«Entre os chefes piratas, acontece estar presente uma reflexão social mais elaborada e por vezes bastante vigorosa. Bellamy, também um homem das Antilhas, fornece o exemplo mais impressionante. Este homem está obcecado com a injustiça que rege a sociedade mas, ao contrário de Misson, não retira disso reflexões metafísicas; ao contrário de Lenine, não conclui que há que reformar as estruturas do Estado. Bellamy é um pessimista. Considera que os homens são mesmo assim e que a exploração dos fracos nunca terá fim. Então a única saída é criar, à margem da sociedade, uma sociedade paralela onde o explorador e o explorado trocam de papéis. Diz essas coisas em discursos que não estariam deslocados na tribuna do Parlamento, embora a sua linguagem seja simultaneamente mais brilhante e mais autêntica que a dos homens políticos do nosso tempo.
"Que Deus vos amaldiçoe"; diz Bellamy a um capitão que se queixava de ter sido assaltado, "sois um cão abjecto como todos os que aceitam ser governados pelas leis que os ricos fizeram para sua própria segurança; porque esses cãezinhos covardes não têm coragem de defender de outra maneira o que ganharam graças à sua pulhice. Mas, danai-vos todos! Eles como um bando de astuciosos tratantes que são e vós, que os servis, como um bando de desmiolados com coração de galinha. Eles vilipendiam-nos, esses canalhas, ainda que entre eles e nós só haja uma diferença: eles roubam os pobres a coberto da lei, sim, meu Deus, enquanto nós pilhamos os ricos apenas protegidos pela nossa coragem. Não faríeis melhor se vos tornásseis um dos nossos, em vez de rastejardes atrás desses celerados por um emprego?" Após esta análise político-social, Bellamy cede ao lirismo. A Bakunine sucede agora Nietzsche: "Quanto a mim, sou um príncipe livre e tenho tanta autoridade para fazer a guerra ao mundo inteiro como se tivesse cem barcos no mar ou cem mil homens em campanha, é o que me diz a minha consciência. Mas não serve de nada discutir ncom tais cachorros ranhosos que permitem aos superiores andar aos pontapés pela coberta fora, todos bêbedos, e que confiam a sua fé a um pastor alcoviteiro, um lorpa que não acredita nem pratica nada do que mete nas cabeças ridículas dos ignorantes a quem prega."
Convir-se-á que este Bellamy tem o dom da palavra; teria dado um perigosos tribuno. No soberbo lirismo que o empolga -e sobretudo a orgulhosa apóstrofe: "Quanto a mim, sou um príncipe livre" - ecoam estranhamente os gritos que outros revoltados lançaram de século para século. "Quem ignora", interroga Cervantes, "que os cavaleiros andantes estão isentos de toda a justiça e que a sua lei é a espada, o seu direito a coragem, e as suas ordens as únicas vontades? Qual o cavaleiro andante que alguma vez pagou talha, gabela, direito de núpcias da rainha, moeda foral, porto, peagem ou passagem? Qual o alfaiate que de alguma forma o obrigou a pagar o fato que lhe fez?"»
- Gilles Lapouge , "Os Piratas" (trad. port. da Antígona)
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