10, 2015

O Medo

«Mas entendi que não devia, por causa do perigo, proceder de maneira indigna dum homem livre e, por isso, não me arrependo da defesa que apresentei.
Prefiro morrer depois de semelhante apologia a viver por um preço desses! Nem no tribunal nem na guerra é lícito a alguém, a mim ou a outra pessoa, recorrer a todos os meios para escapar à morte. Efectivamente, todos sabem que é muitas vezes fácil evitar a morte em combate, lançando fora as armas e dirigindo súplicas aos perseguidores. Da mesma maneira, em todos os outros perigos, há muitos processos de uma pessoa escapar à morte, desde que esteja resolvida a fazer e a dizer tudo. Talvez não seja, por isso, difícil, Atenienses, evitar a morte, muito mais difícil é conseguir não praticar o mal. E o mal persegue-nos mais rápido do que a morte. Assim se compreende que, lento e velho como sou, me tenha deixado apanhar pelo mais lento destes corredores, ao passo que os meus acusadores, que são fortes e ágeis, se deixaram apanhar pelo mais rápido, que é o mal. Vamos, pois, sair daqui, eu, condenado por vós à morte, eles, condenados pela verdade à infãmia e à injustiça. Pela minha parte aceito a minha pena, tal como eles aceitam a deles. certamente era preciso que as coisas se passassem assim e eu creio que tudo está certo.»
- Platão, "Apologia de Sócrates"

Uma lição de milénios: viver a qualquer preço define a mentalidade de escravo. Aterrasse Sócrates, o genuíno, nos dias de hoje e pasmaria com a quantidade de medos e medinhos com que se formatam os escravos: medo à pobreza, medo ao desemprego, medo às finanças, medo aos esbirros da mais variada ordem, medo à velhice, etc, etc.
Perguntava-me um leitor aqui há dias, entre outras questões cabeludíssimas, se eu cria numa luta cósmica entre duas entidades - o Bem e o Mal... 
Penso que é conceder ao mal uma dignidade maiúscula que ele não merece. Platão taxava-o de privação. O mal não ultrapassaria, segundo ele, a ausência do Bem (a treva é a ausência de luz). A igreja, a partir de Santo Agostinho (que era um platónico contaminado pelo maniqueísmo) também. Aristóteles nunca foi muito por aí. Depois de S. Tomás, a Igreja equilibrou-se mais entre ambos. 
A minha posição pessoal sobre o assunto é irrelevante. E exigiria alguma explicação mais detalhada. Por agora limito-me a uma das poucas certezas que alcancei sobre o assunto: da dimensão do mal não sei, apenas sei de alguns dos acessos por onde ele se infiltra na alma humana. E um deles, senão o principal, é o medo.
Não é  por acaso que constitui o principal ingrediente da propaganda actual.

4 comentários:

Euro2cent disse...

Já que estou numa de dar caneladas em vacas sagradas dos republicanos, posso acrescentar que o Socrates (o casado com a Xantipa, não o dos fatinhos no Bijan), não leva metade das que merece.

Estupor era pior que o mais venal dos sofistas que ganhavam honestamente a vida a ensinar retórica a políticos democratas. Só a maneira tinhosa como levava água ao seu moinho ("e não achas que ...") era caso para lhe porem piri-piri na cicuta.

Ricciardi disse...

Sócrates, o medo e a morte. Decidiu não ter medo da morte. Não trocou a verdade pela vida. Um homem verdadeiramente livre. E liberto. Uma decisão individual cujas consequências só a ele próprio se fariam sentir.
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Se tivesse, porém, a cargo as vidas dos atenienses qual teria sido a decisão de Sócrates?
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Rb

dragão disse...

Pode colocar essa mesma questão a Jesus Cristo.

Ricciardi disse...

Já a coloquei, em sonhos, c'a minha alma viaja largo e tem acesso a Pessoas importantes.

Lucifer, ao contrário do que se pensa, tem uma vontade firme e ilimitada em viver no Paraíso. Ele adora e anseia pelo paraíso.
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Sim, ele quis o Paraíso que Deus construiu. Mas também não gostou nada da ideia de se submeter a um Homem feito Verbo.
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Usou várias formas ardilosas para comandar o paraíso. Mas Deus antecipou-se e castigou-o, lançando-o violentamente para o abismo, fazendo-o sofrer as agruras das acções cometidas em todos os círculos do inferno (aglieri dixit).
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Do Abismo, Lucifer pretende agora usar os métodos que Deus usou para a efectuar a Criação no sentido de retornar ao paraíso e conquista-lo finalmente.
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Deus fez-se Carne, há uns tempos, para entrar no Inferno. Naquele local só pode entrar quem encarnou. Jesus sofreu na Carne as agruras da vida e, na cruz, a consumação do objectivo, com o fim de ir parar ao inferno de onde resgatou algumas das almas virtuosas, abrindo a porta para que os seres humanos de boa índole pudessem elevar-se aos Céus.
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Jesus representa a libertação do jugo onde Lucifer fez perorar todas as almas desde que caiu. Foi a Chave para abrir a fechadura ardilosamente feita por Lucifer, pelo que, a partir dessa altura, a passagem dos infernos para os céus processa-se por méritos, automaticamente após estágio no primeiro círculo dos infernos. Antes de Jesus não havia acesso ao paraíso, portanto., porque Lucifer tinha bloqueado o sistema de ascensão.
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Jesus morreu mesmo por nós. Eu pensava que eram babelas. Mas depois do sonho mudei de ideias. Sócrates, porém, não tinha esta responsabilidade nem a nossa vida (eterna) dependia da morte dele.
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Rb