Tão pouco a Natureza revela uma harmonia perfeita: catástrofes naturais acontecem; desregramentos ocorrem; um longo e moroso processo de escultura tem vindo a decorrer diante dos nossos olhos. Os ventos, os mares, as neves, os vulcões, os calores abrasadores, as chuvas, continuam a caçar-nos. Na nossa ânsia de defesa e fortificação, desvio e domesticação, muitas das vezes já causamos piores males, mais gravosos desastres, piores desequilíbrios que os originais. Não sabemos qual é realmente o nosso papel neste concerto planetário, mas constatamos que longe de melhorarmos a harmonia sinfónica, contribuímos, isso sim, com doses maciças de cacofonia espectacular. Em vez, pois, de talhar mais parece que metemos às cegas, às doidas, por atalhos, atalhamos e retalhamos sem entender muito bem nem onde estamos, nem para onde vamos e, muito menos, que raio andamos ali a fazer. Barricamo-nos em ilusões, insuflamo-nos, feitos pavões, de próteses e técnicas, mas a insignificância não passa, a ninharia à deriva no universo continua a assombra-nos. A efemeridade não nos larga, a corrupção rói noite e dia, a morte não descansa. Depois de tanto trabalho, experiência e carnificina não só não nos curámos dessa mórbida efemeridade como contaminámos todo o universo com ela: até os deuses se tornaram efémeros, passageiros, voláteis; e as estrelas desataram a envelhecer e a morrer pelos céus. Mesmo esse grandiloquente universo, campo da nossa convulsiva prosápia, é ele a vitrina da nossa conquista ou da nossa doença? Um monumento à ciência ou ao desespero? Talvez nos tenhamos vingado do nosso defeito, cobrado com juros a nossa aleijadela congénita, mas também é certo que nunca deixámos de claudicar. No fim, tudo somado, seremos nós a testemunha da harmonia da Fysis e do Cosmos, ou a prova viva e material do seu desequílibrio?
Terá sido esse stress impiedoso, essa exasperação amarga e insanável de nos pressentirmos à mercê dos caprichos da sorte e de poderes imperscrutáveis e insensíveis, que nos lançou na descrença, no desânimo, no frenesim sádico, macabro e rilhafolesco? Como quem, pela materialização alucinada, se tentasse ver livre dos fantasmas que lhe aterrorizam o espírito. E, todavia, esse stress, os gregos antigos não o padeciam, nem os índios Sioux, nem a minoria de cristãos medievais sinceramente crentes, entre muitos outros. Então, quando é que nós, e como é que nós, ocidentais, vislumbrámos um universo de acaso e violência gratuita, no qual vagamos entregues a nós próprios, como funâmbulos ébrios sobre arames suspensos entre o abismo e o pesadelo?
Terá sido esse stress impiedoso, essa exasperação amarga e insanável de nos pressentirmos à mercê dos caprichos da sorte e de poderes imperscrutáveis e insensíveis, que nos lançou na descrença, no desânimo, no frenesim sádico, macabro e rilhafolesco? Como quem, pela materialização alucinada, se tentasse ver livre dos fantasmas que lhe aterrorizam o espírito. E, todavia, esse stress, os gregos antigos não o padeciam, nem os índios Sioux, nem a minoria de cristãos medievais sinceramente crentes, entre muitos outros. Então, quando é que nós, e como é que nós, ocidentais, vislumbrámos um universo de acaso e violência gratuita, no qual vagamos entregues a nós próprios, como funâmbulos ébrios sobre arames suspensos entre o abismo e o pesadelo?